Hearts Of Sapphire escrita por Emmy Alden


Capítulo 46
¨f o r t y - f i v e¨




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Corinna sentia os galhos finos cortando seus braços e suas bochechas enquanto ela corria entre as árvores. Não tinha ideia porque escolhera um vestido tão frágil e inútil para aquela situação.

Contudo, em primeiro lugar, a menina também não sabia o que estava fazendo ali nem o que estava acontecendo.

Os pulmões realizavam sua função de inspirar e expirar com certa dificuldade.

A garota não reconhecia aquele ambiente, nem as árvores e nem os caminhos que tomava, embora seus pés parecessem ter certeza do que faziam.

Passadas pesadas, que não pareciam pertencer a uma pessoa, retumbavam nos seus ouvidos.

Também não teve tempo de avaliar a ocasião nem divagar muito mais tempo sobre o porquê de estar ali quando garras bem afiadas fincaram em suas costas, fazendo com que ela caísse na grama por causa do impacto.

— Argh! — choramingou enquanto fazia o seu melhor para rolar para o lado e, assim, fugir do alcance da fera que havia lhe atingido.

Porém, não conseguiu ser mais rápida do que o lobo, que já se apressava para ficar novamente sobre a Escolhida.

Foi então que Corinna notou algo estranho. Com o hálito quente da fera a centímetros do seu rosto, ela conseguia visualizar bem os olhos — distintos de qualquer outro lobo com que ela já cruzado na sua curta vida — embora lhe causasse mais uma sensação perturbadoramente familiar.

Não eram olhos de animal, mas de alguma pessoa.

A íris verde brilhava com uma selvageria e frieza hipnotizantes.

Era uma esmeralda lapidada e flamejante.

Iria matá—la.

Aquilo passou a ser a única certeza naquele momento.

Iria morrer.

Depois que esse pensamento se consolidou, foi tudo muito rápido. Em um instante, a mandíbula do lobo se abria, no outro, ele soltava um ganido baixinho e surpreso.

Os olhos se arregalaram, tanto quanto os dela, bem antes do animal desabar sobre o corpo da menina. Com uma pequena rotação da cabeça, Corinna viu um rosto embaçado ao longe, sustentado por um corpo feminino que segurava um arco apontado para a fera.

— Corra! — A mulher, cujo rosto Corinna não conseguia focar, gritou. E não precisou fazê-lo duas vezes.

Com um aceno de cabeça grato, a Escolhida se pôs a correr novamente.

Acordou com os lençóis úmidos de suor, a camisola grudando no corpo e uma almofada bem presa sobre as unhas. A respiração não estava muito diferente de como estivera no sonho esquisito.

Esquisito porque parecia um sonho, ao mesmo tempo que parecia uma lembrança distante. Uma experiência que ela certamente não vivera, mas poderia muito bem fornecer detalhes o suficiente para crer que ela esteve ali.

Era um pouco confuso e perturbador.

Corinna foi até a varanda, sentindo o frio do chão sob os pés e o vento secando seu suor quando passou pela porta.

O sol ainda nascia sem pressa no horizonte como se soubesse que seu esforço de nada adiantaria contra o frio.

Cada vez que o sonho se repetia na sua mente, as cenas pareciam mais borradas, embora seu coração continuasse a acelerar da mesma forma.

Apenas uma coisa era imutável: os olhos daquele lobo.

Athlin, o nome veio em sua mente.

Mas, ainda que fossem muito parecidos quase idênticos, os do sonho eram frios, cruéis, sem piedade alguma.

Além do fato de que parecia bem decidido a acabar com a vida da Escolhida tão facilmente quanto um suspirar...

Não, aquela não poderia ser a mesma pessoa que lhe lançara aquele mesmo olhar no lago. Era impossível.

Um barulho dentro do quarto fez Corinna colocar a cabeça no interior.

— Senhorita Lestat? — chamou uma Fearis sonolenta. — Está tudo bem?

— Ah! Oi. Tudo sim.

— Pensei ter ouvido um grito. — A criada esfregou os olhos e Corinna voltou para a parte interna — Sonhos ruins?

A imagem do chão se aproximando e a sensação de ardência nas costas eram reais demais.

Corinna deu de ombros, sentando-se na cama:

— Algo do tipo. — disse batendo no espaço ao seu lado. — Como está o bebê?

Fearis se acomodou devagar.

— Creio que bem. Pesado e maior a cada dia. - comentou com um sorriso enquanto olhava na direção da protuberância escondida sob os tecidos largos. — Apesar disso, ele é bem quietinho. Minha mãe dizia que eu parecia ter a energia e os movimentos de dez exércitos dentro de sua barriga.

A mulher compartilhou a lembrança com um sorriso melancólico.

Corinna só poderia imaginar como deveria ser não poder voltar para casa. Não ter ninguém lá por você.

— Acho que nunca te perguntei, mas você é de que Ordem, Fearis?

— Diamante, uma das Ordens Secundárias. Uma das mais reclusas também. Somos poucos, discretos e decadentes. — explicou sem rodeios. — Às vezes, sou grata por isso. Eles são tão fechados que é raro ver algum deorum de lá pelas ruas ou concentrações.

— Seu... companheiro também é de lá?

Fearis respirou fundo, mas assentiu com a cabeça:

— Contudo, ele não está aqui. — revelou baixinho - Não no Setor Superior.

— Oh, onde...

Três batidas soaram na porta.

— Senhorita? Está acordada?

Era uma das criadas da Mansão.

Fearis não se demorou em levantar e ir na direção da porta ligava o quarto da Escolhida ao quartinho ao lado, deixando Corinna com a curiosidade — que aprendera a cultivar com seu pai — estalando em sua mente.

Pai,

Não sei se o senhor consegue perceber a força que usei para escrever essa primeira palavra. Pai.

Um mês parece eras sem proferir essa palavra para você, pai.

É bem possível que eu ignore todas as suas aulas sobre repetições e repita a palavra por toda essa carta. Só para compensar essas quase quatro semanas.

Não está sendo fácil e eu não tentaria mentir para o senhor. Você tem o dom de perceber qualquer mentira minha.

Acho que isso me fez ser honesta comigo mesma nesse tempo sozinha. Quando estou fazendo uma auto-análise finjo que é uma conversa entre você e eu, logo, não consigo mentir para mim.

É um pouco assustador, mas libertador.

Além disso, antes mesmo de eu vir para o Setor Superior, eu sabia que não seria fácil.

Todas as crueldades e barbaridades presenciadas mudaram, definitivamente, algo em mim.

Acho que ver meu povo morrer, sem nenhuma saída, nunca será menos doloroso. Em especial, quando acontece pelas minhas próprias mãos.

Ainda assim, aqui é como se eu tivesse dado um passo na direção correta.

A única coisa que me incomoda e, muitas vezes, dói, é a distância entre nós, pai.

Até poucos dias atrás eu estava no Galpão, agora estou sob a proteção da Ordem Esmeralda. Conheci algumas pessoas aqui e espero que todos nós saíamos dessa bem. Vivos. (Embora, a probabilidade não esteja do nosso lado.)

Devo admitir que o cenário da Esmeralda me lembra de casa, faz com que eu me recorde de Fortuna e de nossas caçadas...mas, mesmo assim, falta o meu pai.

Isso aqui está se tornando uma carta muito emotiva e não é o que precisamos no momento.

Não quero que isso soe como uma despedida, mas não sei quando - e se - poderei escrever de novo, então, - ignorando probabilidades, possibilidade ou qualquer perigo - deixo nosso encontro marcado para daqui a aproximadamente dois meses. Com a ajuda dos Céus. Que eles olhem por nós pelo menos dessa vez.

Eu estou bem e espero que o senhor também, pai.

Com todo meu amor,

Corinna

— Você ao menos deu uma lida no que dizia? — Auremio perguntou enquanto o filho se vestia sem pressa.

— Claro que não. A carta não era para mim. — Athlin respondeu com simplicidade.

O mais velho bufou:

— Sei que para você isso é tudo uma brincadeira, Athlin, mas essa garota fez um juramento a você, ela lhe deve explicações e informações.

— Ela escreveu uma carta para o pai. Tenha um pouco de decência, não vou sair lendo uma carta alheia só porque você é paranóico. - O Senhor Esmeralda fechou o último botão da camiseta verde clara.

— Você nem ao menos sabe se foi para o pai.

— Será entregue nas mãos dele.

— E você pode me garantir que das mãos dele não irá para outras mãos?

Athlin apertou o osso do nariz e inspirou profundamente:

— Seja honesto, eu preciso ter essa conversa antes do café da manhã?

Auremio tentou uma fala mais branda - na medida que ele era capaz:

— Ela fez um juramento a você. Está sob o seu teto, usando suas roupas, comendo sua comida, você tem o direito de reivindicar certas coisas.

O garoto olhou para o pai com um olhar lento e cheio de cólera.

— Eu não quero. Eu não devo. E eu não vou. - ele caminhou na direção do antigo líder da Ordem parando a centímetros do seu rosto. - Ela fez este juramento porque é a única escolha que demos a ela. A todos eles. Fez este juramento para não morrer de fome, frio ou coisa pior dentro daquelas paredes do Galpão. Porque nós colocamos, todo o ano, um pouco menos de duas dúzias deles para lutar entre si até a morte. E por quê? Para manter a ordem da hierarquia social? Para mostrar quem é que manda? - Athlin despejava palavras no rosto do patriarca, mas este nem ao menos se movia. - Pois veja bem, pai, o senhor já ouviu os rumores de revolta, de pequenos grupos rebeldes... Acho que nossos métodos estão parando de ser eficazes, não?

Auremio apenas estalou a língua tirando uma poeira invisível dos ombros do filho:

— Cuidado, criança. Esse encanto que ela pôs em você pode acabar chegando no seu coração. Só posso esperar que não leve nossa Ordem abaixo enquanto afunda a si mesmo.

Athlin nem mesmo piscou antes de se desvencilhar do toque de Auremio e se dirigir até a porta do próprio aposento:

— Engraçado ouvir isso vindo de alguém como você. Graças aos Céus, da última vez que eu chequei, você não era mais o líder da Ordem Esmeralda, então faça o favor a todos nós e guarde seus conselhos e dizeres condescendentes para você mesmo e sua própria decadência.

— Não somos tão diferentes um do outro quanto pensa, Athlin, e você poderia usar os conselhos de alguém que é capaz evitar seus futuros erros antes mesmo que se imagine cometendo-os... mas que seja feita sua vontade, Majestade.

A biblioteca não parecia mais tão intimidadora para Corinna. Tinha se acostumado a ir várias vezes sozinha por puro embaraço de pensar em falar com Athlin.

Embora, trocassem palavras educadas, o lago parecia ter criado uma barreira entre eles. A Escolhida, pelo menos, sentia que uma parede se erguera na relação.

Aquilo a fazia ter uma espécie de calafrio em conjunto com uma sensação conhecida: lembrava de quando Kallien e Callandrea viraram seus amigos. Os dois eram duas das crianças das quais todas as outras queriam estar perto. Filhos de comerciante, com um futuro garantido e comida sempre no prato, eram quase parte da realeza de Fortuna.

O que, depois que se conhecia a magnitude do Setor Superior, não significava absolutamente nada.

Porém, no princípio em que a amizade com Kallien foi se desenvolvendo para algo mais confuso, Corinna experimentou uma coisa parecida com aquela barreira que sentia depois do episódio com o Governante.

Embora não tivesse sentido nada além de profunda amizade para com Kallien, a inquietude e o frio na barriga, resultantes da atração física, cada vez que ele olhava ou falava seu nome, de certa forma, eram inconfundíveis.

Com Athlin, tinha sido ainda mais intenso desde o momento que se encontraram no corredor do Galpão ou quando dançaram pela primeira vez.

Corinna lembrava de ter pensado que ele jogara um encanto nela. E diante do que sentia, parecia algo plausível... porém, preocupante.

Parou de frente a um painel, logo na entrada do cômodo, onde vários ex-líderes da Ordem Esmeralda estavam retratados - o de Athlin, o atual, estava centralizado entre todos os outros - todos homens, com semelhanças surpreendentes entre si, os mesmo olhos esmeraldas. O único que não parecia prestes a avançar em quem quer que fosse a pessoa que os retratava era o Simpatizante de Corinna.

Uma placa polida de metal ficava bem acima de todas as fotos:

Dever acima do querer.

Embaixo de cada um dos rostos estava o nome, data de nascimento e morte, uma menção se havia sido Governante e uma para os anos que fora Simpatizante.

— Senhorita. - uma voz grave a despertou de pensamentos tão abruptamente que a Escolhida quase deu um pulo para o lado.

Auremio, pai de Athlin, ex-Governante e ex-líder da Ordem Esmeralda estava logo ali atrás da menina, com a expressão tão firme quanto em seu retrato na parede.

O cantos de seus lábios se repuxaram num sorriso duvidoso quando disse:

— Não quis assustá-la.

— Excelência. - Corinna se curvou em uma reverência e, ao voltar a erguer a cabeça novamente, encontrou os olhos do homem iguais e com o mesmo toque de crueldade dos que vira em seu sonho.

— O que está achando da nossa hospitalidade até o momento, senhorita Lestat? - ele se pôs ombro a ombro com a jovem, como se contemplasse também os retratos.

Corinna gaguejou um pouco por achar a pergunta um pouco direta demais:

— É e-excelente, Excelência. Sua propriedade é imensa e impressionante. Sem dúvidas, o senhor e seus ancestrais fizeram um ótimo trabalho mantendo tudo isso.

Auremio inclinou a cabeça e estufou um pouco o peito parecendo satisfeito com a resposta.

— Já havia visto algo parecido?

— Não, não aqui ainda. E, certamente, não em Fortuna. - Ela dosava as palavras.

Com o arquear de uma única sobrancelha, o deorum olhou para menina:

— Isso a incomoda?

Corinna percebeu a armadilha que ele tentava preparar, mas não cedeu.

— De forma alguma, Excelência. - Pôs o máximo de honestidade que conseguia fingir na voz. - Creio que todos fomos criados com um propósito, uma designação. Se os humanos foram criados para servir e viver modestamente e os deorum foram criados para governar o plano terreno como deuses e viver grandiosamente, não há porquê se incomodar. Cada um tem o seu papel.

O homem parecia admirado e foi ali que a Escolhida achou seu ponto fraco:

— Acha mesmo que somos como deuses do plano terreno?

Corinna queria revirar os olhos para a vaidade ridícula, mas continuou com seu papel:

— Isso é o que é ensinado para nós desde que estamos prontos para aprender.

— Mas e você? O que acha disso?

A garota de perguntava se ele achava que ela seria tão ingênua a ponto de cometer um deslize bem na frente dele.

— Se fosse para ser diferente, alguém já teria mudado isso. Desde os primórdios os deorum são praticamente a representação dos Céus no plano terreno, o topo da hierarquia. Caso não fosse para ser assim, isso não se perduraria por tanto tempo.

— E se ainda fosse aparecer alguém?

Corinna franziu o cenho, seus sentidos alertas para qualquer informação:

— Alguém?

— Sim, - disse Auremio com calma voltando a analisar a parede. - Alguém diferente de tudo. Nem deorum, nem humano. Alguém entre essas duas coisas.

A Escolhida abriu um de seus sorrisos mais radiantes, um que ela havia observado e analisado Callandrea fazer por diversas vezes quando queria convencer alguém de sua ingenuidade.

— Essa, de fato, é uma ideia que minha mente é incapaz de conceber.

O ex-Governante deu tapinhas condescendentes no ombro de Corinna:

— De fato. Ignore esse velho que gosta de divagar um pouco demais nas coisas.

— Sempre é bom deixar a mente livre um pouco.

— Para o meu bem, espero que sim. - os dois riram, mas tinham ciência da falta de veracidade de suas próprias risadas. - E suas opiniões sobre, meu filho, Athlin?

De repente, Corinna percebeu que toda aquela introdução peculiar tinha o objetivo de chegar até ali.

— Ele é um ótimo Governante. Um guia excepcional e um Simpatizante incrível. - Imaginava que essas seriam as únicas palavras verdadeiras naquela conversa.

— Sim, sim. - sua voz tinha uma nota de ligeira impaciência. - Mas o que realmente acha dele?

A garota tentou se balancear entre a surpresa pela pergunta e se sentir envergonhada.

— Acho que não compreendi muito bem, Excelência.

Auremio lançou um olhar de canto que fez o estômago da menina revirar com repulsa.

— Tenho visto os olhares que meu filho lança a você.

— Olhares? - a temperatura elevada nas bochechas de Corinna era involuntária.

— Sim, olhares um pouco...atenciosos demais. E acredito ter visto a senhorita corresponder a alguns - ela arregalou os olhos. - e admito que me causou preocupação com um possível encorajamento da sua parte.

— Excelência, estou certa de que nenhuma dessas ocasiões foram de forma proposital e garanto que não vai se repetir...

— Sabe, Corinna, - a Escolhida podia jurar que sentiu uma espécie de arrepio sombrio quando aquele homem proferiu seu nome. - Como você disse: todos nós temos um papel na existência. Humanos e deorum coexistem há eras, mas a senhorita sabe dizer por que não nos misturamos?

Naquele momento, a biblioteca enorme parecia pequena demais e Corinna se sentia extremamente claustrofóbica.

— Bem, falando um pouco cientificamente, uma cria das duas espécies talvez não fosse possível nem viável. Talvez a cria fosse estéril, como as mulas. Talvez fosse defeituosa ou nem mesmo pudesse iniciar as primeiras fases da concepção. Poderia sinal da predestinação. Se essa cria devesse existir, não seria problemática.

— Muito bem, - Auremio juntou as mãos na frente do corpo. - A senhorita é deveras inteligente.

— Meu pai é um homem que adora aprender, acho que passou isso para mim.

— Seu pai, o senhor Lestat, certo? - Corinna assentiu com a cabeça. - E sua mãe?

— Ela faleceu logo depois de eu nascer.

— Que pena, sinto muito.

Aquela fora uma mentira das mais descaradas, mas a menina não comentou.

— Enfim, o jumento e a égua têm suas diferenças físicas, mas nós, humanos e deorum, exceto pela magia e a imortalidade, somos fisicamente iguais. Não é estranho que em todas essas eras não nos misturamos? - ele girou um dos anéis nos dedos, mas não esperou uma resposta - É aí que a senhorita está certa.

Não está na nossa predestinação nos misturar. É errado. Não é natural.

— Entendo, mas não compreendo onde Vossa Excelência pretende chegar.

Auremio respirou fundo virando o corpo inteiro para olhar para a Escolhida, Corinna fez o mesmo. A expressão de pesar do homem era tão falsa quanto tudo nele.

— Quem está falando agora é um pai, um pai preocupado com o seu filho. Sei que disse que não fez nenhum avanço intencional, mas não deixo de ficar preocupado com o meu menino, com os sentimentos que ele possa desenvolver.

O deorum segurou com suavidade uma mecha rebelde do cabelo de Corinna.

— Athlin acha que conhece o mundo e a vida, mas é muito jovem. É inexperiente. Ganhar o título de Governante, de líder da Ordem Esmeralda, infelizmente não garante maturidade.

— Com todo respeito, acho que o Senhor Esmeralda sabe muito bem o que faz e cada consequência de suas ações.

O pai deu um sorriso paciente para a garota deixando sua mão cair sobre o ombro dela com uma pressão a mais do que o necessário.

— É claro. Só não quero ver meu garoto frustrado. - Auremio respirou fundo. - Imagino que a senhorita também não, por isso te peço para não só ficar neutra, mas desencorajar qualquer avanço que Athlin possa fazer. Embora sejamos semelhantes aos humanos, temos naturezas diferentes, querida.

Corinna estava presa naqueles olhos intensos, tão indefesa quanto no sonho. Só que daquela vez não teria nenhuma flecha alheia para salvá-la.

— Mantenha a relação de vocês inteiramente ligada ao Juramento do Sacrifício. Ele de manter você a salvo, treinada e alimentada, e você de dar bons resultados nos confrontos.

— Compreendo. - Corinna inclinou a cabeça para baixo em obediência, mas Auremio levou um dedo ao seu queixo levantando-o para que a jovem o encarasse novamente.

— Posso contar com você?

A Escolhida assentiu.

— Perceba que, o que quer que pudesse se desenvolver entre vocês dois, não daria certo. Pode soar insensível, mas eu me certificaria para que não desse. Você não é uma de nós.

Sua voz era baixa e contida quase como Corinna fosse uma das pessoas por quem ele mais tinha afeição no mundo.

Mas a garota sabia melhor.

— Não tenho nenhum interesse no Senhor Esmeralda além do Juramento, Excelência, e tampouco acho que seu filho o faça.

— Conheço bem, Athlin, querida. Não estou aqui para te intimidar nem ameaçar, mas preciso que entenda que ninguém seria capaz de ficar no meu caminho quando o assunto é o meu povo e a minha Ordem.

— E o senhor não está errado. - a garota respondeu calmamente ignorando a alfinetada enquanto, para a surpresa do homem, sustentava o seu olhar altivo.

O ex-líder enfim tirou a mão do queixo da Escolhida e deu um passo para trás.

— É mesmo uma garota sábia, posso sentir. Seria uma ótima companheira para meu garoto. Uma pena não ser uma de nós.

Corinna ajeitou os ombros, dando seu sorriso mais brilhante enquanto o homem dava o primeiro passo pela saída da biblioteca:

— Não se preocupe, Excelência. Gosto de ser quem sou.

Auremio sorriu de volta. As semelhanças com Athlin eram poucas, mas estavam ali, naquele sorriso, tornando-o menos repulsivo.

— Tenha uma ótima estadia aqui.

— Imaginei que a encontraria aqui. - Athlin estava no fim do último corredor, as costas apoiadas na estante de livros, os braços cruzados na frente do peito.

— Creio que descobriu meu lugar favorito da casa bem rápido. - Corinna disse ainda de lado passando os dedos como se catalogasse os títulos na mente, embora esta estivesse ocupada demais repetindo a conversa com o pai do rapaz a poucos metros.

Os passos lentos, suaves e cautelosos dele soavam, aproximando-se de onde a Escolhida estava.

— Devo confessar que não foi uma tarefa muito complicada.

Corinna controlou a intensidade do sorriso em seus lábios e se virou para olhá-lo.

— Andou me espionando, Senhor Esmeralda?

O deorum arregalou os olhos, mas ergueu as mãos na altura dos ombros:

— Alego legítima defesa. Precisava conferir se a senhorita estava fazendo algum tipo de ritual maligno contra a minha vida.

Fingindo surpresa, a menina comentou:

— Isso quer dizer que o esconderijo da pequena figura de pano com agulhas enfiadas por toda parte ainda não foi localizado?

Athlin sorriu, mas então estalou os dedos como se tivesse concluído algo:

— Por isso as intensas dores pelo corpo esta manhã. Eu deveria imaginar.

Ambos riram até que o Governante se aproximou ficando próximo demais da garota.

Com uma expressão aflingida questionou:

— Estamos nos falando depois do... incidente?

— Estamos nos falando agora mesmo, não é? - Corinna retrucou.

Assentindo com a cabeça, o garoto alegou:

— Acho que sim. - ele pegou uma das mãos da garota entre as suas. - E gostaria de pedir desculpas.

A Escolhida conteve a vontade se recuar e tirar sua mão dali, mas ao mesmo tempo continha sua vontade de olhar para os arredores a fim de conferir se Auremio ou algum possível informante estava por perto.

— Não tem porque pedir desculpas. - ela decidiu puxar a mão o mais delicadamente possível, mas Athlin suspirou ao olhar para suas próprias mãos, agora vazias.

— E-eu só... É só que... Não quero que pense que ofereci auxílio em troca de algo mais. Eu não...- O Senhor Esmeralda parou de tentar concluir o pensamento quando Corinna segurou a lateral do seu braço.

— Não pensei nem pensaria nada disso, fique tranquilo.

— De verdade?

Apertando o braço do rapaz mais um pouco, ela confirmou:

— De verdade.

Athlin soltou a respiração aliviado:

— Ótimo! Eu... Nós podemos começar de novo se quiser. - sugeriu. - Então...vamos esquecer aquela situação no lago?

— Não. - Corinna respondeu firme.

— Não?

— Não. - repetiu.

— Você não quer esquecer?

— Você quer?

O Senhor Esmeralda respirou fundo e passou a mão pelos cabelos. A conversa não estava de jeito algum seguindo o roteiro de sua mente.

— Não. - respondeu por fim. - Não quero.

— Está decidido, então. - Corinna voltou a olhar os livros. - Assim não é melhor do que fingirmos que esquecemos? Afinal, esquecendo ou não, terá acontecido, não é?

— Acho que sim.

Os dois ficaram em silêncio por apenas um minuto, Athlin foi o primeiro a dizer:

— Você também sentiu? - Corinna virou a cabeça na sua direção. - No lago.

Desencoraje-o. Desencoraje-o.

A menina mordeu o lábio inferior - lembrou das sensações novas e das antigas que sentira quando Athlin a olhara; como ele a olhava naquele momento -, mas só conseguiu confirmar quase imperceptivelmente com a cabeça.

A torcida para que ele não reparasse não adiantou muito e um sorriso largo, caloroso e lindo se espalhou no rosto do deorum como se ela pudesse ter dado para ele o bem existente mais valioso, fazendo o coração de Corinna errar uma batida.

Ela desviou o olhar.

Com certeza, o pai de Athlin estaria contra aquela ideia da menina de desencorajamento.

E, ela não revelara a Auremio, que talvez ele tivesse deixado para ter aquela conversa com a jovem um pouco tarde demais.

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