Soundtrack escrita por Mia Lehoi


Capítulo 9
Track 9: Have Faith In Me


Notas iniciais do capítulo

Have Faith In Me é uma canção da banda A Day To Remember (https://www.youtube.com/watch?v=4WMmCtkhWi0) Atenção porque ela é mencionada durante o capítulo!



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I'm going crazy
(Eu estou enlouquecendo)
'Cause there are things in the streets I don't believe
(Porque tem algumas coisas nas ruas nas quais eu não acredito)
So we'll pretend it's alright and stay in for the night
(Então nós vamos fingir que está tudo bem e ficar aqui esta noite)
What a world
(Que mundo)
I'll keep you safe here with me
(Eu vou te manter a salvo aqui comigo)

Quando pensasse naquele momento mais tarde, haviam três coisas das quais Do Contra se lembraria claramente: a sensação de derrota, a vontade de sair dali e a preocupação.

Não era a primeira vez que ele via Mônica e Cebola trocando declarações públicas e apaixonadas de afeto (e para dizer a verdade, ele temia que também não seria a última). No entanto, por alguma razão que ainda estava além de sua compreensão, doeu mais do que todas as outras. Ele já sabia o que estava para acontecer. No momento que a garota se levantou na arquibancada para gritar encorajamentos, quando a bola atingiu a rede, quando o apito final soou e a torcida se apressou para descer ao campo e cumprimentar os jogadores. Em todos esses instantes ele sabia o que iria acontecer. Já havia assistido aquele filme mais de uma vez.

Talvez fosse por isso que ele escolheu ficar na arquibancada, esperando. Talvez fosse por isso que quando tudo aconteceu, sua primeira reação foi procurar o olhar de Carmem no meio das pessoas. Porque ele já havia estado naquela sala de cinema muitas vezes, mas ela ainda era nova ali. Porque supostamente aquela era a primeira cena que os levaria a mudar aquela história, mas no meio do caminho a vida havia se esquecido do roteiro planejado.

Porém, ao contrário do que ele esperava, ela não simplesmente fingiu que estava tudo bem. A loira era uma boa atriz e ele só precisou de alguns encontros com o eu verdadeiro dela para perceber isso. Muito do que fazia e dizia na frente dos amigos era uma farsa que ela sustentava majestosamente bem. Mas agora ela tinha agido diferente.

Quando a viu sair do ginásio, o garoto parou e pensou um pouco. Mônica e Cebola continuavam abraçados, sendo cumprimentados por toda a turma, e ele assistiu àquilo sem conseguir se controlar. Sua vontade era sair dali, esquecer aquele dia, e fingir que tudo não passara de um pesadelo. Então fez o que queria e saiu, sem se preocupar em mandar mensagens para ninguém, porque sabia que isso só faria a galera perceber seu sumiço. Se alguém perguntasse mais tarde, ele poderia simplesmente dizer que não queria fazer a mesma coisa que todo mundo e os outros acreditariam porque, em teoria, o jeito dele era assim mesmo.

Não havia quase ninguém no estacionamento, só algumas pessoas buscando objetos nos carros ou amigos que se preparavam para ir para outros lugares. Ele não encontrou nenhum sinal de Carmem. Nem o carro caríssimo do motorista, a voz, o perfume doce, nada. Era como se ela nunca tivesse pisado naquele lugar.

Do Contra seguiu para o próprio carro, se esparramou no banco do motorista e tentou ligar para o celular dela algumas vezes. Quando não teve resposta  ficou lá por alguns segundos, encarando o teto cinza claro. Podia voltar para o ginásio, sair com os amigos, rir e fingir que estava tudo bem. Podia ir para casa enfiar a cara em alguma apostila, ou descontar toda a frustração na bateria. Podia deixar Carmem em paz, como ela aparentemente queria. Era a opção mais lógica, então foi o que decidiu fazer.

Colocou o CD que havia gravado depois daquele almoço no restaurante para tocar e deu a partida no carro, ainda sem saber ao certo para onde iria. Era algo que ele estava fazendo com muita frequência ultimamente, essa coisa de dirigir sem rumo. O acalmava, mas também dava a sensação de que estava fazendo a mesma coisa com a própria vida, dando voltas sem chegar a lugar nenhum.

A primeira canção que tocou era calma e alegre demais para seu gosto no momento. A segunda também não parecia correta. Mas quando chegou na terceira, ele se sentiu um pouco melhor. Começava com uma bateria rápida, ritmada, do tipo que ele mais gostava de tocar. Era uma música um tanto agressiva, frustrada, do jeito que ele se sentia naquele momento e isso o fez repensar algumas coisas. Estava cansado de terminar o dia sempre sozinho. Cansado de ver Mônica andando em círculos naquele relacionamento que nunca dava certo. Cansado de ser a segunda opção, de nunca se sentir parte, de nunca saber o que fazer. Ele não queria ser o cara que manipulava as coisas, mas naquele instante a única coisa que quis foi ser feliz também.

Então, ainda meio incerto, ele mudou de ideia e pegou o retorno que levava à avenida do Empire. Dessa vez não iria deixar as coisas seguirem seu maldito curso normal. E se havia uma pessoa naquela cidade que o entenderia, era Carmem.

Estacionou o carro de qualquer jeito, tirou o CD do rádio, o embrulhou num folheto qualquer que estava esquecido no porta-luvas e o jogou na mochila, antes de coloca-la nas costas. Entrou no hotel feito um furacão, pela primeira vez sem medo ou constrangimento algum. Passou direto pela recepção, tomou o elevador usando o cartão que havia ficado consigo da última vez e esperou impacientemente que chegasse o último andar.

Cruzou o corredor com uma pressa desnecessária, subiu a escada e suspirou profundamente, pensando no que dizer agora que estava ali. No entanto, quando puxou a maçaneta da porta vermelha, nada aconteceu. Forçou mais um par de vezes, mas não adiantou muita coisa. Devia ter imaginado que mesmo que estivesse ali, a garota provavelmente não deixaria ninguém entrar. Ainda tentou bater e chamar algumas vezes, mas depois de vários minutos sem respostas, ele aceitou resignado que só lhe restava ir para casa e ficar sozinho. Mas antes que pudesse se controlar, esmurrou a porta com toda a força que tinha. Estava tão frustrado com aquela situação toda que nem sentiu a dor ou ligou para o estrondo que a pancada fez. Ele tinha certeza de que encontraria a loira ali e, por alguma razão desconhecida, estar errado foi a gota d’água que faltava naquele dia que já estava péssimo.

Voltou ao início do corredor, apertou o botão e esperou, os números no visor mostrando que o elevador subia lentamente. Quando a porta se abriu, ele percebeu que nunca esteve tão equivocado assim, afinal. Carmem estava de pé dentro do elevador, com enormes óculos de sol no rosto e o mesmo nariz em pé de sempre, apesar de um pouco descabelada.

— O que você está fazendo aqui? – ela perguntou, mas a resposta era tão óbvia que o garoto não soube como dizer. – Olha, eu não sei o que você quer aqui, mas pode ir embora.

— Eu não... – ele começou, ainda calculando as palavras – Carmem, eu só queria...

— Não, Do Contra. – ela continuou. – Me deixa sozinha. Vai pra sua casa, vai ver seus amigos, vai achar alguma coisa pra odiar, sei lá, não me interessa. Mas me deixa.

— Não. – ele respondeu, colocando a mão para segurar o elevador. – Vai dizer agora que quer desistir de tudo? Não foi você que me disse pra parar de ficar sentado esperando as coisas acontecerem? Então! – prosseguiu, praticamente em tom de súplica. Não queria que ela fosse embora e levasse consigo a única chance que ele tinha.

— Se você não me deixar passar eu vou chamar a segurança. – ameaçou, mesmo sabendo que ele não acreditaria naquilo. Nem ela mesma acreditava. – Pelo menos para de segurar o eleva... – se interrompeu, encarando a mão dele e percebendo o tom vermelho que pintava os nós de seus dedos. – O que é isso na sua mão, Do Contra? – perguntou, tirando os óculos para ver melhor.

— Nada! – ele respondeu, constrangido.

— Você é um idiota mesmo. Entra logo, deve ter algum kit de primeiros socorros na recepção. – ela girou os olhos exageradamente, lançando um olhar de desaprovação ao garoto logo em seguida. Não era nada sério, mas o suficiente para precisar pelo menos de um curativo.

— Eu já disse que não foi nada, Carmem! – disse, puxando a mão para si, com uma expressão claramente mais irritada na face. – Não precisa disso tudo.

— O que você quer, hein? Ficar parado nessa porta segurando o elevador pelo resto da vida? Vem logo, imbecil! – ela reclamou, já apertando o botão do térreo. O menino finalmente se juntou a ela e a porta se fechou. Não era como se tivesse muita escolha.

A loira se encostou na parede e cruzou os braços em frente ao peito, olhando em todas as direções possíveis menos na dele. Do Contra finalmente percebeu, só pelos olhos inchados e pela maquiagem levemente borrada, que ela havia chorado bastante na última hora. Queria dizer algo que a fizesse se sentir melhor, mas era péssimo com palavras de conforto.

— Eu soquei a cara dele. – mentiu, só para ver a reação dela. A garota o encarou com as sobrancelhas arqueadas, obviamente desacreditando. Porém, depois de alguns segundos de silêncio a expressão mudou para uma preocupação legítima. – É mentira. Eu soquei uma porta. – confessou, fazendo-a olhá-lo incredulamente – Pode me xingar, foi idiota mesmo.

— Asno. – ela tentou fazer uma cara séria, mas sorriu, mesmo que seus olhos ainda estivessem marejados.

— Tanto xingamento no mundo e você me vem com asno?

— Isso foi tão ridículo que eu não quis desperdiçar meus xingamentos bons. – ela deu de ombros – Por que você socou uma porta?

— Eu não sei. – o garoto franziu a testa, confuso. – Eu só... Fiquei meio puto, sei lá.

Fiquei meio puto, sei lá.— fez uma imitação tosca da voz dele – Vou usar essa desculpa quando fizer uma cagada. Me dá a mão, deixa eu ver. – estendeu a própria palma no ar, esperando.

O garoto obedeceu, sentindo que ela só estava fazendo aquilo para se distrair, evitar que começasse a chorar de novo. Mas ainda assim, ela olhou cuidadosamente, como se fosse um ferimento muito mais sério.

Era impressionante a diferença entre os dois. A mão dele era grande, com unhas curtas e irregulares, calejada e cheia de cicatrizes minúsculas causadas por farpas de baquetas quebradas ao longo dos anos. Agora, com os nós dos dedos vermelhos e machucados, parecia pertencer a alguém bem mais agressivo do que ele realmente era. As dela, ao contrário, eram pequenas, macias e delicadas, com as unhas compridas pintadas de um rosa claro e um único anel solitário com uma pequena pedra branca no dedo anelar.

Quando ela soltou, o clima parecia pesar uma tonelada. Talvez fosse porque aquela havia sido a primeira vez que se tocaram de uma forma não casual e obrigatória, talvez fosse porque a rejeição que passaram juntos ainda se fazia presente, os fazendo perceber o quão expostos estavam no momento.

Os dois se encostaram em paredes opostas, tentando manter a maior distância possível entre si e esperaram, o caminho parecendo durar uma eternidade. Mas de repente, para tornar aquele dia ainda pior, o elevador deu um solavanco, as luzes se apagaram e ele parou, deixando acesa apenas a lâmpada amarelada de emergência.


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Notas finais do capítulo

Bom, primeiramente esse capítulo foi outro que amei escrever! A razão para a escolha da música foi até bem explicada no capítulo. Pra mim o ritmo dela ilustra perfeitamente o sentimento do DC sobre o casal Cebônica, sobre a situação toda e sobre a Carmem. Esse é um momento da história que eu gosto muito porque é aqui que esses dois são bem solitários, mesmo que por razões diferentes. A Carmem por estar sempre se preocupando em ganhar as pessoas pelo que ela tem ao invés de pelo que ela é acaba não se aproximando de verdade de ninguém (nem da Denise, que é a melhor amiga dela) e o DC por ser meio que um "antagonista" já que todo mundo sabe que ele gosta da Mônica e a galera não sabe lidar com isso (na real eu nem me lembro se em algum momento das revistas é revelado que ele tem um melhor amigo? Talvez o Nimbus que é irmão dele, mas não lembro nem se isso é muito mencionado. Fica aí o mistério, se alguém se lembrar me avisem! :P)
Enfim, muito obrigada pelos comentários, favoritos etc etc
Vejo vocês no próximo!
Beijões ❤



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