Aconteceu escrita por Alanna Drumond


Capítulo 4
Capítulo 4




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Quando cheguei ao minúsculo apartamento que eu dividia com Alice, a encontrei varrendo a sala. Pela minha cara era evidente que eu não estava bem, de modo que ela simplesmente largou a vassoura em qualquer canto e me abraçou.

— Nada ainda? – neguei com a cabeça enquanto ela me puxava para o sofá que adquirimos numa loja de móveis usados.
— Vou ter que vender o carro. Olha isso! Eu juro que nunca mais compro roupas ou sapatos. - disse mostrando a imensidão de contas atrasadas.
— Vamos ver por quanto tempo essa promessa dura.
— É sério Lice. Não dá mais. Mesmo que eu arrume um emprego agora, devo demorar uns seis meses para colocar tudo isso em dia. E depois que eu colocar, vou fazer uma poupança e não gastar nenhum centavo à toa.
— Eu acho que tenho uma boa noticia pra você.
— Por acaso você ganhou na mega sena e vai me emprestar alguns milhões?
— Não. Não é isso. Eu consegui uma entrevista para você.
— O que? Onde?
— Lá no escritório. Mas é pra recepcionista. O salário não é aquela maravilha, mas acho que pode dar certo.
— Jura?
— É eu tinha uma cópia do seu currículo no meu e-mail, e quando o Rafael disse que precisávamos de uma recepcionista eu mandei pra ele. Do jeito que ele é, é bem capaz de nem ter lido, mas ele agendou um horário amanhã as oito para conversar com você.
— Ai meu Deus. Eu te amo – eu me joguei em cima dela. – Imagina só, nós duas trabalhando juntas.
— É, mas vai com calma, o Rafael não é muito bonzinho. Mas ele tá desesperado então acho que suas chances são grandes. Agora dá pra sair de cima de mim? Eu não sei se sabe, mas eu preciso respirar – levantei e dei espaço para ela – Obrigada.
— Obrigada digo eu. Agora me conta tudo sobre esse Rafael.
— Ah, ele é bonito, tem uma bunda que dá inveja em qualquer mulher, usa uma barba esquisita, mas mesmo com ela consegue ser bonito.
— Alice não foi isso que eu perguntei.
— Tá legal, não sei se ele é solteiro. Mas ele nunca apareceu com uma mulher. Na verdade eu acho que ele pode ser gay.
— Alice acorda caramba. Eu tô falando de como ele é como profissional. O que eu posso dizer para agradar ele e conseguir o emprego?
— Ah só seja você, e se mantenha longe de qualquer coisa que possa quebrar. Sua sorte não anda lá essas coisas.
— Seja eu? Eu fui eu nos últimos catorze empregos mal sucedidos.
— Tá. Vamos ver – ela pensou um pouco – O Rafael é bem sério. Nunca vi fazer uma brincadeira no escritório. Acho que ele também não sabe sorrir. Então mantenha a postura e fique atenta. Você tem um inglês e um espanhol maravilhoso e isso vai agradar. Ah usa aquele blazer rosa, ele realça seus olhos.  
— Tá e o que mais?
— Não vai muito maquiada, mas também não vai sem nada. Ah, uma coisa muito importante. O Rafael não quer alguém fixo. Tivemos uma reunião mais fechada recentemente, só pra alguns funcionários, e provavelmente vão mudar o escritório para outro lugar e ele vai mudar a equipe. Ele literalmente disse que quer alguém para segurar as pontas na recepção até lá. Mas que se essa pessoa for eficiente pode ficar na equipe. O plano é fazer a mudança no ano que vem. Mas ele já quer ir mudando algumas peças e testar outras para não ter problemas mais tarde. Então se conseguir o emprego, tenha em mente que é pra um ano no máximo, o resto você vai ter que conseguir.
— Mas é o que eu preciso. Pensa, eu junto uma grana esse ano todo, e no ano que vem eu volto para a faculdade e me formo.
— É uma boa. Mas só depende de você então, por favor, não faça nada de errado.

Eu quase não consegui dormir a noite. Como estava com insônia resolvi pesquisar um pouco mais sobre o escritório e sobre o Rafael. Ele era só o herdeiro da “Duarte Advogados”. Mas seu pai já havia se aposentado de modo que ele era o poderoso chefão do lugar. Construiu uma carreira espetacular e invejável. Rafael Duarte é reconhecido internacionalmente e já ganhou vários prêmios em pouco tempo de carreira. Pelas fotos que encontrei vi que Alice tinha razão. Ele tinha o queixo quadrado, o cabelo num tom de castanho claro que realçava seus olhos verdes. Ah sim, a barba era horrível, mas era incapaz de esconder a beleza evidente. Não diria que ele era lindo e maravilhoso, mas dava pro gasto. Não que eu estivesse interessada, claro que não.

Pesquisei sobre a história da empresa e quando dei por mim já eram quase duas da manhã. Eu teria que dar um jeito de dormir caso quisesse aparecer apresentável amanhã, ou hoje. Fui pra cama, e inexplicavelmente eu senti um medo. Não sabia do que ou de quem, mas sabia que algo estava prestes a mudar. Eu só teria que descobrir se era pro bem ou para o mal.

— Ana, acorda logo perua. Vamos nos atrasar! – Alice estava enrolada numa toalha e com os cabelos ruivos molhados.
— Você vai comigo? – olhei pra o relógio ao meu lado, droga. Marcava seis e meia da manhã.
— Claro que sim. Qual o sentido de usar dois carros se vamos pro mesmo lugar? Além do mais, hoje é dia do pessoal do escritório dar uma esticadinha. Happy hour, sabe como é. Você trás meu carro e alguém me deixa em casa a noite.
— Tá vou tomar banho. – Levantei e tentei passar por ela para chegar ao banheiro, mas ela me impediu.
— O que você fez ontem à noite?
— Dormi?
— Não, não dormiu. Olha essas olheiras. Ana caramba... – eu sabia que ela ia xingar. Alice era uma pessoa que acreditava muito nessa coisa de que “a primeira impressão é a que fica”, então ela era meio neurótica com a questão de impressionar logo de cara. Como se ela precisasse. Aqueles cabelos ruivos, os olhos castanhos claros e as covinhas que ela tinha já conquistavam qualquer um.
— Nada que você não consiga dar um jeito com aquele seu corretivo super maravilhoso.
— Sabia que ia sobrar pra mim. Vai logo, vamos demorar pra dar um jeito nisso.

Quarenta minutos depois eu estava linda e pronta. Alice deu um jeito nas olheiras, e não ficou satisfeita até que eu tivesse a aparência de quem tinha tido uma bela noite de sono. Eu usava o blazer rosa que ela indicou, meus cabelos (que precisavam de um corte com urgência) estavam limpos e pareciam saudáveis. Eram pretos, assim como meus olhos, mas tinha feito, há séculos atrás, umas luzes pra dar uma iluminada. Na época tinha dado certo, hoje ele precisava de um retoque. Mas cadê o dinheiro para fazer isso? Não me lembro da ultima vez que fui a um salão de beleza.

Alice tentou me fazer relaxar para a entrevista, mas eu estava tensa. E isso era inegável. A forma como eu apertava o celular evidenciava isso. Graças ao bom Deus, o trânsito não estava tão caótico, de modo que chegamos cerca de vinte minutos adiantada. Na recepção do prédio me deram um crachá de visitante e fomos em direção ao décimo andar. Quando as portas se abriram, eu não me surpreendi tanto. Era um escritório normal, sem nada muito magnífico. Tons pastéis e seriedade estavam impregnados em cada canto daquele lugar, inclusive na cara de Alice. Nunca a vi tão séria na vida.


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