Dragões do Norte escrita por Snowfall


Capítulo 3
O Bem Aventurado




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O cavalo que Jon montaria em sua viagem até o porto era enorme.Ou pelo menos era o que parecia ao garoto. A manhã era fria e ele usava tudo o que tinha de mais quente. Levava uma pequena bolsa de couro em que guardara seus pertences mais importantes. E tinha , é claro, a adaga.
Jon a tirou da bainha que usava pendurada à cintura. Era muito bonita, de prata com quase trinta centímetros de comprimento. Mikken o havia procurado na noite anterior para lhe entregar o presente. O velho ferreiro disse que não podia deixá-lo sair em uma aventura desarmado e que era muito pequeno para carregar uma espada.
“Quando voltar vou fazer uma espada de verdade para você”— disse antes de se despedir. Jon não soube dizer nada mais que um obrigado. Nunca tinha se despedido de alguém e não sabia o que fazer com o bolo que sentia na boca do estômago.
— Tente segurar bem as rédeas com esse aí Jon, é jovem e nunca fez uma viagem assim-disse miestre Lwin se aproximando.
O menino olhou o cavalo mais uma vez. Com seis anos, ele não era grande o suficiente para montar um animal adulto mas um pónei não conseguiria fazer uma viagem tão longa na qual teriam que ser rápidos, então um cavalo jovem era a melhor opção. Mesmo assim Jon ainda tinha que descobrir como alcançar a sela sem parecer um tolo. Com toda certeza não usaria um banco.
Miestre Lwin se abaixou até chegar ao seu nível e sorrio.
—Isso é para você-estendeu a Jon uma sacola de lã que parecia muito pesada.
Dentro, a julgar pelo volume, havia livros.
— São os livros sobre dragões que tanto gosta. E veja aqui, este é especial- Jon tirou da bolsa o livro que o miestre apontava. Não havia título, só um grande volume de páginas em branco.
—Mas não tem nada escrito.
—Porque esse é para você escrever. Um diário de sua visita á Ilha dos Ursos. Imagina tudo que há para ver por lá.
—Dizem que há navios fantasmas e que os selvagens tentam invadir dia sim, dia não-falou o menino ainda atento ao diário.
—E pode fazer desenhos também para me mostrar quando voltar.
Com isso Jon voltou sua atenção ao Miestre. Será que ninguém percebia que ele não voltaria. Que aquilo era adeus.
—Vou escrever ao senhor.
—É bom mesmo porque quero me certificar que não esta deixando sua educação de lado- o miestre tentava amenizar a situação, todos pareciam querer que o garoto pensasse que a sua viagem não passava de uma grande aventura mas Jon nunca foi uma criança que se enganasse facilmente.
—Vou sentir falta do senhor-acabou por dizer em voz alta.Miestre Lwin pareceu engolir algo muito amargo e puxou Jon para um abraço.
—E eu de você minha criança.
Por cima do ombro do miestre, Jon viu Jocelin se aproximar, trazia um embrulho na mão e tinha o rosto vermelho.
—Que bom que ainda não partiu. Venha, me deixe ver você.
Pôs as mãos nos braços de Jon e lhe fez uma revista rigorosa.
—Vai levando todas as meias?
—Sim
—E aquele casaco de lã que te fiz...
— Esse também.
—Certo, não quero que se meta em confusão lá no lugar onde vai, entendeu?
— Está bem.
—Veja, fiz para você- entregou a Jon embrulho.
—Bolinhos de mel, aqueles que você gosta. É para comer na viagem.
—Obrigado-Jocelin agora chorava e Jon nunca soube como consolar ninguém.
—Não chora Jocelin. Vou te escrever toda semana. E você pode me escrever também-o garoto vinha ensinando a ela como ler e escrever fazia algum tempo e a cozinheira havia feito muito progresso apesar da descrença inicial dela e de miestre Lwin.
—Está na hora Jon.
Jory se aproximava mas a atenção de Jon se fixou no homem que vinha um pouco atrás. Lorde Stark.Não esperava vê-lo e não tinha certeza se queria.
—Posso falar com meu filho um instante- todos se afastaram.
Ned Stark parecia maior usando sua capa de pele.
—São duas semanas de cavalo pela Mata de Lobos até Bosque Profundo, é uma viagem longa e difícil então faça tudo que Jory mandar.
—Sim senhor.
O rosto de Lorde Eddard se abrandou.
—Era um pouco mais velho que você quando deixei Winterfell para morar no Vale.Sei o que se sente quando deixamos o lar. Mas acabei fazendo amigos para a vida toda quando estive lá então aproveite o máximo que puder.
Aí estava de novo, todo mundo queria que pensasse que tudo seria muito divertido.O garoto deu a resposta de sempre.
—Sim senhor.
Era tudo que podia dizer. O bolo estava maior do que nunca. Se voltou para o cavalo e passou seriamente a cogitar o banco. Todos já estavam montando e Jon não fazia ideia de como seu pé alcançaria o estribo.
Lorde Stark percebeu seu dilema, o ergueu pelas axilas e o acomodou na cela. Enquanto o ajustava, falou:
—Tome isto.
Entregou ao menino uma trouxinha de pelúcia negra.
—São moedas...
—Sim,cinquenta dragões de ouro para ser preciso.
—Mas é muito dinheiro...
—É, e por isso quero que preste atenção. Não mostre isto para ninguém. Muita gente faria mau a um garoto por essa quantia. Esconda e só use se for necessário. Miestre Lwin sempre fala de como é um garoto inteligente. No mundo lá fora precisará dessa inteligência mais do que nunca.
Saíram de Winterfell com um céu nublado,um começo agourento mas estavam no Norte, se esperassem tempo bom para viajar era capaz de nunca saírem de casa.O cavalo parecia obedecer os comandos bem o suficiente, graças aos deuses. E Jon só pensava em qual desenho faria primeiro em seu novo diário.
......
A Mata de Lobos estava molhada e enlameada.Uma chuva fininha deixava a caminhada lenta, fria e molhada.Não é preciso falar que o ânimo de todos minguou logo nas primeiras horas.
As pernas de Jon estavam dormentes e ele deixou sentir o traseiro a uma cinco léguas atrás. Mas o garoto tinha preocupações mais urgentes. Ele estava ocupado fazendo malabarismos para evitar que o saco com os livros molhasse.Desejava que as roupas estivessem seguras, esperava que o couro servisse ao seu propósito. Quando a chuva parasse queria ter algo seco para vestir.
—Deuses tenham piedade- exclamou Marlik, um senhor que acabara de chegar aos sessenta, enquanto torcia a bainha das vestes e olhava para cima em prece.
—Veja só você, reclamando de um chuvisco quando já viveu invernos o suficiente para ter as bolas congeladas. Jon é uma criança e você não o vê se queixar- a chuva parecia ter lavado fora a paciência de Jory.
—Prefiro neve à chuva a qualquer hora- retrucou Marlik.
No fim os deuses tiveram pena de Marlik. A chuva passou no começo do segundo dia e um sol acanhado tomou seu lugar. Antes de levantarem acampamento Jory chamou Jon a um canto e lhe entregou uma espada de treino.
—Meu tio disse que tem talento – disse se pondo em posição de luta-Vamos ver o quanto, não queremos que nos envergonhe na frente dos Mormont.
Assim passaram a treinar ao amanhecer e no fim do dia. No quarto dia Jon sentia dores que nunca imaginou possíveis.Jory parecia querer que o menino chegasse na Ilha dos Ursos pronto para a guerra.Quando não estavam treinando com a espada lhe ensinava várias coisas que achava importantes. Apontava onde encontrar madeira seca para fogueira,o que era uma informação muito útil já que estavam numa floresta encharcada. Mostrou como fazer flechas usando apenas materiais da floresta e uma faca bem afiada. O garoto pensou que sabia se virar mas descobriu que havia muita coisa que desconhecia.
Jon chegou a conclusão de que o chefe da guarda temia por ele e que tentava prepará-lo para seja lá o que fosse que pudesse enfrentar.
Na segunda semana Jory o levou até um riacho e se abaixou para mostrar uma quantidade infinita de pedras que tinham diversas utilidades.
—Vê essa aqui- mostrou ao garoto uma pedra cinza e compacta- é sílex produz as melhores faíscas para fogueira- Jon sabia fazer fogueira mas nunca tinha usado a tal pedra.
Jory mostrou uma nova rocha meio esbranquiçada.
—Fácil tirar lascas afiadas para lanças e flechas dessa aqui. Só precisa procurar o meio certo de achar um núcleo. Ficam bem afiadas se souber como fazer.
—As crianças da floresta usavam vidro de dragão para caçar-afirmou o garoto- dizem que há poucas coisas mais afiadas.
Jory riu do tom garoto.
—A velha Ama que disse- defendeu-se Jon - Miestre Lwin diz que se chama obsidiana e que é uma pedra vulcânica muito comum junto a vulcões inativos.
—Bem, não há vulcões por aqui, então é melhor ter alternativas.
As lições continuaram até Bosque Profundo. A viagem durou quinze dias e quando alcançaram o porto o menino viu que deixaria todos que conhecia para trás e enfim se permitiu sentir medo. Ficou ali encarando Bem Aventurado, o navio que tinha que pegar. Achou que esse era um nome esquisito para um navio.
Jory o acomodou em sua cabine.
—Tome- estendeu um arco de madeira finamente detalhado-É um arco grande então terá que usá-lo na horizontal até que cresça um pouco mais.
O menino olhou do arco ao homem e por fim aceitou.
—Não se esqueça do que te ensinei. Nos vemos em Winterfell quando estiver de volta, vai ser antes do que imagina, quando perceber já estará em casa.
Se despediu de Jory e dos outros.Viu os cavalos se afastarem da proa do navio. Pensou que devia ter feito um desenho de Jory, não queria se esquecer do rosto dele.
.....
A viagem até a Ilha dos Ursos era consideravelmente curta.Três dias se os ventos fossem favoráveis. Já estavam no segundo dia e Jon começou a se sentir nervoso. A estimativa era que chegassem na manhã seguinte e ele não queria pensar no que o esperava. Então se ocupou com seu diário a maioria do tempo, não havia escrito nada mas já havia feito um desenho do navio e agora desenhava Otto, o guarda Mormont enviado para acompanhá-lo.
Tinha quase setenta mas era forte como um touro.Havia participado de várias batalhas e gostava de falar então enquanto Jon desenhava ouvia as mais diversas histórias.
Jon acabou descobrindo porque o navio tinha esse nome. Pelo jeito o Bem Aventurado tinha o nome de Vento Norte. Mas parecia ter muita sorte para uma embarcação navegando em águas tão perigosas, nunca havia sido atacado e as tempestades mais perigosas pareciam evitá-lo. Depois de algum tempo os marinheiros passaram a chamá-lo de bem aventurado como uma piada.
O tempo passou, a sorte continuou e o navio passou a ser conhecido mais por seu apelido do que por seu nome.Até que o capitão resolveu rebatizar o navio. A sua fama, crendice ou não, era tão grande que havia brigas para uma vaga na tripulação e o Bem Aventurado era escolhido pelos Lordes da região para levar suas cargas mais valiosas.
—Como pode ver, é o navio certo para carregar um filho de Lorde Stark-terminou Otto.
A última noite no Bem Aventurado chegou depressa, segundo o velho soldado alcançariam a Ilha dos Ursos antes da hora do almoço no dia seguinte. Depois do jantar, Jon resolveu terminar o retrato. Otto se perdeu nos detalhes de sua mais recente batalha, na rebelião Greyjoy.
—Aqueles covardes são traiçoeiros em alto mar mas não conseguem se defender em terra firme.Acho que depois de uma derrota assim, os piratas nascidos de ferro vão se esconder em suas ilhas imundas, pelo menos por agora.Teremos paz por essas águas por algum tempo.
O desenho estava quase pronto. Mas a barba do homem se mostrava um desafio. Otto olhou seu trabalho por cima de seu ombro.
—Esse sou eu?
—Sim- disse Jon concentrado, talvez pudesse apenas sombrear a barba.
Quando terminou entregou-o ao homem.Otto ficou com uma expressão engraçada, parecia quase espantado.
—Nunca tinham feito um desenho meu antes. Quando era mais jovem gostava de ver a minha imagem mas fui perdendo o hábito a medida que envelhecia. Quase não reconheço esse rosto cheio de cicatrizes. Não lembro como consegui a maioria delas-devolveu o diário a Jon.
O garoto pensou um pouco, arrancou o desenho e devolveu a Otto.
—Lutou na rebelião dos Greyjoys, na revolta de Robert Baratheon e várias outras batalhas.Não devia esquecer suas cicatrizes, devia se orgulhar delas.
O velho sorriu para ele.Lhe faltavam vários dentes.
—É um menino gentil. Tenho um neto quase da sua idade sabia? Quando chegarmos em casa tenho certeza que vocês se darão muito bem. O pai dele,meu filho, morreu quando os selvagens atacaram, vindos da Costa Gelada. Quando a mãe dele se foi, levada por uma febre no último ano, passei a cuidar dele. É um garoto esperto assim como você.
—Como eles são?
—Quem?
—Os selvagens.Como eles são?
—São como nós, só não seguem as mesmas leis.Ou melhor não seguem lei nenhuma. Homens assim são perigosos. Roubam,matam e violam e para eles isso é comum. Roubam as mulheres e acham que estão em seu direito.
—É verdade que fazem sopa com os ossos dos inimigos-a imagem tinha ficado na sua mente desde que a Velha Ama lhe contou.
—Não sei o que eles fazem com os inimigos depois de matá-los.E vamos torcer para nunca descobrirmos.
O sono de Jon naquela noite foi perturbado por sonhos incoerentes. Sonhou com sopas de dedos humanos, depois com um grande lago congelado que respirava.
Ele acordou com Otto o sacudindo de uma forma não tão gentil.
—Acorda garoto, temos que deixar o navio-um raio iluminou a cabine e foi seguido por um trovão estridente.
—O que foi? O que está acontecendo?- lá fora, Jon pôde ouvir os marinheiros gritando uns com os outros.
—O navio está sob ataque. Piratas das Ilhas de Ferro-o homem parecia pálido enquanto empurrava as botas ao garoto.
Parecia que Otto se enganara, aquelas águas não ficaram livres de nascidos de ferro por muito tempo. A sorte do Bem Aventurado havia acabado.


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