Dragões do Norte escrita por Snowfall


Capítulo 19
Aliados e Traidores




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Na última vez que estivera em Correrrio, Ned estava passando pelo momento mais difícil da sua vida. Aquele também fora um tempo de guerra.
Naquela visita, ele tomara Catelyn como esposa no lugar do irmão morto. Tinha recém se tornado Lorde de Winterfell e Guardião do Norte no lugar do pai igualmente morto. Se casara com uma estranha para cumprir a palavra de Lorde Rickard e garantir o apoio dos Tully na rebelião de Robert. Tudo para salvar uma irmã que também morreu.
No fim daquela guerra, Ned havia perdido quase toda a família. Tudo que lhe restou foi Ben e uma esposa que sempre procurava por Brandon em seu rosto. Também perdeu um amor, levada junto com os últimos sonhos juvenis de Ned.
Quando a rebelião acabou, ele tinha dois filhos. Agora ele tinha seis. Seis crianças que foram arrastadas para uma guerra por causa dele.
Porque ele fora estúpido o suficiente para deixar Winterfell. Starks não têm lugar no Sul. Ele sempre soubera disso, mesmo assim deixara o Norte e como resultado a própria existência da sua Casa estava em risco.
A única coisa boa que aconteceu nos últimos meses foi ter o filho de volta, embora parcialmente. E Ned agradecia aos deuses todos os dias por isso.
Era por causa de Jon que ele ainda estava vivo e com a família. Era por causa de Jon que estavam vencendo.
Ainda era difícil de acreditar na metade do que ouvia em relação ao filho. As coisas que tomara conhecimento sobre ele eram extraordinárias para dizer o mínimo. Rei, Warg, Cavaleiro de Dragão. Tudo isso tornava nítido o quanto da vida de Jon perdera na última década.
Enquanto pensava nas coisas positivas, como fato de Jon está vivo, bem e lutando ao seu lado. Não podia deixar de pensar que ainda faltava muito para recupera-lo. Se é que havia alguma possibilidade de isso acontecer. O filho erguera muros entre os dois e Ned podia apenas nutrir a esperança de um dia transpassa-los.
Mas o tempo não estava a seu favor. Jon estava em Rochedo Castely, e Ned tinha que vencer uma guerra para salvar sua família. Novamente.
O Conselho de Guerra em Correrrio era formado por dezenas de homens. Os lordes do Norte, os lordes do Tridente somados aos selvagens formavam um grupo barulhento e difícil de controlar. O salão refervia de gente todo dia.
Não havia nada que quisesse mais do que levar a família para Winterfell e esperar o Inverno, como sempre faziam os Starks. No entanto tinham que vencer os Lannisters ou nunca estariam seguros novamente.
Com isso em mente, Eddard assumiu a cabeceira da mesa.
Ao seu lado estavam Robb e Catelyn.
— Alguma notícia do rei – perguntou Lorde Tytos Blackwood.
Jon cada vez mais deixava de ser O Bastardo para ser O Rei.
Cat se remexeu ao seu lado.
— Jon chegará essa noite – respondeu um dos selvagens.
Ned não sabia disso. Todas as notícias do filho vinham de Tormund. Jon não mandava cartas. Pelo menos não para ele.
— O garoto selvagem disse que o Rei enfrentou o Montanha – Lorde Glover inquiriu.
Sobre esse assunto Ned sabia. Lorde Umber lhe mandara uma mensagem relatando o estratagema orquestrado por Tywin Lannister para matar o filho.
— Gregor Clegane fingiu-se de prisioneiro para adentrar em Rochedo Castely, por certo a ideia era matar Jon e recuperar o castelo. O plano foi frustrado e o Montanha foi morto.
O ânimo dos presentes se elevou com a notícia.
— É verdade que Sua Graça matou Clegane em combate singular? – perguntou um garoto que não recordava o nome. O herdeiro de algum vassalo de Lorde Tully.
— Sim.
Mais vozes se elevaram.
— Senhores, com certeza tivemos uma vitória, mas a guerra está longe de acabar – observou Ser Wylis Manderly.
A sensatez do comentário fez voltar o silêncio na sala.
— Lorde Tywin perdeu seu assento e seu exército sofreu perdas terríveis. Não lhe sobraram muitas escolhas. Nesse momento ele está mais perigoso do que nunca. Um leão encurralado é capaz de qualquer coisa.
Ned não teve a intenção de causar medo em quem quer que fosse, mas era essencial que mantivessem a guarda alta.
— Temos o Regicida – ressaltou alguém.
Jaime Lannister como refém por certo era uma vantagem.
— E como Lannisters não tem nada que possa nos interessar para uma troca...
— O que eles ainda pensam que podem nos fazer?
— Temos que garantir nossa posição. Não sei qual serão as próximas ações do inimigo, mas temos que assumir que eles ainda não estão derrotados. Nesse exato momento Tywin Lannister está arquitetando meia dúzia de maneiras garantir a nossa queda.
O resto da reunião se resumiu a decidirem seus passos mais imediatos. Quais aliados ainda precisavam conseguir para solidificar sua posição. Que terrenos ainda precisavam conquistar.
Quanto todos se retiraram, Ned chamou Tormund para uma conversa. O selvagem contorceu o rosto em desgosto. Era evidente que ele mal o suportava.
Em seu Solar, pediu que o homem sentasse. O que Tormund fez a contragosto.
Ned sabia que aquele fora o homem que encontrara Jon quando ele se perdera no outro lado da Muralha. Precisava conhece-lo para entender melhor o filho.
— Então? – questionou Tormund, impaciente.
— Quando pretendia me informar que Jon está vindo?
— Não pretendia.
— Não acha que eu devia saber que meu filho chega hoje?
— Se Jon achasse que devesse saber, ele teria contado.
Ned engoliu em seco sua irritação. Os selvagens tinham uma franqueza bruta que chegava a apreciar, mas Tormund beirava ao desrespeito mais que o necessário.
— Ele é meu filho – achou melhor lembrar ao selvagem.
— Ele é rei – retrucou o outro.
— Por que Jon está vindo?
— Quando ele chegar pode perguntar direto pra ele – disse Tormund secamente.
— Estamos lutando esta guerra juntos. Não é bom que me deixe no escuro.
— Se você conhecesse Jon como eu conheço, ia saber que ele nunca faz nada que não seja necessário. Se ele está vindo e escolheu não te contar é porque é melhor assim.
Mais uma vez lhe jogavam na cara que ele não conhecia o próprio filho. O que era verdade, mas nem por isso o incomodava menos.
A medida que entrava mais em contato com o Povo Livre, como gostavam de ser chamados, conhecia mais sobre a criança que perdera há tantos anos. É claro, que não sabia se o retrato pintado por essa gente representava quem Jon realmente era.
A visão daquelas pessoas era abstruída por fantasias e crenças. Para os selvagens não havia nada que Jon fizesse que fosse malvisto. Aquele povo seguiria cegamente seja qual fosse o caminho que seu rei decidisse.
Tal devoção era admirável, contudo muito perigosa. Jon podia ser muito bem o homem mais poderoso em toda Westeros. E não havia ninguém que pudesse fazer qualquer coisa para impedi-lo de se tornar um tirano a não ser o próprio caráter.
Para seu alívio, Jon parecia um homem centrado, cujo o foco principal era a segurança de sua gente. Um sentimento que Ned conhecia e se identificava.
— Não espere que ele aja como um sulista – continuou Tormund – Jon pode ter nascido no Sul, mas há muito se tornou um homem do Povo Livre. Ele não deve satisfação de seus atos pra ninguém. Nem pra você.
Os olhos azuis do homem não escondiam sua antipatia. Percebeu que Tormund desejava lhe falar algo, mas se controlava por algum motivo.
— Soube que foi você que encontrou Jon quando ele se perdeu – começou tentando soltar a língua do selvagem.
— Foi.
A raiva transpassou o rosto do selvagem, mas novamente ele se controlou.
— Se tem algo que queira me dizer Tormund, sinta-se à vontade. Tenho certeza que mereço ouvir tudo que tenha para falar.
— Sempre imaginei o que eu diria se chegasse a falar com o pai de Jon. Agora com você aqui na minha frente, tudo que quero fazer é te bater até que os olhos pulem da sua cara e você cuspa todos os dentes.
Ned teve vontade de rir. Achou que ele merecia essa surra.
— Contaram-me que o Povo Livre faz o que quer. Por que se controla?
— Me ensinaram uma vez que devemos escolher nossas batalhas. Me mostraram que as vezes existe um outro caminho.
— Quem lhe ensinou tal lição?
— Um menino corajoso que preferiu ficar sozinho na Costa Gelada do que voltar pro pai.
Uma garra tenebrosa se agarrou no peito de Ned.
— Me conte – pediu – me conte tudo que aconteceu depois que Jon se perdeu no mar.
Ele precisava saber. Tinha que entender a extensão do mal que fizera. Compreender o homem que Jon se tornara.
Tormund ficou calado por um tempo, porém algo no rosto de Ned o fez suspirar. O selvagem se recostou na cadeira e começou a falar.
— Jon salvou minha vida. Na primeira vez que o vi, um menino de menos de sete anos, que acertou uma flecha no urso que ia me matar. Ele tava sozinho e pensava que tava na Ilha dos Ursos.
A visão de um menininho montado em um cavalo muito grande para ele, veio a mente de Ned. Se soubesse que o perderia, teria arrancado o filho de cima daquele animal e nunca mais teria tirado Jon de suas vistas.
— Ele cuidou dos meus ferimentos. Me deu de comer e beber por dias. Me lembro de pensar que o pai do menino devia ser um homem e tanto pra ensinar o filho todas aquelas coisas.
A garra apertou mais forte.
— Mas o menino me contou que não tinha pai. Tinha apenas um tal Lorde Stark que o mandara embora de casa. Naquele momento comecei a ver você como o maior tolo do mundo.
Era verdade. Era enorme a lista de tolices que Ned cometera. Deixar Shaena sozinha, se afastar de Jon e aceitar ser Mão do Rei foram apenas algumas delas.
— E depois? – insistiu. Tinha que saber de tudo.
— Levei Jon pra Solar Ruivo. No meio do caminho ele encontrou aquele lobo e os ovos de dragão.
— Como ele conseguiu fazer com que os dragões nascessem?
Pelo que sabia os Targaryen vinham tentando trazer os dragões de volta a vida por gerações. Nenhum teve êxito.
— O maldito do Garth tentou matar Jon. Tocou fogo na tenda que ele estava. Pensei que o garoto tivesse morrido, mas não só estava vivo como tinha três dragões com ele.
— Tentaram mata-lo?
— É. Foi um susto e tanto – Tormund sorria agora – os gigantes nunca mais o deixaram sozinho depois daquilo.
— Como Jon se tornou líder de gigantes?
— Senhor – corrigiu o outro – Senhor dos Gigantes. Ele se tornou Magnar Mag antes dos dragões nascerem, quando ele montou Bahuk.
Os mamutes foram umas das surpresas que o esperaram quando chegou a Correrrio. Os gigantes que os montam os ofuscam um pouco, mas quando vistos sozinhos percebe-se o quanto são extraordinários.
— Eles fugiram, sabia? – o sorriso agora era de orgulho - Toregg e Jon fugiram pra ver os gigantes e quando voltaram Jon era Magnar Mag.
— Difícil compreender porque escolheram uma criança.
— Os gigantes não escolheram. Bahuk escolheu.
— Depois que os dragões nasceram seu povo resolveu seguir Jon?
— É. Logo que a história de um menino que veio do Sul que tinha dragões e que não queimava se espalhou, Solar Ruivo encheu de gente. As pessoas acreditavam que ele nos salvaria da morte daquele lado da Muralha. E bem, aqui estamos.
— Não queimava? – essa parte ele não compreendia.
— Três vezes Jon foi atingido pelas chamas, mas nunca se queimou. Nem um fio daquele cabelo que as mulheres gostam tanto. A última vez causou uma impressão tão grande que o Povo Livre se ajoelhou. Nunca pensei que esse dia chegaria.
O sangue do dragão. Shaena. O filho herdara mais dela do que imaginara.
Lembrou-se de algo que de vez em quando lhe assaltava mente.
“Shaena ainda ofegava depois de terem feito amor. Nua, ela era ainda mais bonita. Ned estava de bruços, brincando com uma mecha de cabelo. As madeixas prateadas espalharam-se nas peles que ele havia trazido do Norte. Imaginou como seria leva-la para Winterfell e tê-la sobre peles todos os dias.
— Gosto mais dele assim – falou se referindo a cor do cabelo.
Shaena havia insistido em tirar a tinta para a cerimônia no Bosque Sagrado.
Quero ser eu mesma no meu casamento, Ned. Dissera ela.
— Pois aproveite, que terei de tingi-lo novamente antes que amanheça.
Ned sorriu e afundou a cara nos cachos. Ela sorriu e se afastou. Ele sabia que ela sentia cócegas no pescoço. Um dos poucos pontos fracos da sua mulher.
— Partirei daqui a dez dias – disse ela sentando-se.
Ned não queria falar de partidas nesse momento, contudo sabia que não podia evitar essa conversa para sempre.
— Para onde vai?
— Não há mais lugar para mim nos Sete Reinos – disse ela brincando com a chama de uma vela a beira da cama.
Com a rebelião chegando aos portões da capital, ela estava certa. Era mais seguro que ela deixasse o continente. No entanto...
— Tem que esperar. Tenho muito que resolver antes que possamos viajar às Cidades Livres.
Shaena levantou o olhar da chama e o encarou. Ela, aparentemente, não esperava ouvir isso.
— Vai comigo?
— Não acabou de me aceitar como marido diante dos deuses, esposa. Não pretendo abandoná-la.
— E quanto sua esposa Tully. Vai abandonar à ela?
Shaena voltou-se novamente para a vela. Catelyn Tully a incomodava. Era o motivo de terem esperado tanto para casarem. Ned sabia que havia feito a escolha certa, mas precisava ainda convencer sua pequena esposa.
— Catelyn Tully está esperando um filho meu. A criança herdará Winterfell.
— Mas...
— Não pense que ela derramará uma lágrima quando eu me for. Nos casamos por uma aliança, nada mais.
— Sinto que estou roubando você.
— E está. Tal como os selvagens roubam suas mulheres.
Ela soltou uma risada que Ned aprendeu a adorar.
— Essos, então? – perguntou ela.
— Sim, depois que a guerra acabar partimos.
— Podemos ter uma casa pequena – disse ela admirando a chama – com um quintal para as crianças brincarem.
— Crianças?
— Nossos filhos – confirmou ela, antes de cobrir os olhos com as duas mãos - Ó deuses!
— O que foi?
— Eles serão terríveis, Ned. Vão nos enlouquecer.
— Por que diz isso?
— Fui a desgraça de quinze septas – riu ela – teria deixado a senhora minha mãe de cabelos brancos se eles já não fossem assim naturalmente.
— Vamos torcer que puxem a mim, então.
Ela estreitou os olhos. Fez menção de que ia retrucar, mas seus olhos se perderam nas chamas novamente.
— Um menininho parecido com você – parecia que ela via a criança nas chamas – mas com meus cachos. Com seu temperamento também.
Shaena levou o dedo ao fogo querendo tocar algo que não estava ali.
— Vai se queimar – disse puxando a mão dela para longe da vela.
Sua esposa soltou um risinho condescendente.
— Oh! Ned. Não sabe que fogo não pode ferir o dragão.”

Naquela época, ele não parou para considerar as palavras, porém evidente que elas tinham um significado maior do que pensara.
— Os dragões parecem obedecer aos comandos de Jon sem relutância.
— Um Warg treinado não tem trabalho pra controlar suas feras – disse Tormund simplesmente.
Esse dom em particular veio de sua herança nortenha.
— Um troca-peles – falou tentando se convencer.
— Ele tem cinco peles. Controla elas muito bem, se quer saber.
O Lobo Gigante, o mamute e os três dragões.
Ned se levantou e serviu uma taça de vinho ao selvagem.
— Como Jon convenceu seu povo a lutar nessa guerra? Não foi uma tarefa fácil posso afirmar.
— Não precisamos de convencimento. O rei pediu alguns homens pra matar sulistas. Não faltou voluntários.
— Ele não precisava está aqui – falou tomando um gole do próprio vinho – Não é a guerra dele nem de vocês. Por que Jon está fazendo isso?
— Devia perguntar a ele.
— Perguntei, mas a única resposta que tive foi que era preciso.
— Ele gosta de dizer coisas como essas às vezes. O garoto não gosta de se explicar. Mais uma coisa que aprendeu com a gente.
— E você? Por que acha que ele resolveu se envolver em nosso conflito?
— Sabe como passamos por aquela maldita Muralha?
— Benjen escreveu dizendo que o Lorde Comandante abriu os portões.
— Certo. Nos deixaram passar depois que Jon convenceu os Corvos. Muitos de nós, eu inclusive, queria pôr aquela monstruosidade abaixo e dançar sobre o sangue dos corvos, mas Jon achou que não lutar era nossa melhor chance de sobreviver. Se ele escolheu lutar agora, talvez seja porque seja nossa melhor chance de sobreviver também.
O homem bebeu o vinho e fez uma careta.
— Além do mais vocês ficarão nos devendo, já que estamos salvando seus traseiros. Não vai demorar até que a gente cobre o favor.
Uma coisa terrível. Ficar em dívida com os selvagens.
— Não gosta da ideia, não é? – intuiu Tormund.
Ned encarou o homem.
— O garoto faz a mesma cara quando não tá satisfeito com alguma coisa. Parece que tá comendo um mingau muito amargo. Fez essa cara por dias assim que se tornou rei. Jon, assim como você, se preocupa demais.
— Gostaria que ele falasse comigo. Gostaria que me dissesse o que o preocupa. O que posso fazer para ajudá-lo.
— Ele não fala muito. Nem comigo, e sou mais pai dele do que você.
Tormund disse essas palavras como quem comenta o tempo.
Essa era outra coisa que merecia ouvir.
— Sou grato pelo que fez por Jon quando ele era criança. Foi pai dele quando eu falhei. Não sabe o tamanho da culpa que carrego.
— Não foi uma tarefa difícil. Jon nunca foi muito criança. Com sete anos era mais adulto que muitos homens barbados. Isso pelo que entendi também foi culpa sua.
— Não espero perdão pelo mal que causei ao meu filho.
— Bom, porque não terá nenhum de minha parte.
— Está pensando naquela surra, não é mesmo?
Tormund soltou uma gargalhada.
— Tem sorte que sou eu que tô conversando com você. Se fosse Varla no meu lugar, ela já estaria usando sua pele como roupa.
— Conheci Varla na viagem para cá. Ela tratou da minha perna. Sempre pensei que ela me causava dor de propósito.
— Tem sorte de ainda ter perna. Aquela ali vira um demônio quando se trata dos filhos.
O homem o atravessou com um olhar antes de pôr a taça vazia na mesa.
— Mas Jon não é como Varla e eu. O garoto tem o maior coração que conheço. Talvez ainda tenha um lugar pra você nele.
— Espero sinceramente que sim.
O selvagem levantou-se e andou em direção a porta, mas parou no batente.
— Caçar.
— O quê?
— Leve ele pra caçar – disse saindo.

......
A fila de pessoas deixando a cidade vista do topo da Fortaleza Vermelha era semelhante a uma fila de formigas.
Quando o barco está afundando os ratos são os primeiros a fugir, dissera Cersei quando as pessoas começaram a deixar Porto Real.
Tyrion não os culpava. Quem ficaria em um lugar a mercê de fogo de dragão a qualquer momento.
O pai tinha um plano. Ele tentava se apegar a essa ideia porque era a última chance que tinham.
O bastardo de Ned Stark controlava Rochedo Castely e de lá ele tinha acesso a todos os seus principais aliados. Os lordes do Leste estavam apavorados e tinham razão para isso. A qualquer momento seus lares podiam se tornar um novo Harrenhal.
Se perguntava quantos deles não estavam tentados neste exato momento a virar a casaca. Quantos se importavam mais com a segurança da família do que com a lealdade.
— Meu Lorde, o senhor seu pai pede sua presença na Sala do Pequeno Conselho – informou um guarda.
Notícias ruins, concluiu. O pai não o convocaria para compartilhar boas novas.
Seus pensamentos o levaram até Jaime. A cada corvo que chegava, Tyrion se apavorava um pouco mais. Qualquer um deles podia trazer a notícia que temia.
Não havia nada que pudessem oferecer no lugar do irmão. E os Stark podiam simplesmente decidir que ele não valia o espaço que ocupava.
Quando entrou apenas o pai estava presente. Sentava-se a cabeceira da mesa. O broche de Mão do Rei destacava-se em suas vestes escuras.
— Suponho que não me chamou aqui para informar que os deuses nos sorriram e Jon Snow caiu do Rochedo e quebrou o pescoço.
— Clegane está morto. Lorde Marbrand acabou de chegar com seus homens. O bastardo deixou que partissem.
— Como um recado, presumo eu.
— Um bem explicito.
— E Rochedo Castely?
— Os danos ao castelo foram mínimos. O bastardo se instalou nos arredores e deixou a população em paz. Pelos relatos de Lorde Marbrand, as pessoas circulam livremente. Jon Snow mantém seus selvagens à distância.
— Devemos nos alegrar, senhor meu pai. Se nosso inimigo resolvesse seguir seu exemplo e transformar o Rochedo em um novo Castamere, não haveria mais nada do assento dos nossos ancestrais a não ser uma nuvem de poeira.
— Acha que ele está nos fazendo um favor? Acha que é por causa de um bom coração que Rochedo Castely continua em pé? Não ver o tipo de jogo do bastardo?
A voz do pai continuava cortante como sempre, porém a testa levemente franzida deixava transparecer o quanto todos esses eventos o perturbaram.
Durante todos esses anos, Tyrion esperou que aparecesse algo que desequilibrasse o sempre tão centrado Lorde Lannister. E agora que aconteceu, as circunstâncias eram tão ruins que o impediam de saborear o momento como deveria.
— Se ele agisse como um conquistador inescrupuloso seria muito mais fácil para nós – afirmou Tyrion – a população tem pouco amor por nossa família e Jon Snow pode usar isso a seu favor.
— E não podemos marchar para reconquistar o castelo enquanto os dragões estiverem lá. Mesmo que chegássemos perto o suficiente, nada os impediria de destruir tudo.
— Então...
— Os dragões precisam deixar Rochedo Castely.
— Como pretende realizar tal proeza, meu senhor, me escapa.
— Só precisamos de uma distração. Algo que faça o Bastardo voar com suas bestas para seu poleiro.
— O que poderia fazer com que Jon Snow volte para o Norte com seus dragões?
— Quando marchei para Harrenhal deixei Rochedo Castely desprotegido e o inimigo se aproveitou disso. O que eles não perceberam é que cometeram o mesmo erro.
— Winterfell. Vai levar a luta até Winterfell.
— Já levei. Kevan já está a meio caminho do Norte neste exato momento. Será apenas uma questão de tempo para que a ajuda de Jon Snow e seus dragões seja requisitada. No momento que ele partir, avançamos e tomamos o Rochedo. Doze mil selvagens não serão uma inconveniência sem seu Rei.
— Parece uma boa estratégia, meu pai. Mas o que impede Jon Snow de retornar com seus dragões depois que lidar com o pobre Tio Kevan?
— Kevan terá tempo suficiente para tomar Winterfell e duvido que usarão os dragões contra sua própria fortaleza. Não com os meninos Stark como reféns.
— Isso se tio Kevan chegar em Winterfell.
— Chegará.
— Se seu plano falhar perdemos o resto de exército que temos e os Stark terão mais um Lannister como prisioneiro. Isso se não decidirem que não precisam.
Será que o pai não percebia o quão desesperado todo esse plano parecia. Era óbvio que estavam perdendo essa guerra, e esse golpe podia muito bem ser o último.
— Marcharei para Rochedo Castely imediatamente. Você ficará aqui e impedirá que Cersei e Joffrey façam alguma outra tolice que piore ainda mais a nossa situação.
— Temo, meu pai, que a rainha e seu filho, o rei, levem minha palavra em muita pouca consideração.
— Não terão escolha – disse o pai enquanto tirava o broche e passava a Tyrion – será Mão do Rei enquanto eu estiver fora.
Esse teria sido um gesto comovente se Tyrion não percebesse a extensão dos problemas que o pai o deixava para lidar. Cersei e Joffrey eram apenas os menores deles.
Stannis Baratheon reunia um exército em Pedra do Dragão e ameaçava atacar a cidade a qualquer momento.
A capital estava praticamente vazia e o exército para defende-la era quase inexistente.
O mais provável é que Porto Real caísse no próximo ataque que sofresse e se isso acontecesse, entregar aquele broche era a garantia que o pai tinha que Tyrion seria o único culpado.
A raiva que sentiu foi reprimida com dificuldade. Não era a primeira vez que o pai lhe impunha uma responsabilidade desagradável apostando no seu fracasso. Tyrion não reclamara naquela ocasião e por certo não o faria nessa também.
Como Mão do Rei, ele teria o poder de fazer algo por Jaime. Não sabia o que exatamente, mas pensaria em algo.
— O broche com certeza pode exercer alguma influência sobre minha irmã e sobrinho tal como alguns nobres mais desagradáveis da corte. Mas o que farei se Jon Snow, cansado desse jogo de gato e rato, decidir retornar com seus dragões à capital. Devo estender o broche e exigir que ele pare em nome do rei?
— Se tudo correr como esperado, Jon Snow não terá mais dragões quando deixar o Norte na próxima vez.
— Vai tentar matar os dragões – concluiu - Por certo, uma tarefa quase impossível.
— Os Martell conseguiram uma vez. Os dragões não são imortais.
— O que o senhor não está me contando? Se é que sou digno de saber. A incursão ao Norte, sua partida para Rochedo Castely. O senhor não arriscaria tanto se não tivesse alguma garantia. Não é o seu feitio.
— O quanto se lembra das suas lições de história Tyrion?
— Muito.
— Então deve saber que na época da conquista, alianças foram feitas para tentar impedir os Targaryen.
— Claramente não serviram de muita coisa.
— Mas dessa vez servirá para reforçar o reinado de Joffrey.
— Visa usar o medo dos Grandes Lordes, para conseguir sua lealdade ao Trono de Ferro.
— Não viso. Já o fiz.
O pai empurrou alguns papeis que tinha em frente de si para Tyrion.
Qual não foi sua surpresa quando distinguiu os selos nas cartas.
A rosa Tyrell, esta fazia sentido. A promessa de uma coroa compraria os Senhores da Campina facilmente. E Joffrey precisava de uma rainha.
Mas os outros, ele não conseguia compreender.
— Como conseguiu que os Martell se aliassem a nossa causa. Não há muito amor restante entre nossas famílias despois do que aconteceu com a Princesa Elia.
— A ameaça dos dragões fez com que Doran Martell reavaliasse suas prioridades.
Difícil de acreditar, mas não de todo impossível.
— O que prometeu a eles?
— Oberyn Martell assumirá uma cadeira no Pequeno Conselho.
Outra inconveniência que o pai jogava em suas mãos.
— Não preciso ressaltar o quanto a presença dele na capital é importante. E que ele fique aqui.
— Não precisa.
Os dorneses não eram confiáveis. Se Príncipe Doran tivesse seus próprios planos para essa guerra, era bom que tivessem seu único irmão sob sua guarda.
— Não consigo pensar no que possa ter oferecido a Balon Greyjoy para conseguir sua colaboração. Por certo uma cadeira no conselho não interessa a velha lula.
— Dei a ele o que não conseguiu na rebelião.
..........

O filho chegou a noite como Tormund dissera. Desceu com o dragão dourado no meio do Bosque Sagrado.
Mesmo quando se espera, os dragões não falham em causar certo desconforto. E é claro, fascinação.
Ned pensou em esperar por Jon no bosque junto a comitiva de selvagens que se preparou para recebe-lo, mas Tormund disse que havia assuntos que precisavam discutir com seu rei.
Longe de sulistas intrometidos, rira-se o selvagem.
Por isso achou melhor aguardar no castelo. Não queria impor sua presença.
— O que ele faz aqui, tão de repente? – perguntou Robb – Pensei que tivesse que manter Rochedo Castely até que os próximos movimentos fossem decididos.
— Reis costumam agir como acham melhor. Não podemos esperar que seu irmão seja diferente.
Ned disse essas palavras com certa pontada de culpa. Não tinha direito de esperar que o filho lhe desse satisfação de todos os passos.
Mas ele ainda tinha esperanças que Jon se abrisse mais. Que compartilhasse seus pensamentos com ele, como fazia com Tormund. Podia ser uma esperança vã, mas não estava pronto para desistir ainda.
Era egoísmo de sua parte desejar tal coisa, assim tão cedo depois de terem se reencontrado. Mas havia uma parte em Ned, a parte que ficara mais de uma década procurando pelo filho perdido, que se cansara de esperar.
— Não deve ter vindo aqui para espalhar boas notícias – comentou Robb que também viera até a janela e tentava ver algo por entre as árvores.
Apenas concordou com um gesto da cabeça. Não era a vontade de socializar com a família que trouxera Jon ali naquela noite. Algo não estava certo.
A lua já estava alta no céu quando os selvagens deixaram o Bosque Sagrado. Do alto da torre não conseguiu ver a silhueta do filho.
Pouco depois Tormund bateu a sua porta.
— Jon pediu que encontrasse ele na Árvore Coração.
Ned ergueu uma sobrancelha.
— Se não for um incomodo – acrescentou o homem, visivelmente a contragosto.
Essa segunda parte aparentemente eram palavras de Jon, que Tormund preferia não ter proferido.
Enquanto colocava a capa, lançou um olhar a Robb, que permanecera onde estava.
— Não vem?
— É melhor o senhor fazer isso sozinho.
E sozinho, Ned entrou no Bosque Sagrado.
Encontrou o filho ao pé do represeiro de cara triste. Afiava a espada tranquilamente, enquanto o dragão ressonava calmamente em descampado a menos de quinze metros. Mesmo a luz da lua, as escamas projetavam um brilho dourado associado ao sol.
— Aço Valiriano – afirmou Ned, reconhecendo imediatamente o fulgor familiar do metal.
— Sim – foi a única resposta que teve.
— Não sabia que há Aço Valiriano daquele lado da Muralha.
— Não há. A espada foi um presente de Lorde Mormont. Chama-se Garralonga.
Ned conhecia a espada. O último dono fora o filho do Lorde Comandante da Guarda da Noite.
A espada o fez pensar em Gelo, tomada pelo inimigo. Mas resolveu afastar esse pensamento e focar no que realmente o incomodava naquele instante.
— Não me avisou que vinha.
Jon finalmente levantou a cabeça do seu trabalho com a lâmina e o encarou.
— Se avisasse o senhor com antecedência, por certo a notícia correria e prefiro que não saibam onde vou ou quando.
— Não acho sensato ocultar seus movimentos dos seus aliados. Será vantagem apenas para o inimigo se não agirmos em conjunto.
O filho estreitou os olhos. Percebeu que não era costume de Jon ser repreendido.
— Se soubéssemos quem é aliado e quem é inimigo, concordaria com o senhor. Mas como às vezes os dois conceitos estão misturados, prefiro não me arriscar.
— Do que está falando?
— Do motivo que me trouxe até aqui.
Ned ouviu inquieto enquanto o filho falava das cartas que interceptara e das consequências que poderiam ter para eles.
Tywin Lannister era inteligente o suficiente para não relatar seus planos explicitamente nas mensagens, mas claramente os leões não haviam dado sua última cartada ainda.
— A Campina, Dorne e as Ilhas de Ferro. Conseguiram três aliados poderosos.
— Dois. Conseguiram dois aliados poderosos.
— O que quer dizer?
— Não achou que os Martell esqueceram- se do que aconteceu a Elia na noite em que os Lannisters saquearam a Capital, não é.
— Disse que Oberyn Martell aceitou uma posição no pequeno conselho.
— Porque aconselhei que o fizesse.
Ned foi tomado por uma estranha sensação de que o filho fora talhado para esse jogo. Com certeza uma característica que herdara da mãe.
— Podemos confiar que serão leais?
Oberyn Martell não era conhecido como Víbora Vermelha por sua natureza constante.
— Podemos confiar no seu ódio pelos Lannisters mais do que na sua lealdade a nós.
— Como conseguiu isso? O que nos custará?
— Tudo que fiz foi mandar a cabeça do Montanha e uma promessa de vingança. Penso que os Martell tenham também algum interesse na coroa, por isso não aderiram a nossa causa abertamente. Tal como uma cobra, estão esperando o momento certo.
— Então não contaremos com um exército dornês.
— Exatamente. Mas com Príncipe Oberyn no Pequeno Conselho temos uma vantagem maior que qualquer exército.
— Há algo mais o incomodando – afirmou.
Jon suspirou e tirou um pedaço de papel do bolso.
— Traidores em todos os lugares.
No selo deu para ver o homem esfolado dos Bolton.
Passaram o resto da noite conversando. Discutindo o que fariam a seguir. E Ned deixou o Bosque Sagrado com mais preocupações do que entrara.
Jon queria mandar Mance Rayder para Winterfell acompanhado de dez mil guerreiros para fazer a proteção do castelo, mas ele se encontrou relutante em entregar seu lar a um desertor da Guarda da Noite.
“- É onde estamos mais desprotegidos – afirmou Jon impaciente – Acha que os Lannisters não sabem disso?!”
No fim, Ned não precisou tomar a decisão. Assim que entraram no castelo foram de encontro a um alvoroçado Lorde Glover.
— Uma carta, meu senhor, do meu irmão em Bosque Profundo. A Frota de ferro foi avistada. Centenas de navios ostentando o leão dos Lannisters aportaram e um exército desembarcou.
O primeiro pensamento de Ned foi para os filhos. Bran e Rickon estavam sozinhos e desprotegidos.
— Foram mais rápidos do que imaginei – comentou Jon baixinho ao seu lado.
A próxima mensagem que chegou, dois dias depois, foi do inimigo. Era bem simples.
Queriam trocar o Regicida pelos filhos e Rochedo Castely por Winterfell.
A carta tinha o selo dos Lannisters e era assinada por Kevan Lannister. Logo abaixo assinava: Theon Greyjoy, Príncipe das Ilhas de Ferro.
Traidores em todos os lugares, dissera Jon e como estava certo.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo é curto mais foi uma vitória. Uma conjuntivite estragou a minha semana e foi preciso alguns dias e muito antibiótico para que eu conseguisse encarar o computador novamente. Editar esse capítulo exigiu muito esforço, por isso posso ter deixado passar algum erro absurdo, se aconteceu me desculpem.
De qualquer jeito, o próximo capítulo vai sair dia 27 de Maio e voltaremos a Winterfell, isso se eu não for acometida por outra virose vinda do Sétimo Inferno.
(Então gente, infelizmente não teremos capitulo esse final de semana.Meu computador quebrou e até que eu concerte e recupere o capitulo não posso postar. Mas não é nada que dure mais que alguns dias, ainda quero postar essa semana, agradeço a compreensão).