A Nossa Secessão escrita por Bela Escritora


Capítulo 4
Percy Jackson: Sem querer me alisto no exército da União


Notas iniciais do capítulo

E estou de volta!

Atrasada, mas de volta!

Desculpem não ter postado sexta-feira! Eu tive que ir no médico e quando eu voltei, resolvi maratonar Luke Cage pra poder assistir Defensores (que eu maratonei no sábado by the way) e só fui lembrar que tinha capítulo novo para postar ontem de madrugada, quando estava indo dormir.

Como eu disse: Tenho memória de peixinho dourado.

Enfim. Aqui está o novo capítulo! E estamos de volta com Percy, que fez aniversário na sexta! Parabéns Cabeça de Alga! Esse é o meu presente pra você!

Chega de enrolação. Espero que vocês gostem!

Boa leitura a todos!



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3 de Julho de 1863:

Annabeth me guiou para uma tenda branca erguida no centro de um círculo de outras tendas coloridas. Ainda estava confuso com a sua fala. Que raios de comentário fora aquele?! E a minha confusão não melhorou nem um pouquinho depois que chegamos ao nosso destino. Eu não sabia o que esperava encontrar lá dentro, mas com certeza um centauro estava completamente fora das minhas expectativas. Da cintura para cima, ele era um homem normal, provavelmente na casa dos cinquenta anos e com os cabelos já começando a ficar grisalhos. Da cintura para baixo, porém, ele era um cavalo branco. Depois de ver isso, eu simplesmente estaquei na entrada, agarrado ao meu chifre-berrante como se ele fosse algum amuleto protetor. Annabeth me olhou preocupada, mas não disse nada. Em vez disso, preferiu se adereçar ao centauro.

— Quíron? - ela chamou e o homem ergueu os olhos castanhos de uma série de mapas para encará-la - Trouxe Percy para falar com você.

O centauro se virou para me olhar e seu rosto se abriu em um sorriso paternal que, curiosamente, não serviu para me acalmar.

— Ah, Percy Jackson. - ele falou, andando de forma desengonçada pelo ambiente apertado que com certeza não fora pensado para comportar um homem com um traseiro equino - É muito bom te ver bem. Por favor, sente-se. Temos muitas coisas para conversar. - ele me indicou uma cadeira e eu, relutante, me dirigi para ela. Enquanto eu me sentava, ele se virou para Annabeth com o mesmo sorriso gentil que dirigira para mim - Muito obrigado, Annabeth. Tente descansar um pouco agora. A sua última missão foi muito desgastante.

Ela assentiu e, me lançando um último olhar enigmático, deixou a tenda. Quíron esperou ela sair para se deitar com a barriga de cavalo no chão, de forma que ficasse mais ou menos da minha altura sentado.

— Como está se sentindo? - ele perguntou com um legítimo tom de preocupação na voz.

— Bem... Eu acho... - resmunguei ainda sem ter certeza de que o que eu estava vendo era real. Talvez eu estivesse começando a ficar maluco por causa do excesso de sol e peso do trabalho nas docas. Alucinações definitivamente eram um sinal de loucura, assim como ouvir vozes quando se falava com animais.

— Você parece um pouco confuso, Percy. - ele falou com o mesmo jeito paternal com o qual se dirigira para Annabeth - Por que não me conta o que o está incomodando?

Fiquei um tempo olhando para ele sem saber exatamente o que fazer ou falar. Ele realmente queria saber o que estava me incomodando? Será que ele não sabia que era metade cavalo da cintura para baixo? Engolindo em seco, resolvi arriscar a minha sorte.

— Você... Você é... - comecei, mas a palavra parecia travar na minha boca.

— Um centauro? - Quíron completou por mim - Sim, Percy, eu sou. Você não está alucinando, assim como não estava quando matou o Minotauro ou quando controlou a água daquele rio.

Pisquei, sem realmente levar a sério o que ele dizia.

— Tá... - falei sem confiança - E eu também não estava alucinando quando conversei com aquele cavalo alado.

— Duvido muito que esse seja o caso, considerando quem é o seu pai. - ele respondeu sem perceber que eu estava sendo irônico.

— Meu... pai? - perguntei mais confuso ainda - O que ele tem a ver com tudo isso?

Quíron suspirou.

— Sally não te contou, não é mesmo? - ele disse.

— Me contou o quê? - perguntei de novo e, de repente me dei conta de algo - Onde está a minha mãe?

— Uma coisa de cada vez, Percy. - o centauro pediu - Eu prometo que vou abordar esse assunto com você, mas antes eu preciso que você saiba a verdade.

— Que verdade?! - nada mais fazia sentido ali. Como alguém podia estar falando em verdade?

— Sobre quem é seu pai. E sobre quem você é.

Me mexi na cadeira, desconfortável.

— Quem eu sou? - murmurei para mim mesmo - Eu sou o filho bastardo da minha mãe com um marinheiro. - respondi - Ninguém especial.

Quíron deixou escapar uma risada fraca.

— Pelo contrário, Percy. - ele falou com calma - Você é muito especial. Ou você acha que os romanos teriam se mobilizado para ir até a sua casa se você fosse um Zé Ninguém?

Romanos. Annabeth já tinha usado esse termo antes para se referir aos soldados que nos atacaram. Eles definitivamente não pareciam fazer parte das linhas da Confederação, apesar de usarem seu uniforme. Mas dizer que eles eram romanos só por causa disso? Não fazia sentido nenhum! Não havia romanos nos Estados Unidos!

— E muito da sua importância você deve ao seu pai. - ele prosseguiu.

— Meu pai? - perguntei descrente - O que um marinheiro poderia ter de tão especial?

— Percy, seu pai é alguém muito mais importante do que um simples marinheiro. - Quíron respondeu sério.

— Um almirante então? - arrisquei.

Quíron riu.

— Um deus, Percy. Seu pai é Poseidon, o deus grego dos mares.

Olhei para ele, completamente sem reação.

— E você espera que eu acredite nisso? - perguntei.

— Bom... Você está sentado diante de um centauro com mais de mil anos e você lutou e venceu um dos monstros mais aterrorizantes e perigosos do mundo grego ontem. - continuei olhando para ele com cara de incredulidade, o que o fez fechar os olhos e respirar fundo, como se buscasse dentro de si uma forma melhor de me fazer acreditar no que ele dizia - Sei que essa não é a forma mais usual de reclamar um semideus. - ele falou finalmente, sua voz denunciando um leve desconforto - Geralmente isso é feito pelo próprio progenitor divino, mas, em tempos de crise como o que estamos vivenciando agora...

— Você não pode simplesmente esperar que eu acredite nessa história toda! - falei ficando de pé e passando as mãos pelos cabelos de forma nervosa - Tem que ter uma explicação mais racional para isso!

— E qual seria essa explicação, Percy? - perguntou Quíron com severidade - Que nós colocamos alucinógenos na sua comida? Ou que você está em alguma espécie de sonho febril depois de uma pancada muito forte na cabeça?

— Sim!

— Olhe para cima, Percy. - ele pediu com gentileza e, hesitante, eu obedeci.

Uma luz verde em formato de tridente brilhava logo acima da minha cabeça. Ao olhar para ela eu senti um calafrio descer pela minha espinha, como se aquele sinal fosse um mau agouro do que estava por vir. Como se ele selasse o meu destino em um mundo que eu realmente não tinha a menor vontade de fazer parte.

— Isso é só... mais uma alucinação. Não prova... Não prova nada. - falei, mas minha voz estava fraca, denunciando a minha própria falta de confiança no que dizia. Tenho que admitir que devia estar parecendo um pouco idiota, com os cabelos despenteados, a roupa amarfanhada e a cara de louco, apontando para uma luz brilhante flutuando bem em cima da minha cabeça.

— Você sabe que não é. - o centauro ficou de pé e cruzou os braços enquanto me olhava com um certo ar de pena. Ficamos os dois em silêncio, observando a luz se apagar lentamente, até não restar nada. Assim que o último resquício do símbolo desapareceu, ele deixou escapar um suspiro - Sua mãe sabia dos riscos de manter você afastado desse mundo por tanto tempo, mas ela fez tudo isso para te proteger.

— Onde ela está? - perguntei de repente, desesperado para mudar de assunto. Não queria mais saber daquele mundo maluco, daquele centauro pirado, de deuses gregos, de soldados romanos e muito menos de luzes verdes em formato de tridente!

— Percy...

— Onde a minha mãe está, Quíron? - perguntei novamente, começando a soar desesperado. Não me importava que o cara na minha frente era quase o dobro da minha altura e metade cavalo. Eu precisava daquela resposta. Nunca ia me perdoar se algo acontecesse a minha mãe por minha causa. Aqueles malucos que nos sequestraram queriam a mim, e não a ela. E eles deixaram isso bem claro ao me perseguirem até o rio.

Vendo que eu não aceitaria mudar de assunto dessa vez, o centauro cedeu com um suspiro.

— Ela foi capturada pelos romanos. - ele respondeu com pesar e eu me deixei cair sobre a cadeira, com a testa apoiada nas mãos - Tentamos resgatá-la, mas perdemos o rastro quando eles trocaram a carroça por águias.

— Para onde ela foi levada? - consegui murmurar com um fiapo de voz, relevando a última parte da fala dele.

— Não tenho certeza. Mas provavelmente será levada para o acampamento principal, em Charleston, Carolina do Sul.

— Eu vou atrás dela. - falei determinado, ficando de pé e me encaminhando para a saída.

— Não, você não vai. - Quíron me interceptou, colocando seu corpo de cavalo no meio do caminho e indicando que eu voltasse a me sentar - Sei que você quer a sua mãe de volta e eu te garanto que haverá uma missão para resgatá-la. Mas você não está em condições de fazer isso agora, muito menos sozinho.

Bufei e me joguei na cadeira novamente.

— O que você precisa agora é de descanso. - ele prosseguiu pegando alguma coisa sobre a mesa - Depois do que você passou, é importante que recupere as suas forças. - ele me entregou um pedaço de papel lacrado com cera, onde se via o sinete de um cavalo alado com um Q logo abaixo - Você ficará alocado na barraca dos mensageiros enquanto não arrumamos um lugar adequado para você. Quando chegar lá, entregue isso para os irmãos Travis e Connor Stoll. Eles são fáceis de reconhecer.

— E quanto à minha mãe? - perguntei.

— Nós vamos resgatá-la. - Quíron falou com voz solene - Eu prometo.

— Mas quando?

A expressão dele vacilou por um momento.

— Assim que tivermos os suprimentos necessários. - sua voz soava firme, mas não me convenceu. A resposta era vaga de mais.

— Mas quando vai ser isso? - insisti mais uma vez.

O centauro bateu com o casco no chão em um misto de impaciência e nervosismo.

— Percy, você precisa descansar. Foi uma longa viagem até aqui e muita coisa aconteceu. Amanhã, conversaremos sobre isso.

Contive um bufo de irritação e me levantei. Quíron não se opôs quando eu me dirigi para a saída. Ficou olhando para o chão de grama pisada com os braços cruzados, provavelmente refletindo como a nossa conversa poderia ter ido melhor. Parte de mim se sentiu culpada. Era bem capaz que ele achasse que tinha falado alguma coisa errada que ativara a minha raiva, o que não era bem verdade. Se em dias normais eu já era uma pessoa difícil de lidar, imagine depois de toda a esquisitice que tinha acontecido comigo nos últimos dois dias? Mas essa parte estava nublada por aquela que no momento estava se roendo de preocupação com a minha mãe e fervilhando de raiva e confusão. Eu só me daria conta desse sentimento de culpa, horas mais tarde, quando eu estivesse deitado em uma cama improvisada, me preparando para ir dormir.

— Como eu chego nessa barraca dos mensageiros? - perguntei, parando à porta, com uma mão afastando a lona que cobria a entrada, permitindo que um vento frio soprasse pelo interior da tenda.

— É a segunda à esquerda. - ele respondeu em um tom distante, sem se virar para mim.

Assenti e sai para a noite fria. Vários adolescentes se reuniam ao redor de fogueiras, conversando e tocando música, mas foram interrompidos pelos berros de uma garota grande em uniforme de general que ordenava que o fogo fosse apagado antes que os romanos atacassem o acampamento. Com resmungos de insatisfação, todos obedeceram, e lentamente as luzes trêmulas das chamas foram substituídas por colunas de fumaça que mal eram visíveis contra o céu escuro. Suspirei baixinho. Eu bem que gostaria de poder me aquecer em uma daquelas fogueiras...

Caminhei com passos lentos até a barraca que Quíron indicara. No escuro, eu não conseguia identificar a cor da lona, mas era óbvio que estava muito velha, dado a quantidade de remendos presentes, e que não era lavada com frequência. Só na parte da frente, contei mais de vinte manchas diferentes. Reprimi outro suspiro. Aquela seria a minha nova casa até segunda ordem. De repente me vi preferindo o barraco dos fundos na propriedade do Gabe.

Uma mão tocando meu ombro me arrancou dos meus devaneios. Virei-me apenas para me deparar com a montanha que era a garota que estivera berrando alguns minutos atrás.

— Você deve ser o tal de Percy Jackson que todos estavam procurando. - ela falou em um voz que mais parecia um rosnado de raiva. Seus olhos me percorreram de cima a baixo e ela não pareceu muito impressionada com o que viu - Você não parece tão especial.

— É... Devem ter pego o cara errado. - resmunguei.

A garota agarrou a parte da frente da minha camiseta e me puxou para mais perto, os olhos brilhando de raiva.

— Não brinque com isso, garoto. - ela rosnou - Perdemos bons soldados e amigos indo atrás de você.

Baixei os olhos.

— Sinto muito. - murmurei e me libertei de sua mão - Mas eu não pedi por isso.

Antes que ela tivesse chance de falar qualquer outra coisa, entrei na tenda dos mensageiros. O lugar era uma bagunça. A luz vinha de um estranho disco de bronze que pendia do teto, o chão era uma confusão de esteiras e cobertores e o único braseiro estava sendo usado como vasilha de apostas. Mas não era como se o seu calor fizesse falta. A quantidade de pessoas dentro daquele ambiente apertado já servia para manter a temperatura elevada. Mais de dez adolescentes se distribuíam pelo chão, conversando em um volume alto o suficiente para se tornar incomodo, e eu entranhei não ter percebido o barulho já do lado de fora. Todos os presentes, porém, pararam suas respectivas atividades assim que o vento frio anunciou a minha chegada.

— Ah! Percy! - falou um garoto de cabelos castanhos cacheados e sorriso maldoso se levantando para vir me receber - Annabeth nos avisou que você provavelmente ficaria com a gente. Eu sou Travis.

— Escolha uma esteira desocupada e sinta-se em casa! - falou um segundo garoto, exatamente igual ao primeiro - Sempre tem lugar para mais um semideus desamparado no chalé de Hermes!

Olhei para ele sem entender muito bem o que ele estava falando e entreguei o envelope para o Travis.

— Quíron pediu para eu te entregar isso. - falei.

O garoto pegou a carta da minha mão e quebrou a cera. Ele passou os olhos rápido pelo conteúdo e, quando terminou, deu um assobio curto.

— Connor. - ele chamou, pegando um casaco de uma trouxa sobre uma das esteiras - Temos trabalho a fazer.

O garoto igual a ele bufou, largou alguma coisa no chão e pegou outra de dentro do braseiro. Travis jogou um casaco para ele, que o pegou no ar, e os dois seguiram juntos para a saída.

— Foi bom te conhecer, Percy. - falou Connor - Aproveite a estadia.

E com isso os dois deixaram a tenda. Fiquei ainda um tempo de pé, sem saber exatamente o que fazer, e logo a algazarra de antes da minha chegada recomeçou. Escolhi uma esteira próxima à saída. Eu não ia ficar muito tempo ali. Na verdade eu nem ia passar a noite ali. Já tinha me decidido. Não podia deixar a minha mãe a mercê de um exército inimigo e nem dos interesses de um centauro de meia idade. Quíron parecia um cara legal e eu entendia a preocupação dele, mas a minha mãe era mais importante para mim do que toda aquela história de semideus e romanos.

Sentei no chão e senti toda a exaustão que eu vinha tentando disfarçar desde o momento que eu acordara me invadir de repente. Se eu não tivesse tido aquele pesadelo, tenho certeza de que ainda estaria nocauteado na cama da enfermaria. Fechei os olhos, tentando recordar o que eu vira. As imagens já começavam a desaparecer, mas eu ainda me lembrava dos sons de espadas se chocando, dos gritos de dor e ordem, dos vultos vestidos de armaduras, exibindo todos os seus poderes enquanto, ao fundo, uma montanha se partia em duas com um estrondo de chacoalhar os ossos e fazer bater os dentes. Eu conseguia sentir até agora as vibrações de quando ela se dividira subindo por minhas pernas e ressoando em minha cabeça.

Eu não sabia o que aquele sonho queria dizer, mas só de pensar nele já sentia um calafrio descer pela minha espinha, eriçando cada pelo do meu corpo. E acompanhado dele vinha a mesma sensação de maus presságio que eu tivera quando encarara o tridente de luz sobre a minha cabeça.

O restante das pessoas na tenda não pareceram dar muita bola para mim. Estavam distraídos com algum jogo, e comentavam em alto e bom som as melhores formas de viciar um dado sem que ficasse óbvio. Eu fiquei na minha. Não queria arrumar encrenca no primeiro e último dia que eu pretendia ficar ali. Já bastava a general que parecia não gostar muito de mim. Tentei me distrair com o chifre branco e preto que fora transformado em um berrante por alguém muito habilidoso. Por mais que eu quisesse acreditar que toda aquela história não passava de uma pegadinha ou uma grande alucinação, eu não conseguia evitar que as lembranças da luta - se é que se pode chamar aquilo que eu fiz de luta - voltassem para a minha mente todas as vezes que eu olhava para aquele objeto. Até o cheiro de carne podre parecia inundar as minhas narinas e um leve pânico dominava as minhas entranhas quando eu tinha a impressão de que a enorme mão daquele monstro se fechava envolta do meu tronco.

Passei a mão pela alça de couro que ligava uma extremidade à outra, tentando afastar essas memórias e elas acabaram substituídas pela lembrança do monstro que Sr. Fury se transformara. Eu trabalhara para ele por dois anos inteiros. Será que ele sempre fora aquela coisa? Tudo bem que o cara não era lá dos mais agradáveis e parecia extremamente interessado em transformar a minha vida em uma miséria, mas um morcego careca gigante? Quem algum dia ia cogitar que o chefe que não vai com a sua cara é uma aberração dessas?

Meus dedos tornaram a cair sobre o chifre e, enquanto eu sentia a sua textura polida, percebi um entalhe escondido na parte de baixo. Curioso, virei o objeto para conseguir ler. A inscrição estava em um alfabeto que eu não conhecia e era acompanhada do claro desenho de um tridente. Surpreendentemente, porém, eu conseguia ler o que estava escrito.

Ao segundo herói a derrotar o Minotauro.

Fiquei olhando para aquelas letras, me perguntando incessantemente o que raios estava acontecendo comigo.

———X———

Os meus mais novos companheiros de quarto demoraram a ir dormir, o que significa que eu levei o dobro do tempo para conseguir sair dali.  Eu não tinha muita coisa para arrumar. Na verdade, eu não tinha nada. Peguei um dos cobertores que eles tinham me disponibilizado e o enrolei em uma trouxa. Pensei em levar o berrante comigo, mas desisti da ideia. Eu não ia precisar daquilo, não indo sozinho. Ele ia ser mais útil para aquele exército de adolescentes esquisitos.

Quando deixei a tenda, fui recepcionado pelo vento frio da noite. Uma lua minguante brilhava pouco acima da linha do horizonte, e parecia me olhar com certa reprovação. Encarei-a de volta, com determinação, e deixei a lona da tenda fechar a entrada atrás de mim. A sinfonia de roncos que soava do lado de dentro foi sufocada e o silêncio se estendeu em todas as direções. Eu olhei ao redor, na escuridão completa, sem conseguir distinguir muita coisa. Busquei então a ajuda das estrelas. Desde pequeno eu aprendera a me orientar por elas. Um bom navegador precisa saber achar o seu caminho mesmo durante a noite. E a melhor amiga de um é a Estrela Polar, a mais brilhante da constelação da Ursa Menor. No momento ela brilhava logo a minha frente, indicando o norte como sempre fazia. Para chegar a Charleston teria que mantê-la as minhas costas.

Respirando fundo, contornei a tenda que eu estava e segui o mais silenciosa e cuidadosamente que pude pela encosta. Se tudo desse certo, não demoraria muito para chegar a sua base.

— E é assim que você agradece as pessoas que salvaram a sua vida? - a voz de Annabeth veio do nada e eu tive que suprimir um grito de susto.

Ela se materializou do meu lado com um olhar que deixava muito clara a sua vontade de me dar um murro no meio da cara.

— De onde você veio?! - perguntei com o coração ainda disparado, lutando para manter a voz baixa.

— Estou de olho em você desde que saiu da tenda principal. - ela respondeu cruzando os braços.

— Como você...

— Sabia que você ia fugir? - ela me cortou - Eu sou filha de Atena, Percy. E como estrategista principal, é meu trabalho prever a próxima ação dos outros. E você deixou bem claro qual seria a sua.

— Na verdade eu ia te perguntar como você consegue ficar invisível. - menti, tentando disfarçar meu constrangimento por ter sido pego fazendo algo errado.

Pode ter sido minha imaginação, já que estava escuro de mais para ver qualquer coisa com certeza, mas tive a impressão de que Annabeth ficou vermelha.

— Minha mãe me deu o elmo de invisibilidade dela. - ela respondeu, fazendo pouco caso da informação - Agora, não mude de assunto! O que você estava pensando? Fugir no meio da noite depois de tudo o que passamos para conseguirmos resgatar você?

— Não vou deixar a minha mãe nas mãos dessas pessoas. Só Deus sabe o que eles estão fazendo com ela. - rebati.

— Os deuses têm outras preocupações no momento, Percy. - ela resmungou amarga.

— Não me importo. Eu vou lá resgatá-la.

— Será que você não percebe que é exatamente isso que os romanos querem que você faça?! - Annabeth ciciou em um tom que misturava incredulidade e raiva.

— Então o que você sugere que eu faça?! - estourei, mas ainda lutando para manter a voz em um volume baixo o suficiente para não acordar todo o acampamento - Abandone ela depois de tudo o que ela fez por mim? Depois de tudo que ela teve que aturar com o meu padrasto nojento para que eu tivesse uma cama e comida? Desculpe, Annabeth, mas eu não sou tão sem coração! Minha mãe é tudo o que eu tenho na vida e eu não vou deixar que você, ou um centauro de meia idade ou um exército de gente estranha me impeça de tentar salvá-la.

A general me olhou surpresa e talvez até um pouco acuada, mas eu percebi que ela lutava para manter a pose impassível de quem sabe o que é melhor para você. Arg! Como eu odiava isso! Ela deu um suspiro de resignação e torceu o chapéu de forma nervosa antes de voltar a falar.

— Vamos fazer um acordo então, Percy. - ela soava um pouco derrotada - Eu te ajudo a resgatar a sua mãe e, no meio tempo dos preparativos para a missão, você fica no acampamento. Quando tudo isso acabar, e se você quiser, pode voltar para a sua vida normal.

Arregalei os olhos, surpreso. Aquilo era generosidade de mais para o meu gosto.

— Por que você faria isso? - perguntei meio sem jeito.

— Por que eu prefiro que você esteja com a sua vida normal e em segurança do que na mão dos romanos. - ela respondeu.

— Achei que Quíron...

— Quíron vai entender a necessidade disso. - ela respondeu impaciente - Principalmente depois que você tentar fugir de novo se ele não aceitar o acordo. - a general fez uma pausa e me olhou com expectativa - E então, o que vai ser?

Ponderei brevemente sobre as minhas opções. Muito provavelmente, se eu não aceitasse, seria arrastado de volta para a tenda dos mensageiros, querendo ou não e dessa vez colocariam algum brutamontes para guardar a entrada. Eu podia até tentar fugir agora e sair correndo morro abaixo, mas Annabeth soaria o alarme e eu duvido que conseguiria chegar ao sopé antes de ser capturado. Por outro lado, a ajuda dela seria bem vinda. Com ela me acompanhando seria mais fácil encontrar a minha mãe. Até porque, tenho que admitir, eu não tinha a menor ideia de onde ela podia estar. Além disso tinha a proposta de que eu poderia voltar em paz para a minha vida, e deixar para trás todas aquelas esquisitices. Se bem que algo no meu âmago me dizia que uma vez arrastado para esse mundo, não havia volta, mas eu preferi sufocar esse sentimento com um travesseiro imaginário.

— Tudo bem. - respondi por fim - Aceito a proposta.

Annabeth abriu um sorriso satisfeito.

— Seja bem vindo ao exército da União.


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Notas finais do capítulo

E vocês sejam bem vindos ao fim do capítulo!

Espero que tenham gostado. Se tiverem alguma dúvida, sugestão ou tiverem encontrado algum erro, não sejam tímidos e deixem nos comentários. Eu não vou ignorar vocês.

Por hoje é só pessoal! Nos vemos de novo, se tudo der certo, na sexta que vem!

Até lá!



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