O Legado escrita por Hikari


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Oláa, meus leitores! Bem vindos!
Essa história é a versão reescrita da minha antiga fanfiction "Um Dia Qualquer", que postei no site no dia 22/09/2012.
Todas as coisas que preciso que saibam estão nas notas principais da história.
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/734705/chapter/1

Pov. Katniss.

Minhas pernas tremiam. Não porque estava com medo, nem mesmo porque estava fraca. Mas porque eu podia sentir a neve gélida tocar minha pele descoberta, atravessando minha camisola de tecido fino e suave, que havia posto descuidadamente antes de sair na noite serena e cristalina de inverno. Era a noite mais fria da estação. Peeta esperava Haymitch usar as árvores como alvo de suas necessidades – claro, nosso cachorro, Haymitch. Ele era apenas um filhote. Peeta o encontrou sozinho, fungando dentro da larga caixa de papelão forrada com um pano velho. Haviam deixado a caixa algumas poucas ruas após nossa padaria, e ele o achou enquanto retornava para casa. Seu coração tão bondoso não poderia abandonar aquela oportunidade, poderia? As crianças começaram a chamá-lo de herói depois disso. Com Haymitch em casa, nosso filho menor aprendeu a andar mais rápido do que imaginávamos. Seguia-o onde quer que fosse. A princípio, hesitamos em nomeá-lo assim. No entanto, as crianças insistiram tanto com seus sorrisos ternos e radiantes... como poderíamos negar?

Peeta virou-se quando Haymitch cobriu seu monumento com as patas traseiras felpudas e macias, enormes para seu trabalho de escavador enquanto eu e minha filha praticávamos jardinagem. Meu marido sorriu, reconfortante, para mim, seus olhos fechando-se sutilmente com o sorriso sincero e cálido. Em meu coração senti que tudo estava bem. Esperei Peeta aproximar-se com nosso filhote para enfim ajeitar seu casaco e segurar suas mãos a fim de entrarmos em nossa casa, as luzes acesas e calorosas nos recebendo juntamente com abraços sonolentos de nossas crianças.

—Mamãe, mamãe!

A voz melodiosa de meu garotinho entoou pelos meus ouvidos. Ele levantara a cabecinha para me observar, com seus olhinhos semicerrados de sono, porém vívidos de amor e a mais pura preocupação que uma criança pode nutrir. Um sorriso desabrochou de meus lábios, sincero e carinhoso. Ajoelhei-me e o envolvi em meus braços, sentindo seu calorzinho me aquecer. Aquele desejo ardente de proteção me sobreveio, e tudo que brotou em meus pensamentos e tomou conta de minha mente era o modo como cuidaria dele e de minha filha com o melhor que eu tivesse. Eles me salvam todos os dias dos pesadelos, com seus belos e doces sorrisos esperançosos e seu olhar luminoso, refletindo um novo início.

Peeta, que havia fechado firmemente a porta para impedir a entrada de quaisquer correntes de ar fria e retirado seu casaco úmido com a neve que derretia lentamente, agachou-se e apanhou nossa filha mais velha, que se encaracolou em seus braços fortes de imediato. Meu marido aproximou seu nariz da delicada e corada bochecha dela e a tocou, sorrindo amplamente.

—Papai! Seu nariz tá gelado! –reclamou em um tom enfático porém alegre. Ela lascou um beijo na bochecha de Peeta, que ria encantado, e logo em seguida saltou para fora de seus braços, correndo para o filhote que estava ao nosso lado, assistindo a cena com sua cabecinha levemente inclinada e o nariz movendo-se enquanto respirava freneticamente. Nossa menina, Annie Willow, alargou os braços e aninhou-o para si como se fosse seu próprio bebê.

Senti uma pressão frágil em meu ombro e percebi que meu menino procurava sair de meu colo com timidez, porém determinado. Finn Rye, meu filho, um raio de esperança e alegria. Ao afrouxar meu aperto ele disparou em direção a irmã e pulou para junto de Haymi, o filhote, que abanava o rabo com grande energia e o lambia com saudade e afeto. Willow fechou a expressão ao ter de suportar o peso do irmão no corpo em sua chegada, mas logo sorriu novamente enquanto Rye se ajeitava ao seu lado e o cachorro alegremente passeava entre os dois.  

Suspirei, meneando minha cabeça. Levantei do chão com tranquilidade e enrolei o cachecol que usava no mesmo local onde meu marido deixara seu casaco. Girei meu calcanhar e tornei-me a ele, deparando-me com seus olhos azuis repleto de um brilho singular. Seus cabelos loiros estavam bagunçados por ter seguido um Haymitch animado em meio a montões de neve. Aproximei-me dele, escorregando meus dedos em algumas mechas douradas e ajeitando-as. Suas mãos pousaram em minha cintura.

—Parece que já se esqueceram de nós, não é mesmo? Me sinto substituído... ou mesmo abandonado! –suas feições contraíram-se em uma exagerada expressão de frustração, fazendo um beicinho enquanto arqueava as sobrancelhas. Uma risada baixinha escapou de minha garganta, minha mão deslizou pelo lado de seu rosto e mantive-a em suas bochechas, meus dedos acariciando sua pele.

—Pobrezinho! Não diga isso, meu amor. Eles te amam de montão! E sabe de mais uma coisa? Eu nunca vou te abandonar. Estou bem aqui com você, e você tem toda a minha atenção...

Sua expressão emburrada foi rapidamente se reconstruindo, adquirindo brandura e uma felicidade harmônica. Seu sorriso estampou-se em seu rosto com um piscar de olhos, tão brilhante e pacífico que me conduziu a sorrir mais e mais. Ele me levou para mais perto de si com cuidado e pude estar logo toda envolta por ele, sentindo seu suave cheiro me embalando e confortando. Acomodei meu rosto em seu peito, o tecido macio da camiseta me cobrindo, e abracei-o apertado.

—Obrigado, Katniss.

Sua voz fluiu em um sussurro profundo até mim. Ele repousou seu queixo no topo de minha cabeça e senti sua presença me protegendo como tantos anos o tem feito. Quero protegê-lo também, todos os dias, com o meu melhor. Apesar de terem se passado algum tempo, a lembrança parece recente, e nossos filhos aos poucos crescem com a promessa de algo diferente.

Curiosa pelo seu agradecimento, procurei olhá-lo sem me afastar de seus braços, tornando meus olhos para cima.

—Pelo o quê?

Peeta alargou seu doce sorriso, repuxado no canto de seus lábios. Seu olhar recaiu no canto onde nossos filhos cobriam o cachorrinho com seus corpinhos, tentando esquentá-lo. Haymi apresentava um porte tranquilo e satisfeito. Uma alegria indescritível subiu pelo meu peito ao observar a família que construímos juntos. Voltei minha atenção para meu marido, examinando sua expressão cuidadosamente. Sua voz soou em mim e percorreu meu coração.

—Por estar me dando uma vida feliz. Essa vida, com vocês. Se não fosse por você, Katniss, nada disso poderia estar acontecendo.

Com o canto de meus olhos podia enxergar Haymi, com seu rabo balançando em um frenesi de felicidade. Uma gratidão renovadora me dominou por inteira. Abracei Peeta mais forte, ergui meu rosto e o aproximei do dele, encostando nossas testas e fitando seus belos olhos azuis.

—Eu te amo, Peeta Mellark. –sussurrei com ternura.

Com um toque tímido, ele empurrou uma mecha de meus cabelos para trás de meus ouvidos. Seus olhos refletiam o céu, fixos nos meus que procuravam o abrigo que ele me trazia todos os dias. Inclinando-se delicadamente, ele me beijou.

Pude ouvir passinhos inquietos saltitando em um mesmo ponto, uma pequena voz reprimida com não muita eficiência. Um riso discreto escapou de minha boca enquanto me afastava delicadamente de Peeta. Pude ver o sincero sorriso repuxando-se em seus lábios, um sorriso torto e jocoso no qual me fez relembrar de nossas crianças quando dançavam e rodopiavam pelos campos, nos dias ensolarados.

—Ah, lá vão os dois de novo! –a melodiosa voz de nossa filha mais velha encheu minha audição, seu queixar ansioso. Virei-me nos braços de meu marido e me deparei com Willow revirando os olhos, fingindo desgosto. Contudo, logo em seguida, um sorriso suave e carinhoso abriu caminho em seu rosto, um corar leve tingindo suas bochechas. Gargalhei em divertimento para minha filha, que crescia de maneira tão rápida que me assombrava. Não queria perder um só detalhe de sua história.

—Haymitch, Haymitch! Você não pode olhar!! –nosso garoto exclamou, seu doce timbre infantil fazendo-me voltar os olhos para Peeta e descobri-los repousados sobre mim. Sorrimos em sincronia enquanto nosso filho mais novo estendia suas mãozinhas e as acobertava os olhos de nosso cachorro, cuja visão já estava escondida em meio a cascata de pelos longos e úmidos pela neve derretida. Nosso singelo Rye.

—Bah! E eu não vou mesmo! –a voz rouca e rabugenta do “tio” de meus filhos, o verdadeiro Haymitch, ecoou pela sala. Nossa atenção voltou-se ao resmungar típico do velho. –Isso é repugnante. Sim, ainda estou aqui. Mesmo que coloquem o meu nome em um cachorro fedorento, ainda tenho que aturar as cenas melosas do casal de pombinhos!

Nossa filha aproximou-se de nós, acocorando-se entre minha perna e a de Peeta, fitando Haymitch com uma expressão de divertimento e alegria. Ela e Rye não o deixavam parado, e embora Haymitch pensasse que cuidasse deles como pedíamos para que o fizesse, eram nossos pequenos que cuidavam dele, de fato. Acariciei os cabelos longos de minha filha, enquanto ouvia o riso de meu filho ao soltar o nosso cão, Haymi, e assisti-lo correr. Como se identificasse de imediato a voz do velho, ele levantara ansioso, soltando-se do aperto de meu menino e galopando em direção a Haymitch. Pulou na cadeira de madeira, bamba, na qual Haymitch assentara-se. Este não tivera tempo para reagir, e foi derrubado com o bom ânimo que nosso filhote exprime a cada movimento.

Nosso Rye gargalhava ao assistir a cena. Ele adorava observar e seguir os dois Haymitch pela casa, fazendo travessuras e buscando aventuras com eles. Willow não perdia uma só passada de Rye. Eram um time, e meu coração se aquecia ao conhece-los a cada dia e observá-los. Eram meus e de Peeta. Nós os fizemos. E isso me trazia uma alegria completa que me incentivava a continuar. No início o medo sobrepunha meus pensamentos e coração, mas todo o medo se esvai quando os sorrisos de minhas crianças aparecem em seus rostos, quando entrelaço minhas mãos às de Peeta e me recordo do vívido olhar de Willow e Rye, me dando esperança e coragem.

Meu filho, com seus cabelos bagunçados e louros como os do pai, lançou-se sobre nós e Peeta abraçou-o com força contra seu corpo, levantando-o no braço. Permitimos parar por um momento apenas para acompanhar a cena em que Haymitch lutava para tirar o cachorro de cima de si, embora não fosse de muita valia uma vez que o corpinho peludo e elétrico do filhote se arremessava sobre ele incansavelmente logo após um brusco empurrão. Ele lambia seu rosto lambuzado com restos de suco de uva.

Nós o livramos de suas bebidas e, por enquanto, seu vício se limitava aos sucos de uva frescos. Haymitch os preparava semanalmente com as uvas que plantávamos no terreno por perto. Nossa filha procurava aprender todos os dias os mínimos passos e já os preparava sozinha quando percebia Haymitch cabisbaixo. Ele aceitava nossas condições a contragosto por ter sido obrigado a ser confiscado de suas habituais bebidas fortes. Apesar de ele negar, isso o tem feito melhorar consistentemente.

Torno meus olhos para o lado e me deparo com os olhos azuis límpidos de Peeta. Nossas pequenas conquistas para sobrepujar as memórias dos Jogos nos fizeram mais fortes, encontrávamos o apoio necessário um no outro de uma maneira mais profunda e contínua. Nossas crianças ainda sabiam pouco sobre as cicatrizes do passado, mas decidimos não esconder deles a história que nos tornara quem somos hoje. Afinal, sempre foram os segredos que nos quebraram. E nunca mais os quero por perto. Pelo menos, não espero ter que carregá-los cedo demais.

Peeta percebeu a breve brecha que se formara dentro de mim, uma ruga de preocupação sombreou sua testa para logo em seguida ser substituído por um leve aperto encorajador em minhas mãos e um sorriso caloroso, cheio de amor. Afastei meus pensamentos e retribuí o sorriso, leve e confortada. Seu sorriso tinha esse poder, ele me cobria com a segurança e a força que construímos um no outro a fim de enfrentar nossas lutas mais árduas.

Mas hoje não era um dia desses. Não era o momento para lutas e sombras do passado.

Senti o olhar de minha filha repousar sobre mim, fitei-a com ternura enquanto ela me examinava com cautela. Ela não deixava nada passar sob sua vigília, assim era minha Willow. Talvez ela tenha aprendido comigo e com Peeta, acima de tudo. Não era como se pudéssemos evitar.

Já fazem seis meses que Peeta não tem seus lapsos de devaneios. Meus pesadelos ficam cada vez mais curtos e raros – apesar de noite ou outra eu acordar com lágrimas assombrando meu rosto, nunca duravam muito. Peeta estava lá, para sempre me abraçar e embalar em seu calor reconfortante. Assim que Willow aprendeu a andar, lá estaria ela também, aparecendo por entre as frestas de luz que polvilhavam da janela, encontrando seu cantinho entre nós dois. Ela cantava para mim; e eu adormecia com uma nova sensação branda em meu peito, em que tudo aquilo que um dia estava vazio e perdido, completara-se e se reencontrara.  

—Mamãe, está tudo bem? –a voz doce de Willow me despertou para os sons e as cores da minha família logo ali, em frente a meus olhos. Mais uma das memórias repletas de vida, luz e esperança se desenrolava em meu presente. Respirei uma lufada fresca do ar daquele inverno aconchegante e meu sorriso se alargou. Abaixei-me e depositei um beijo em suas bochechas rosadas.

—Está tudo muito bem, meu anjo. Tudo está muito bem.

Desde que estejamos juntos, tudo ficará bem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Antes de postar o próximo capítulo, por favor, me digam o que pensam! Comentários?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Legado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.