Ao seu lado escrita por nanacfabreti


Capítulo 4
Quebrando as regras




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No colégio as coisas não estavam muito diferentes do dia anterior, muitas especulações, as pessoas assustadas pareciam estar brincando de telefone sem fio.Cheguei ao ponto de ouvir que Ian estava em fase terminal, sem cabelo, só esperando pelo seu fim.

As coisas estavam tão fora do controle que as últimas aulas foram absolutamente dedicadas a esclarecimentos sobre o vírus HIV, todos os professores se reuniram e cada um falou um pouco.

Ouvi basicamente tudo o que eu havia pesquisado no dia anterior.Formas de contagio, tratamentos, avanços da medicina e o principal, o preconceito que os portadores do vírus acabam sofrendo.

Poucas perguntas foram feitas aos professores, o nome de Ian não foi mencionado nem pelos docentes, nem pelos alunos, embora todos que ali estavam sabiam bem qual era o verdadeiro motivo daquela palestra.

Mais uma vez evitei Julia e Leo, não sabia o que estava acontecendo comigo, mas ambos me deixavam confusa.

Estava sentada no sofá da sala tomando uma taça de sorvete de chocolate, eu não costumava comer quando estava ansiosa, muito menos gostava daquele sabor de sorvete, estranhamente senti vontade naquela tarde.

O interfone tocou, praguejei sem saber o que era.

— Boa tarde, tem uma garota pedindo para subir. –O porteiro anunciou.

Respirei fundo.

—Qual é o nome dela? –Perguntei só para confirmar.

—Julia. –Ele confirmou o que já se era esperado.

—Pode deixar subir. –Autorizei sem vontade.

Sabia que Julia não estava ali por mim, certamente ela insistiria na história de Leo, e pior, deveria estar achando que sairia com notícias frescas sobre Ian.

Abri a porta e a deixei entrar, estava irritada com ela e isso não tinha passado.

—O que houve com nós duas? –Ela perguntou enquanto se jogava em meu sofá.

Olhei para ela tentando me aprofundar naquela frase tão superficial.

—Acho que estamos disputando o mesmo garoto, não é isso? –Fiz questão de usar todo o meu sarcasmo.

Julia ficou visivelmente espantada.

—Uau!você não está para brincadeiras.

—Não é isso, eu só não gostei das suas cobranças. –Fui sincera.

—Eu não estava cobrando nada, só achei que você deveria ter confiado em mim e me contando o que aconteceu entre Leo e você. –Ela insistiu enquanto desviava seus olhos de mim.

—Eu não sou obrigada a dizer tudo para você. –Tentei ser sutil.

Ela arregalou os olhos.

—Pensei que fossemos amigas. –Ela sibilou fazendo cara de choro.

—E somos, mas você não é meu diário, eu não acho que deva te ligar para dizer cada passo que vou dar, até porque você também não conta tudo. –Argumentei.

—Eu sempre...

—Não. –Tive de interrompê-la. – Até hoje eu não sei o que houve realmente entre você e Léo, vocês ficaram, terminaram e hoje praticamente se odeiam e eu não faço idéia do por quê.

Sabia o quanto aquele assunto afetava Julia, mas foi preciso mexer em sua ferida, eu nunca gostei de relatar cada passo de minha vida à ninguém, eu sequer tinha um diário.

—Não quero falar sobre isso. –Ela argumentou um tempo depois.

— Ok, porque eu também não quero saber, é um assunto que diz respeito a vocês dois. – Dei com os ombros.

—Sabe Liv, eu só acho estranho vê-los juntos, é como se eu ficasse de escanteio, entende?

Continuei tomando meu sorvete, Julia já estava mais cálida e eu estava percebendo quais caminhos ela estava percorrendo.

—Acho que não precisa se preocupar. –Comecei a jogar seu jogo.

Ela suspirou e sorriu.

—E por aqui, alguma novidade? –Ela tentou parecer desinteressada.

—Além de eu ter devorado o pote de sorvete de chocolate de minha mãe, não. –Fiz -me de desentendida.

—Estranhas as aulas de hoje, não acha? Eles só falavam daquela doença...

— Eu achei normal, levando em conta que antes das aulas todos estavam falando sobre isso. –Fui direta.

—É, acho que todos foram pegos de surpresa, e Ian era tão popular. –Ela escolheu as palavras.

—Tem razão, mas acho que mesmo se acontecesse com alguém menos popular a repercussão seria a mesma. –Concluí pensativa.

Era muito estranho ver tantas pessoas falando de alguém que não está presente para dar sua versão dos fatos.

—Você o viu? –Ela rodeou um pouco até fazer essa pergunta.

Pensei em ser ríspida, em dizer que ela não sairia de lá com fofoca nenhuma mas, eu não podia esperar que fosse diferente, todos queriam saber coisas sobre Ian.

—Acho que isso vai demorar para acontecer, ele deve estar sabendo da proporção que as coisas tomaram. –Baixei a guarda. –Só não sei como a notícia se espalhou com tanta facilidade.

—Acha que ele não vai mais aparecer no colégio? –Ela indagou algum tempo depois do nosso silencio.

—Você iria?Enfrentaria todas aquelas pessoas falando e apontando para você? –Perguntei a ela e ao mesmo tempo a mim.

Julia ergueu as sobrancelhas e pareceu estar realmente se colocando no lugar de Ian.

—Eu não seria tão forte. –Finalmente ela respondeu.

—Acho que ele também não vai querer passar por isso. –Lamentei.

Pela manhã meu relógio não despertou e acabei perdendo hora para o colégio, tive que pegar um ônibus para chegar mais rápido.Ali mesmo, os comentários sobre Ian prosseguiam, era como se não existisse outro assunto mais interessante.

Embora o trajeto fosse curto, coloquei meus fones de ouvido e liguei o som no volume mais alto que podia, estava cansada daquela conversa e não queria ouvir mais nada.

Quando o ônibus parou desci rapidamente, entrei tão rápido no colégio que quase deixei de ver a grande moto preta estacionada no pátio.Meu coração disparou pois eu tive certeza de que era a moto de Ian.

Eu não podia imaginar o que ele estaria fazendo ali, mas praticamente voei para dentro, se fosse mesmo Ian, eu não demoraria nada para saber. Como o sinal já havia tocado, não havia quase ninguém fora das salas de aula, segui ansiosa para a minha, lá eu receberia alguma informação.

Entrei em tempo de responder a lista de chamada e me sentei atrás de Julia, eu nunca desejei tanto que ela começasse a tagarelar, como naquele dia.

—Já está sabendo? –Ela perguntou-me com os lábios entreabertos.

—O quê? –Sussurrei angustiada.

—Ian, ele voltou para o colégio. –Ela respondeu-me de costas.

—Voltou...voltou? Para estudar? – Perguntei espantada.

A professora que parecia ter super audição nos olhou rapidamente antes de anunciar uma prova surpresa de cálculos.

Julia balançou a cabeça numa afirmativa.

Não consegui me concentrar, estava absolutamente agitada, não via a hora em que o intervalo chegasse.

Eu estava certa de que Julia estava enganada, Ian não iria se expor daquela forma, não pelo menos naquele momento em que tudo estava tão recente.

—É sério, ele estava com sua mochila, igual a antes, e para ser sincera ele está absolutamente normal, como se não estivesse com doença alguma. –Julia começou a me relatar os fatos enquanto trocávamos de aula.

—E os outros alunos?Como reagiram? –Quis saber.

—Com surpresa, ou...medo, não sei explicar. –Ela deu com os ombros. –Tudo o que sei é que ninguém se aproximou dele, todos o olhavam de longe e logo ele desapareceu.

—Será que ele foi embora?

— Acho que não, ele pareceu-me bem indiferente.

As pessoas , tais como eu, pareciam não acreditar que Ian estava de volta, só, que ao contrario da grande maioria, eu concordava plenamente com a sua atitude.

Na hora do intervalo, que diga-se de passagem, demorou séculos para chegar, lá estava ele, intacto como se nem fosse apenas um ser humano.Sentado na grama fumando seu cigarro, a mesma jaqueta escura e a mesma expressão pesada.

Os que antes faziam parte de seu grupo continuavam unidos, só que para comentar sobre ele, não só o grupo de elite mas todos os outros nichos da escola pareciam robôs programados, todos falavam sobre ele.

As expressões em seus rostos eram as mais diversas, espanto, curiosidade, medo e até mesmo nojo.Ian parecia alheio a tudo aquilo.

Eu me perguntava se ele era mesmo tão forte, ou ainda, se ele era tão inatingível, de qualquer forma eu não podia perder a oportunidade de falar com ele. Não sabia se toda aquela fortaleza não passava apenas de teatro, não sabia se ele daria a cara á tapa mais uma vez.

—O que vai fazer? –Julia perguntou ao me ver caminhando em direção à Ian.

Nada respondi, apenas continuei caminhando, eu estava decidida.

—Oi. –Falei para chamar sua atenção. Seus olhos estavam perdidos em alguma direção, ele nem notou quando me aproximei.

Ele virou a cabeça e ergueu seus olhos para me encarar, eles pareciam vazios. Um arrepio correu por minhas costas.

—O que veio fazer aqui?Veio conferir de perto se a doença já começou a me corroer? –Ele foi extremamente grosso.

Senti meu rosto queimar de vergonha, embora ninguém mais tenha ouvido seu insulto.

—Não, eu só queria elogiar sua coragem, mas na verdade me arrependi, ao final, sua falta de educação é bem maior que qualquer qualidade que talvez você tenha. –Respondi à altura do que acabara de ouvir e me preparei para voltar para onde estava.

—Espere. –Sua voz me fez voltar. –Me desculpe, eu falei sem pensar. –Ele me olhou desarmado, acabei entendendo-o.

—Posso me sentar aqui? –Perguntei apontando para seu lado.

Ian pareceu surpreso.

—Tem certeza? –Ele arqueou as sobrancelhas.

Sem nada dizer sentei-me ao seu lado, sabia que estava sendo observada por todos ,mas não tinha outro jeito.

—Então você vai mesmo voltar a estudar? –Comecei com uma pergunta mais simples, não sabia exatamente o que dizer.

Ian sorriu com o canto dos lábios.

—Não me diga que você está organizando um abaixo-assinado para vetar minha presença aqui. –Ele deu mais uma tragada no cigarro antes de apagá-lo no chão.

—Acha que alguém vai fazer isso? –Me preocupei com a hipótese.

—Acho que sim, e para ser sincero eu seria o primeiro a assinar. –Ele disse serio.

—Não entendi. –Avisei.

—Não vejo sentido em estudar já não tenho um futuro promissor, não tenho se quer um futuro. –Ele pareceu resignado.

Senti um nó se formar em minha garganta.

—Sabe que as coisas não precisam ser assim... –Me preparei para começar meu discurso de alta ajuda.

—Sei o que você vai dizer, minha mãe já me encheu com toda essa ladainha de que eu posso ter uma vida normal, mas parece que ela mesma não acredita nisso. –Ele comentou com mágoa em sua voz.

—O único que precisa acreditar nisso é você. –Tentei não parecer patética, mas estava extremamente nervosa com aquela conversa.

—Sabe, eu não quero lutar contra isso, não quero ter falsas perspectivas e... –Ele me olhou. –Ao contrario do que você pensa, não sou tão corajoso.

Respirei fundo.

—Eu não desistiria se fosse você. –Falei num tom de voz mais baixo.

—Acho que é porque você é mais valente do que eu. –Ele passou a mão pelos cabelos. –Você teve coragem de vir falar comigo, foi a única que o fez e agora todos vão achar que você está contaminada. –Ele foi sarcástico.

—Na verdade estou pagando uma divida com você, se lembra do dia da tempestade? –Quis mudar de assunto, aquela conversa estava pesada de mais.

—Acha mesmo que uma carona vale todo este sacrifício? –Ele sorriu contido.

—Eu podia ter congelado, acho que você salvou minha vida. –Brinquei. –Além do mais, estar aqui falando com você não é sacrifício nenhum.

Acho que o surpreendi, pela primeira vez senti que algo havia o tocado, pela primeira vez consegui enxergar algo em seu olhar.

Acabei ficando sem palavras, ficamos nos olhando por alguns instantes até que o sinal tocou.

—Obrigado. –Ele me disse enquanto eu me levantava.

—Não precisa me agradecer. –Respondi enquanto caminhava seguida por centenas de pares de olhos.

Leo arregalou os olhos para mim quando passei por ele.

—Não acredito que você foi falar com ele. –Foi a primeira coisa que ele me disse.

— Oi para você também Leo. –Ironizei-o.

—Liv, me conta tudo. –Julia chegou eriçada.

—Nos falamos depois. –Leo preferiu se retirar.

—Não entendo vocês dois. –Falei para ela tentando desviar o foco.

—Isso não tem importância, eu só quero saber o que vocês conversaram.

Entrei na sala e muitos dos alunos mantinham os olhos em mim, imaginei o que Ian estava passando.

—Resumindo, perguntei se ele permaneceria no colégio, ele disse que sim, depois falou sobre o tempo, disse mais algumas coisas mal educadas, o sinal tocou e fim. – Tentei ser o mais pratica possível.

Não quis detalhar nossa conversa, Ian meio que me revelou seus fantasmas e eu não queria passar aquilo à diante.

—Só isso? –Ela pareceu decepcionada.

—Julia, ele continua sendo o mesmo, portanto não têm novidades. –Tentei equilibrar as coisas.

Ela se ajeitou na carteira.

—Sei lá achei que ele ia contar a você como foi que ele se contagiou, como se sente vendo a morte de perto e outras coisas assim. –Ela começou a relatar suas expectativas.

Balancei a cabeça em uma negativa.

Havia combinado de ir até a casa do meu pai depois da aula, ele estava preocupado comigo desde a nosso última conversa por telefone. Estava no ponto de ônibus quando Ian parou sua moto bem em frente de mim.

—E então, foi muito hostilizada? –Ele indagou sem tirar o capacete.

Não sabia se ele estava falando serio ou não.

—Não notei nada diferente. –Menti.

Ele tirou o capacete, seus cabelos negros caíram sobre seus olhos.

—Está indo para sua casa? – Ian perguntou meio sem jeito.

—Sim, estou. –Menti mais uma vez.

Senti que ele estava prestes a me oferecer uma carona, e na verdade era exatamente isso que eu queria, mas ao mesmo tempo ele parecia estar dúbio em relação àquilo, não sei se por ele ou por medo de uma possível rejeição. Ele estava apenas com um capacete, portanto se ele se oferecesse para me levar eu teria de usá-lo.

—Bem...eu vou indo. –Ele realmente havia desistido de me levar.

—Poderíamos ir juntos. –Me ofereci de forma tão descarada que me envergonhei antes mesmo de terminar a frase.

—Sugere que eu deixe a moto aqui e sigamos à pé? –Ele estava desarmado.

—Sugiro que me empreste seu capacete e que me leve de moto. –Fui mais direta do que nunca.

Ele sorriu, desta vez um sorriso largo e cheio de dentes, sorriso aquele que eu nunca vira antes.

—Está falando serio? –Ele desconfiou.

Balancei a cabeça afirmando que sim.

—Só peço que vá devagar. –Completei.

Nesse mesmo momento o ônibus chegou, ele teria que tomar uma decisão rápida.

—Se está falando sério... –Ian se aproximou de mim e se preparou para colocar o capacete em mim, como da outra vez. –Posso? –Ele titubeou.

—Claro. –Admiti que ele mesmo arrumasse o acessório em minha cabeça.

Enquanto fechava a fivela do capacete em meu pescoço, ele fixou rapidamente os olhos em meu rosto, não foi um momento longo, mesmo assim me constrangi.

Ian subiu primeiro e logo em seguida montei em sua moto, meus braços envolveram sua cintura, me senti segura.Ele acelerou com calma, e guiou da mesma forma.

Daquela vez meus olhos estavam abertos, eu não estava com medo.

—Tem planos para essa tarde? –Ele reduziu ainda mais a velocidade para que eu pudesse ouvi-lo.

—Tirando passar o resto do dia assistindo TV, não.

—Quer ir à outro lugar agora? –Ele perguntou bem alto e me olhou pelo retrovisor.

—Por mim tudo bem. –Aceitei.

Ele mudou o trajeto imediatamente, em pouco tempo entendi para onde estávamos seguindo.

 


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