Os dias com Joseph eram muito legais, ele era incrível, mas eu percebi que ele estava um pouco estranho.

Um pouco depois de eu fazer onze anos, ele me proibiu de ouvir ao rádio. Ele o escondeu em seu quarto, mas achava que não sabia disso, e passava as madrugadas ouvindo as notícias. De vez em quando eu acordava e escutava um ruído, mas nunca consegui distinguir as palavras.

Muitas vezes ele falava para gente ir ao porão. Ele dizia para eu não perguntar, mas eu sabia que tinha alguma coisa acontecendo, só não sabia o que era. Meu corpo dizia para eu ter medo dos estrondos do lado de fora, mas Joseph sempre estava por perto e eu sabia que ele me protegeria de tudo.

Um dia ele chegou em casa carregando um uniforme novo, em que se lia "SS". Eu fiquei muito feliz por ele ter sido promovido e nós comemoramos muito.

Ele chegou em casa e me carregou no colo, disse que tinha conseguido a chance da sua vida de se mostrar útil, estava realmente muito feliz, ele disse que trabalharia como o braço direito de um líder muito respeitado.

Naquele dia ele até cozinhou comigo, coisa que era muito rara de acontecer e a semana toda foi como uma grande festa, mas ele começou a ficar mais sério com esse novo emprego. Eu não sabia realmente o que era, mas estava mudando Joseph.

Entretanto eu também não era mais a mesma. Não tinha mais pesadelos com os meus pais e até esquecia a data da morte deles e outras coisas importantes, como era ter uma família e muitas palavras em polonês, minha vida havia se tornado o Joseph e meu país, a Alemanha.

Eu não era mais uma garotinha polonesa chorando pelos pais; eu estava me tornando uma mulher alemã. Meu corpo estava diferente e a minha maneira de pensar também. Eu havia crescido, como Joseph sempre falava "A Alemanha cresceu e você também".

— Katharina, uma coisa importante vai acontecer, eu preciso que você obedeça tudo o que eu disser, sem questionar e exatamente como eu disser. - ele me disse tenso quando chegou em casa, ajoelhado para ficar da minha altura.

— Tudo bem, pode pedir qualquer coisa- respondi desconfiada.

— Eu sou uma pessoa muito importante no meu trabalho, por isso o honroso homem de que lhe falei quer vir aqui, mas ele é um homem muito perfeccionista, então tudo tem que ser correto, vir aqui é uma das formas de avaliar para saber se eu sou mesmo capaz do cargo.

— Eu consigo fazer o que você mandar, Joseph - afirmei inocentemente e confiante.

— Eu sei que você consegue, mas preciso que compreenda a importância desse jantar.

Ele me deu um vestido novo, muito mais bonito do que qualquer outro que eu tinha e disse o que eu teria que fazer. Qualquer coisa que o homem dissesse eu teria que concordar e teria que fazer umas coisas sem questionar nada.

No dia seguinte, o homem chegou. Eu e Joseph corremos para fazer o jantar e nos arrumar. Prendi meus cabelos com um lenço, como ele me pediu, que faziam com que meus olhos azuis ficassem mais evidentes que os cabelos castanhos. Ele me disse para mostrar às visitas como meus olhos eram bonitos.

Eu passei a maior parte do jantar na cozinha, arrumando todos os pratos e não pude ouvir o que os homens conversavam. Eram três visitantes no total, um que parecia ser um líder e outros dois com o mesmo uniforme de Joseph, então eu achei que deveriam ter a mesma função.

Saí com um carrinho de refeições para entregar os primeiros pratos.

— Heil Hitler - fiz com a mão erguida assim que passei pelas porta como Joseph havia me ordenado e os homens repetiram o sinal.

— Quem é esta garota? - perguntou o homem que chamavam de Hitler à Joseph.

Ele tinha o cabelo escuro partido de um jeito diferente e um bigode bastante engraçado, mas não parecia ser alguém que tolerava qualquer brincadeira.

— É a minha sobrinha, mora comigo desde que o pais morreram - Joseph mentiu e eu apenas continuei com a cabeça abaixada esperando para poder sair.

— E o nome da moça? - Hitler perguntou a mim.

— Katharina, senhor. - respondi tentando ser gentil e ficando envergonhada por ter a atenção.

— Katharina, acho que você já pode voltar para cozinha, certo? - Joseph disse olhando para Hitler, como se esperasse sua permissão.

— Certo - o homem respondeu começando a comer e eu me recolhi na cozinha.

Era evidente que havia um temor ali. Joseph temia aquele homem e ele tinha um ar de superioridade inegável. Eu não queria mais vê-lo, sua presença, não sei porque, fez minha espinha arrepiar, como se um terrível mal estivesse próximo.

Eu acabei de servir os homens e passei o resto do jantar encolhida na cozinha, esperando. Era só uma impressão minha, eu estava ficando maluca, o homem era rico e era o chefe de Joseph, por isso era tão superior, claro que não havia nada de errado.

— Eles já foram? - perguntei ao ver Joseph entrando na cozinha.

— Já sim, você já pode sair daí - ele disse ainda de pé.

— Joseph, aquele homem me dá medo. Por que você trabalha para ele? Ele parecia ser muito cruel. - revelei.

— Katharina, para de falar besteira! Você não o conhece, não sabe do que está falando, não sabe de nada! - foi a primeira vez que ele brigou comigo assim. - Você podia ter arruinado tudo ta bom? Então fica feliz por ainda estar aqui.

— Por que, Joseph? O quê aconteceria? O que está acontecendo? - questionei também aumentando meu tom de voz.

— Katharina, vá dormir e para de tentar questionar tudo, aprenda a obedecer! - ele ordenou.

Eu fui dormir como ele mandou, mas minhas perguntas não saíram da minha cabeça. Elas continuaram ali, me perturbando, mas eu não conseguia achar respostas, não tinha provas a favor daquele pressentimento horrível.

Eu queria entender a fúria de Joseph para poder compreendê-lo melhor, ele era tão cheio de normas estranhas e sem sentido, eu não conseguia imaginar porque tanta paixão para com o tal chefe e por que ele não podia simplesmente me explicar.

Eu consegui adormecer apesar de todas as perguntas me perturbando. Um dia eu teria minhas respostas, eu sabia disso, mas, para isso, eu precisaria esperar e ser obediente.