Florescer escrita por Mel Bronte


Capítulo 1
Cravo


Notas iniciais do capítulo

A ideia é que a fic seja tão leve quanto possível, e a maior parte (ou ao menos o início) será mais focada em amizade do que em sentimentos propriamente românticos.

Um singelo presente para a Mitie.

Edit: Como estou editando os nomes dos capítulos a pedidos, cabe uma pequena explicação.
Em hanakotoba, a linguagem das flores japonesa, o cravo (Dianthus caryophyllus) representa fascinação e amor. O nome científico dianthus vem do grego, significando "flor celestial" (em tradução livre).



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— Não gosto de rosas.

A porta de madeira fechou-se abruptamente e Shion olhou desconsoladamente para o recipiente metálico onde plantara a muda de uma pequenina roseira. Os botões minúsculos davam tímidas mostras de que se abririam em alguns dias.

Precisaria mudar suas estratégias. Ou suas flores. Suspirou, decepcionado consigo. Realmente esperava agradar. O efeito, porém, foi o inverso.

As rosas sequer eram o motivo para a sua presença ali. Se Albafica tivesse a consideração de observá-lo por mais um momento, veria que, na outra mão, Shion carregava uma cesta com frutas frescas, pães e queijo.

Jamais imaginaria que Albafica pudesse ser tão grosseiro. Pareceu-lhe que a má fama de Peixes era de fato merecida… Mas estava disposto a não julgá-lo.

Doía-lhe, no entanto, ter juntado toda a sua coragem de finalmente falar com Albafica apenas para ter um resultado tão desastroso.

De qualquer maneira, não estava ali apenas para falar com Albafica, embora usasse a entrega como pretexto, ou não teria se apressado como voluntário para a tarefa. E no que ele estava pensando? Ele era um guerreiro. Não deveria estar por aí tomando coragem para falar com seus próprios companheiros.

Sentia o coração disparar, e esta foi a única razão pela qual permaneceu à porta. Sentou-se no degrau e esperou.

Albafica recostou-se contra a porta fechada. Sentia o ar faltar e o peito apertar. Nunca antes afastar alguém mostrara-se tão doloroso. Sobretudo não imaginava que era ainda capaz de chorar.

Jamais saberia em que ponto o nó em sua garganta transformara-se em um breve pranto. Não desmoronou, porém. Limpou as lágrimas quando ouviu batidas tímidas e insistentes.

— É melhor que vá embora! — Parecia esforçar-se para soar ainda mais ríspido do que de início.

— Eu só queria me desculpar.

Arfou, sentindo-se derrotado, quando abriu uma brecha da porta. Mirou Shion com firmeza, sem desfazer o contato visual.

— Está perdoado. Agora vá embora. Esse jardim pode te matar em questão de minutos, garoto tolo!

Soube pela firmeza na expressão do mais jovem que Shion não sairia dali.

— Você não vai sair, vai?

Albafica semi-abriu a porta, e o jovem Áries aproveitou-se dela para esgueirar-se adentro. Poderia usar psicocinese para entrar, mas a última opção seria infinitamente mais indelicada. Seu senso de decoro não o permitiria.

— De quais flores gosta, então?

Inacreditável! Se o risco não fosse de matá-lo, Albafica o expulsaria dali, aos safanões, naquele exato momento.

— Não estou interessado em flores, garoto. — A resposta foi seca.

Na verdade, poderia enumerar algumas agradáveis a seus olhos — não que fosse cultivar qualquer uma delas. Todas com significados ambíguos ou mesmo mórbidos, dependendo do lugar do mundo onde estivesse. Anêmonas, magnólias, peônias, coração-sangrento. Uma infinidade de plantas venenosas, as que fizeram parte de seu treinamento de identificar e lidar com venenos. Acônito, dedaleira, datura.

Shion tomou o cuidado de empertigar-se. Ainda era mais baixo que Albafica, e toda a aura em torno de Peixes o tornava… Exuberante demais para ser confrontado. Belo e terrível.

— Apenas não está interessado, mas certamente tem uma preferida. Não tem?

— Você é sempre tão insistente assim?

— Não me subestime. Eu tive o melhor mestre nisto. Sou mais insistente do que você poderia imaginar.

O cavaleiro de Peixes examinou Shion. Quantos anos aquele garoto tinha? Doze, treze? Parecia-lhe uma idade de imprudências.

E ser imprudente ou ter alguém assim perto de si era a última coisa que Albafica queria. A voz de Lugonis, cheia de advertência, ainda estava bastante viva em sua mente.

"Um pequeno erro significa destruir uma vida, Albafica. O dano é irreparável."

Dois anos depois de sua morte, Lugonis ainda deixava suas impressões em Albafica. Não era apenas sangue, não era apenas veneno: era uma identidade construída pelas ruínas de outra vida. Albafica construíra-se com tais ruínas. Como poderia extrair algo bom de si?

A mágoa deixava uma nódoa difícil de remover no coração dele: Lugonis tornara-se um dano irreparável. O maior e pior erro irreparável já cometido por Albafica. Não poderia cometer outros erros, jamais.

Perdera-se em pensamentos, a ponto de quase não perceber a mão delicada segurando seu braço. Piscou os olhos, atônito, antes de afastar-se.

— Você está bem, Albafica?

— O que está fazendo? Não me toque, Áries!

— Algo de errado? — Indagou, ansioso por satisfazer a curiosidade. Ouvira boatos sobre Albafica e seu sangue, e desejava saber se o que era dito era fato. Teria mesmo tanto veneno assim? Era mesmo rude?

Shion sentiu as bochechas afoguearem-se quando seu organismo resolveu denunciar — alto e bom som — que tinha fome.

— Eu não sou babá. Pegue o que quiser desses alimentos que me trouxe e vá para fora!

Um suspiro cansado foi o único movimento que conseguiu arrancar do mais jovem. Viu Shion franzir o cenho para as ataduras excessivamente ensanguentadas colocadas a um canto. Imaginara que o garoto estivesse acostumado a sangue...

— Você se feriu na última missão. Por que não aceita ajuda de ninguém?

— Por que se faz de tolo, Shion de Áries?

— Não se engane, Albafica de Peixes. — Rebateu com a mesma frieza que percebera na voz do outro. — Não sou nenhum tolo, nem quero me passar por um. Apenas…

— O que? — Havia secura na interrupção. No entanto, Albafica percebia que isto já era ineficaz contra Shion.

Era inegável que o garoto despertara-lhe a atenção. Talvez fosse sua ânsia por companhia falando mais alto.

— Não consigo me sentir em paz quando vejo alguém sofrer — redarguiu, retomando a suavidade na fala.

Deduzira que não precisaria esconder seus pensamentos e sentimentos de Albafica. Por algum motivo, que não conseguiria explicar, sentia que poderia confiar no cavaleiro de Peixes, apesar de tudo.

Talvez fosse a presença da armadura de Peixes, colocada tão perto deles, que parecia pedir-lhe exatamente isto: proximidade. Ela exalava, a um só tempo, solidão e desejo de comunhão.

Shion perguntou-se quantas gerações de cavaleiros de Peixes foram obrigadas a viver em isolamento. Imaginava que nem todos cultivassem um tão extremo quanto o de Albafica.

— Pois então precisará aprender a não ser tão sensível a tudo, se quiser sobreviver por aqui. — Albafica sabia que soaria duro demais. Era necessário, porém: Shion parecia-lhe suave demais.

— Não conseguiria deixar de me importar.

— Com qualquer pessoa?

Shion encarou os próprios pés. Sabia que Albafica analisava-lhe, deixando-o desconcertado e desconfortável.

— Algumas mais, outras menos — admitiu. Apenas quando proferiu tais palavras percebeu que não se orgulhava desta atitude. Pareciam-lhe sentimentos inadequados.

Novamente, sentiu-se exposto ao olhar inquiridor. Cruzou os braços e encarou o piso de madeira.

— Você é bondoso demais, Shion. Mas não pode deixar que a sua bondade se transforme em maus julgamentos ou em imprudência. É por isto que não deve voltar.

— Não entendo, Albafica. Eu quis vir aqui. E, ainda assim… Insiste em dizer que não posso voltar.

Crispou os lábios e tamborilou os dedos no parapeito da janela. Sentia que já se expusera demasiado. E, pior: expusera Shion à própria presença por tempo demais.

— Eu sou um risco para quem se aproxima de mim. Você sabe que nosso dever é proteger. Não posso me tornar o responsável por espalhar morte e destruição.

— Mas todos nós temos potencial para nos tornarmos riscos para os demais.

Albafica tornou a mirar a paisagem quase estéril do jardim que não conseguia pensar como seu: sempre seria o jardim de Lugonis. Desejava acreditar que o mestre deixara-lhe algo quase belo como herança.

Não queria que Shion visse seu rosto naquele momento. Havia algo de incômodo no escrutínio daquele garoto. Talvez estivesse apenas exagerando, mas se sentia exposto.

— Você acabou de se mudar para o Santuário. Embora você já esteja familiarizado com o ambiente, é natural que não saiba, mas… Meu corpo inteiro está repleto de veneno, Shion. — Forçou-se a pausar. Encarou Shion. — Em outras palavras, eu posso dizer que me tornei veneno. Este é o preço de conviver com essas rosas…

Shion esforçou-se para não comentar sobre as palavras de Albafica. Sua curiosidade quase infantil sobre as pessoas, sobre o mundo, exigia-lhe silêncio, agora que o cavaleiro mais velho finalmente se pronunciava.

— Também é por isto que eu venho para cá quando estou ferido. Ninguém deveria entrar nesse jardim de rosas envenenadas, então não há perigo de contaminação para ninguém. E, sinceramente, não sei como você ainda está vivo.

Albafica sentiu um peso ser retirado de seus ombros e de seu peito. As lágrimas reapareciam em seus olhos. Não eram torrenciais: apenas uma fina camada de líquido, incômoda para a visão.

Nunca antes havia falado aquelas coisas para ninguém. Quando Lugonis estava ali, era algo desnecessário, e poderiam discorrer sobre assuntos mais agradáveis. Mas Lugonis não estava mais ali, e a herança de Albafica resumia-se a rosas, veneno e solidão.

Shion, por sua vez, não imaginava que as feridas de Albafica — não os ferimentos de batalha, com os quais todos ali estavam acostumados, mas as marcas emocionais — fossem tão profundas.

Percebera, assim que o vira pela primeira vez, que Albafica sofria. Não tivera noção da intensidade deste sofrimento naquela ocasião.

Recordou-se do dia em que fora apresentado aos companheiros de armas como Cavaleiro de Áries. Todos solenemente trajando as armaduras douradas.

A face de Albafica, entre todas, foi a que mais se destacou naquele quadro. Asmita e Manigold também captaram a atenção de Shion, mas estes eram rostos já conhecidos. Albafica, porém, era um mistério novo e fascinante na vida do jovem cavaleiro de Áries.

Permanecia junto à janela do casebre. Embora seus olhos estivessem postos sobre as rosas vermelhas, não era nelas que pensava. Seus pensamentos iam muito além.

Voltou-se para Shion. Suas habilidades de análise adquiridas com o tempo e com a reflexão apontavam-lhe a consternação de Áries.

Pela primeira vez, Peixes pensou que Shion era jovem demais para carregar uma expressão tão triste.

— Áries — Albafica readquirira o tom frio — é melhor ir agora. Quase uma hora já se passou e está começando a ventar.

— Preciso ficar mais um pouco.

— Não pode ficar, Shion. Sinto muito.

Àquela altura, não teriam como saber mas, durante os anos de estranha amizade que começava a se formar, aquela cena se repetiria. Incontáveis vezes, para o horror de Albafica.

— É apenas um instante — apontou o indicador para o ombro de Albafica — você voltou a sangrar.

— Mais um motivo para que vá embora!

— Pode dizer que é venenoso, mas eu não tenho medo.

Desfazia, aos poucos, a distância que impusera. Não desviou o olhar do rosto de Albafica. Era um desafio para o Cavaleiro de Peixes e, principalmente, para si. Precisava saber se o que diziam sobre o sangue dele era verdade.

— Ninguém na sua idade sabe bem o que é medo, Shion.

Shion colocou-se ao lado de Albafica. Ergueu a mão até tocar o braço do mais velho. Afastar-se, no entanto, mostrava-se mais difícil. Nenhuma pessoa antes fora tão insistente ou tivera a insensatez de aproximar-se tanto. Havia quanto tempo não era tocado por alguém?

Passados alguns minutos, Albafica fechou a janela com estrépito. Sua expressão asseverara-se. Era a sua maneira secreta de lutar contra os sentimentos aparentemente incongruentes. Não queria chorar na frente de um jovem companheiro, então endurecia-se.

— Já basta!

— Por quê? Que não queira ser tocado, eu posso tentar entender, mas por que afastar todas as pessoas?

Albafica pestanejou e massageou as têmporas. Tinha vontade de tirar aquele garoto de sua presença à força. Por outro lado, há quanto tempo não conversava com alguém?

— Para que elas se mantenham vivas. Pensei que fosse óbvio.

— Seria. Seria, se a esta altura eu já estivesse morrendo! Só sairei daqui quando você me convencer.

Uma tigela de água, que flutuava, caiu no chão. Albafica olhou de soslaio para o objeto. Observara o mais novo por tempo o suficiente para saber sobre a psicocinese.

— Shion, se acalme.

— Não! Já disse que só sairei daqui quando me convencer.

— Mesmo que fosse seguro… — Albafica titubeou. Seu orgulho, no entanto, tornava-lhe irredutível. —Não… Sequer consigo imaginar.

— Você tem medo de imaginar. — Shion apontou, com calma e naturalidade. — Tem medo de que alguém se aproxime, teme que alguém se faça importante na sua vida.

— Penso que as pessoas se cansariam, mais cedo ou mais tarde. Ninguém acha agradável ser rechaçado a todo momento. Até você desistirá, algum dia.

— Por que você rechaça a todos, então?

— De novo, Shion?

Shion deu de ombros. Pelo menos Albafica passara a chamá-lo pelo nome, e não de Áries com aquela entonação de censura.

Sorriu, ao perceber os olhos de Albafica arregalando-se, uma reação pela surpresa de ter o tecido ao redor de seu braço desprendendo-se e caindo ao chão.

— Não preciso ter contato com seu corpo para ajudá-lo. Foi por isso que me ofereci para vir até aqui.

Calou-se por alguns minutos. Tratava-se de um consentimento silencioso. Se Shion, até aquele momento, não sentira os efeitos de seu sangue, poderia permitir que ficasse mais um pouco. Depois trataria de despachá-lo e afastá-lo definitivamente.

— Acho que não mereço sua gentileza, Shion. Mas não posso deixar de perguntar... Por que ficou aqui, mesmo depois de tudo o que eu disse?

Passariam anos até que Albafica tivesse a resposta para tal pergunta.


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Notas finais do capítulo

Comecei a escrever essa fic como um presente de aniversário para uma amiga querida (oi, Mitie). Para variar, não consegui terminar a tempo.

Espero que a leitura seja agradável. Como sempre, estou aberta a comentários, críticas e sugestões.



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