Bucky acompanhou-o de muito perto, observando os próprios pés ao caminhar pelos cômodos como se nunca tivesse pisado ali antes. Aquele desconforto todo tinha nome, sobrenome e, aparentemente, a boca mais filhodaputamente deliciosa de toda a existência humana, era óbvio que não estava mentalmente preparado para passar a tarde toda sozinho com Steve em casa depois daquele beijo. Por um lado, estava excitado com a ideia de poder receber outro daqueles. Quando dissera há um tempo que esperava que Steve caprichasse na próxima vez que deixasse o calor do momento falar mais alto, Bucky não esperava que ele fosse mesmo fazê-lo.

Por outro, estava meio chateado porque não ouvira sequer uma palavra sobre isso até o presente momento. Bucky queria uma resposta, claro que ele queria – e se fosse sincero consigo mesmo, assumiria em voz alta que queria ouvir uma resposta que, para variar, o fizesse feliz mais uma vez, embora soubesse que isso era desejar demais. Não era como se não quisesse ouvir um “vamos ver no que dá” ou mesmo um “aquilo nunca mais se repetirá”, ele só queria saber alguma coisa. Qualquer que fosse, desde que viesse, porque aquele silêncio perturbador o estava torturando há muitos dias.

Steve chamou sua atenção quando pararam na cozinha, perguntando sobre o que ele preferiria comer. Bucky deu de ombros, jogando a mochila num dos cantos e se sentando em uma das cadeiras enquanto assistia Rogers desenterrar algum congelado do fundo do freezer. Ele riu soprado e pontuou que seus pais com certeza desaprovariam a escolha, e o loiro resumiu-se em mostrar-lhe o dedo do meio, o que fez com que o moreno gargalhasse alto, arrancando uma risada do loiro em resposta.

Comeram em silêncio aquela pizza de cogumelos e espinafre, demorando-se o máximo possível na mastigação e na observação de qualquer lugar daquele cômodo que não fosse um ao outro. Bucky se predispôs a limpar a sujeira feita enquanto o loiro seguiu para o quarto, avisando que o esperaria regressar para poderem escolher o jogo que jogariam, e quando o Barnes ficou sozinho na cozinha, ele finalmente voltou a respirar.

Steve não imaginava que seria tão constrangedor ficar perto do moreno depois do que tomara coragem de fazer. Ele ainda sentia a boca formigar quando se lembrava dos lábios rosados do amigo, se é que ainda poderia chamá-lo assim depois de tudo. Se perguntava se Bucky também sentia o mesmo quando se jogou na cama e fechou os olhos. Lembrou-se da noite na qual o Barnes disse-lhe que gostava dele e sentiu que passara tanto tempo desde então, ele não conseguia organizar os acontecimentos seguintes de uma forma coerente na sua mente, parecia tudo tão bagunçado e errado que ele não sabia por onde começaria.

Fora sincero com Peggy, mas também fora sincero com o Barnes. Ele só não queria magoar ninguém.

Suspirou, cansado demais daquele monte de situações ruins que aconteceram até ali.

— Prefere deixar para jogar outro dia? Você não parece muito no pique. – Bucky aproximava-se, sentando-se ao lado de seu rosto, recostando-se na cabeceira.

— Não. – Ele sorriu levemente, pondo-se em pé e caminhando até sua cômoda. – Quer escolher?

— Eu confio no seu bom gosto.

— Depois não reclame. – Steve arqueou uma sobrancelha. – Vou me trocar enquanto pensa com carinho nessa sua decisão.

O loiro se trancou no banheiro e se apoiou na pia. Steve lavou o rosto e ficou um momento se encarando no espelho. Faça alguma coisa, seu idiota de merda. Soltou um suspiro baixinho antes de finalmente colocar uma roupa mais folgada e sair do cômodo. Bucky estava na mesma posição na cama, só que mantinha os olhos fechados. Steve riu soprado ao perceber que ele estava só de regatas e que o moletom estava jogado no chão, ao seu lado.

— Pode ser Call of Duty?

— Claro. – Bucky abriu os olhos e sorriu de leve, ajeitando-se melhor para que o amigo coubesse ao seu lado.

Steve colocou o jogo para rodar e seguiu com os consoles para a cama, acomodando-se no lugar que Bucky reservara para si. Entregou um dos consoles para o moreno e logo os personagens do jogo estavam atirando para todos os lados. Metade da tarde havia passado quando o loiro finalmente se cansara, deixando que o moreno terminasse aquela missão sozinho. O Rogers se distraiu com o braço de metal que estava bem ao seu lado em algum momento, logo depois de ter bocejado preguiçosamente. De fato, não era algo comum encontrar alguém com um braço feito inteiramente de metal caminhando pelas ruas, mas Steve realmente não via feiura naquela peça.

Sentindo algo brilhar em sua mente, Steve aproveitou a distração do moreno e saiu da cama, correndo para sua estante e regressando não muito depois com alguns materiais em mãos. No caderno, ele começou a dar forma à sua ideia, rabiscando e apagando diversos formatos até chegar naquele que mais lhe agradou. E enquanto Bucky estava distraído demais prestando atenção no jogo, ele sentiu uma pressão em seu braço de metal que o fez unir as sobrancelhas.

— Que porra você tá fazendo, Stevie? – Ele sequer tentou desviar a atenção do jogo, pois haviam muitos inimigos atirando em sua direção e faltava muito pouco para que ele concluísse aquela missão.

— Uma surpresa, agora seja um bom menino e me deixe terminar, depois você vê.

E foi exatamente o que ele fez. Bucky terminou a missão e aguardou pacientemente até que o loiro dissesse que ele podia olhar o que havia aprontado em seu braço. Sua primeira reação foi a curiosidade, logo depois a dúvida. Por que raios Steve desenhara uma estrela vermelha em seu braço? O Barnes encarou o amigo, que sorria satisfeito com seu trabalho e arqueou uma sobrancelha.

— Stevie? – Chamou sua atenção.

— O que foi?

— O que é isso?

— Uma estrela, oras. – Ele riu.

— Sério? Nossa, cara, agora faz todo o sentido! Olhando daqui tava parecendo um machado desenhado pelo cara que fez aquele quadro do cara gritando. – Bucky comentou com falso entusiasmo, carregando seu discurso de sarcasmo.

— O Grito, Bucky, de Edvard Munch. – Steve revirou os olhos. – Eu achei que precisava de um toque pessoal. – Deu de ombros. – Gostei do resultado, você não? – Encontrou as esmeraldas questionadoras do moreno e ali ficou.

— Não é que eu não tenha gostado, é que não vai aparecer muito, sabe?

— Talvez seja uma desculpa para que mostre mais vezes. – O loiro arqueou uma sobrancelha.

— E por que uma estrela vermelha?

— Porque vermelho é a minha cor favorita. – Deu de ombros.

— E a estrela?

— Porque eu quero que olhe para ela e se lembre de mim pra sempre. – Ele admitiu, sentindo as bochechas queimarem levemente. – É esse um dos significados do desenho da estrela, ela representa algo que queremos que seja eterno e que tem muita importância na nossa vida.

— Bem, então você deveria se vestir de estrela todos os dias, não? – Ele tentou sorrir de canto para parecer implicante, mas o sorriso mínimo de pura felicidade dado pelo loiro não permitiu. E então a memória do beijo voltou com tudo na sua mente. – Stevie? – Sussurrou, engolindo em seco.

— Sim? – Steve também engoliu em seco quando percebeu o brilho diferente nos olhos do moreno, lutando contra todas as suas vontades de desviar outra vez os olhos para os lábios de Bucky.

— O que foi aquilo no vestiário hoje mais cedo? – Ele finalmente perguntara.

— Não é como se eu também soubesse exatamente o que foi. – Ele suspirou. – Eu só... senti que deveria fazer e fiz.

— Seja honesto comigo, Stevie. – Bucky questionou num fio de voz, o que era mais que o suficiente para ser compreendido, graças a aproximação de ambos. – Aquilo foi algo pontual ou você pretende fazer de novo?

— Eu quero ser honesto com você, mas eu não quero magoar você. – Steve suspirou. – Eu não quero ter que decidir algo agora e te dizer uma coisa no calor do momento para, no instante seguinte, mudar de ideia só porque tô com medo, entende?

— Medo do quê, Stevie? Do que é que tem tanto medo?

— Já te disse, tipo, um zilhão de vezes. – Ele revirou os olhos.

— Refresque a minha memória. – Bucky cruzou os braços, voltando a se acomodar melhor na cabeceira.

— Magoar você, Bucky. Cacete, esse é o meu maior medo, entende?

— Ferir os seus pais não está incluso nessa conta? – Ele arqueou uma sobrancelha, espezinhando um pouco o loiro.

— Claro que está, você sabe que sim, mas acredito que quanto a isso, eles não sairiam muito machucados, então não temo por eles. – Steve deu de ombros, também voltando a se acomodar na cabeceira da cama.

— Eu entendo seu pavor de me machucar, agradeço por isso inclusive, mas por que acha que sairei machucado se for honesto? Eu não te disse, tipo, um zilhão de vezes que eu prefiro que seja verdadeiro comigo, mesmo que a verdade seja uma filha da puta mau amada?

— Não foi algo pontual, Bucky. – Steve soltou depois de um longo e desesperado suspiro. – Não quero que seja algo pontual, eu gostei e quero fazer mais vezes.

Bucky demorou uns segundos para compreender aquela afirmação, mas ao contrário de sua mente, o impacto em seu peito fora instantâneo. Ele sentiu o peito ficar pequeno para tanto sentimento controverso, e todas aquelas batidas começavam a nauseá-lo quando ele finalmente disse.

— Então aquele beijo vai acontecer mais vezes daqui pra frente?

— Talvez. – Steve sorriu de canto. – Não o tempo todo, não somos animais selvagens desesperados. – Ele deixou bem claro.

— Somos adolescentes na puberdade com os hormônios em ebulição, Stevie, isso é quase a mesma coisa. – Bucky revirou os olhos e o loiro riu.

— Mas nós ainda podemos ir com calma, certo?

— Claro. – O loiro sorriu com a resposta, então sentiu o sorriso diminuir um pouco.

— E o que nós nos tornamos a partir de agora, Bucky?

E o moreno sentiu que aquela pergunta era bem mais séria do que aparentava para o Rogers.