Ao seu lado escrita por nanacfabreti


Capítulo 2
Amor ou amizade?




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O barulho estrondoso da moto de Ian Sodier interrompeu meu sono por mais uma noite. Era sempre a mesma coisa, nos finais de semana ele costumava chegar de madrugada, acelerava a moto e logo eu ouvia sua voz e a de alguma garota.

Morávamos no mesmo prédio, eu no quinto andar, ele na cobertura, quase não nos falávamos, mas as histórias que corriam davam conta de nunca ter me deixado interessada em nada além de cumprimentá-lo.

Ian fazia questão de manter o padrão bad boy, sempre com sua jaqueta de couro preta, cabelos escuros caídos sobre os olhos claros e um ar de constante insatisfação. Já havia sido expulso de vários colégios, e se não tivesse repetido os anos, já não deveria mais estar estudando.

Eu não entendia qual era seu problema, ele tinha uma família bem estruturada,seus pais eram ricos e extremamente religiosos.Perdi as contas de quantas foram as vezes em que Isis, sua mãe, aconselhou a mim e a todos os outros jovens do prédio a frequentar a missa aos domingos, era estranho que ela não tivesse controle sobre o filho.

Ele era muito bonito, isso era inegável, minhas amigas passavam mal quando vinham estudar comigo e por acaso Ian estava no mesmo elevador.Mesmo assim ele nunca havia me chamado a atenção.

Um dia chegando ao colégio reconheci a moto preta e robusta estacionada no pátio, Ian foi o primeiro que me veio em mente mas, logo descartei a hipótese, imaginei que ele não seria o único a possuir aquele modelo.Comecei a caminhar sentido à minha sala de aulas e nos corredores os estudantes pareciam alvoroçadas, cochichavam e gesticulavam muito, não precisei de muito para entender o que estava acontecendo.

Ian estava encostado em uma mureta, capacete enroscado no braço, a mesma cara de insatisfação, olhava ao seu redor com ar de desprezo enquanto era o centro das atenções.

—Lívia, como não me contou que seu vizinho se mudaria para o nosso colégio? -Julia chegou me intimando.

—Eu não sabia, é tão surpreendente para mim quanto para você. -Respondi mal humorada e continuei caminhado.

Julia jogou os cabelos de maneira sensual, imediatamente percebi que ela estava realmente interessada nele.

—O que foi? -Ela perguntou notando minha expressão descrente.

—Não percebe que esse cara cheira encrenca?Ele coleciona garotas, não sei como você pode pensar em ter alguma coisa com ele. -Tive que expor minha opinião.

Julia sentou-se em sua cadeira, fiz o mesmo.

—Acho que um pouco é lenda. -Ela sorriu maliciosa.

—Eu o conheço. -Me ajeitei. -Não é lenda, posso garantir.

—Você sempre me disse que nunca teve um diálogo de mais de dois segundos com ele, como pode conhecê-lo tão bem? - Ela estreitou os olhos me desafiando.

Respirei fundo, estava irritada.

—Tudo bem, só estou avisando. -Encolhi meus ombros.

O assunto logo foi interrompido, a professora de matemática adentrou à sala de aulas e imediatamente o silencio predominou o ambiente.

Na hora do intervalo as coisas estavam ainda piores, era como se alguma celebridade estivesse visitando nosso colégio, Ian estava no centro de um grupo de garotas alucinadas e até mesmo alguns garotos participavam daquele rito de adoração.

—Eu não consigo entender, as pessoas realmente admiram as pessoas que tem desvio de conduta. -Me joguei na grama onde o sol estava aquecendo.

—Que droga! -Julia praguejou. -A concorrência está acirrada, até a Cristina Reis está dando em cima dele.

Olhei rapidamente para a direção deles e pude ver Cristina praticamente se jogando em cima de Ian. Ela era uma garota muito bonita e sensual, era modelo e já havia saído em algumas capas de revista, não era famosa, mas no colégio fazia muito sucesso.

—É... realmente ela é bem o tipinho que ele gosta. -Balancei a cabeça.

—Loiras falsas?Esse é o tipo que ele gosta? -Ela se irritou, depois sentou de frente para mim.

—Na verdade eu já o vi com todos os tipos de garota, só que tem uma, assim, bem parecida com a Cristina, que é um pouco mais velha, eles estão sempre juntos. -Comentei tentando alertá-la.

Julia pareceu não ter me ouvido e continuou fitando Ian,incessantemente.Balancei a cabeça resignada, tinha certeza de que não demoraria muito para que ele deixasse de ser a novidade no colégio.

No dia seguinte Ian continuava fazendo sucesso, e no outro, no outro e uma semana depois ele ainda estava cheio de alunos em sua volta.

Eu sinceramente não conseguia entender o que tanto ele tinha a oferecer, mesmo assim parecia divertir as pessoas com suas histórias, suas aventuras.

—Eu não me conformo!Só eu não consigo me aproximar desse gato. -Julia mais uma vez estava reclamando da falta de sorte com Ian. -Você bem que podia me chamar mais vezes para ir até seu prédio.

—Já disse que lá é o lugar mais improvável para encontrá-lo. - Continuei a comer minha maçã já acostumada com aquela conversa. -Eu que moro lá, posso contar as vezes que cruzei com ele.

—E a loira? -Ela arregalou os olhos para mim. -Tem a visto por esses dias.

Franzi o cenho tentando me lembrar.

—Não, na verdade sequer o barulho irritante daquela moto eu ouvi essa semana. -Comentei intrigada com o fato.

—Será que eles se separaram? -Julia animou-se por um instante.

—Se isso aconteceu mesmo, provavelmente foi para colocar outra em seu lugar. -Tive que trazê-la à realidade. -Ian não é do tipo que fica sozinho.

—Tem razão. -Ela Grunhiu. -A Cristina já deve ter fisgado ele.

Dei com os ombros, aquele assunto não me dizia respeito e nem me interessava.

Naquele dia tivemos aula de educação física, fui obrigada a participar de um jogo de basquete, e apesar do colégio não ser tão longe de casa, eu queria ir de ônibus,o sol estava forte de mais.O Ponto mais próximo ficava há um quarteirão de distancia de onde eu estava, segui até lá.

Não sabia ao certo quanto tempo demoraria até que meu ônibus passasse, haviam ali mais umas três ou quatro pessoas, todas desconhecidas, permaneci em silencio aproveitando um sopro de vento que balançou meus cabelos.

Estava distraída olhando para meus tênis que estavam um tanto sujos quando reconheci o barulho que se fazia mais alto a cada segundo.Com uma das mãos fiz sombra para meus olhos, de longe avistei a moto preta em alta velocidade, não tive duvidas, era Ian.

Voltei a olhar para meus pés quando a moto passou por mim. Ouvi o motor reduzindo a velocidade até parar, olhei curiosa.

A mesma jaqueta, a mesma cara de mal, sentado em sua moto ele olhava para a direção em que eu estava, segundos depois veio caminhando rapidamente.

—Você é minha vizinha, não é? -Ele perguntou olhando diretamente para mim.

—Está falando comigo? -Perguntei extremamente surpresa.

Ele baixou rapidamente a cabeça e sorriu com o canto dos lábios, foi a primeira vez em que reparei como seus dentes eram brancos e perfeitamente alinhados.

—Acho que sim. -Ele respondeu tentando conter seu riso.

—Respondendo sua pergunta, acho que sim. -Fui irônica.

—Quer uma carona?Estou indo para nosso prédio. -Ele encolheu os ombros.

Nem por um segundo considerei aceitar, eu jamais montaria na garupa daquela moto.

—Não, obrigada. -Fui direta.

Ian me olhou intrigado, era como se ele não esperasse que eu dissesse não.

—Tudo bem. -Ele colocou o capacete e caminhou de volta para sua moto.

Em menos de dois segundos ele já havia desaparecido.

Aquilo não foi algo que me saiu da cabeça, o ônibus demorou cerca de mais quinze minutos até chegar, por todo o tempo eu só conseguia pensar no que havia acontecido.

Quando cheguei ao meu prédio a moto estava estacionada em frente a calçada, fiquei feliz por Ian não estar ali, mesmo sem entender o porque, eu não queria que ele me visse.

—Se tivesse aceitado a carona, já estaria aqui há algum tempo. -Ele surgiu nem sei da onde e começou a falar.

—Você...tem razão, eu agradeço mais uma vez. -Respondi sem jeito enquanto apertava incessantemente o botão para chamar o elevador.

Quando a porta se abriu suspirei aliviada, eu queria me livrar o quanto antes daquela situação embaraçosa. Meu alivio durou muito pouco, Ian entrou também no elevador.

—5º andar? -Ele perguntou sem me olhar.

Notei que enquanto fazia a pergunta, já havia apertado o botão.

—Isso. -Respondi mesmo assim.

Fiquei parada, dura como se estivesse petrificada, estávamos só nós dois e eu queria muito que ele não falasse comigo.

—Gosta daquele colégio? -Ele se voltou para mim.

—É apenas um colégio... -Olhei para ele. -Não tenho do que reclamar.

Ian lançou-me um olhar desapontado, acredito que ele esperava uma resposta mais elaborada.

—Estou gostando de lá. -Ele afirmou enquanto cruzava os braços contra o peito.

—É, parece que você tem agitado as coisas por ali. -Falei já arrependida, ele poderia pensar que eu prestava a atenção nele.

Ian apenas riu despretensiosamente, ao mesmo tempo a luz anunciou que finalmente havíamos chegado ao meu andar.

—Tchau. -Sussurrei antes mesmo da porta se abrir.

—Até mais. -Ele respondeu.

Minha mãe estava saindo do nosso apartamento.

—Liv? -Ela me olhou com estranheza.

—Como vai a senhora? -Ouvi mais uma vez a voz de Ian.

Olhei para trás e ele estava ainda no elevador, estava com a mão na porta impedindo que ela se fechasse.

—Estou bem, e como está sua mãe?

—Todos estão bem. -Ele respondeu de forma delicada. -Agora vou subir, até mais.

Aporta se fechou e eu percebi que não estava respirando.

—Está tudo bem? -Minha mãe perguntou enquanto eu entrava.

Joguei minhas coisas no sofá e segui para a cozinha, eu precisava de água.

—Não entendi a pergunta. -Falei entre um gole e outro.

Ela ergueu as sobrancelhas, era algo determinante quando ela estava desconfiada de alguma coisa.

—Ian está estudando em seu colégio, não é? -Ela começou a me cercar.

—Sim, está. -Confirmei colocando o copo dentro da pia.

—Ele é um rapaz muito bonito e atraente, mas...

—Mas o quê? -Me irritei já prevendo onde ela queria chegar.

—Conhece a fama que ele tem, sabe o quanto ele pode ser irresponsável. -Ela fixou os olhos em mim.

Respirei fundo, aquela conversa era desnecessária.

—Não se preocupe, seja qual for o encanto de Ian, se é que ele tem algum, não funciona comigo, além do mais, ele vive rodeado por um monte de garotas, ele não olharia para mim. -Conclui tentando encerrar o assunto.

—Liv, só tome cuidado. -Ela voltou a insistir antes de sair da cozinha.

Era incompreensível tamanha preocupação com algo tão improvável, se outra pessoa a ouvisse me aconselhando daquela maneira, certamente imaginaria que ela havia nos flagrado aos beijos ou algo além disso.

—Meu pai ligou? -Perguntei antes de ir para meu quarto.

—Ligou. -Ela levou as mãos à cabeça. -Ele chega no próximo final de semana.

—Se preocupa com coisas insignificantes e se esquece de algo tão importante. -Reclamei porque já estava irritada.

Havia falado com meu pai por telefona há dois dias atrás e sabia que ele estava para voltar de viagem, mesmo assim eu quis mostrar minha insatisfação.

Meus pais eram separados havia mais de dois anos, foi algo não me surpreendeu, já que meu pai, Jonas Sueddy viajava muito.A empresa em que ele trabalhava não costumava poupá-lo nem em datas festivas, perdi as contas de quantos foram os natais que passamos sem ele.

Não foi nem um grande choque quando os dois vieram me comunicar oficialmente a separação, e apesar de tudo eles permaneceram amigos.

Fazia dois meses que meu pai havia partido para a Índia, e saber que ele estava voltando me deixou feliz.Geralmente eu passava alguns dias com ele.Sua casa não ficava muito longe de onde eu morava, mas eu adorava ficar com ele,as vezes aquele apartamento, mesmo sendo grande, me fazia sentir sufocada.

Eu tinha uma copia das chaves e livre acesso à casa mesmo quando ele estava ausente, só não gostava de ficar ali sozinha, era muito tedioso.

Fui para meu quarto sem dizer mais nada, não havia gostado nenhum pouco das insinuações que ouvira.

Deitada, estava com meus pensamentos perdidos, me sentia incomodada, irritada até.Dei um pulo da cama quando ouvi o barulho da moto de Ian, pensei em correr para a janela mas rapidamente retomei a sensatez, não tinha porque espiá-lo.

No dia seguinte meu mal humor não havia melhorado em nada, saí sem comer estava sem apetite, para ajudar Julia não foi à aula, me ligou na hora do intervalo para avisar que estava gripada.

Apesar de ser impertinente e meio maluca , Julia me distraia e me divertia.Eu era muito crítica e talvez isso acabava repelindo a maioria da garotas da escola, sempre muito fúteis e com personalidade fraca não apreciavam muito a sinceridade.

Leonardo era o único garoto com que eu conseguia manter amizade, apesar de ser muito bonito era despretensioso, e antes de ele e Júlia terem um rolo, éramos muito unidos.A relação dos dois acabou não dando certo, o verdadeiro motivo eles fizeram questão de esconder, de qualquer forma isso acabou afetando nossa amizade, Leonardo e eu só passávamos algum tempo juntos quando Julia não estava por perto.

—Que cara é essa? -Leo sentou-se junto de mim na cantina.

—A única que eu tenho. -Falei antes de morder uma maçã.

Ele riu deliberadamente.

—Fica ainda mais bonita quando brava. -Ele me provocou.

Olhei para ele balançando a cabeça.

—Essa cantada está ultrapassada. -Reclamei.

—Isso não é uma cantada e sim um fato. -Ele respondeu serio.

—Foi assim que seduziu a Julia? -Voltei a provocá-lo, sabia que aquele assunto o incomodava.

Leo abriu uma barrinha de chocolate que eu estava guardando para comer depois e deu uma mordida.

—Onde ela está , por falar nisso? -Ele indagou indiferente.

—Está gripada. -Retomei meu chocolate.

Ele ergueu as sobrancelhas e olhou para algo atrás de mim.

—Isso não vai acabar nunca?

—O quê? -Me virei para olhar. -Ah, está se referindo a Ian?

—Ele parece ter um íman que atrai as pessoas. -Leo voltou a reclamar.

— Ele roubou seu público? -Acabei rindo.

Ele sorriu com o canto dos lábios.

—Liv, você me julga mal. -Ele se inclinou em minha direção. -Não faço questão de me cercar de garotas, quando certa, apenas uma basta.

Respirei fundo e o perfume dele agradou meu olfato.

—Gostei do seu perfume. -Elogiei antes de mastigar o último pedaço de chocolate.

—Essa cantada é ultrapassada. -Ele me imitou.

Revirei os olhos.

Uma gargalhada alta fez com que Leo e eu nos voltássemos para a direção de Ian.Era Cristina, se movendo como uma serpente diante da sua presa.

—Quer fazer alguma coisa hoje a noite? -Leo tocou minha mão.

—Não sei. -Encolhi os ombros enquanto tentava me lembrar há quanto tempo nós dois não saíamos juntos. -Tem alguma idéia?

—Tem aquela sorveteria nova, soube que eles têm umas coisas diferentes e que é bastante movimentada.

Arqueei as sobrancelhas enquanto pensava que queria ir ou não.

—Me pega às sete? -Aceitei.

—Combinado. -Ele se levantou e seguiu para sua sala.

Durante a última aula o tempo começou a mudar, o céu escureceu e trovoadas pareciam anunciar uma tempestade, por esse motivo os alunos foram liberados alguns minutos mais cedo.

Saí praticamente correndo, com passos rápidos comecei a caminhar rumo à minha casa, esperava conseguir chegar antes da chuva, mas em questão de segundos um vento forte trouxe com ele gotas grossas de água.

—Não acredito! -Praguejei irritada.

Pensei em parar, me abrigar até que a chuva cessasse, no entanto já estava praticamente encharcada e o vento me fazia tremer de frio, por isso resolvi seguir e tentar chegar o mais rápido possível.

Estava tão distraída, perdida em toda a minha raiva que não ouvi quando Ian passou com sua moto ao meu lado, só o notei quando ele parou mais à frente.

Senti meu sangue ferver de vergonha enquanto me aproximava dele, embora ele não estivesse diferente de mim, eu odiava a idéia de que qualquer pessoa me visse naquele estado.

—Vai negar a carona hoje? -Ele falou mais alto.

Parei em sua frente já menos envergonhada.

—Já estou toda molhada, sua moto não vai poder me ajudar. -Argumentei.

Ele cruzou os braços contra o peito e me olhou, seu cabelo escorria sobre os olhos.

—Em dois minutos você estará tomando um banho quente, vai poder colocar roupas secas e evitar um resfriado. -Ele propôs de forma tão cálida que me pareceu tentador.

—Eu...

—Vamos. -Ele me interrompeu. -Você vai com meu capacete e vou dirigir com bastante cuidado.

Sem muito pensar fiz um sinal positivo com a cabeça e o segui até sua moto, Ian sorriu contido e ele mesmo colocou seu capacete em mim.

Antes de subir na moto tirou sua jaqueta de a colocou sobre mim.

—É melhor ficar com ela, do contrario vai congelar. -Ele me alertou.

—E você?Não vai congelar? -Me preocupei.

—Já estou acostumado. -Ele afirmou enquanto ligava o motor.

Segurei em sua cintura, já não sabia se tremia de frio ou de adrenalina, eu não conseguia abrir meus olhos, apenas sentia os movimentos da moto e o frio em minhas mãos que pareciam petrificadas no corpo de Ian.

Não sei se levou mesmo dois minutos até chegarmos, mas quando a moto parou voltei a respirar.

—Chegamos. -Conclui enquanto descia.

— Sãos e salvos. -Ele riu.

—Eu...vou subir. -Falei com dificuldade, meus lábios tremiam e minha respiração estava curta.

—Vamos, eu a acompanho. -Ian se prontificou já seguindo para o elevador.

Até pensei em rejeitar sua companhia, mas falar qualquer coisa era um esforço muito grande para mim.Enquanto o elevador subia eu só pensava no banho quente o qual Ian havia citado, eu estava literalmente congelando.

—Seus lábios estão roxos. -Ele voltou a falar comigo.

—Estou com muito, mas muito frio mesmo. -Falei com os dentes batendo.

—Ainda bem que você aceitou vir comigo, do contrario poderia ser pior. -Ele estava sério.

—Muito obrigada, mesmo. -Frisei minha sincera gratidão.

Quando meu andar chegou, tirei sua jaqueta e a devolvi para ele.

—Até mais. -Ele disse antes que eu entrasse.

Corri para o banheiro e liguei o chuveiro na temperatura mais alta, aos poucos o frio foi passando e meu sangue voltou a circular de forma normal, fui então me dando conta da loucura que acabava de fazer.Se passasse pela cabeça da minha mãe que eu havia andado na garupa da moto de Ian Soldier, ela enlouqueceria com certeza.

Passei a tarde toda desfrutando de uma sensação desconhecida, eu me sentia culpada, como se tivesse feito alguma coisa errada e ao mesmo tempo estava gostando de ter fugido do habitual.

Peguei no sono e só acordei com o toque do meu celular.

—Oi. -Atendi meio sonolenta.

—Liv, sou eu, Leo.

—Leo, eu peguei no sono depois de ter pegado toda aquela chuva, então... -Respirei fundo, estava prestes a cancelar minha saída com ele.

—Não. -Leo se adiantou. -Da mesma forma que aquela chuva veio inesperadamente, foi embora, o tempo está ótimo e eu não aceito não como resposta.

—Tudo bem. -Acabei cedendo. -Ás sete.

—Até mais então. -Ele se despediu.

No final acabei achando melhor mesmo sair, eu precisava pensar em outra coisa que não fosse minha aventura de mais cedo.

Antes mesmo das sete horas Leo ligou-me novamente avisando que já estava à minha espera.Tentei ligar para minha mãe mas seu celular estava desligado, certamente estava em alguma audiência importante.

Quando cheguei no hall do prédio, avistei Léo muito mais arrumado do que eu esperava, balancei a cabeça me divertindo com seu jeito sedutor genuíno.

—Nossa, achei que iríamos à uma sorveteria... -Satirizei me colocando em sua frente.

Leo me olhou e sorriu, apenas por um momento, logo voltou seus olhos para outra direção.Achei estranho, geralmente ele não agia daquela forma, curiosa olhei para desvendar o que prendia tanto sua atenção.

Uma garota estava abaixada na calçada, segurava uma folha de papel dobrada em suas mãos e parecia chorar.Não demorou muito para que eu a reconhecesse, era a garota que sempre estava com Ian, sua suposta namorada.

—Viu só o que aquele folgado faz com as garotas. -Leo finalmente fixou seus olhos em mim.

—Ian? -perguntei só para confirmar.

—Quem mais?Eles estavam juntos, pareciam discutir e quando ela mostrou aquele papel ele simplesmente subiu em sua moto e a deixou daquele jeito. -Ele me relatou com revolta.

Levei um tempo para processar as coisas, olhei mais uma vez para a garota loura praticamente jogada na calça, o papel permanecia em suas mãos, logo liguei um ponto ao outro.

—Acha que ela pode estar grávida? -Perguntei angustiada.

—Foi exatamente o que eu pensei quando vi a cena. -Leo concordou comigo. -Mas agora vamos, eu não quero saber do problema dos outros.

Ele abriu a porta do carro para que eu entrasse, sentei e passei as mãos pelo rosto, estava atordoada .Pelo retrovisor do carro dei a ultima olhada para a garota antes de virarmos a esquina.

—Eu sinceramente achava que garotos como Ian fossem mais espertos em relação a isso. -Resmunguei .

—Esquece isso Liv, veja o cd do Cold Play que eu gravei. -Ele colocou o som para funcionar.

—Credo, isso é musica para cortar os pulsos. -Reclamei enquanto passava as músicas para frente.

—Achei que gostasse da banda. -Ele pareceu chateado com a minha crítica.

—Eu gosto, mas hoje prefiro ouvir algo mais animado. -Ponderei enquanto procurava uma estação de rádio.

Sequer consegui encontrar uma canção que me agradasse e já estávamos no estacionamento da sorveteria Ice Point. Uma fachada bem colorida com fotos de taças de sorvetes eram grandes atrativos, talvez por isso, antes mesmo de descer do carro, pude avistar mais de dez estudantes do nosso colégio distribuídos em grupos aleatórios.

Decidi não reclamar, Léo estava sendo muito gentil, isso até ele colocar a mão na minha cintura enquanto caminhávamos.

— O simples fato de estarmos nós dois aqui, apenas tomando um inocente sorvete,já vai dar margem à diversas especulações. -Tentei ser o mais direta possível.

Ele riu e continuou caminhando.

—Isso a incomoda tanto assim? -Perguntou enquanto apontava uma mesa de canto.

 Ele sentou-se ao meu lado, isso fez com que ficássemos bem juntos.

—Não está tentando transformar essa nossa saída em um encontro, está? -Estreitei os olhos.

Léo permaneceu calado por alguns instantes e depois me olhou fixamente.

—Fique tranqüila Liv, você não é o meu tipo de garota. -Ele falou enquanto desviava o olhar para o cardápio.

Não sabia se me sentia aliviada ou se encarava aquilo como uma ofensa.Puxei a tabela da sua mão e me virei para ele.

— O que quer dizer com isso? -Perguntei irritada.

— Quer dizer que eu estou perfeitamente ciente da linha que divide nossa amizade de algo a mais. -Ele ponderou.

Não foi o bastante.

—Então não se refere ao meu tipo físico ou meu jeito de ser? -Me interessei mais do que imaginava.

Ele voltou a me olhar, desta vez como se estivesse fazendo uma análise.Nesse momento uma atendente se colocou ao nosso lado com um bloco de papel nas mãos.

—Querem fazer o pedido? -Ela perguntou de forma automática.

—Hum... vou querer um grande de frutas vermelhas. -Léo se adiantou.

—Para mim um de limão, pequeno. -Fui direta, queria que ela saísse dali o mais rápido possível para que eu pudesse retomar minhas perguntas.

—Não entendo porque alguém pede sorvete de limão, uma fruta tão azeda. -Ele fez careta.

—Não mude de assunto. -Permaneci instigada. -Responda o que perguntei.

—Você quer saber se eu olharia para você de outra maneira que não como uma amiga?

—Isso. -Concordei com seu raciocínio.

—Acho que não. -Ele respondeu rapidamente.

—Nossa, isso foi pesado. -Cruzei os braços sentindo meu rosto queimar de forma irritante.

Eu não tinha nenhum interesse maior no Léo, embora admitisse o quanto ele era bonito e atraente. Seu currículo com as garotas era bastante extenso e ele não parecia seguir uma linha específica, talvez por isso, sua afirmativa me causou tamanho incomodo.

—Não estou dizendo nada para ofendê-la, e para ser sincero eu sempre achei você muito bonita, mas acho quer não passa disso, e como sei que você me vê da mesma forma, não tem porque ficar na defensiva cada vez que eu encosto em você. -Ele encolheu os ombros enquanto provava a primeira colherada de seu sorvete.

Não era para eu ter ficado tão afetada, mas fiquei, minha cabeça começou a funcionar de forma desenfreada e eu me perguntava se era tão desinteressante para os demais rapazes.

Se fosse levar em conta meu histórico amoroso, estava certa em começar a me preocupar. Ao longo dos meus dezessete anos, só havia beijado duas vezes, e pior, o mesmo garoto.

Foram em circunstancias diferentes, Alex até que era bonitinho, nos conhecemos na festa de aniversário da Julia.Muita saliva, línguas em horas inadequadas , para resumir, foi terrível.Na segunda vez, alguns meses haviam se passado, ele não usava mais o aparelho nos dentes e seu sorriso estava de fato mais atraente,talvez ele estivesse mais seguro e por isso passei todo o tempo em que nos beijávamos, tentando tirar seus insistentes dez pares de mãos que tentavam a todo custo tocar meus seios, outra decepção.

—No que está pensando? -A voz de Léo me resgatou daquele poço de más recordações. -Seu sorvete está derretendo.

—Estou preocupada com as provas. -Não consegui arrumar uma desculpa melhor.

—Liv, não brinque.-Ele sorriu.-Todos sabemos que você não tem problemas com matéria nenhuma.

Sem saber o que responder comecei a tomar o meu sorvete com muita rapidez, queria manter minha boca ocupada para não dizer mais nenhuma besteira.

—Vamos. -Falei com a língua dura, estava com a boca congelada.

—Já?-Leo franziu a testa. -Achei que passaríamos mais tempo juntos.

—Fica para outro dia. -Afirmei já me levantando.

Durante o trajeto de volta, viemos em silêncio, eu fingi que estava prestando a atenção na música e ele apesar de passar o tempo todo olhando para mim, evitou qualquer assunto.

Em frente ao meu prédio ele desligou o carro e inclinou-se em minha direção.

—Liv, eu não queria tê-la chateado com minhas besteiras. -Ele segurou minha mão. -Sério.

Balancei a cabeça.

—Você não me chateou. -Menti. -Só falou a verdade. -Afirmei enquanto soltava o cinto de segurança.

—De qualquer forma , eu peço desculpas. -Leo insistiu.

Respirei fundo.

—Bem... então até mais. -Me inclinei para beijar seu rosto.

Nossos olhares se cruzaram e antes que eu pudesse reagir seus lábios estavam colados aos meus, sua respiração rápida parecia esperar por meu aval.Milhares de coisas passam por minha cabeça em apenas um segundo, a mais enfática fora a afirmação feita por ele minutos atrás.

Sem pesar as possíveis consequências, segurei sua nuca e o beijei, ou melhor, nós nos beijamos longamente. De olhos fechados eu sentia cada toque, cada movimento que ele fazia, suas mãos corriam por meus cabelos,elas estavam suadas e seus lábios trêmulos.

Não ouvi os tais sinos tocando como os filmes românticos costumam descrever quando um beijo maravilhoso acontece, mesmo assim foi diferente de tudo o que eu já havia vivido.

Eu já estava sem fôlego e Leo parecia não querer me soltar.Eu sentia que ele estava satisfeito, era como se ele esperasse por aquilo há muito tempo.

—Está tentando me matar? -Indaguei ofegante.

Leo apenas me olhou de forma intensa, passou mais uma vez a mão por meu rosto e me abraçou.

—Eu... -Ele sussurrou em meu ouvido.

—Não fala nada. -Tive que interrompe-lo, não queria saber o que ele tinha para dizer. -Eu vou subir, nos falamos depois.

Saí do carro quase correndo, eu estava atordoada e ainda não sabia se deveria ou não me arrepender.

Quando abri a porta do meu apartamento uma surpresa fez com que eu desligasse dos meus conflitos por um tempo. Meu pai estava lá.

 


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