Old Habits escrita por kelly pimentel


Capítulo 10
Parenthood


Notas iniciais do capítulo

Depois de mil anos estou de volta, espero que gostem.



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Durante o terceiro mês de gravidez, mesmo sem nenhum sinal de barriga e com o fim dos enjoos, eu descobri que Keyla tinha razão sobre o aumento da libido, além disso, eu realmente estava louca por um cigarro, uma xícara de café ou uma taça de vinho. Então meus pensamentos diários giravam em torno disso. Riscando da lista os itens que poderiam ser prejudiciais ao meu filho, optei por aquele que talvez fosse o mais prazeroso: sexo. Aceitei sair com um antigo paquera, jantar, alguns beijos no carro....

—E? – Tina pergunta se jogando no sofá da casa de Benê. –Não me diga que idiota notou que você estava grávida e....

—Não. Ele nem teria como notar. –Afirmo. Embora não esteja inteiramente certa disso. –Eu simplesmente não consegui ficar excitada com ele. Por mais que ele se tenha se empenhado, parecia que toda a área estava mais seca que Cantareira em 2015.  – Digo apontando para minha virilha. Talvez eu devesse ter marcado com uma mulher, sempre fico mais excitada.

—Às vezes eu esqueço que você curte homens e mulheres – Benê diz me encarando. Sei que é um assunto que a incomoda, antes de começar a sair com Benê de forma oficial Guto tinha se descoberto bissexual, e às coisas para Benê não são processadas tão facilmente. Ela é uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço, mas no que diz respeito a entendimento de questões sociais e de relacionamentos minha amiga precisa de certa orientação, então na época ela realmente não entendeu bem o que aquilo significava.

—Ou talvez você precise de uma pessoa específica. Não de um gênero. –Guto diz. Tomo um susto ao notar sua presença. Ele se aproxima e coloca as mãos no ombro de Benê. –A pessoa certa é tudo que importa. Você sabe disso Lica.

—Acho que essa é a nossa deixa para deixar o casal em paz. –Tina diz levantando.

—Vocês não precisam ir. – Benê diz.

Claro que precisamos. –Afirmo sorrindo. – Estou com medo que você e o Guto decidam pular num no outro na nossa frente.

—Pular? Porque iriamos pular num no outro?

—Ela quis dizer que vamos nos agarrar na frente delas. – Guto explica carinhosamente.

—Não vamos fazer isso! – Benê afirma.

—Vamos sim! – Guto diz sorrindo.

—Prometo que não estamos indo por isso. –Tina pontua dando risada. –O Anderson está chegando do Rio e eu tenho que pegar ele no aeroporto, a Lica vai comigo.

—Vou? –Pergunto.

—Claro que vai garota! Eu preciso de companhia, e do seu carro. –Ela afirma. –O meu é ridiculamente pequeno para malas.

Nos despedimos de Guto e Benê e partimos para o aeroporto, deixo Tina dirigir porque estou cansada, e ela está me obrigando a ir para o aeroporto depois de um encontro frustrante. Quando Anderson desembarca, para minha surpresa, ele não está sozinho. Encaro Tina e fica claro que ela não tinha ideia de que MB estava vindo, ele me dá um sorriso e parece surpreso em me ver.

—Você poderia ter me avisado que vinha! – Digo batendo no ombro de MB depois de deixarmos Anderson e Tina no apartamento deles. Apesar do gesto pouco cordial, estou feliz em vê-lo.

—E perder a sua cara de surpresa? –Ele pergunta enquanto começo a dirigir. –De jeito nenhum! Além disso, eu não tinha certeza se ia conseguir vir. E não queria que você ficasse desapontada comigo.

—E porque eu ficaria desapontada? – Pergunto defensiva.

—Porque eu iria perder outra consulta. –Ele responde E então noto que havia esquecido disso, minha mente estava processando o desapontamento por não o ver, não pela participação do pai do meu filho na gravidez. Além disso, obviamente não gostava de ir as consultas sem ele, mas não estava disposta a deixá-lo saber disso. –Por sorte, apareceu uma reunião aqui no Rio. Eu tenho uma reunião logo cedo e depois disso te encontro para consulta.

Quando paramos na frente do prédio de MB lembro que existe algo que preciso fazer, então antes que ele desça eu peço para que espere, faço isso segurando-o pelo braço.

—Eu nunca te agradeci pelo que você fez... –Ele me olha como se não entendesse sobre o que estou falando. –Por ter ido na casa da minha mãe, não deve ter sido agradável. Na verdade, vamos chamar pelo nome certo, deve ter sido um pesadelo.

—Lica, não tem nada que eu não faria por você. –MB afirma. E nesse momento eu não posso deixar de comparar o modo como meu corpo reagiu ao ouvir isso e sua fraca resposta aos estímulos e carícias do meu acompanhante no encontro mais cedo. –Eu só quero que você tenha o apoio...

—Cala a boca MB – Digo de forma rude, então avanço meu corpo para o dele e estamos nos beijando. MB passa as mãos pela minha cintura e eu me movo do banco do motorista para seu colo. Com uma das mãos, MB segura minha nuca mantendo nossas bocas grudadas, a outra mão explora meu corpo, avançando pela minha roupa, subindo minha saia, me fazendo gemer.

—Lica... –Ele fala. Eu sei que é uma pergunta, ou melhor, um pedido de permissão.

.

—Não pare, –Peço. E ele começa a me estimular com os dedos. Jogo minha cabeça para trás batendo em alguma porcaria do meu carro, mas não me incomodo, estou consumida por desejo, pelo cheiro de MB, pelo toque. O primeiro orgasmo da noite acontece ali mesmo, no carro, como dois adolescentes. Como costumávamos fazer anos atrás. Depois subimos para o aparamento de MB, todo o processo envolve diversos beijos no elevador e olhares de condenação dados por uma senhorinha que mora no prédio.

—Ela vai reclamar de você para o síndico. – Aviso.

—Duvido que ela se quer saiba meu nome Lica. Eu quase nunca estou em casa. –Ele pontua colocando a mala num canto.- Agora venha aqui. –MB me deixa rente ao seu corpo me pegando pela cintura, eu sinto meu coração pular uma batida com a proximidade repentina,

“Malditos hormônios da gravidez”, penso, mas quem eu estou tentando enganar? Sempre fomos bons nisso, sempre fomos bons juntos. Talvez por isso, muitas vezes, eu tenha tido dificuldade de entender nosso relacionamento além das linhas de uma boa amizade e excelente sexo, quer dizer, como saber se eu não estou misturando as coisas? Concentro minha atenção nos poucos fios loiros em seu rosto, enquanto posso sentir os olhar dele em mim, me queimando.  

Vamos para o quarto de MB e transamos novamente, dessa vez na cama, o que não torna a experiência menos excitante. Essa é a coisa sobre química, algumas pessoas fazem suas pernas tremerem apenas de te olhar de uma determinada forma. Além disso, ajuda o fato de que ele extremamente bom na cama, não que eu vá admitir, pelo menos não com todas as palavras, mas suspeito que o meu corpo me entregue.

Três orgasmos depois eu estou deitada fazendo o braço de MB de travesseiro e encarando-o enquanto ele dorme. Me dou conta de que senti mais a falta dele do que havia pensado. Foram só algumas semanas, tento dizer a mim mesma, mas sei que isso significa mais do que tenho condições de processar no momento, então me aninho no peito de MB e tento dormir sendo embalada pelo seu cheiro.

No dia seguinte, quando acordo, MB não está na cama. Encaro o relógio que marca 9h, temos consulta às 10h, então levanto da cama, visto uma camisa de MB e saio do quarto procurando-o. Ouço sua voz agitada na sala e vou até lá.

—Não foi isso que eu quis dizer, e não me diga o que você faria na minha situação. Somos pessoas totalmente diferentes. Eu de fato me importo com o fato de que vou ter um filho, e não só com como ele pode ser uma satisfação do meu próprio ego.  –Ele afirma desligando o telefone e jogando-o na mesa de apoio. MB passa a mão nos cabelos e encara a vista de sua janela, parece irritado demais para notar minha presença.

—Ei... tá tudo bem?  - Pergunto. MB se vira de uma vez e me encara surpreso.

—Tá tudo ótimo. Você quer comer alguma coisa? Eu liguei na padaria e eles entregaram, tem pão quentinho, geleia...

—Tem certeza de que tá bem? Quem era no telefone?

—Era o meu pai, mas tudo bem se deixarmos para falar sobre isso outra hora?

—Ok. – respondo. –Eu preciso ir para casa, não posso ir para consulta sem tomar um banho e vestir roupas limpas.

(...)

Passo o dia todo com o MB, primeiro a consulta mensal, depois almoçamos juntos e pegamos um cinema, o que era algo que eu não fazia em muito tempo. Depois de chegarmos a minha casa, estamos deitados no sofá, MB massageando meus pés, quando eu finalmente pergunto sobre o assunto que esteve rondando a minha cabeça durante todo o dia.

—Vai me falar sobre o que o seu pai queria? – Pergunto. MB para o que está fazendo e me encara, conheço bem aquela expressão de quem vai tentar ser charmoso para sair da situação sem me contar nada, então deixo claro que não pretendo permitir recolhendo meus pés e aproximando meu rosto do dele. –Seja lá o que for, tenho certeza que você deveria me dizer, eu posso te ajudar. Ele está chateado com a gravidez.

—Não, claro que não. Eu posso citar as palavras deles de forma direta: “bem, uma garota de berço aquela Lica, sempre gostei dela... é importante ter filhos com alguém da sua altura, quando vão casar? Essa criança não pode ser bastarda”

Fico dividida entre de dar altas gargalhadas e sentir uma vergonha terrível da situação. O pai de MB é o clássico empresário extrema-direita de valores coloniais, ele é como a materialização do capitalismo, só se interessa por coisas e pessoas que dão lucros. E é provavelmente um resumo do que há de errado com o nosso país.

—Seu pai não existe. – Digo. É a forma mais educada de pontuar.

—Meu pai existe sim, ele é bastante tangível. Pergunte a qualquer um dos funcionários que ele explora ou a qualquer outra pessoa que não seja adequada aos padrões deles.

—Bem, ao menos eu estou aos padrões. – Falo sorrindo.

—Meu pai me ajudou quando eu estava mal Lica, e eu não posso esquecer disso, mas ele fez da minha infância um inferno, ele foi permissivo, omisso... eu não sei se quero ele perto do nosso filho, nem sei como vai ser daqui para frente, como ele vai reagir às minhas decisões.

—Que decisões?

—Bem, ele acha que eu você deveríamos nos casar e que você deveria ir para o Rio comigo.

—Seu pai realmente não me conhece não é?

—Não, mas você “tem sangue azul” – ele diz essa última fase com uma pompa sarcástica. – Isso é tudo que importa para ele. Até hoje, ele ainda que você e a Sam são as únicas pessoas descentes que eu namorei, ele odiava a K1, que obviamente é a mais gentil e boa garota de vocês três, isso nos padrões dele, claro.

—Mas era pobre...

—Segundo ele era pobre e mal vestida... meu pai realmente acha que é o porteiro do céu cinco estrelas.

—Ele também adorava a Sam? E eu achando que era especial.

—Bem, ele achava que ela era um liberal com pais liberais, mas ainda assim uma liberal que nasceu em berço de ouro.

—Eu não sei o que me ofende mais, o fato de que o seu pai gostava da Sam ou o fato de que ele me considerava uma conservadora.

—Ele só não sabia das suas ações Lica. – MB diz rindo. –E sobre o que sabia sempre achou que fosse uma questão de birra contra os pais, como achava que era o meu caso também.

—No final das contas ele estava parcialmente certo, você se transformou no filho que ele queria, com as empresas e tudo mais... eu sou uma ativista de sofá nos últimos tempos, talvez eu tenha esquecido de checar o meu privilégio algumas vezes nos últimos anos, mas ainda podemos corrigir isso.

—Você vai se amarrar numa arvore essa hora por alguma causa?

—Não seja cínico. Estou falando principalmente de você, você pode ir atrás do seu sonho, voltar a estudar engenharia de som, voltar a trabalhar com música.

MB não diz nada, mas noto imediatamente que o assunto o incomoda, eu sabia o quanto ele queria seguir a carreira como produtor musical, o quanto ele adorava a área, mas também sabia que estar imerso nesse ramo poderia ser um gatilho para bebidas, afinal de contas ele é um alcoólatra. O fato de que não coloca uma gota de água no corpo em anos não o livra da condição.

—Acha que vamos ser bons pais? – Pergunto mudando apenas parcialmente de assunto.

—Não sei. – MB confessa. –Mas eu realmente quero ser diferente do meu pai, eu não suporto a ideia de pensar no meu filho crescendo sem que eu possa acompanhar ele de perto. Acho que eu só preciso fazer tudo ao contrário do meu pai.

—Acho que não temos boas referências nesse aspecto. Sempre achei que eu sou o meu pai, sou o reflexo dos erros dele, tenho os mesmos defeitos... –paro de falar, sei que até mesmo o fato de que eu afasto MB por anos é um reflexo do quanto eu posso ser parecida com meu pai, eu tenho medo de não ser capaz de manter um relacionamento, como o Seu Edgar, e acabar fazendo a outra pessoa me odiar.

—Se um dia eu magoar o meu filho da forma como o meu pai...

—Você não vai. – MB diz firme, passando a mão no meu rosto.

—Como você sabe? Acabou de dizer que não tem certeza se podemos ser bom pais.

—Bem, eu acho que existem dois tipos de reagir frente a experiências negativas, nós podemos repeti-las ou podemos aprender algo e crescer a partir delas. Eu realmente acho que você é o tipo de pessoa que cresce, olhe para atrás, par tudo que você fez quando ainda tinha dezesseis anos. O parto de uma garota no metro, as nossas movimentações na escola, você sempre lutou pelo que acredita, pelo que ama.

—Nem sempre. – Confesso. –Eu nunca lutei por você.  -MB me olha surpreso, e ele que sempre tem o que dizer subitamente parece sem palavras. Nem mesmo um comentário sarcástico. –Ainda posso tentar?

Ele se aproxima e me beija, sua boca e a minha trabalham bem juntos, tão bem que eu só consigo pensar que qualquer coisa que venha disso, de nós dois, só pode ser uma coisa boa. Quando finalmente separamos nossos lábios MB me encara com um sorriso: -Eu achei que você não fosse pedir nunca.


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