Depois de perderem mais da metade da aula e de serem obrigados a rodear a quadra correndo três vezes antes do teste de aptidão, Bucky e Steve não tocaram mais no assunto do beijo. Mal haviam se falado desde então. Bucky também se negara a sair do vestiário sem o seu moletom, aliás. Sam achou curioso a atitude dos dois, mas preferiu não se meter, mesmo que sua garganta estivesse coçando para expelir a dúvida. Steve passou toda a aula de biologia em silêncio, compenetrado demais no relatório que fazia enquanto Sam realizava as análises no microscópio. Faltava pouco para o final da aula quando o experimento foi interrompido.

— Steve, meu caro, como andam os preparativos para a maior feira de Manhattan? – Stark sorria com aqueles dentes absurdamente brancos.

— Legal. – Ele deu de ombros.

— Legal? – Stark pareceu quebrar um pouco, o que dificultou para Sam manter a pose séria. – Trabalhamos arduamente nesse projeto e você está “legal”?

— Desculpe desapontá-lo, Tony, mas não estou no meu melhor momento hoje, podemos falar sobre isso um outro dia?

— Mas a feira é na semana que vem! Cruzes, Steve, melhore essa sua expressão, parece um cachorrinho que caiu da mudança!

— Eu juro que estou empolgado com a feira, mas não hoje. – Ele sorriu forçado. – Hoje eu tenho outras preocupações na mente.

— Não está mais aqui quem falou. – Ele ergueu os braços em sinal de rendição. – Amanhã voltamos ao tópico, se o seu gêmeo divertido estiver por aqui, você não é divertido. – Deu meia volta e saiu.

Sam finalmente riu, recebendo um olhar de repreensão do Rogers.

— O que foi? Vai me dizer que não é engraçado?

— Sam.

— O quê? – Ele ainda ria quando o professor liberou a turma.

— Não foi engraçado. – Steve colocou a mochila sobre os ombros e seguiu para fora da sala.

— Ei, Steve. – Sam correu até ele. – O que aconteceu? Porque você parece outra pessoa desde a hora do intervalo. Aconteceu alguma coisa entre você e Bucky?

— E por que aconteceria? – Ele caminhava rapidamente, sem olhar pro amigo.

— Olha, cara, na boa... – Sam coçou a nuca, um tanto quanto desconfortável. – Meio que nós já sabemos, saca?

— “Nós” sabemos o quê sobre quem, exatamente? – Steve estreitou os olhos e finalmente parou em seu armário, passando a encarar Sam.

— Cara, ninguém é tão burro assim, Steve, e desde que Bucky voltou, você se tornou outra pessoa. Até o Clint percebeu, e ele só não é mais tapado que o Stark pra reparar nessas coisas. A gente tá ok com isso, eu achei que soubesse que estávamos. – Sam coçou a nuca outra vez. – Não é como se estivéssemos esperando um anúncio oficial no baile de formatura, mas a gente esperava ouvir da sua boca, não ter que ficar deduzindo.

— Deduzindo o quê, Sam? – Steve bufou impaciente, jogando seus livros dentro do armário enquanto pegava outros pertences.

— Sobre você e Bucky, saca? Sobre o relacionamento de vocês.

— O que tem isso? – Steve uniu as sobrancelhas, sem entender onde o amigo queria chegar com aquela conversa.

— Achei que confiasse nos seus amigos pra, pelo menos, ter a consideração de contar quando está namorando. – Sam finalmente falou. Steve demorou um tempo para assimilar o que foi dito, mas caiu na gargalhada em seguida.

— Nós não estamos namorando, da onde saiu isso? – Ele se apoiou no armário para não cair de tanto que ria.

— Vocês não tiram os olhos de cima um do outro, Bucky te trata como se fosse um príncipe de um reino distante e os seus olhos, cara, você deveria mesmo filmar o tanto que eles brilham quando ele tá rindo. Você ainda me pergunta de onde saiu isso? – Sam revirou os olhos. – Você inventou um relacionamento com Peggy, deixou o cara furioso por dias e agora tem a cara de pau de me dizer que não tem absolutamente nada acontecendo quando, claramente, o humor de vocês passou de "Elsa pré Let it Go" para "Elsa pós Let it Go"? Conta outra, Steve!

— Cara. – Steve apoiou uma das mãos no ombro de Wilson. – Eu não inventei nada, só não tô mais saindo com a Peggy, mas isso não significa, automaticamente, que esteja num relacionamento com Bucky. Eu não tenho porquê mentir pra vocês, e eu não mentiria mesmo. Não vou chegar anunciando algo que não está acontecendo só porque vocês interpretaram errado. O que eu posso te dizer é que, cara, realmente tem algo acontecendo, mas não é o que vocês estão pensando. – Ele suspirou. – Nós estamos levando na moita, com calma, entende?

— Então vocês não estão juntos? – Sam uniu as sobrancelhas.

— Eu não disse isso, não coloque palavras na minha boca. – Steve arqueou uma sobrancelha, fechando o seu armário.

— Bom, mas não estão namorando, certo?

— Certo. – Ele concordou, caminhando até o armário de Bucky, que terminava de guardar seus livros.

— Eu não entendo, o que é isso, então?

— Eu ainda não sei, mas quando eu descobrir, faço um anúncio oficial no baile de formatura. – Ele riu com vontade.

— Tá, legal, mas por que você parece tão puto desde a hora do intervalo? – Steve suspirou, parando a poucos metros de onde o moreno estava.

Sam tinha razão, seus olhos não saíam de cima do Barnes, ainda mais agora que ele voltara a sorrir genuinamente outra vez.

— Eu ainda não sei. – Suspirou. – Acho que precisarei de um tempo pra descobrir isso também.

— Tá, mas não demora muito, o cara não vai ficar à sua disposição pro resto da sua vida. – Ele apontou com a cabeça para a outra ponta do corredor.

Algumas das garotas e alguns dos garotos olhavam para Bucky de um jeito diferente. Steve uniu as sobrancelhas, tentando se recordar se aquilo era novidade ou se vinha acontecendo há mais tempo do que poderia calcular. Ele não sabia dizer ao certo o quanto isso o incomodava, mas assumia que, de alguma maneira, aqueles olhares famintos mexiam consigo de uma maneira não muito agradável. O Rogers soltou um longo suspiro antes de rir soprado. Sam questionou o riso.

— Você não é a primeira pessoa a me dizer isso. Vem, vamos embora. – Pousou a mão sobre o ombro do Wilson e, enfim, chegaram no armário do Barnes.

— Natasha, sai do meu pé, saco! – Bucky bateu a porta de seu armário com força, mas sorria de leve para a ruiva.

— E por falar no Rogers... – Natasha sorriu de canto para o loiro. Estava de braços cruzados, apoiada no armário ao lado do de Bucky.

— O que falavam sobre mim? – Steve questionou, curioso.

— Que você é um idiota, mas não deve ser novidade. – Bucky rebateu, encarando-o brevemente.

Não foram capazes de sustentar o olhar por muito tempo, logo estavam encarando a Romanoff, que riu soprado. Eram dois babacas mesmo, a ruiva pensou. Desencostou-se do armário que não a pertencia somente quando Clint chegou, então finalmente saíram do colégio, partindo em direções diferentes ao chegarem na esquina. Bucky caminhava ao lado de Steve, mas nenhum deles falava, parecia haver coisas demais na mente dos rapazes e palavra insuficientes no vocabulário universal.

Steve chegou a puxar o ar dos pulmões para iniciar um assunto umas cinco vezes até desistir de vez, mas por que raios tudo estava tão esquisito agora? Ele começou a chutar um pedregulho distraidamente enquanto pensava nas suas ações e no que elas implicariam, muito mais no que Bucky poderia interpretar de tudo o que acontecera. O Rogers não havia achado problema no beijo, fora um bom beijo.

Não.

Fora o melhor beijo da sua vida.

Ele não tinha assim tantas experiências para ajudá-lo a julgar, mas ele tinha certeza que um beijo que anuviava a sua mente e te deixava todo eletrizado só poderia ser classificado como perfeito. E aquele merecia a alcunha de melhor beijo, com certeza merecia.

E enquanto sua boca começava a latejar com os momentos que o cérebro resgatava, Steve entendeu porque estava tão irritado e porque parecia tão preocupado. Ele ainda não havia respondido Bucky. O tempo que pedira – mesmo não sabendo qual a extensão do mesmo – estava se esgotando, e Steve não dera sequer uma pista de sua resposta, e então, sem mais nem menos, ele se jogou em cima do melhor amigo sem se importar em dar nenhum tipo de aviso ou explicação. Era aquilo que incomodava.

Steve precisava resolver esse problema o quanto antes.

— Você ainda vai passar a tarde toda jogando vídeo game comigo, certo? – Ele finalmente disse alguma coisa assim que chegaram no quarteirão de suas casas.

— O convite ainda tá de pé? – Bucky rebateu, ainda sem encará-lo.

— Claro que sim! – Ele sorriu um pouco ao perceber que o outro lutava para esconder um sorriso meio abobalhado.

— Então eu só vou passar em casa e tomar um banho antes, beleza?

— Almoce comigo, depois você faz isso.

— Beleza. – O Barnes deu de ombros, mas sorriu.

— Beleza. – Steve sorriu também.