Brazil com Z escrita por J R Fitzgerald


Capítulo 2
Capítulo 2




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Após algumas estações de metrô, um ônibus e alguns minutos de caminhada, Aiyra finalmente chegou ao simples apartamento que chamava a lar. Era realmente pequeno e humilde, porém perfeito para ela e para os três amigos com quem dividia. Não havia ninguém em casa quando ela chegou, seus amigos provavelmente ainda estavam no trabalho, afinal tinham rotinas diferentes.

Ela sentia seu corpo mais cansado do que o usual, pensou ser um resfriado chegando, então decidiu ir para a cozinha preparar um chá na intenção de barrá-lo logo nos seus primeiros sintomas. Assim que colocou a chaleira no fogo, Aiyra postou-se a observar aquelas fotografias que tanto chamaram sua atenção. A garota questionava-se mentalmente se eles eram felizes como aparentavam naquelas imagens ou se toda aquela alegria não passava de meras poses bem feitas. Falsas recordações a serem guardadas. Uma mentira tão bem contada um tempo depois de serem documentadas até os próprios fotografados acreditariam que eram felizes e não sabiam.

O apito da chaleira vermelha sobre o velho fogão começou a soar preenchendo o vazio do cômodo apertado retirando Aiyra de seu devaneio.   Em um susto, a garota levando correndo para dar prosseguimento ao ritual de seu chá. Enquanto ela o preparava, dava uma espiadinha de canto de olho no álbum de fotografia que aguardava o seu retorno. Então, por um momento, ela acreditou estar alucinando e culpou a gripe,  mas jurava ter visto algo se mexer na imagem preto e branco. Reaproximou-se lentamente coçando os olhos na intenção de conferir, só para ter certeza mesmo de que não estava louca, e tudo estava como ela havia deixado.

Tranquila, Ela voltou para buscar a xícara que abandonara,  foi então que tudo a sua volta começou a desmaterializar. Derreter como se estivesse em um forno a mil graus. Até restar só o vazio. O branco. Um cômodo alvo que no instante seguinte começou a ganhar cores, como se um pintor estivesse dando vida a uma tela vazia. Uma paisagem foi se formando pouco a pouco. O verde veio a tona, uma leve brisa foi se constituindo, então quando se deu conta ela estava em um parque. Seria isso possível? Seria insanidade? Ela não sabia. Como ela podia estar em um lugar em um segundo e no seguinte estar em outro completamente diferente. Poderia ser apenas mais um delírio de sua mente fértil e cansada. Ou não...

Não havia muito o que fazer, não havia como voltar, ao menos ela não sabia como retornar, e por tal motivo acabou cedendo aquela maravilha... Se fosse uma alucinação logo ela voltaria a realidade. Ela estava em um parque, de alguma forma, tinha a sensação que já estivera naquele lugar. Lembrava-a um lugar do seu presente, porque era claro que aquela não era a sua década. Ela estava fascinada com tamanha beleza, recordava cenas de filmes parisienses onde diversas pessoas faziam piqueniques na grama. Aiyra desfilava entre eles analisando-os com um olhar de encanto, seus olhos ambar brilhavam como o sol. Era tudo tão magnífico. As roupas que os homens usavam, camisa e gravata, alguns com o topete clássico dos anos 50. E as mulheres com seus vestidos acinturados e levemente rodados. Tudo era de tirar o fôlego de tão real. A mente da garota não podia imaginar tudo com tanta precisão, mesmo com toda sua imaginação. Todavia, o encanto da garota não era recíproco, eles olhavam-a com  reprovação. Ela era uma aberração para eles. E convenhamos que muitos, inclusive na atualidade, desgostam do estilo da menina. Para certas pessoas julgar pela aparência é algo muito fácil. Seu cabelo era preto na raiz e possuías as pontas num azul escuro, desfiado em camadas, era volumoso e batia a altura de seus seios, ela domava-os em um coque desconexo usualmente. Em suas orelhas, dois alargadores de 10mm. Um piercing no septo. E muitas tatuagens espalhadas pelo seu corpo.

Aiyra não estava se importando com os cochichos, estar no passado não alterava seu pensamento evoluído, ela tinha certeza que havia voltado nada menos que 60 anos no tempo, algo que acreditava ser impossível. Estava tão distante em seus pensamentos que demorou uns 5 segundos para perceber que um garotinho pigarreava loucamente na intenção de chamar a sua atenção. Era tão pequenino, deveria ter por volta de quatro anos, vestia uma calça bege que contrastava perfeitamente com seu sapatinho marrom polido, também usava uma camisa tão branca que parecia reluzir, o suspensório e a gravata borboleta o deixavam ainda mais fofo. Ela o reconheceu. Era o menino das fotos no álbum que ela encontrara.

— O que é isso na sua orelha? – perguntou ele com a inocência que só uma criança tem, analisava-a minuciosamente com seus olhos verde-esmeralda, tão vívidos que sua cor era perceptível até em uma foto monocromática.

— São alargadores, gostou? – respondeu ela ela abaixando-se para ficar na altura do menino.

— Para que serve? – indagou ele ainda mais curioso, a resposta de Aiyra não parou para ele, queria entender as funções de um alargador.

— Para nada! É só um acessório, como brincos – explicou ela entre risos, costumava odiar crianças, mas ele era naturalmente encantador, não podia lutar contra.

— Por que colocou? Já que não serve pra nada... — ele tornou a perguntar enquanto franzia as sobrancelhas tentando entender os motivos da garota, nunca havia visto ninguém como ela em sua vidinha.

— Porque eu acho bonito! Onde está a sua família? Eles devem estar preocupados com você, sabia? — ela tentou desviar o assunto, não queria ficar se explicando para uma criança. 

— Eles estão ali comprando sorvete! – respondeu ele apontando para uma carrocinha onde o marido, a mulher e a filha faziam o seu pedido ao dono.

— E você não quer sorvete? Na sua idade eu não perdia a oportunidade, se deixassem eu tomaria sorvete o dia inteiro! – relatou ela analisando a família, eram eles, os da foto... E eram ainda mais vistosos ao vivo, se é que ela não estava sonhando, todos, com exceção do pai, possuíam o cabelo claro.

— Mamãe me deixa tomar sorvete todos os dias se não estivar frio ou doente... Mas eu nunca vi uma menina como você. Você é da onde? – ele era tão esperto para sua idade, isso o tornava ainda mais fofo, interrogava a menina como um mini policial.

— E se eu disser sou do futuro, você acreditaria? – respondeu Mariana acariciando as bochechas rosadas do garoto com a ponta dos dedos para ter certeza que ele era real. Senti-o tão quente como ela, isso não poderia ser possível...

— Hum... talvez! – exclamou ele revirando os olhos um tanto incrédulo.

— Lucas! – gritou a mãe em repreensão. Ele, um tanto trêmulo, deu as costas para Aiyra e correu em direção a mulher que o aguardava com seu olhar furioso. Ela já havia o dito milhões de vezes para não conversar com estranhos, ainda mais com estranhos tão estranhos, mas ele era tão agradável, tão sociável e tão curioso que era praticamente impossível lutar contra a sua natureza. Antes mesmo dele chegar perto da sua mãe,  tudo tornou a se desmaterializar, Aiyra estava cercada por quatro paredes brancas e posteriormente em sua cozinha.

Ela queria voltar aquela época, conversar com o garotinho, contar a eles que havia encontrado suas lembranças em futuro muito distante. Tentou de diversas formas retornar da década de 50, mas nada acontecia. Sacudiu o velho álbum, virou-o de cabeça para baixo, colocou-o em sua cabeça e puxou-o para baixo com brutalidade como se isso fosse fazê-la adentrar suas páginas, mas nada aconteceu, aquelas recordações não tornaram a ganhar vida.


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