Dragões do Norte escrita por Snowfall


Capítulo 4
O Rosto Sorridente




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Um trovão ensurdeceu todos no Bem Aventurado. Quando chegaram ao convés o caos reinava. O outro navio já havia feito a abordagem e os marinheiros corriam de um lado para o outro. Os nascidos de ferro haviam entrado a bordo. Jon se apressou em passar a cabeça e um braço pelo arco para deixar as mãos livres. Se arrependeu de ter guardado a sua adaga dentro da sacola de couro. A única luz que havia era das velas em chamas.
—Rápido garoto, por aqui- Otto o levou para o lado oposto ao tinir de espadas que se ouvia na frente do navio.
Quando chegaram a um escaler, o velho o levantou e praticamente o jogou lá dentro junto com sua trouxa e se pôs a desamarrar o barco. O nó parecia difícil. O som de botas raspando no convés fez Otto se virar.
Três homens se aproximavam e não demorou muito para perceberem Jon dentro do barco. Tinham feições rudes e um deles segurava uma besta.Sorriu quando Otto se pôs na frente do menino com a espada na mão.
— Matem o velho mas tragam o garoto .O moleque pode valer alguma coisa.
Os outros dois avançaram. A luta foi mais difícil do que eles pensaram, o velho soldado conseguiu dá conta dos dois e por um instante Jon teve esperanças. Os homens eram mais jovens mas Otto era mais experiente, já havia lutado em desvantagem antes. Seus golpes eram fluidos e tinham a intenção de manter os oponentes juntos, sabia que se os dois atacassem de posições diferentes não teria chance, ninguém pode proteger a frente e as costas ao mesmo tempo.
Mais invasores se aproximavam, eram poucos os marinheiros que ainda estavam de pé. Jon pensou no que podia fazer, tinha um arco mas não tinha flechas. Pensou na adaga que estava agora dentro de seu saco. Não havia tempo para isso. Pegou o arco e tentou subir a borda do navio. Talvez se acertasse um deles bem forte daria a vantagem que Otto precisava.
—Não! Fica aí!- Otto gritou.
Os três estavam cansados mas Otto parecia furioso. Realmente odiava os nascidos de ferro. Conseguiu cortar o braço da espada de um dos atacantes que se afastou com um urro de dor. Vai vencer, pensou Jon
Infelizmente o pirata que ficara para trás também chegou a mesma conclusão. Jon não teve tempo de gritar um aviso. A besta foi apontada e em seguida Otto se jogou para dentro do escaler. Jon ouviu o zumbido da besta disparando mas não teve tempo de olhar onde o dardo atingira. Homens tentavam alcançá-lo.
Otto soltava uma maldição dentro do barco, não conseguia se por de pé , a luz proporcionada pelas velas em chamas já se apagava com a chuva que começava a cair.Tirou a espada de sua mão e a ergueu. Os piratas na amurada riram.
—Abaixa a espada garoto. Você vem com a gente agora-disse o homem que acertara seu guarda.
Jon baixou os olhos para Otto que fazia força para se erguer. O menino não pensou, quando viu o pirata erguer a arma novamente, segurou a espada com as duas mãos e usando toda a força do seu corpo, atingiu a corda que segurava o escaler.
O barco por algum milagre não virou ao atingir a água. Jon voltou sua atenção ao navio, os piratas soltavam toda sorte de maldição enquanto o barquinho se afastava. O mastro do Bem Aventurado caíra e ele não ouvia mais o barulho de luta.
—O senhor acha que mais alguém escapou ?-perguntou a Otto.
Não houve resposta. Quando voltou sua atenção para o soldado, o menino pareceu sentir um soco no peito. Otto estava estendido no fundo do barco, a luz enfraquecia a medida que se afastavam do Bem Aventurado mas Jon ainda pôde ver a parte de trás do dardo que o transpassara e o sangue lhe encharcando as vestes.
Otto lutava para se erguer, o garoto se apressou em ajudar.Quando enfim o homem assumiu uma posição sentada, Jon pode ver que o dardo o atingira. A ponta de ferro saía luminosa bem na altura de seu estômago.Sentiu o sangue gelar,já vira Miestre Lwin tratar ferimentos como esse, não eram mortais se tratados rapidamente mas estavam no meio do mar a milhas de qualquer ajuda. Otto morreria, a hemorragia se espalharia e os líquidos do estômago se derramariam por suas tripas. O velho senhor morreria lentamente vomitando suas entranhas.
Jon arrancou a própria capa e a comprimiu sobre o ferimento. Se arrancasse o dardo só aumentaria o estrago.
—Escute aqui garoto...
—O senhor não pode falar, tem que ficar quieto-cortou Jon.
—É tarde garoto.Um homem sabe quando sua hora chegou- Otto começou a tossir e sangue escorreu do canto da sua boca.
—Não, por favor- sentia vontade de chorar.
—Tem que ser corajoso agora...
—Não quero que morra...
—Não é você que decide.
—Mas...
—Cale a boca e ouça, não temos muito tempo. Quero que pegue aquela sua adaga.
Jon revirou sua sacola até achar, depois a estendeu a Otto.
—Preste atenção, a chuva vai aumentar e em breve não vai conseguir enxergar nada. Se o barco começar a encher tem que tirar a água. Quando eu morrer jogue meu corpo para fora, será só um peso a mais que pode desequilibrar o escaler- disse erguendo a adaga.
—O que vai fazer?
—Não achou que daria aos malditos nascidos de ferro... a satisfação de me matarem... não é?-a voz fraquejava- O desenho que me deu... está no meu bolso, quero que o entregue ao meu neto se um dia o ver, o nome dele é... Makk, todo mundo o conhece na Ilha dos Ursos.
—Sim senhor- Jon agora chorava.
—Não chore por um velho, garoto. Vivi muito... a maior parte do tempo lutando e agora descanso-ergueu novamente a adaga mas as mãos tremiam e pareciam sem força.
Jon se ergueu. E resolveu que ajudaria Otto, não deixaria que o senhor fizesse tudo sozinho, por isso tirou a arma de sua mão.
Otto entendeu a intenção do garoto.
—Bem aqui -disse mostrando o lugar entre duas costelas bem acima do coração.
Jon empurrou a lâmina com força. As lágrimas lhe nublavam a visão.
—Obrigado Jon Snow, é um bom menino e será um grande homem... acredite.-Um relâmpago iluminou o rosto de Otto e o garoto percebeu seus olhos vazios.
Teve vontade de gritar, o pânico finalmente o alcançara. A chuva aumentara agora e as ondas estavam maiores. Quando uma delas encheu o barco de água, Jon se pôs em ação.
Retirou o desenho do bolso da frente de Otto e também uma de suas botas. Com esforço e o coração pesado empurrou seu corpo no mar.
Estava totalmente escuro e Jon pensava, enquanto usava a bota para jogar a água para fora, que se sobrevivesse encontraria Makk,lhe entregaria o desenho e falaria da coragem de seu avô.
.....
“Jon tinha quase certeza que tinha morrido.A floresta em que se encontrava era muito densa e escura. Aquele lugar não parecia o Norte. A sua frente uma senhora se sentava junto a uma árvore coração. Não era um represeiro mas sim um carvalho velho e retorcido.
Jon se aproximou devagar ainda sem entender como viera parar ali. Quando Jon chegou mais perto, ela ergueu a cabeça. Era mais jovem do que o ele imaginara, os cabelos brancos o haviam enganado.Era muito bonita.
—Olá Jon - seu tom era carinhoso e a expressão que tinha no rosto era estranha.
—A senhora me conhece?- tinha certeza que nunca tinha visto essa mulher, se lembraria de alguém com cabelos assim.
—Conheço. Na verdade fui a primeira pessoa a te conhecer, só que você não se lembra.
Isso só piorou a confusão que sentia. Jon começou a pensar que tinha algo muito errado acontecendo ali.
—Porque não se senta um pouco- a voz da mulher era calma demais.
O garoto se sentou sem tirar os olhos dela.
—Você deve ter muitas perguntas...
—Quem é você?- perguntou logo, sentia um arrepio ao olhar a cara na árvore. Parecia furioso.
—Eu sou Shaena Targaryen - a mulher parecia querer tocá-lo mas Jon se afastava.
—Filha do rei louco.Mas você está morta- Jon se lembrava das lições. Shaena Targaryen era a irmã mais nova de Raeghar. Ela havia desaparecido por anos para fugir da fúria de seu pai quando se recusou a casar com o próprio irmão, conseguiu escapar do rei por quatro anos mas foi morta na rebelião. Os homens de Robert Baratheon a encontraram enquanto fugia de navio para encontrar o resto da família em Essos. A Princesa Rebelde, era como a chamavam nas canções..
—Isto é um sonho?
Será que agora sonhava com mulheres mortas.
—Sim, tinha que falar com você de alguma maneira.
—Não entendo, por quê estou sonhando com a senhora? Que lugar é esse?
—Aqui é o lugar onde me casei. Em frente a essa árvore coração.
Os livros de história não falavam de casamento nenhum.
—Mas você fugiu para não se casar.
—Sim, eu era jovem, tinha apenas quatorze quando fugi. Não queria ter a mesma vida da minha mãe. Queria conhecer o mundo, ser livre de todas as responsabilidades que vem com uma coroa. Jurei que nunca casaria mas os deuses riram de minha promessa. Acabei me casando bem aqui.
—Por quê?
—Porque estava apaixonada, e quando se ama promessa nenhuma vale mais que bosta de cavalo.
Jon se surpreendeu que uma princesa falasse dessa maneira.
—A mim não importava a minha família ou a dele. Não importava que ele já fosse casado com outra na luz dos Sete ou que estivéssemos em lados opostos na guerra. Tudo que importava era que ele era meu e eu era dele. Dizemos nossos votos aos deuses antigos mais para acalmar o espírito dele. Sempre tão honrado. Queria que houvesse um compromisso entre nós.
Jon pensou que parecia arrependida. Ela pareceu ler sua mente.
—Eu era jovem e egoísta mas se não fosse assim nunca teria amado como amei. Às vezes penso no que teria acontecido se tivesse aceitado meu destino e me casado com Raeghar. Teria havido uma guerra? A desgraça teria alcançado a minha família? Não sei. Mas não me arrependo, o destino me trouxe muito mais do que eu poderia querer.
—Mas você morreu!
A mulher riu.
—Sim meu amor, morri. Mas isso não significa que minha vida não tenha valido a pena.
O garoto já estava se cansando dessa senhora.Será que era louca como a maioria de sua família.
—Por quê sonho com a senhora?
—Vim lhe dar um aviso.
—Que aviso?
—O seu caminho é perigoso agora Jon.Deve procurar abrigo junto aos deuses.Eles te protegerão até que a ajuda chegue. Faça fogo sempre bem alto.Procure por um presente no rosto sorridente.
—Como assim? Que perigo?Que ajuda?
—Saberá quando os ver. É tudo parte do seu destino.
Jon estava mais confuso do que nunca. Por quê sonhava com uma mulher Targaryen que lhe dava conselhos sem sentido. Ela lhe olhava de maneira estranha de novo.
—Posso tocar seu cabelo?-parecia a beira das lágrimas.
O menino chegou mais perto. Ela lhe tocou a cabeça.
—Se parece com o seu pai.Graças aos deuses por isso.
O toque dela lhe era familiar. Lembranças fragmentadas de sonhos antigos. Nunca tinha visto o rosto antes mas eram a mesma mulher com certeza.
—Já sonhei com a senhora antes.
—Sim, quando você pedia por mim eu vinha, mesmo que não pudesse fazer nada além de embalar os seus sonhos.
—Nunca pedi pela senhora- falou convicto- Nem a conheço.
—Mas pedia pela mãe.
......
Jon acordou com o barulho de um corvo. Ele havia pousado na beirada do barco e olhava para ele com olhos pretos brilhantes. A ave de alguma maneira o inquietava. O coração ainda batia forte por causa do sonho.
—Xô, vai embora- o corvo vou para uma árvore próxima e deu um pio ofendido.
Foi então que o menino percebeu que não estava mais no mar. Havia chegado a uma praia cinzenta cheias de pedras e troncos de árvores. A paisagem ao seu redor parecia pouco acolhedora principalmente porque não havia nenhum sinal de gente.
O corvo teimoso tornou a voltar. Dessa vez Jon o deixou ficar. Estava ocupado demais tentando se orientar. Será possível que o vento e a maré o tivesse levado direto a Ilha dos Ursos? Se fosse assim, não deveria ter alguém por aqui?
Pelo que sabia a ilha não era tão grande assim e era bem povoada. Jon recolheu suas coisas, a espada de Otto e revolveu procurar um lugar alto para ver melhor onde estava.
Quando enfim achou o morro certo, a subida se mostrou lente e cansativa. O garoto sentia fome e sede. Sua garganta ardia e sua cabeça começava a doer.
Quando chegou enfim ao topo, tudo que viu foi floresta. Árvores e picos cobertos de neve até onde a vista alcançava. Jon desanimou. A Ilha dos Ursos nunca pareceu mais que um pontinho no mapa de Westeros mas centímetros no papel representavam quilômetros na realidade.
Jon ficou ali um pouco pensando em que direção tomar. Tudo parecia igual. Até que ao norte de onde estava, avistou um ponto vermelho. Era uma copa de árvore com certeza.
Deve procurar abrigo junto aos deuses.
—Um represeiro. Há sempre gente próximo a uma árvore coração- falou Jon ao corvo. Não havia mas ninguém ali e o garoto sentia necessidade de falar.
O represeiro pareceu mais perto do que realmente era. Jon avançou pela floresta seguindo sempre para o norte. Ou pelo menos era o que pensava. Teve que subir em árvores e barrancos várias vezes para reajustar o seu curso. Graças aos deuses a árvore coração era alta o suficiente para que o garoto a visse em qualquer posição.
Já era meio dia quando chegou. E se desapontou a perceber que não havia sinal de pessoas em parte alguma. A árvore era alta, suas folhas se amontoavam pelo chão. Não parecia que alguém tivesse rezado ali a algum tempo. O rosto chorava seiva vermelha mas mesmo assim sorria. A boca se abria em uma gargalhada.
Jon, que estava cansado e desapontado, não achou a menor graça. Mas se pôs de joelhos para agradecer.
—Obrigado por me salvar dos piratas, e pelo barco não ter virado e por favor cuidem de Otto, ele me salvou.
O garoto ouviu barulho de água ali perto e encontrou um riacho. Nunca houve uma água tão boa. Jon de sentou junto a água e pensou no que faria.
Alguém com certeza apareceria, não era possível que ninguém rezasse naquele lugar. Então resolveu ficar ali por algum tempo. Quando recolheu lenha seca o suficiente para fazer uma fogueira e conseguiu acendê-la já era fim de tarde. Havia sobrado dois pães de Jocelin, estavam amassados e duros mas para o garoto não havia nada mais saboroso no mundo.
Jon se acomodou o melhor que pôde e deu atenção ao rosto na árvore. Parecia está rindo de uma piada secreta muito boa. O garoto teve a impressão que estava rindo dele.
Ele começou a pensar em como viera parar ali. Só pôde concluir que realmente era uma piada para os deuses. Que outra explicação poderia haver para o fato de que depois de tudo que passou, ele ainda estivesse ido parar na parte despovoada da Ilha dos Ursos.
—Você está se divertindo, não é?
Procure por um presente no rosto sorridente.
Jon olhou ao redor e viu neve e folhas secas mas nada que pudesse se passar por um presente. Podia ser tudo coisa da sua cabeça. Não tinha como Shaena Targaryen ser a sua mãe. Era loucura.
Um presente no rosto sorridente. Não havia nada ali. A não ser que...
O menino se aproximou do tronco da árvore e tentou ver dentro da boca aberta mas a luz não era boa. Exitou por um instante, teve anseio de que se botasse a mão ali, a boca se fecharia arrancando seu braço com uma só dentada.
Mas Jon respirou fundo e enfiou a mão de uma vez. Sentiu uma fisgada no dedo e puxou seu braço dali. O sangue pingou no chão.
Com mais cuidado pôs a mão esquerda no buraco e sentiu o que pareceu ser dentes bem afiados. Quando puxou uma mão cheia, reparou que estava enganado. Não eram dentes.
Na sua palma estavam cinco pontas de flechas. Eram feitas de um material escuro ligeiramente translúcido. Mesmo nunca tendo visto antes o menino reconheceu na hora o que era.
Eram feitas de Vidro de Dragão.


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