12 anos atrás

“As férias passaram tão rápido. Merda, não acredito que as aulas já voltaram.” Entro pelos portões da escola e o edifício parece se inclinar em minha direção, me convidando pra entrar. Estremeço e vou para a sala quando o sinal bate.

— E aí, o que fizeram nas férias? – Nina pergunta assim que o professor começa a falar na frente da classe, explicando qualquer coisa sobre radiação.

— Planejar vários jeitos da Letícia morrer conta como uma atividade? – Pergunto, e mostro meu caderno de desenhos em uma folha onde várias Letícias apareciam enforcada, queimada viva, envenenada, etc.

— Hm… Acho que não. Descobri que vou para um cruzeiro no final do ano. – Lena fala de sua carteira, mexendo no Twitter escondido do professor.

— Legal… E você Nina, o que fez durante as férias? – Me viro para a garota, guardando o caderno. Na verdade, eu não me importava. Apenas queria fazer passar o tempo da aula.

— Nada. Apenas… - ela parece pensar por um momento e olha para nós dois. – nada.

— …

— Tá bom, eu vou contar. Lembra aquele amigo meu que se formou ano passado e tudo o mais? Então, eu e ele nos encontramos nas férias e… Talvez ele goste de mim também! – Ela se esforça para falar baixo, mas sua tentativa falha e o professor pede para ficarmos em silêncio.

— Você ainda não desencanou dele? Por Lúcifer, Nina! – Lena sussurra para a outra, guardando o celular no bolso e fingindo anotar a matéria.

— É aquele ditado né: eu não quero, mas se você quiser, eu também quero.

— …Que ditado é esse? – Olho para ela confuso, e o sinal da aula bate. – Ai, agora temos Educação Física. Alguém me mata.

No intervalo, nós três vamos para a mesa onde Maya, Gus, Lara e BB estão sentados. Os dois últimos parecem ter se resolvido, mas alguma coisa na relação deles ainda estava estranha. Sento do lado de Maya e começamos a conversar.

Me distraio com as pessoas que estão conversando no pátio, comendo e andando por aí, e meus olhos vão para o grupo de Gabrielle. Percebo a ausência de Letícia entre elas, e estremeço me lembrando do que ela havia me dito. E se ela fizesse algo com aquilo…?

— Gente, esqueci de contar. Meu aniversário é em Novembro e eu vou dar uma festa gótica, e quero que todos estejam lá. A única regra é ir de preto, e uma maquiagem escura ia ficar legal também. Minha amiga de Santos vai estar presente, e acho que vocês vão se dar bem. – Lara fala de repente e todos olhamos pra ela.

— Festa gótica. Creepy. Vocês me dão medo. – Lena levanta os olhos do celular para encarar Lara e logo volta a digitar na tela brilhante. – Eu vou.

— Vai ter bebida? – BB pergunta, animado.

— Nem tudo gira em torno de bebida, sabia? – Uma estressada Nina comenta, e se vira para Lara. – Posso convidar o Padre?

— Ahn… Acho que tudo bem. – Lara parece meio desocncertada, mas concorda. – Ah, e leva seu violão também.

— Combinado. – Logo todos voltam a falar de assuntos aleatórios, e vou para o banheiro fazer xixi.

Caminho para o banheiro mais distante do pátio, e portanto o mais vazio, e abro a porta silenciosamente. Não gostava de plateia quando ia fazer minhas necessidades, tirando que os garotos escrotos sempre “brincavam” de chutar as portas dos boxes ou de jogar papel higiênico molhado na cabeça de quem entrasse.

Quando termino de lavar as mãos, ouço passos na direção do banheiro e a porta se abre. Olho pelo espelho que era o garoto que eu estava encarando desde o começo do ano, e namorado de Letícia. Desvio o olhar rapidamente quando ele olha na minha direção, e me dirijo para a saída. Quando passo por ele, sinto um aperto no meu dedo, e olho para baixo.

A mão dele estava segurando meu indicador. Levanto os olhos e vejo ele sorrindo. Para mim.

Me afasto e saio apressado em direção à multidão. Volto para o grupo de amigos que ainda estava conversando na mesa, e puxo o braço de Gus. Vamos para um canto mais vazio e conto o que havia acontecido no banheiro. Dois minutos depois, ele está me olhando com um sorriso no rosto.

— Ai meu Deus! Eu shippo tanto vocês dois! Socorro, preciso criar um nome pro shipp. – Ele para por um momento e me encara. – Qual o nome dele mesmo?

— …E eu lá vou saber? Gus, é a primeira vez que alguma coisa entre nós acontece. Não é como se tivéssemos transado ou compartihado histórias sobre nossa vida.

— E eu lá vou saber? Já aconteceu comigo…

— OK, muita informação. Enfim, vamos voltar antes que alguém desconfie de algo. – Começo a andar, e o braço de Gus me puxa.

— Só não esquece – Gus me olha com um ar de seriedade agora, e fico assustado. – que ele e Letícia já foram namorados. E se eles ainda tiverem alguma coisa, sei lá…?

— Não, acho muito improvável. E afinal de contas, não vou me jogar nisso de cabeça, não é mesmo?

Voltamos para o grupo e o intervalo acaba. Quando estamos subindo pelas escadas até nossas salas, o grupo de Gabrielle havia subido bem na nossa frente, e tudo o que consigo pensar é nas palavras de Gus e na ausência de Letícia.