Old Habits escrita por kelly pimentel


Capítulo 9
Marta




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Depois do jantar, estou no quarto de Keyla deitada em sua cama com Benê sentada ao meu lado enquanto a anfitriã e Tina vasculham o armário dela procurando por uma peça de roupa que Tina a havia emprestado. Claro que sabemos que essa busca vai retornar vazia, Keyla é a pior pessoa do mundo para se emprestar algo, ela sempre perde um dos brincos, coloca a roupa para lavar junto com outra cor e acaba estragando, esse tipo de coisa. Eu amo minha amiga de todo o coração, mas sempre que ela me pede algo emprestado eu dou esse algo como morto. MB, Guto e Anderson estão na sala jogando com Tonico, então acabamos aproveitando para ter o tipo de conversa que só temos quando estamos às sós, é claro que não é a mesma coisa sem Ellen.

—Por sinal, vocês falaram com ela esses dias? – Pergunto quando Benê menciona que “não é a mesma coisa sem a Ellen”. —Eu ia ligar, mas com toda essa confusão de ultrasson, consulta e o surto da minha mãe, realmente não tive cabeça.

—Falei com ela mais cedo. –Tina diz. –Está ótima. Parece que ela e o Jota estão cordialmente se ignorando, o que ela trata como um grande alívio, mas eu acho que é só uma camada de negação sendo empilhada nas camadas de negação anteriores. Nisso ela é bem parecida com você. –Ela afirma me dando um sorriso cheio de maldade.

—Eu não estou negação. Tenho problemas demais para estar em negação. Tenho um filho para gerar. –Falo apontando para minha barriga que não mostra nenhum sinal do pequeno parasita que cresce dentro dela. -Essa é minha única preocupação no momento.

—Você nem contou direito sobre o exame. –Keyla diz. –Como foi? Ouviu o coração? É lindo não é?

Sinto um leve aperto no peito, sei que é medo. O medo que carrego comigo desde que saí do consultório, medo de que haja algo errado com essa criança, medo de que as minhas ressalvas sobre sua existência estejam causando algo.

—Ouvi sim. É realmente lindo, mas na verdade o bebê estava muito agitado e não deu para acompanhar muito bem.

—Estava nervosa? Isso é bem normal. –Keyla afirma.

—Eu tinha brigado com a minha mãe. Ela acha que estou cometendo um erro ao ter esse filho.

—E o que você acha? –Benê pergunta. –Porque no final das contas você é uma adulta, é o seu corpo, a sua opinião é a única que vale.

Dou um sorriso para minha amiga. Ela tem sempre algo objetivo, mas impactante para dizer. Ela tem toda razão, é o meu corpo, minha vida, meu filho.

—Sua mãe está só preocupada Lica, é só o choque. O Rony também não ficou feliz quando eu fiquei grávida.

—Não é uma comparação justa, você era uma adolescente. –Afirmo.

—Lica, as mães sempre vão agir como se nos fossemos crianças. E é normal que a sua mãe tenha as ressalvas dela com relação a isso, mas eu tenho certeza de que logo mais ela vai entender e tomar uma atitude mais positiva com relação ao neto. –Tina diz.

—Eu acho que o problema é o MB. – Confesso. –Minha mãe nunca quis que eu voltasse com ele, ela bate nessa tecla tem mais de um ano.

—Sem querer parecer um disco quebrado... – Benê começa. –Acho que mais uma vez você precisa se preocupar com o que você quer.

—A Benedita tem toda razão. – Keyla afirma. –Sua mãe te ama, ela vai entender cedo ou tarde, mas agora o que você precisa fazer é pensar em você mesma, e no meu sobrinho ou sobrinha linda. Além disso, não é como se você e o MB estivessem juntos.

—Eu quase transei com ele ontem à noite. – Confesso encarando o teto. Posso sentir todas me olhando, mas é mais fácil continuar se eu apenas encarar o teto, não por elas, mas por mim mesma. –Eu queria, ele queria, mas com tudo da consulta eu estava com medo de que fosse ruim para o bebê.

—Espere só mais para frente para você ver o quanto você vai querer transar. –Keyla afirma sorrindo, ainda imersa na caça em seu closet.

—Seria tão ruim se vocês tivessem ficado juntos? – Benê pergunta.

—Seria ótimo, e depois seria terrível. Eu não sei o que eu quero! –Digo cansada. –Alguma de vocês pode se encarregar de tomar todas as decisões da minha vida por mim? Por favor? Menos a Keyla, ou ela vai perder a minha vida, como provavelmente perdeu a sua roupa Tina.

Keyla me olha com uma cara fingida de raiva e imediatamente começa a rir.

—Não é que eu tenha perdido...

—“É que eu não sei exatamente onde foi parar” –Tina e eu completamos rindo”

Na volta para o meu apartamento, MB dirige em silêncio. Eu ainda estou processando a ideia de vê-lo brincando com o Tonico de forma tão natural, eu nunca vi o MB ao redor de crianças antes, ou nunca notei isso, não tenho certeza. Também estou fazendo ligações entre a sensação de olhar para ele naquela situação e o comentário da Keyla sobre o aumento da libido na gestação, mas quando MB finalmente abre a boca, ele diz a única coisa que pode acabar com o meu estado de euforia:

—Você deveria ligar para sua mãe. –Ele afirma sem tirar os olhos da pista. –Eu sei que você não quer falar com ela agora, mas eu não quero ser a causa de divergências entre vocês duas, eu posso me manter afastado se você quiser, ou pelo menos evitar incomodar a dona Marta, a única coisa que importa é que vocês não fiquem brigadas Lica. Eu sei o quanto a sua mãe é importante para você, principalmente com o Edgar e...

—Então você vai ser um pai ausente para que eu tenha uma mãe presente? –Pergunto. Não sei porque estou irritada. Eu deveria apreciar o que ele está tentando fazer, mas não consigo passar da raiva.

—Não. Eu nunca vou ser um pai ausente. Eu tenho um desses, você tem... eu sei o quanto pais e mães são importantes Lica, acredite em mim. –MB estaciona na frente do meu prédio, mas mantem o carro ligado. –Eu só não quero que você e sua mãe briguem, eu acho que ela vai se acostumar com a ideia e quando isso acontecer as coisas vão ser mais simples, mas agora, você precisa mais da sua mãe perto do que de mim, eu tenho certeza disso.

—Você não sabe do que eu preciso! –Retruco irritada.

—Tudo bem. –Ele diz se dando por vencido, algo que não é do feitio de MB. –Eu tenho que ir, meu voo sai de madrugada. Você vai ficar bem não vai? E me liga se qualquer coisa acontecer.

—O que você vai fazer MB? Se teletransportar do Rio de Janeiro para cá?

—Se for preciso. –Ele responde sorrindo e passando a mão no queixo. -

—É bastante controverso considerando que você deseja me dar espaço.

—Não banque a esperta Lica. –Ele retruca me encarando. Entre as muitas mudanças entre o MB que eu conheci anos atrás e o que me encara agora, está o pesar nos olhos, uma preocupação que é estranhamente sexy.

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1 ano e maio antes....

—Qual exatamente é o problema? – pergunto sentando ao lado da minha mãe que está numa das cadeiras de descanso de frente para a piscina. –Você gosta do MB, sempre gostou.

—O problema é que você sempre escolhe o MB como companhia para as piores decisões da sua vida, beber, usar drogas, sair de casa escondida...

—Eu não sou mais uma adolescente mãe, eu não preciso sair de casa escondida, eu só bebo socialmente, eu trabalho, estudo, eu não me drogo, e até mesmo parei de fumar – essa última parte é uma mentira deslavada – Além disso, o MB nem bebe mais.

—Se ainda bebesse depois de quase ter se matado, depois de quase ter matado aquele homem...

—Não foi culpa dele.

—Ah não, foi culpa da indústria de bebidas... ou dos limites de velocidade das estradas. Vocês nunca são responsáveis por nada. E o fato de que você ainda se ocupa na tentativa de defende o Maurício é o que me preocupa com essa reaproximação de vocês.

—Nós só estamos curtindo, não é nada sério.

—Pior ainda. Porque ele gosta de você e você deveria se ocupar com alguém melhor, alguém como...

—Não diz Felipe que eu nem quero lembrar, além disso, não toca no nome dele perto da Clara. Mãe, nem todo mundo termina com um Luís, talvez um dia eu tenha um, talvez você até tenha razão e tenha gosto pela tomada de decisões ruins, mas, do meu ponto de vista, eu gosto do que faz com que eu me sinta viva. Eu não quero um cara como esse noivo da Clarinha, toda vez que alguém fala dele ela tem essa expressão de quem está cheirando um peixe morto há dias, eu não quero isso para minha vida.

—Eu só quero que você tenha um relacionamento emocionalmente saudável, só isso. Alguém que te ajude a se manter na terra, não que te impulsione para as loucuras.

—A questão é que você está enganada sobre o MB, ele obviamente não se converteu num santo, mas ele não é nem de longe aquele garoto irresponsável que saia por aí dirigindo embriagado. Eu não ficaria perto dele para assistir ele se destruindo, acredite em mim. Além disso, eu não era exatamente a Madre Teresa e também o meti em roubadas.

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Me arrasto para o trabalho na segunda-feira, tenho um dia cheio, enjoos matinais e não tem nada de fato comestível na minha geladeira. Minha cabeça doí e todo meu corpo parece ter sido triturado. Sigo minha rotina apesar de tudo, afinal de contas, longos sete meses ainda precisam passar para que essa pequena criatura esteja pronta para sair do meu corpo, embora só de pensar nisso eu não saiba determinar se quero que isso aconteça rápido ou não, ambas as opções são assustadoras. Me distraio com o trabalho, com mensagens das meninas no grupo do WhatsApp durante a manhã, depois com MB que me manda um link de uma matéria sobre hábitos saudáveis na gravidez junto com um GIF engraçado, prevendo o fato de que eu o mandaria para o inferno, tudo isso seguido de um “Tudo bem com vocês?”. “Vocês” é estranho se adequar ao pensamento pluralizado de estar grávida, é ridiculamente estranho. Respondo pontuando que ele tinha me dito que daria espaço, então ele manda a distância em quilômetros entre Rio e São Paulo e me pergunta se é espaço suficiente.

Embora seja uma brincadeira, eu sinto um aperto ao me lembrar disso. Considero a possibilidade de que os meus hormônios estejam me traindo, talvez nem seja eu, talvez seja o meu filho sentindo falta do pai.

—Heloisa.. – minha assistente diz abrindo a porta de vidro na minha sala. – A sua mãe...

—Pode passar a ligação. – Digo. Estava deliberadamente evitando pensar nela até agora, mas sua menção faz com que todos os sentimentos me invadam.

—Não. Ela está aqui. Disse que precisa falar com você.

—Claro. – Digo levantando. Vou até a recepção e minha mãe está lá, parada, encarando um quadro. –Mãe...

—Oi. –Ela fala se virando para me olhar. Seu tom é tranquilo, o tom que ela usa quando está tentando me acalmar ou quando tem algo difícil para dizer. –Eu queria conversar com você. Acha que pode gastar vinte minutos comigo?

—Depende. – Digo firme. –Vai me dar mais um sermão por estar grávida?

—Não. Sem sermões. Eu prometo.

—Então podemos sair para almoçar se quiser.

—Eu adoraria.

Pego minha bolsa e partimos. Há certo embaraço entre nós duas, não é a primeira vez que brigamos, obviamente, toda nossa convivência é permeada por brigas gigantescas. Neide costuma dizer que eu já saí do útero da minha mãe arrumando algum tipo de confusão com elas. É ela quem quebra o silencio quando nos sentamos num restaurante de comida natural perto da agência, eu odeio esse tipo de comida com todas as minhas forças, mas minha mãe adora e eu estou tentando estabelecer uma dieta mais diversa.

—Eu sinto muito. –Dona Marta afirma. –De verdade, eu não deveria ter sido tão negativa, mas acho que você está prestes a aprender que as mães não medem distância por aquilo que elas consideram o melhor para seus filhos, mesmo quando precisa travar brigas com os próprios. O que não quer dizer que eu estava certa.

—Eu também sinto muito. –Digo. –Eu sei o que disse antes, eu estava pensando em sobre como você foi contra quando voltei a sair com o MB, se eu tivesse te ouvido não estaria nessa confusão agora.

—Você fala do bebê? Não queria estar grávida Lica? Porque você sabe que eu vou te...

—Não. Não é isso. Quer dizer, eu não planejei estar grávida, mas estou e decidi ter esse filho. Sabe lá Deus por que... mas a questão é que, eu estou confusa com todo o resto e assustada mãe, eu estou incrivelmente assustada. Eu não sei o que eu quero, eu não sei se vou ser capaz e quando você, a única pessoa do mundo que sempre acredita em mim, me disse que eu não conseguiria fazer isso...

—Eu sinto muito meu amor, de verdade. –Minha mãe coloca uma das mãos por cima da minha e passa a outra pelo meu rosto. Só então percebo que estou chorando. –Eu também estava assustada naquele dia, e eu espero que possa me perdoar por isso, por ter me assustado. É que é difícil esquecer de tudo que aconteceu...

Eu lembro da overdose que tive aos dezesseis, minha mãe estava em Paris, Edgar me levou para o hospital, mas assim que fui liberada me deixou sozinha, MB tinha sofrido um acidente de carro, e eu estava mal, eu estava extremamente mal por tudo, mas eu nem tinha noção de quão mal estava, dali para frente as coisas pioraram. E éramos sempre eu e MB fazendo todo tipo de besteira, não era culpa dele, nós dois estávamos simplesmente emocionalmente fodidos, e é claro que era simples para quem estava de fora, para essas pessoas nós dois éramos apenas dois idiotas ricos que não apreciavam as oportunidades que tinham, o dinheiro disponível, mas a verdade é que a minha família tinha desmoronado, eu não recebia a atenção que precisava, eu tinha ciúmes do namorado da minha mãe, eu odiava meu pai e todas as mentiras que ele contou, e eu não conseguia fazer nada além das escolhas erradas. MB era alcoólatra, viciado em adrenalina, órfão de mãe, com um pai que só estava presente financeiramente. Talvez ainda parece idiota hoje, talvez seja fácil apontar as facilidades que tínhamos, mas a cruz dos outros não é menos dolorosa porque é uma cruz cravejada de diamantes. Todo mundo tem um inferno pessoal, e nem todo mundo tem condições de caminhar por ele sem se deixar destruir.

—mas você tinha razão, o MB mudou, e eu não me dei ao trabalho de tentar reconhecer isso, eu não deixei ele se aproximar para entender a relação que vocês tem agora.

—Não estamos juntos mãe. Você não precisa se preocupar com isso. Eu adoro o MB, mas eu não pretendo voltar com ele só porque estou grávida.

—Eu sei, ele me disse isso.

—Ele te disse isso? – Pergunto encarando-a surpresa. –Quando?

—Ontem. Ele foi lá em casa ontem à noite. Pediu para conversar comigo, me contou que não quer ficar no caminho, me garantiu que está sóbrio por mais de dois anos e que tudo que quer é ser um bom pai. Ele me disse que você precisava de mim, e que admirava nossa relação.

Senti uma onda de calor me atravessando, de mãos dadas com uma nova onda de choro, abracei minha mãe e contei sobre tudo que aconteceu na consulta, falei sobre os meus medos, sobre as minhas dúvidas, passamos horas conversando e, quando finalmente saímos do restaurante, eu senti que as coisas iriam ficar bem. Minha mãe se despediu de mim e passou a mão na minha barriga com um grande sorriso, dizendo que o neto ficaria bem, que ele provavelmente já tinha os traços da mãe e estava apenas fazendo alguma trela.

A semana passou tranquila depois disso, Tina veio dormir no meu apartamento uma noite quando Anderson estava fazendo um show em Campinas, ela me acompanhou no médico mais cedo, junto com a minha mãe, já que MB acabou ficando preso num compromisso de trabalho no Rio e não pode vir no final de semana, o que acabou acontecendo novamente nos finais de semana seguintes, curiosamente, os eventos de trabalho da empresa do pai de MB pareciam sempre contar com a presença de Samantha, o que claramente me irritava, mas eu não tinha intenção alguma de deixar que MB soubesse disso.


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