—E então eu me apresentei do mesmo jeito! Os meus pais ficaram furiosos, lógico, mas eu não liguei. Sabia que depois de um tempo eles voltariam a falar comigo. No fundo eu sinto que eles não ligam para a minha felicidade, só querem que eu siga o legado da família –Disse Bianca enquanto almoçava.

—Claro que eles ligam, Bi –Respondeu Priscila sem jeito.

Eu estava bastante aérea durante toda a conversa, mas quando a Bianca começou a falar dos pais dela, eu lembrei imediatamente dos meus. Papi sempre reclamava que eu deixava para estudar na última hora, mas isso nunca me impediu de tirar notas boas.

—Acho que você deve dar mais valor aos seus pais –Disse encarando Bianca –Eles não vão estar sempre aqui.

Bianca deu os ombros e partiu para o próximo assunto. Por um segundo eu pensei que ela ia perguntar como os meus pais eram comigo. Eu não estava preparada para falar sobre o acidente. As horas passaram bem rápido, todas as aulas foram entediantes. Eu estava sem foco para nada. No último tempo, decidi participar da educação física. Precisava descontar a minha raiva em algum lugar.

Durante o jogo de Handball as meninas não passaram a bola para mim de forma alguma. Tive que me virar para conseguir o domínio dela, e quando finalmente consegui, joguei na trave.

Estou enferrujada.

Continuei me esforçando para conseguir pegar a bola. Bianca estava na arquibancada rindo do meu esforço em vão. As meninas eram muito rápidas, e como eu estava bastante enferrujada, não confiavam em mim para fazer o gol da vitória.

Faltava apenas um.

Saí correndo em direção a área do gol do meu time e me joguei na frente da menina do time adversário, assim conseguindo pegar a bola. Joguei para uma menina morena  que saiu correndo em direção ao gol adversário, pulou e jogou a bola no chão.

Ouvi gritos de vitória.

Todas as meninas do meu time se abraçaram e me incluíram no abraço. Fiquei feliz por ter conseguido fazer alguma coisa, mesmo sendo apenas um passe certo.

A professora nos liberou e fui para o meu quarto tomar banho. Bianca perguntou se eu ia jantar, mas eu disse que não. Estava sem fome e não queria arriscar encontrar com pessoas indesejadas no caminho. Foi um sacrifício para Bianca me convencer a almoçar naquele dia. Como estava sem fome, não ia jantar.

Me deitei na minha cama e comecei a ler um dos livros que minha mãe havia e dado antes do acidente. Estava entretida com a leitura, quando bateram na minha porta. Revirei os olhos resmungando e fui abrir para ver quem era.

Mariana estava lá segurando um prato com algumas frutas e um copo de leite quente. A fumaça era visível. Sorri e a deixei entrar.

—Veio jantar no meu quarto? –Indaguei enquanto sentava voltando a pegar meu livro.

—Não, Catarine, vim aqui trazer alguma coisa para você não cair desmaiada no chão toda desnutrida –Respondeu seria enquanto me dava o prato com as frutas.

—Quanto drama –Respondi pegando o prato.

—Drama nada, você tem que se alimentar.

—Tá –Dei uma mordida na maçã que estava suculenta.

—Vai mesmo parar de comer por causa disso? –Indagou sentando-se na minha cama.

—Não vou parar de comer, só não quero encontrar com algumas pessoas.

—Você é bem teimosa.

Dei os ombros.

—Eu nunca parei para perguntar... Como era a sua vida? Tipo, fora daqui, sabe?

Gelei e meu coração acelerou.

—Ah, era igual a vida de toda garota normal de 17 anos –Respondi tentando não dar muita importância.

—E como era a escola? Seus amigos? Sua família? –Mariana parecia mais ansiosa a cada pergunta que fazia –Bom, você não comentou sobre nada disso desde que entrou aqui.

—Falei o básico para o Hugo –Fiz careta quando mencionei o nome dele.

—Não precisa fazer careta... Ele é gente boa –Deu os ombros.

—Gente boa... Não sei aonde –Joguei o resto da maçã no lixo. –Queria entender ele, de verdade.

—Olha você mudando de assunto e não respondendo nenhuma das minhas perguntas –Soltou uma risadinha.

—Talvez seja porque eu não quero responder nenhuma das suas perguntas –Acabei soando mais grossa do que gostaria.

—Tá bom... Então me explica o que aconteceu ente você e o Hugo.

—Eu também não quero falar sobre isso –Me levantei e coloquei a caneca de leite em cima da cômoda.

—Aí, como você está chata, misericórdia –Se jogou na cama de Bianca.

—Vamos fazer o seguinte, uma informação por outra –Sentei em minha cama com olhar ansioso.

—O que você quer saber?

Comecei a pensar e diversas perguntas surgiram na minha mente. Eu deveria ser muito sábia ao escolher a primeira pergunta. Me ajeitei na cama e soltei um sorrisinho que logo se desfez ao vir a primeira pergunta na minha cabeça.

—Como que o Hugo era ano passado?

Mariana riu.

—Ele sempre foi um menino muito quieto e estudioso. Não era de sair ficando com várias meninas e muito menos magoando. Desde sempre ele era muito grudado da Yasmin, são tipo melhores amigos. Bom, no caso eram, né. Ele nunca foi de ficar com várias porque uma menina, antes do internato, partiu o coração dele.

—Então por que ele ficou comigo?

—Ei, você já fez a sua pergunta, está na minha vez! –Mariana parecia se divertir com o jogo. Fiz com a cabeça para ela continuar –Como era a sua vida lá fora?

Pensei em não responder e acabar com o jogo naquele exato momento, mas se eu queria respostas, também deveria fornecer algumas.

—Era normal... Eu tinha alguns amigos, um namorado... É isso aí –Respondi tentando evitar me aprofundar naquilo.

—Ok, vou responder sua pergunta anterior. Ele ficou contigo porque te achou uma menina legal e bonita. Estava cansado de ficar sozinho e como com a Yasmin até então tinha sido apenas um beijo de despedida, ele resolveu investir em você naquela noite.

—E a Yasmin? Por que ele ficou com ela também? –Perguntei ansiosa.

—Você é engraçada, propõe o jogo, mas nem pensa em seguir as regras –Riu –Você traiu o seu namorado com o Hugo?

—Não, nós demos um tempo antes de eu entrar aqui.

—E você acha que ainda tem chance de voltar com ele? –Perguntou ansiosa.

—Agora você que não está seguindo as regras –Soltei um sorriso malicioso.

—Ah, tá –Tentou se recordar da pergunta –Ele é melhor amigo da Yasmin. No dia da festa ele levou ela até o quarto dela e acabou rolando um beijo de despedida, nada demais, mas parece que ela gostou e ele também. Nunca tinha passado pela cabeça dele ficar com ela. Ele ficou com você depois, mas não foi na intenção de criar uma relação, e sim na intenção de curtir o momento, sabe?

—Ele parou de sentir medo de se magoar... –Suspirei –E acabou magoando outras pessoas.

—Para de drama, Catarine, vocês só ficaram uma vez, não é pra tanto.

—Ele pelo menos poderia ter avisado.

—E vocês tinham algum tipo de relação para ele te avisar? Ele é solteiro e pode ficar com quem quiser. Ele nunca te disse que seria exclusivamente seu.

Respirei fundo.

—Ele tentou se explicar, mas eu não quis ouvir.

—Ele foi escroto por ter se afastado de você do nada a pedido da Yasmin –Mariana soltou –Mais escroto ainda por ter trocado olhares sugestivos, mas ele não está errado em ficar com ela, não está errado em gostar dela. A gente não manda no coração. O lance de vocês foi de uma noite e só. Deixa ele ser feliz com ela e segue a sua vida. Você se apegou rápido demais.

—Eu queria esquecer o Thiago.

—E você usou o Hugo para isso. Suponho que o Thiago seja o seu “ex” namorado –Mariana fez aspas com os dedos quando disse “ex”.

—Você está certa. Ele foi escroto em se afastar do nada e sustentar olhares. Esse foi o maior erro dele.

—Agora segue em frente –Mariana se levantou e foi até a porta –Espero que amanhã apareça para as refeições –E saiu do quarto.