Old Habits escrita por kelly pimentel


Capítulo 11
Lar




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Parte de mim acreditava que a decisão de voltar (ou seja lá qual a palavra certa para isso que estamos fazendo) com MB, havia sido um pouco precipitada, mais uma parte maior estava extremamente contente por tê-lo ao meu lado. Uma das vantagens – que eu apenas confessava para as minhas amigas – era o fato de que MB estava morando no Rio, eu gostava de pensar que não estarmos na vida um do outro todos os dias, fisicamente, entrando no caminho, era uma boa coisa. Algo que fazia com que toda avalanche de problemas não resolvidos não nos acertasse. Mas tudo isso mudou rapidamente quase um mês depois que voltamos, quando eu comecei a ficar mais intensa com tudo e com todos.

Tudo começou no trabalho, quando um cliente pediu algumas revisões de um trabalho que tinha me levado a semana inteira e eu tive uma reação raivosa que fez com que o gerente de contas tivesse que se desculpar, eu mesma não tinha a menor condição ou vontade. Também fiquei irritada quando Edgar me ligou dizendo que ficou sabendo que eu estava grávida. E depois disso foram algumas pequenas coisas, como quando eu perdi uma pulseira que minha mãe havia me dado, quando arranharam meu carro, quando cheguei em casa e descobri que meu sorvete tinha acabado.

—Aqui! –Tina disse abrindo a porta e me entregando uma sacola. –Tive que ir em quatro lugares até encontrar menta com chocolate. – Ela afirma passando por mim na porta. É sério, eu não entendo por que...

Ela não pode terminar. Foi interrompida pelo meu choro que durou tanto tempo que ela acabou ligando para Keyla que veio no meio da noite ajudá-la a me consolar e estabelecido uma chamada de vídeo com Ellen e Benê.

—Isso é normal Lica. –Keyla disse me abraçando. – A gravidez é um processo mentalmente e fisicamente desgastante, é normal que isso abale seu emocional, mas vai ficar tudo bem.

—Não. Não vai. Eu vou perder meu emprego porque não consigo trabalhar sem gritar com as pessoas ou sem chorar quando algo me frustra.

—Na verdade você não pode perder seu emprego porque está acobertada pelas leis trabalhistas ai do Brasil – Benê pontua. Ela está em uma turnê de música clássica na Europa.

—Essa fase vai passar logo. E você precisa focar nas coisas boas, como sentir seu filho se movendo ou pensar no quartinho do bebê. –Keyla afirma enquanto Tina me encara oferecendo uma tigela de sorvete de menta como se eu fosse uma criança de quatro anos. Aceito o sorvete e aos poucos vou me acalmando.

—Quarto do bebê? Esse apartamento só tem um quarto. Além disso, eu nem sei se....

—Ok, péssima escolha de assunto. Vamos escolher outro tópico. – Ellen diz.

—Minhas sugestões são fofocas de celebridades ou novelas. –Keyla afirma.

—Ou a Ellen pode nos contar sobre como estão as coisas na Califórnia. Com o Jota... – Tina fala com um tom cheio de insinuação.

—Ele é um idiota e nós discutimos sempre que somos obrigados a conviver. –Ellen conta. –Tanto que eu não posso acreditar que já fui apaixonada por ele. Mas, para minha sorte, eu não tenho que lidar com ele na maior parte do tempo. Eu supervisiono a equipe dele, entre outras, mas meu projeto de trabalho é maior que isso e a maior parte do meu tempo é ocupado lidando com pessoas que estão em um nível hierárquico maior que o dele na empresa.

Mas vem cá, você acha que não restou nadinha do que sentia por ele? – Keyla pergunta.

—Honestamente, eu não sei. Eu não sei se consigo passar de toda a raiva para perceber se sobrou alguma coisa. – Ellen confessa.

—Quer saber o que eu acho? – Tina começa a falar – Acho que o fato de que você ainda tem toda essa raiva é resposta o suficiente. Se você tivesse mesmo esquecido, virado a página, ele não teria tanto efeito.

—Vocês provavelmente têm razão, mas eu não posso colocar o Jota no centro da minha vida. Eu tenho um projeto incrível aqui, fiz amigos. Descobrir se podemos ser algo não está no topo da minha lista de prioridades. Benê, fala da sua turnê. Você tem algo aqui nos Estados Unidos?

—Não. Eu estou na Itália, depois vamos para França e Alemanha e voltamos para casa, devo estar de volta em uns quinze dias.

—Que pena. Meninas, eu tenho que ir. Vou sair para jantar com umas amigas. – Ellen afirma.

—Amigas? Você já colocou outras em nosso lugar? – Pergunto rindo.

—Nunca! Não tem ninguém como vocês em lugar nenhum no mundo.

Depois que tanto Ellen quanto Benê desligam, Tina, Keyla e eu decidimos ver um filme e elas acabam ficando para dormir comigo. Tina estava preocupada demais para me deixar sozinha e Keyla cansada demais para dirigir às duas da manhã.

Abraçada com Tina, aquela foi a primeira vez que senti falta de MB enquanto parceiro e quando contei isso a Keyla no dia seguinte, durante o café da manhã, ela me disse que passar pela gravidez com um parceiro, com alguém que está comprometido emocionalmente com você e com o seu bebê, alguém para dividir a carga, faz toda a diferença e que se ela engravidasse hoje e tivesse que passar por tudo sozinha, não faria.

—Ainda bem que você tem o MB. –Ela disse sorrindo. Olho para Tina com curiosidade.

—Não olha para mim. Eu não falei nada. – Tina retruca.

—Acha mesmo que eu não sei que voltaram? Eu sei que você só conta as coisas para Tina, mas eu te conheço o suficiente para saber disso Heloísa.

—Eu queria ter contado, mas é que eu e o MB já demos errado tantas vezes que parece que eu fico contando a mesma história.

—Quer um conselho? Use essa coragem que todo mundo sabe que você tem e aposte em vocês, na família que estão formando.

—A Keyla tem razão Lica, além disso, o MB é louco por você. E eu sei que ele está muito feliz com essa criança. O Anderson me contou.

—Ninguém sabe segurar a língua no nosso círculo de amizade? – Questiono rindo.

—Quando é para disseminar amor não. – Keyla afirma. – Fica tranquila. Essa fase mais emocional vai passar, aproveita o segundo trimestre, faça sexo, viaje, faça algo legal para você mesma. Acredite em mim, logo menos as coisas vão levar um tempo para serem só sobre você novamente.

—Porque você não vai para o Rio em vez do MB vir pra cá esse final e semana? Ia ser bom! – Tina sugere.

Concordo com elas e digo a mim mesma que Keyla está certa e que logo isso vai passar, mas horas depois quando elas vão embora MB me manda uma mensagem dizendo “sabia que no quarto mês é indicado dormir de lado? Ajuda na circulação. Acabei de ler isso” e então começo a chorar novamente porque MB está lendo livros sobre bebês.

Sigo o conselho das meninas e vou para o Rio. Conheço apartamento de MB, um flat na beira mar de Copacabana, passeamos pela praia, pedalamos, vamos para uma balada LGBT numa ruazinha escondida da Lapa, tudo é bom e novo e pela primeira vez em muito tempo eu não penso em nada além de dançar e beijar MB, embora ele estivesse o tempo todo tentando garantir que eu não me esforçasse demais, como se estar grávida fosse algo que me tornasse de cristal. O final de semana é tão bom que voltar para realidade é como ser arrastado por correntes, mas é objetivamente necessário.

No final de semana seguinte MB vem para São Paulo e saímos com nossos amigos. Um programa de casal é como um teste territorial para mim e MB, eu sei disso, mas concordo. Nossos amigos estão em relacionamentos com diferentes estágios, Keyla e Tato são casados e têm o Tonico, Tina e Anderson estão planejando o casamento, eu e MB somos uma bagunça sem rótulo. Embora minha mãe tenha sido enfática na tentativa de nos definir como algo “já que insistimos em tentar”. 

—Você tá linda com esse vestido. Com essa barriguinha mostrando. – MB diz no meu ouvido quando estamos saindo do restaurante.

—Isso que você está sentindo é só o seu orgulho masculino refletido por ter me engravidado, é uma coisa hormonal, vai passar. – Afirmo irritada.

—Tem alguma coisa errada? Eu fiz alguma coisa errada? – Ele pergunta.

—Não. Nada. Eu só... me desculpe, ok? Para ser honesta eu não sei porque estou agindo assim.

Me afasto de MB um pouco e me aproximo de Keyla e Tato, deixando-o com Tina e Anderson. Quando Keyla se afasta para atender um telefonema de Gabriel, que está tomando conta de Tonico para que eles saiam essa noite, eu fico sozinha com Tato, caminhando pela paulista.

—Vocês estão bem? – Tato me pergunta.

—Estamos indo. Acho que já é muita coisa considerando quem somos. – Respondo.

—É sim! –Ele fala passando o braço no meu ombro. –Sabe o que eu acho?

—Não, mas tenho certeza de que você vai me dizer. – Brinco.

—Que vocês têm algo pelo qual vale a pena lutar.

Nos despedimos de nossos amigos e encerramos a noite um pouco mais cedo porque MB precisa arrumar a mala para viajar de madrugada para o Rio e vai passar uma semana em Recife depois disso. Assim que entramos no meu aparamento fico novamente irritada sem nenhuma razão aparente. Vou direto tomar um banho e quando termino noto que o chuveiro está pingando, o que me irrita ainda mais. Então me visto e vou até a dispensa para pegar a pequena escada de metal que uso para trocar lâmpadas e fita de vedação, MB está na varanda falando ao telefone enquanto sua mala está aberta na cama.

Subo na escada e retiro o chuveiro do lugar, mas por alguma razão a água começa a jorrar pelo cano, o que faz com que eu me desequilibre e quase caia da escada, dou um grito e me apoio na parede, evitando a queda.

—O que você tá fazendo? – MB pergunta entrando no banheiro parecendo mais branco que o de costume.

—Tomando banho com roupa e tudo! - Grito. -Essa porcaria quebrou.

—OK, venha aqui. -Ele fala me alcançando. -Você vai acabar se machucando.

—Eu posso fazer isso sozinha MB! - Respondo, mas ele me força a sair do alcance da água.

Sento na bacia enquanto MB recoloca o chuveiro no lugar.

—Você precisa colocar fita de vedação. –Afirmo. Estou um pouco abalada pela minha quase queda.

—Não. Não preciso. Não tem nada errado com o encaixe do chuveiro.

—Então deve ser a torneira de passagem, eu vou pegar uma chave e...

—Lica, não! Você não vai pegar coisa alguma. Eu sei que você pode consertar um chuveiro, fazer qualquer coisa na verdade, mas não grávida de cinco meses. Me deixe ajudar, ok? - Ele afirma pegando a minha toalha do gancho e me entregando. Estou encharcada.

—Eu não posso. - Respondo encarando-o. MB também está molhado.

—Não pode o que?

—Não posso deixar você me ajudar porque você não está aqui o tempo todo, e eu preciso fazer as coisas sozinha. – Coloco a mão no rosto tentando fazer com que MB não me veja chorar, pois, posso sentir a proximidade das lágrimas.

MB levanta meu rosto e faz com que eu o encare. Ele passa os dedos pelo meu rosto afastando alguns fios molhados.

—Lica, eu não vou mais voltar para o Rio.

—Por que?

— Porque você está aqui, então, onde mais eu estaria? Nenhum lugar pode ser meu lar sem você por perto.

—Está falando sério? – Pergunto encarando-o. -Não dessa parte piegas. - -Afirmo fazendo-o rir. -Você vai mesmo ficar aqui?

 

É o que eu mais quero. Mas e você, você quer isso? Acha que podemos fazer isso juntos?

—Acho que precisamos tentar. 


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