Aconteceu escrita por Alanna Drumond


Capítulo 51
Capítulo 51




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Acordei no meio da madrugada. Ana não estava mais em meus braços, rolei pela cama a procurando, mas ela não estava lá. Ela estava em pé perto da lareira de costas pra mim, vestida com minha blusa e uma taça de vinho nas mãos.

— Ana – chamei – o que foi?
— Nada, volte a dormir. – ela disse olhando pra mim por cima do ombro. Me levantei e fui até ela. – Desculpa, assaltei a sua adega. – sorri pra ela e roubei um gole do vinho que ela bebia.
— Excelente escolha. Mas isso não vai te ajudar a dormir.
— Eu sei.
— Tem algo errado? – disse me escorando na lareira. Notei que faltava alguma coisa ali, e que essa coisa estava na outra mão de Ana.
— Ela era linda – disse me mostrando o porta retrato do meu casamento com Sabrina, aquele que eu havia deixado abaixado.
— Era sim.
— Por que o porta retrato estava abaixado?
— Acho que é hora de deixar o passado pra trás. – ela assentiu e sorriu. Mas esse sorriso não me convenceu. Ainda tinha alguma coisa no ar que eu não sabia o que era. Peguei o porta retrato e coloquei no lugar.
— Rafael, o que você viu em mim? – o tom na sua voz, foi o mesmo de quando ela me falou sobre sua insegurança mais cedo.

E eu então eu entendi o problema. Ana sabia como eu me sentia em relação a Sabrina, e agora que a viu, ela se sente insegura. Não em relação a mim, mas quanto a Sabrina e a ela. Ela estava se comparando com Sabrina. Eu sinceramente não gostei muito disso por que não tinha como compará-las. Elas são infinitamente diferentes.

— Vi tudo o que eu queria, tudo o que eu precisava e pra ser sincero, eu nem sabia que eu precisava. Eu cheguei na Duarte um dia e você estava lá. Você trouxe luz, trouxe vida e de repente...
— De repente – ela repetiu me instigando a falar.
— De repente não consigo mais imaginar minha vida sem você. – ela sorriu
— Eu também não. Mas isso é estranho. – ela colocou a taça de vinho na prateleira em cima da lareira e começou a andar.
— O que é estranho?
— Você. Eu não faço parte desse seu universo. No seu mundo, pessoas como eu são invisíveis. E olha pra mim agora. Olha onde estou. Não que seja ruim, é maravilhoso na verdade. Mas não é como se fosse natural.
— Não sei se consegui te entender.
— Você é herdeiro de uma das maiores empresas do país. Eu sou só eu. Uma mulher que não terminou a faculdade e totalmente sem rumo. Não sou boa o suficiente pra você. Você tá acostumado com esse mundo de mulheres super incríveis. Modelos, mulheres finas, empresárias. Quer dizer, seria muito mais fácil e conveniente se você se apaixonasse por uma mulher assim. A Sabrina por exemplo. – ela começou a fazer o que eu não queria que fizesse – ela faz parte do seu mundo, ela era maravilhosa, sinceramente nunca vi mulher mais linda que ela. E vocês...
— Ana – eu a interrompi – Não faz isso. Não se compare a ela. Vocês não tem nada a ver uma com a outra.
— Isso. Esse é o ponto. Somos muito diferentes. Assim como eu e você.
— E o que isso tem haver, pelo amor de Deus? – eu exasperei.
— Isso vai ficar entre nós em algum momento.
— Eu não me importo com isso. São diferenças sociais. Não podemos fazer nada quanto a isso. Tá fora do nosso controle. Mas existem outras coisas que podemos fazer – ela ia retrucar e eu não deixei – podemos ser felizes. Juntos. O que importa é o que sentimos, é o quanto queremos fazer isso dar certo. E não vejo como essas diferenças que apontou possam afetar a gente tanto assim. Os únicos que podem fazer dar certo somos nós. Da mesma forma que os únicos que podem fazer dar errado, também somos nós.
— Você tem razão. – ela suspirou. – Me desculpa, eu fiquei meio paranoica.
— Fez bem em me falar. Temos que ser totalmente sinceros um com o outro. – me aproximei dela – Eu acho que te dei a impressão errada sobre a Sabrina, então isso é culpa minha também.
— Como assim?
— Fiz ela parecer a mulher perfeita. Mas não tenha duvidas, ela não era. 
— O que aconteceu?
— Vem cá, eu vou te contar – disse a conduzindo de volta pra cama. Fui até o barzinho que tinha perto da lareira e peguei uma taça de vinho pra mim e enchi a dela.

Não foi fácil revisitar tudo aquilo e contar abertamente pra Ana. Era como aceitar o meu fracasso como marido. Eu tive momentos maravilhosos com Sabrina, mas não compensaram os ruins e a sensação de que eu tinha falhado sempre me acompanhava.

— Eu te contei que eu e a Sabrina nos casamos muito jovens, não contei? – ela assentiu. – na época pareceu a coisa certa a se fazer e eu não me arrependo. Mas éramos muito imaturos e isso começou a influenciar a nossa relação. Ela engravidou, pouquíssimo tempo depois da gente se casar, mas ela perdeu. Foi desfilar e acabou caindo da passarela. Na época eu não estava pronto pra ser pai, eu mal estava sabendo lidar com minha condição de marido, não queria ser pai. Mas a Sabrina queria. E quando ela perdeu, as coisas começaram a ficar estranhas entre nós.
— Estranhas como?
— Nós começamos a brigar, brigar muito. Não passava um dia sem ter briga. E os motivos eram os mais ridículos. Uma vez ela brigou porque eu esqueci de comprar requeijão. Na época, a carreira dela deu uma engrenada e começamos a ficar cada vez menos juntos. Você sabe como é a loucura da minha agenda. Eu nunca tenho tempo pra nada. E ela me cobrava muito porque eu não ficava acompanhando ela nas inúmeras viagens que ela fazia.
— Deve ter sido difícil.
— Foi, muito. Mas eu resolvi evitar as brigas. Tentei reduzir minha agenda e acompanha-la nas viagens e nos desfiles. Só que ela era muito ciumenta, possessiva demais. Eu mal podia olhar para o lado. E considerando que nessas viagens, tinham mulheres tão lindas quanto ela, isso era sempre motivo de briga. Ela realmente surtava. Mas eu suportava tudo isso. Era uma coisa dela sabe. Era ciumenta com todo mundo. Com o Dan, com a mãe, com o pai. Isso fazia parte dela.
— Eu não sei se saberia lidar com tanto ciúme assim.
— Não é ciumenta?
— Acho que não existe isso de não ser ciumenta. Todo mundo é, mas em intensidades diferentes. A gente só não pode deixar isso ser um problema. No fundo, acho que um pouquinho de ciúme é ate bom. Mas você, ainda insistiu nas viagens?
— Não eram meus programas favoritos, mas ela era minha esposa e eu queria que ela estivesse feliz e que tivesse sucesso na carreira, então acabei abrindo mão de muita coisa. O problema é que ela não reconheceu isso e também não fez o mínimo de esforço pra tentar salvar nosso casamento.


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