HERÓIS escrita por Felipe Arruda


Capítulo 7
V de Vingança




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Com um chute, Cintia arrombou a porta. Ian entrou logo atrás dela e se deparou com o cenário, Zacarias estava sentado atrás de uma mesa grande e Tamires ao lado dele com uma arma na mão que parecia pesada e desajustada entre seus dedos.

— Você? – Perguntou o velho médico assustado quando seus olhos se encontraram.

—Ian – disse Tamires sacando a arma e apontado para ele.

Ian riu em deboche. Ele deu dois passos adentro da sala, deixando Cintia bloqueando a porta.

— Arma? – Perguntou ele. – O que aconteceu com você Tamires? O que aconteceu com as suas habilidades? – Ela não respondeu e ele voltou a rir. – É claro, seus poderes se alimentam de coisas ruins e você não é mais assim – eles se encaravam. – Você é fraca, tola.

Ian se permitiu analisar Tamires. Ela parecia à mesma desde a última vez em que a tinha visto. Seus cabelos negros continuavam ondulados e em total desordem. Sua pele branca estava um pouco queimada, talvez pelo sol. Os olhos castanhos eram claros e pareciam amedrontados. Ela usava um tênis preto, uma calça jeans justa com pequenos furos no joelho e uma blusa branca limpa e sem estampas.

Ela parecia corajosa segurando aquela arma e fazia tempo que Ian não admirava a Tamires corajosa. No pulso direito dela estava à mesma tatuagem que ele possuía em seu pulso. O oito deitado significa o infinito e eles haviam feito um pacto de estarem juntos até ao fim.

A ideia da tatuagem apareceu quando eles estavam no Paraguai. Cintia havia acabado de se mudar para a Espanha e eles junto com Eric e Jaqueline, dividiam e cuidavam da casa da paraguaia. Eles estavam assistindo a uma reprise de Revenge na TV quando se depararam com a tatuagem no pulso da protagonista da série. A tatuagem dela significava o amor mútuo pelo pai e o desejo de vingança, já eles dois tinham o sentimento mútuo um com o outro e o desejo de vingança contra a maldita empresa que os havia aprisionado por tanto tempo.

Tamires apontou a arma para Zacarias.

— Se ele morrer – disse ela trêmula – você vai continuar sem saber.

Ele sabia que os poderes dela estavam fracos. Ele sabia tudo sobre ela e ela também sabia tudo sobre ele. Durante anos, enquanto os dois estavam aprisionados na Ilha, ambos alimentaram o sentimento de ódio contra aquele lugar enquanto construíam um sentimento um pelo o outro. Tamires sabia exatamente do que ele queria e ele sabia que ela podia estragar tudo apenas puxando o gatilho.

— Ian o que está acontecendo? – Perguntou Cintia. – Ela não queria exterminar o Zacarias? Se vingar dele?

Tamires riu.

— Foi isso o que ele disse? – Perguntou ela. – Que eu quero vingança? – Ela riu. – Você é uma pessoa horrível. – Ela olhou para Ian ao dizer aquilo e em seguida encarou Cintia. – Há anos que Ian vem recrutando o pessoal dele para vir atrás de Zacarias. No começo eu realmente achei que ele tinha razão, mas isso saiu do controle.

— Ian... – disse Cintia incrédula.

— Quando Zacarias foi preso – continuou Tamires com a arma ainda apontada para o velho – ele chegou a ficar contente, mas quando ele saiu ileso, na mesma época em que você foi para a Espanha enquanto nós ainda ficávamos na sua casa no Paraguai, o plano de vingança voltou tão assustador que me obrigou a sair de perto dele. Eric e Jaqueline vieram comigo porque tinham medo da fome descontrolada de Ian por vingança.

Zacarias parecia estarrecido com todas aquelas descobertas.

— Nós tentamos impedir isso – continuou Tamires. – Nós sabíamos que o Gasparini era o braço direito de Zacarias, mas chegamos lá tarde de mais, ele já os havia matado.

Ian lembrava perfeitamente daquela noite. Ele havia absorvido a energia vital do casal Gasparini quando eles se negaram a dar as respostas que ele procurava. Quando entrou na cabeça de Otávio, tudo o que teve foram informações vagas que não lhe levaram a lugar algum. Com raiva, ele os matou e frustrado, acabou jogando o vaso de cerâmica contra a parede, o mesmo onde suas digitais foram encontradas. A única coisa boa em relação aquilo, foi que Otávio já havia estado dentro da Pró-Z antes da inauguração, o que facilitou o teletransporte de Ian para dentro do prédio.

— Ian... – Cintia colocou a mão no ombro do rapaz que num movimento brusco se virou e a encarou com os olhos em chamas. Ele colocou as duas mãos no rosto dela pressionando os dedos com força.

— Desculpe... – disse ele. Em seguida ele começou a absorver toda a energia vital da paraguaia. Ian viu a vida sumir no rosto de Cintia, da mesma forma que ele havia feito com os Gasparini e com a namorada de Richard. Ele sentiu toda a vida da mulher se integrar ao seu corpo. Todas as lembranças dela pertenciam a ele agora. A vida dela agora era um pedaço dele, a força dela também o pertencia. Ele conseguia sentir a força inumana no fundo de sua alma, fazendo parte de cada átomo em seu corpo.

Cintia caiu no chão com um baque surdo. Sem vida, sem nem mesmo alma, apenas uma casca velha e seca, frágil e surpreendentemente assustadora.

Tamires avançou sobre Ian, mas ele a pegou pelo pescoço e a jogou para perto das janelas como se ela fosse uma bolinha de papel amassada. Com passos largos ele foi até Zacarias que tentou escapar pela esquerda, mas Ian o agarrou pelo colarinho e o jogou contra a mesa do escritório.

— Onde ele está? – Vociferou Ian, a saliva saia da boca dele enquanto falava.

Zacarias gemeu. Ian levantou o corpo do velho pelo colarinho e o jogou mais uma vez contra a mesa. Um estranho barulho de osso se partindo ecoou pela sala. O velho gemeu de dor e procurou por fôlego para voltar a falar.

— Não me obrigue a entrar na sua mente – Ian ameaçou entre dentes.

— Morto – disse Zacarias depois de uma crise de tosse. – Seu irmão morreu há anos...

Ian empalideceu. Ele ainda se lembrava do dia em que ele e o irmão gêmeo haviam sido levados para A Ilha pelo pessoal de Zacarias quando seus poderes começaram a desenvolver. Na verdade aquilo tudo se resumia a aquilo. Ian tentando encontrar seu irmão gêmeo e se vingando dos anos horrendos que havia passado nas mãos do pessoal de Zacarias.

— Ele não aguentou os experimentos... – disse o velho.

Num momento de raiva. Ian começou a socar o rosto de Zacarias com toda a sua força, com a força da Cintia. O crânio dele esmagou em questão de segundos, com o sangue escorrendo por toda a parte.

Tamires alcançou a arma e deu um tiro em direção a Ian, mas errou. Aquilo fez o rapaz sair do transe enfurecido dele. Ian jogou o corpo do velho para o lado e caminhou a passos largos em direção à garota.

— Como você pode ficar do lado dele? – Perguntou Ian incrédulo. Havia lágrimas em seus olhos. – Como você ainda tentou o salvar, mesmo depois de tudo o que ele fez? – Tamires também tinha os olhos cheios de lágrimas. – Eu tinha dez anos de idade quando ele me colocou dentro de uma sala e me obrigou a matar um garoto da mesma idade que eu!

Ian lembrou mais cedo da conversa no bar, quando Fernando havia perguntado se ele já havia matado alguém para ficar com os poderes permanentemente, claro que no momento ele negou, mas a história havia sido diferente. Aos dez anos, Ian foi obrigado a absorver a energia vital de um garoto da mesma idade dele.

Aquela cena o perturbou por muito tempo. Ele não lembrava ao certo o nome do garoto, só sabia que ele possuía uma inteligência fora do comum. Algo sobre ser superdotado. Eles seguraram as pequenas mãos de Ian no rosto do outro garoto até que ele absorveu tudo até reduzir o outro a uma casca oca e assustadora. Foi naquele dia que ele teve dimensão de suas habilidades.

— Do que adianta Ian – disse Tamires. Ian se aproximou dela, a arma estava abaixada. Ele sabia que ela jamais conseguiria o ferir. – O que passou já não importa – uma lágrima escorreu por seu rosto. – Tudo o que eu queria era ficar com você, ter uma vida com você. Uma vida onde a gente podia ser normal...

Ian voltou a rir debochando dela.

— Normal? – Perguntou ele. – Não existe uma forma de ser normal...

— Eu te amei tanto... – disse ela sem ligar para ele. – Tudo o que eu mais queria era continuar naquela vida que tínhamos quando fomos pro Paraguai. – Ele passou o dedo pelo rosto dela secando uma das lágrimas. Tamires acariciou a mão dele e sorriu. – Você me fez a pessoa mais feliz do mundo naquele tempo... me fez pertencer a algo, me sentir alguém.

— Nós contra o mundo – disse ele. Tamires sorriu. Ian encarou aquela garota por meio segundo sem ignorar a forma como ela o fazia se sentir. – Desculpe – disse ele fechando os olhos. – Mas eu me tornei essa pessoa... – ele olhou ao redor e encontrou os cadáveres de Cintia e Zacarias. – Você não merece isso...

— Não tem problema – disse Tamires rapidamente tentando o convencer de que ele estava errado de alguma forma. – Você não é assim Ian, você não é um vilão!

Aquelas palavras chegaram aos seus ouvidos parecendo extremamente barulhentas. Ele encarou Tamires com a chama queimando dentro de seu peito. Ele sorriu e ela sorriu também, mas o sorriso dele não era como o dela. O dela era meigo, caloroso. O dele era sarcástico, maligno.

— Mas eu também não sou nenhum herói – disse ele a agarrando pelo colarinho e a jogando contra o outro lado da sala.

Tamires levantou num impulso com a arma na mão apontada para Ian.

— Parada! – Gritou Ágata aparecendo na porta. Tamires se virou muito rápido e num impulso a policial deu um tiro na perna da garota que caiu no chão gritando. – Eu disse para ficar parada!

Ágata foi arremessada para o fim do corredor por Jaqueline. A arma dela foi parar num canto e seu corpo em outro. Eric logo apareceu com uma expressão de assustado e tudo o que fez assim que viu Ian foi lançar bolas de fogo de suas mãos.

Ian se jogou para o lado e o fogo atingiu as cortinas persianas da janela. Eric investiu mais bolas de fogo contra Ian, que continuava se desvencilhando. A sala começou a pegar fogo. A prateleira com os livros de Zacarias pegaram fogo, em seguida a mesa e as cadeiras começaram a queimar assim como os diplomas na parede.

Eric continuava a jogar suas bolas de fogo contra Ian, enquanto Tamires lutava para levantar de onde estava. A sala queimava a cada instante mais. Num gesto rápido, Ian correu até Eric e com um simples golpe quebrou seu pescoço.

— Não! – Berrou Tamires enquanto o corpo de Eric caia no chão.

Ian andou até Tamires e a agarrou pelo pescoço e sem pensar duas vezes a jogou contra as chamas da prateleira. A garota gritou desesperadamente de dor e a última coisa que ele viu foi os olhos suplicantes antes da prateleira cair sobre ela.

— Eric? – Perguntou Jaqueline parada a porta. Assim que ela viu o rapaz morto no chão ela se descontrolou. – NÃO! – Gritou.

Em seguida soltou um rugido animal do fundo da alma e tudo começou a tremer. As paredes, o chão, o teto, tudo começou a desabar. No instante que seus olhos encontraram com os de Ian, ela o lançou com um leve aceno contra as janelas e ele caiu do último andar como se fosse uma caneta velha e sem tinta.

○○○

Ágata ainda tentava levantar do chão quanto tudo começou a tremer. Ela encarou Jaqueline que flutuava e tudo ao seu redor girava e quebrava. O fogo se uniu aquele caos e tudo o que podia queimar estava queimando.

A policial saiu do corredor se arrastando enquanto o prédio parecia ser arrancado do chão como uma planta. Umas centenas de alarmes começaram a tocar até que a energia acabou.

Jaqueline continuava a gritar envolta num tornado de destruição que subia junto com ela. Ágata não sabia o que estava acontecendo dentro daquela sala e nem Ian ou Cintia haviam saído de lá.

O teto sobre a cabeça dela começou a se desmaterializar e Ágata percebeu que aquele tornado ao redor de Jaqueline era a força que simplesmente destruía a matéria.

Ainda no chão e lutando descontroladamente para não ser atingida por nada, Ágata se arrastou até a sua arma e a agarrou firmemente, mas todos os destroços a rodeavam numa velocidade absurda.

Com dificuldade ela disparou contra a garota e um único tiro foi o suficiente para todo aquele caos parar. Jaqueline caiu no chão com uma mancha vermelha no peito e o prédio onde deveria funcionar uma nova clínica de reprodução humana também foi ao chão.


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