Ao seu lado escrita por nanacfabreti


Capítulo 3
A morte entre nós




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A visita do meu pai não foi muito demorada, ele como sempre me trouxe muitos presentes e até minha mãe ganhou um lindo lenço indiano.Em outro tempo eu encararia aquela gentileza como uma reaproximação, mas, com o tempo percebi que alguns casais funcionam melhor separados.

Era sexta-feira e eu queria muito passar o final de semana com meu pai, por mim teria ido junto com ele, mas sabia do seu cansaço, por isso decidi r no dia seguinte.

—Boa noite mãe. –Fui dar um beijo nela antes de ir me deitar.

—Saiu com o Leonardo Lemme, o filho do Juiz Lemme? –Ela perguntou enquanto fingia folhear um livro.

—Sim, eu deixei um bilhete na geladeira.

—Eu sei, eu vi e fiquei muito feliz, ele é um ótimo rapaz. –Ela insistiu.

Percebi o que ela estava querendo.

—Acha que se Leonardo e eu tivermos alguma coisa, fica mais fácil você se aproximar do pai dele? – Tive que perguntar.

Ela fez uma cara de espanto e ruborizou como uma garota de quinze anos que tem seu segredo descoberto.

—Lívia, me respeite! –Ela alterou a voz.

—Mãe, acha que sou boba?Eu vejo o jeito que você fala dele.

—Eu apenas admiro o profissional que ele é. – Ela se levantou. –Apenas isso.

—Que bom, porque Leo e eu somos apenas amigos. –Avisei já indo para meu quarto.

Enquanto colocava meu pijama relembrava o beijo, pensava no que aconteceria se aquilo caísse nos ouvidos de Julia e pior, como eu agiria quando me encontrasse novamente com ele.

Uma coisa era certa, eu não estava arrependida, nem um pouco.

Antes de dormir Ian apareceu em meus pensamentos, eu estava certa de que ele ia ser pai, e por algum motivo isso me deixou com raiva.

No dia seguinte acordei bem cedo, separei algumas roupas e segui para a casa do meu pai.

Como eu imaginava, ele tinha mil e uma histórias para me contar sobre a Índia, passamos o dia todo conversando, almoçamos bobagens na praia, já que ele morava a poucos quarteirões de lá.

Nossas conversas eram descontraídas, talvez por viver viajando e consequentemente conhecer diversas culturas, ele tinha uma mente muito aberta, não me tratava com superioridade. Meu pai não ficava me lembrando a toda hora quem mandava em quem.

Não que minha mãe fosse assim, mas de qualquer jeito acho que ela se sentia pressionada, ela foi quem assumiu mesmo a missão de me educar e depois da separação acabou ficando mais dura.

Há certa altura do dia tive que desligar meu celular, ligações de Leo e de Julia se alternaram o dia todo, eu não atendi nenhum dos dois.

Sabia que na segunda-feira teria de encarar os dois, Julia certamente já estava sabendo que eu Leo havíamos saído juntos, com tantos conhecidos naquela sorveteria eu não esperava que fosse diferente.

Passei a tarde de domingo no computador vendo as mais de quinhentas fotos que meu pai havia feito, ele fazia questão de me narrar o que havia acontecido em cada cena que eu via.

—É mesmo um país muito diferente. –Falei ao ver uma foto do transito confuso de lá.

—Filha, daqui há mais ou menos um mês tenho que voltar para lá, mas desta vez ficarei apenas uma semana. –Ele me avisou empolgado.

Não me espantei, já estava realmente acostumada.

No começo da noite ele me levou de volta para meu apartamento, quando virou a esquina avistei o carro de Leonardo parado em frente ao meu prédio.

Não deixei transparecer minha tensão, despedi-me de meu pai e fingi entrar, quando ele partiu segui para o carro.

—O que faz aqui? –Perguntei enquanto ele descia.

—Você sumiu, não atende meus telefonemas...liguei para sua mãe e ela me disse que você chegaria antes do anoitecer. –Ele se explicou.

—O que é tão urgente? –Não entendi o motivo de Leo estar tão inquieto.

Ele arqueou as sobrancelhas e me encarou.

—Sexta, você saiu sem nada dizer, eu mal dormi estas noites. –Ele reclamou.

Fiquei confusa.

—Leo, não precisa se preocupar, nós nos beijamos e eu sei que você não vai se casar comigo por isso. –Me aproximei dele. –Aconteceu.

Seu rosto se fechou numa expressão séria.

—Pra você foi só isso?Algo que aconteceu? –Ele inquiriu.

Respirei fundo, nem mesma eu sabia se era ou não apenas um fato.

—Leo, você mesmo me disse que eu não faço seu tipo, que sabe que seremos sempre apenas amigos, portanto tudo está bem esclarecido. –Resolvi provocá-lo.

Ele balançou a cabeça.

—Então as coisas entre nós não vão mudar? –Ele me pareceu meio confuso.

—Não, não vejo motivos para isso. –Encolhi os ombros.

—Que bom, achei você fosse começar a fugir de mim. –Leo respirou fundo.

Balancei a cabeça e fiquei na ponta dos pés para beijar seu rosto. Ele se surpreendeu.

—Agora vou entrar, estou exausta. –Avisei já me colocando em movimento.

Minha mãe estava cochilando no sofá, dei um beijo em sua testa e fui me deitar.Comecei a pensar na atitude estranha de Leo, ele estava muito inquieto, e o jeito com que ele me olhou durante nossa rápida conversa, foi diferente .

Balancei minha cabeça contestando a mim mesma. Leonardo não poderia estar daquela forma por termos nos beijado.

Eu sabia que a pergunta mais importante a ser feita era se eu estava mexida com tudo aquilo, e isso, eu não conseguia responder.

Estava muito confusa, nunca havia me apaixonado por ninguém, por isso não sabia como era.O pior era não poder falar sobe isso com Julia.

Em meio às minhas duvidas cessei meus pensamentos apenas por um instante, pensei ter ouvido o ronco da moto de Ian. Prestando melhor a atenção, percebi que tratava-se apenas de um engano.

No dia seguinte ao chegar no colégio, avistei a alguns metros de distancia do portão de entrada, a namorada de Ian.Ela parecia estar com as mesmas roupas do dia em que a vi em frente ao prédio.

 Estava em pé encostada no muro, seus olhos pareciam perdidos e mesmo estando um pouco afastada de onde eu estava, seu rosto parecia muito abatido.

Eu só consegui pensar em uma coisa:Ian havia feito algo muito ruim para aquela garota.Num impulso pensei em ir até ela, perguntar se precisava de alguma coisa ou até mesmo tentar arrancar dela alguma informação mais concreta.

Pensei melhor e desisti, apesar de parecer vulnerável ela poderia interpretar de maneira errada minha atitude, o melhor mesmo seria falar diretamente com Ian, informar a ele que eu sabia o que estava acontecendo.

Entrei com passos rápidos procurando por ele, era como se aquela briga fosse minha também.Corri os olhos pelo estacionamento e sua moto não estava lá.

Segui decepcionada rumo a aula de inglês, mal entrei na sala e Julia me recebeu com um olhar furtivo.

—Por que não me contou que saiu com Leonardo? –Ela cochichou enquanto eu abria meu caderno.

Revirei os olhos.

—Porque não achei que ir até a sorveteria com um amigo seja motivo de um plantão de noticias. –Respondi sem paciência.

—Não seria se fosse com qualquer outro garoto, mas com ele... –Ela continuou.

Fingi não ouvir e passei a prestar a atenção no que a professora dizia.

As vezes Julia me tirava do serio, era em demasia seu ciúme quando se tratava de Leo, e se tivesse passado pela minha cabeça comentar com ela sobre nosso beijo, naquele momento a possibilidade estava nula.

— Aconteceu alguma coisa entre vocês? –Julia voltou a me questionar algum tempo depois.

—Claro que não. –Menti.

Ela me encarou talvez esperando que eu titubeasse ou deixasse algo escapar. Mantive-me firme.

—Mas ele tentou? –Ela não conseguia se conter.

Respirei fundo, aquele interrogatório só me deixava mais nervosa, eu não podia parar de pensar na garota que estava lá fora , precisava saber se Ian estava na escola.

Quando o sinal tocou saí em disparada sem dizer mais nada à Julia.Meus olhos varriam cada milímetro daquele colégio, olhei para o canto em que Ian sempre ficava com Cristina e sua turma, nada.

Seria possível que ele tivesse se ausentado das aulas só por causa da garota?

Imaginava que ele seria capaz disso, no entanto sua fuga não duraria muito tempo, uma hora ou outra ela o encontraria na escola ou mesmo em seu prédio.

—Oi Liv. –Leo me surpreendeu com um beijo no rosto.

—Oi Leo. –Respondi ainda tentando avistar Ian.

—Aconteceu alguma coisa? –Ele focou seus olhos nos meus.

Encarei-o.

—Não. –Dei com os ombros sabendo que deveria deixar Ian de lado.

—Vai comer alguma coisa? –Ele indagou gentil.

Sorri nem sei por que.

—Estou sem fome, sua ex -namorada me irritou muito hoje. –Referi-me a Julia.

Ele balançou a cabeça e começou a caminhar em direção às mesas, eu o segui.

—Julia não tem noção das coisas as vezes. –Ele balançou a cabeça resignado.

 –Ela soube que saímos juntos e não para de fazer perguntas. –Passei a mão por meus cabelos.–Eu não falei nada sobre...

—Sobre nosso beijo? –Ele completou.

Senti meu rosto queimar.

—Eu não sei bem o quão intensa foi a relação de vocês mas,ela não consegue se desligar.

Leonardo ficou sério.

—Eu não devo nada à ela, e você também não. –Ele tocou discretamente minha mão. –Aconteça o que acontecer, só diz respeito a nós.

A palavra "nós"ficou latejando em meus ouvidos, aquela não estava parecendo uma conversa de amigos.

—Não se preocupe, ela percebeu que me irritou, logo vai parar. –Tentei desviar o rumo que aquela conversa estava tomando.

Durante as outras aulas restantes permaneci ignorando Julia, e, quando o sinal tocou demorei mais que o necessário para arrumar meu material, queria sair só depois dela.

Pela força do habito ao passar pelo estacionamento olhei mais uma vez só para me certificar de que a moto não estava lá.

Olhei para a direção em que a garota loira estava quando eu cheguei mais cedo e para minha surpresa ela ainda continuava ali.Pensei se deveria ou não ir falar com ela, num impulso resolvi que sim.

—Desculpe mas...você está esperando por Ian? –Fiz uma abordagem meio desajeitada.

A garota me olhou, ela parecia ainda mais abatida do que eu imaginava.

—Como sabe? –Ela foi hostil.

—Eu moro no mesmo prédio que ele e ás vezes a vejo por lá. –Tentei simplificar as coisas.

Talvez, em qualquer outra circunstância ela me ignorasse ou agisse de outra forma, mas diante do possível sumiço de Ian, eu era o que ela tinha no momento.

—Ele esteve na aula hoje? –Ela já parecia mais gentil, mas ainda sim desesperada.

—Não. –Fui direta. –Ele não esteve aqui hoje.

—Eu deveria imaginar. –Ela sussurrou para si mesma.

Fiquei sem saber o que dizer.

—Bem eu vou indo e se o vir digo que você esteve a sua procura. –Encolhi os ombros imaginando que talvez estivesse sendo um tanto tola.

—Por favor, só diga para Ian que eu sinto muito. –Ela praticamente me suplicou enquanto dava ás costas para mim.

Pensei em ir atrás dela, mas a garota não parecia querer conversa.O tom de sua voz me causou calafrios.

Corri para meu prédio....

—Boa tarde, o senhor viu o Ian Sodier do ultimo andar? –Perguntei ao porteiro que estava com olhos grudados no jornal.

Ele me olhou e me reconheceu, eu não costumava conversar muito com nenhum dos porteiros mas ele pareceu confiar em mim.

—Sabe, faz uns dois dias que eu não vejo nenhum dos Sodier passar por aqui, acho que eles estão entrando e saindo pela garagem. –Ele falava como se estivesse narrando o mais intrigante dos casos.

—Tudo bem, eu só queria saber se o rapaz passou por aqui hoje. –Finalizei sem muitas expectativas.

—Bem...sabe que agora você me fez lembrar de uma coisa... –Ele colocou uma das mãos sob o queixo.

—E o que é? –Indaguei ansiosa.

—Na sexta-feira ele chegou muito tarde, já era quase de madrugada, a cara dele não estava nada boa. –Ele segredou a mim. –Foi a ultima vez que o vi.

—Tudo bem, obrigada. –Falei meio assustada com as informações.

Sozinha no elevador,senti-me como se tivesse engolido um balde de pedras de gelo, estava ansiosa, receosa, sei lá.

O pior é que a ausência de Ian no colégio entendeu-se por toda a semana, alguns comentários aqui, especulações ali, mas nada concreto.No prédio a mesma coisa, era como se ele e sua família tivessem evaporado.

Na sexta-feira ao chegar em casa me surpreendi com a presença de minha mãe  naquele horário, ela estava cozinhando.

—Nossa que milagre. –Estranhei.

Ela sorriu.

—Me deram folga hoje. –Sua voz pareceu-me tensa.

—Aconteceu alguma coisa? –Me desesperei e fui até ela.

Sem que minha mãe dissesse apenas uma palavra eu soube que algo estava errado, uma sensação estranha tomou contra de mim.

—Estive hoje de manhã com a Íris e ela me contou algo sobre o Ian. –Ela começou a falar.

Engoli seco, senti que meus dedos da mão estavam congelando.

—Ele não tem ido a aula há quase uma semana. –Relatei nervosa.

—Liv, ela me contou algo sobre Ian que...

—Ele engravidou uma garota?É isso? –Adiantei-me desejando acabar com toda aquela atmosfera negra.

Minha mãe balançou a cabeça resignada.

—Acho que ela preferia que fosse isso. –Ela sussurrou desviando seus olhos dos meus.

Senti meu estomago revirar.

—O que é então? O que houve com Ian? –Me desesperei diante a sua expressão de terror.

—Ele está muito doente. –Ela foi direta.

O quê seria muito doente?Pensei imediatamente.

Uma gripe forte devido a chuva que ela apanhara na semana anterior, pneumonia por fumar de mais ou uma virose. Era tudo o que eu podia imaginar.

—Semana passada eu o vi chegando todo molhado, acho que ele tomou toda aquela chuva gélida da última sexta-feira. –Omiti o fato de eu estar junto.

—Não Liv, não se trata de um resfriado ou algo do gênero. –Ela respirou fundo enquanto eu já estava sem ar. – Ela não me disse exatamente qual é a doença mas, seu desespero e o jeito com que me contou ...

—Sabe o quanto vocês mães podem ser exageradas, de repente não é nada dessa proporção. –Tentei ponderar as coisas, queria ouvir que eu estava certa.

—Liv, sabe o quanto os Sodier são reservados, Iris não me contaria se não estivesse realmente desesperada. Encontrei-a no elevador aos prantos, então ela pediu se podia vir ao nosso apartamento, sentou-se em nosso sofá e em meio a lágrimas disse que perderia seu filho. –Ela relatou-me emocionada.

Arregalei meus olhos e puxei uma cadeira, precisava me sentar, do contrario cairia. Eu não podia imaginar que algo de tão ruim pudesse estar acontecendo com Ian Sodier.

Por menos contato que tivemos, imaginá-lo próximo da morte era muito dolorido para mim. Eu não podia acreditar naquilo, era injusto que um garoto com menos de duas décadas de vida estivesse condenado.

Nem sei em qual momento minhas lágrimas começaram a rolar por minha face, no entanto era como se uma torneira estivesse espanada dentro dos meus olhos, eu simplesmente não podia parar de chorar.

Tranquei-me em meu quarto e mesmo estranhando minha reação, me permiti sofrer. Troquei poucas palavras com minha mãe depois de saber sobre Ian.Talvez ela tenha comentado algo com meu pai porque ele me ligou preocupado, eu não toquei naquele assunto e ele não insistiu.

Mais uma vez Julia e Leo resolveram ligar incansavelmente em meu celular, de novo  não quis atendê-los.

Aquele foi um final de semana sombrio, meu sono foi turbulento e uma agitação tomou conta de mim.Era como se eu precisasse fazer alguma coisa, como se algo estivesse me chamando e eu precisasse atender.

Pensei por diversas vezes em bater na porta dos Sodier, me solidarizar ou simplesmente olhar para Ian. Minha mãe não concordou, ela achava que era um momento apenas deles.

Na segunda-feira acordei mais cedo que o necessário, queria chegar ao colégio o quanto antes, tinha uma forte intuição de que Ian apareceria por lá.

Antes de colocar meus pés dentro do colégio, Julia já gritava meu nome.Respirei fundo, não queria perder a paciência com ela.

— Liv, já sabe sobre Ian? –Ela perguntou baixinho.Senti minhas pernas amolecerem.

—So...soube o quê? –Tentei disfarçar ao mesmo tempo que pensava em como ela já estava sabendo.

—Sobre a sua doença. –Ela ainda sussurrava.

—Moro no mesmo prédio que ele e não soube da nada. –Continuei mentindo, da minha boca não sairia nada.

Ela me segurou pela mão e respirou fundo como se estivesse carregando um fardo.

—Notou que ele não tem vindo as aulas?

—Sim, mas... –Encolhi os ombros tentando parecer indiferente.

—Não sei quem foi que soltou a informação mas, todos estão comentando e a vinda de seus pais hoje bem cedo acabou fortalecendo os boatos.

Se os pais de Ian haviam de fato ido até o colégio, significava que era mesmo séria sua doença.Senti minha boca secar.

—E os boatos dizem qual seria sua doença? –Perguntei já imaginando que não ouviria algo bom.

—Liv, eu tenho até arrepio só em pensar...é terrível. –Ela levou as mãos à boca.

—Anda, me diga logo o que sabe. –Insisti nervosa.

—H.I.V. –Ela falou aquela sigla com o medo estampado em seus olhos.

No mesmo instante senti como se uma lança estivesse sendo atravessada em meus peito,o ar me faltou e a imagem de Ian debilitado sobre uma cama me fez arrepiar.

—Tem certeza? –Indaguei quase sem voz.

—É o que estão dizendo. –Ela permaneceu assombrada.

Eu havia pensado em um monte de possíveis doenças, até as mais raras, mas AIDS não era algo considerável para mim.Era uma doença conhecida, mas pouco comentada, um assunto pouco abordado levando em conta sua gravidade, talvez por isso eu acabei não cogitando essa hipótese.

Deixei Julia falando sozinha e desorientada adentrei ao colégio. Para onde quer que eu olhasse os grupos de pessoas tinham a mesma expressão sombria em seus rostos, parecia que todos falavam sobre o mesmo assunto,era como se o espectro da morte estivesse rondado aquele lugar.

Não sabia o que fazer, estava me sentindo sufocada, tudo o que eu queria era sair dali. Foi o que fiz.

Caminhei rapidamente rumo a minha casa, por todo o trajeto as peças foram se encaixando. A garota com o papel na mão, um exame muito provavelmente, mas não de gravidez, antes fosse, o estado em que eu a vira depois... Ian e ela devem ter descoberto tudo naquela noite.

Não quis esperar pelo elevador, subi correndo as escadas que levavam ao meu apartamento, eu precisava falar com alguém, liguei para o celular da minha mãe.

Quando ela atendeu, eu mal consegui dizer o que estava acontecendo, vinte minutos depois ela já estava em nosso apartamento.

—Filha, eu vim o mais rápido que pude, me diga, o que está acontecendo? –Ela indagou angustiada.

—Mãe, na escola... –Respirei fundo. –Todos estão dizendo que Ian está com H.I.V.

Oh meu Deus! –Ela não conseguiu disfarçar seu espanto.

—É terrível mãe. –Voltei a chorar.

—Liv, você tem certeza?

—Não sei se é verdade, mas é o que todos estão dizendo. –Relatei com um fio de esperança.

Poderia ser apenas uma especulação.

—Sabe que isso explicaria o estado em que Iris se encontrava. –Ela afirmou mais para ela que para mim.

Permanecemos em silencio por alguns minutos, eu esperava que minha mãe pudesse me dizer algo reconfortante, mas nem ela nem eu sábiamos o que falar. Era tudo muito assustador.

— O que acha de ir até lá conversar com alguém? –Propus.

Já imaginava que ela não concordaria mas após alguns segundos pensando sua resposta me surpreendeu:

—Tem razão, vou até lá e o máximo que pode acontecer é ninguém querer me atender. –Ela deliberou.

Queria ir junto, mas, nem me ofereci, permaneci por todo o tempo andando de um lado para o outro, era o que eu normalmente fazia quando estava nervosa.Tudo o que eu queria era que minha mãe voltasse dizendo que tudo não passava de um mal entendido.

Quando a maçaneta da porta girou anunciando sua volta, senti como se tivesse levado um soco no estomago, achei que fosse vomitar.

—Então? –Perguntei antes que ela estivesse com seu corpo completamente dentro da sala.

—É tudo verdade, Ian está mesmo com H.I.V. –Minha mãe parecia em estado de choque.

—Quem confirmou esse absurdo? –Corri para me sentar ao seu lado.

—Iris, ela me recebeu e confirmou porque sabe que estão comentando.

—Meu Deus, isso é horrível. –Sussurrei sem saber o que pensar.

Minha mãe segurou minha mão.

—Ela está tão arrasada, e é claro, não poderia ser diferente mas... é como se ela já o tivesse perdido. –Algumas lágrimas silenciosas correram por seu rosto.

—E ele, você o viu? –Perguntei.

—Não, mas acho que ele está lá. –Ela limpou o rosto e fungou. –Foi tão ruim ouvir as lamurias de uma mãe e não saber o que dizer.

—Mãe, ninguém saberia o que dizer. –Tentei reconfortá-la.

Ela me abraçou com tanta força e começou a chorar, eu podia imaginar o que passava por sua cabeça.Certamente ela estava se pondo no lugar dos pais de Ian, imaginando se fosse eu.

É estranho como esse tipo de coisa pode mexer com as pessoas, a morte e tudo mais relacionado a ela faz com que mudemos totalmente o rumo de nossos pensamentos.

Eu por exemplo passei a tarde toda escarafunchando minhas memórias, tudo que relacionava Ian.

As festas do prédio, as vezes que nos encontrávamos na piscina, ele sempre com seu ar superior e eu sempre o achando um ser de outro planeta.Senti remorso de todas as vezes que o praguejei por causa de sua moto barulhenta e até por não ter rejeitado uma vez sua carona.

Foi então que eu percebi que era como se Ian já estivesse morto e sepultado, mas, não era bem assim.Por menos que eu entendesse daquela doença, sabia que as coisas haviam evoluído, tratamentos, vacinas, eu sempre ouvia nos noticiários algo sobre isso, só não prestava a atenção porque achava que não me dizia respeito.

Passei o resto da noite pesquisando tudo sobre o assunto, visitei vários sites, li reportagens, assisti documentários e relatos de pessoas que viviam há muito tempo com a doença e levavam uma vida praticamente normal.

Definitivamente Ian não precisava ser decretado como um condenado a morte. Inexplicavelmente fui dormir muito mais aliviada.


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