Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 6
Construtores


Notas iniciais do capítulo

Hey!

Voltei mais cedo, até porque o capítulo é menorzinho.

Boa Leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/733980/chapter/6

  — É a história mais estúpida que eu poderia ouvir. – Newt disse ao final da minha narração do ocorrido após me separar de Minho no dia anterior. Ele estivera com a mão no queixo enquanto eu falava, concentrado e sem fazer menção de me interromper, mas então desprezou tudo completamente.

 Apenas ele, Thomas e Alby estavam no quarto comigo. Thomas me ajudou a contar o que havia acontecido e descobri que ele ficara preso lá pela mesma distração que eu, e que tivera tanto azar quanto. Precisou matar um Verdugo antes de me encontrar e por isso soube o que fazer quando o último apareceu. Ele se aproveitara de outro muro que se movia e encurralara todos os que estavam no corredor antes da passagem para o Penhasco, depois usou outra passagem para entrar lá e matar a coisa antes que eu caísse.

  — E você foi estúpida, salvar o traseiro do Thomas para correr sozinha com aqueles malditos? Que mértila você acha que é? — Alby emendou.

  — Não acho nada, eu só fiz. E não me importa o que você pensa disso. – repliquei.

  — Você vai passar a noite no Amansador. — ele disse com a voz grave, apontando o dedo para mim.

  — Não, não vai, seu mértila. Ela precisa tomar remédios e trocar os curativos. — Newt disse de braços cruzados. — Além disso, ela não entrou no Labirinto à noite, então não desrespeitou nenhuma regra.

 Fechei meus punhos para não aplaudi-lo e encarei Alby, que revirou os olhos e saiu do quarto. Thomas o acompanhou, lançando-me um olhar singelo antes de sumir atrás da quina. Ele tinha me agradecido pelo que fiz ao deixá-lo escondido, mas Newt, Alby e Minho já tinham me convencido de que havia planos melhores.

  — Jeff e Clint disseram que vai ter que ficar um tempo aí antes de voltar às tarefas. — Newt disse.

  — Mas... e o nosso trato?! — exclamei.

  — Já ficou mais que claro que você não tem que se meter nisso.

  — Vai me dizer agora que acredita em destino?

  — Nelly, não chateie, ok? Esqueça isso e procure outra maldita coisa com o que me importunar. Vamos poupar mais transtorno e fazer seu Conclave para ser escolhida por um Encarregado depois...

  — Poupar transtorno? Acha que menos um adoentado na cama diminui uma centelha das nossas preocupações?

  — Não sou eu quem decide isso. — disse com o tom sério e a expressão irritada. — Nós e esse lugar só estamos de pé por causa da ordem que mantemos, então não comece a querer desfazer isso, ou você vai sim passar bons dias no Amansador.

 Mantemos o olhar por mais um tempo, impassíveis, até que ele se virou e saiu do quarto.  

 Passar cinco dias deitada numa cama sem poder fazer mais nada além de tomar remédios, comer e dormir tinha sido, em parte, gratificante. Apesar de saber que todos estavam do lado de fora esforçando-se ao máximo para levar a vida bem na Clareira, eu não queria sair dali se não fosse para ajudar com ferimentos. Dois garotos sofreram acidentes, um deles pela picada de um Verdugo, e a vontade reprimida de querer ajudar me esmagou. Os gritos que vinham do quarto pela Transformação não ajudavam em nada.

 O corte teve uma melhora muito mais rápida do que eu havia imaginado e passei três dias seguidos pedindo a Newt que me deixasse sair para voltar aos testes. Eu ainda tinha dois dias para cumprir o trato dele e ignorei a voz na minha cabeça que dizia ser errado torcer para alguém se machucar.

  — Certo... Certo... Ok! — ele disse por fim em meio ao meu milésimo discurso. — Caçarola precisa de ajuda para fazer o almoço.

 Parei no meio do caminho para me levantar da cama e cruzei os braços, o fitando com os dentes cerrados. Newt passou a língua pelo interior da bochecha e correu os olhos para o lado.

  — Que foi?

  — Já ajudei o Caçarola, já fiz minha parte na Cozinha. Tecnicamente eu deveria fazer outra coisa agora.

 Newt soltou uma risada e desviou o olhar de novo.

  — Mértila, você gosta de complicar... Tá, que seja.

  — Posso ficar de Construtora enquanto isso também. — dei de ombros, sem me importar com o que seria o segundo trabalho. Contanto que eu fosse Ajudante e tivesse acesso aos Socorristas, estava ótimo.

  — Você tem tendência ao suicídio? — perguntou ironicamente, as sobrancelhas franzidas. Naquele momento descobri que eu odiava quando ele fazia aquilo.

  — Dou um jeito no Gally se ele começar a encher o saco. — disse por fim e me dirigi à saída antes que desse tempo de ele fazer objeção.

 O dia estava na metade, mas eu tinha acabado de comer na Sede, então não fui almoçar com os outros. Em vez disso, vi o trabalho dos Construtores em meado e decidi descobrir o que estiveram fazendo.

  — Está perdida, Pinguça? — a voz fanhosa de Gally soou às minhas costas, enquanto eu martelava um prego numa mesa.

 Suspirei sonoramente e me virei para ele.

  — Não, Gally, sou a nova Construtora. — respondi com toda a calma possível que a vontade de enterrar a cabeça dele no chão permitia. Ele riu e me mediu com os olhos.

  — Você? Não te escolhi para trabalhar aqui, nem tivemos o Conclave. Ao menos sabe o que é isso? — apontou para o instrumento na minha mão.

  — Sei, e posso te mostrar como usar se chegar mais perto.

 Gally revirou os olhos e apontou para um monte de madeira largado e mal feito num canto. 

  — Monte aquela cadeira, essas coisas precisam estar na Sede até de noite. — mandou e eu assenti com a cabeça com um sorriso cínico, esperando que se afastasse para eu obedecer.

 Aquele trabalho com certeza era melhor do que lavar e cozinhar, e Gally pareceu menos imaturo e babaca quando se tratava disso. Com certeza ele dava mais ordens do que Caçarola ou Zart e com mais rispidez, mas pelo menos não era nada absurdo. A montagem da cadeira levou menos tempo do que eu tinha imaginado. Ao avisar a Gally, tive a impressão de que ele me mandaria desmontar e montar tudo outra vez.

  — Mike precisa de ajuda no telhado da Cozinha. — disse e apontou para as minhas costas.

 Dirigi-me até lá e vi um garoto parado no meio de uma escada, tentando equilibrar uma pilha de tábuas de madeira e uma faca nas mãos. A escada oscilou no chão e apressei-me a segurá-la.

  — Valeu... — ele resmungou e jogou as tábuas para o telhado, depois me encarou. — Ah, a Novata que gosta de causar dor nas pessoas.

 Era o mesmo garoto que tinha deslocado o joelho há dias enquanto trabalhava. Vi seu braço com um pano manchado cercando-o e percebi que havia me esquecido de visitá-lo na Sede enquanto estava mal. Seu cabelo continuava quase tão bagunçado quanto da última vez que o vi, mas um topete torto se elevava na parte da frente.

  — Está melhor? — perguntei.

  — Vou sobreviver. Meu joelho ainda está dolorido, mas... — sua voz morreu e seus olhos me mediram, as sobrancelhas franzidas. — Como sabia o que fazer?

 Dei de ombros com os lábios comprimidos, torcendo para que acreditasse em mim.

  — Não sei, só fico feliz que tenha dado certo. — respondi.

 Mike balançou uma das sobrancelhas e revirou os olhos.

  — Sei. Pegue uma escada e suba, muitas tábuas do telhado estão soltas e acho que ninguém quer lascas de madeira na gororoba do Caçarola.

  — Jeff ou Clint comentaram alguma coisa durante o seu tratamento? — indaguei enquanto subia, o encarando.

 Ele me olhou como se estivesse desconfiado.

  — Quer saber se tem alguma chance de você ser Socorrista? É, eu fiquei sabendo dessa sua obsessão.

  — E acha que estou pedindo demais?

  — Prefiro não me meter. Aqueles trolhos adoram se sentir os reis só porque chegaram primeiro. E você está agindo mais como uma criança.  

 Mike posicionou um prego na madeira e começou a martelá-lo. Olhei para o meu espaço, pensando mais no assunto do que no trabalho. Eu teria que provar a eles que merecia ficar como Socorrista, não adiantava pedir. E com a ordem que Newt tanto prezava, implorar era inútil, principalmente sendo uma Novata.

  — Faz mais alguma coisa além de ser Construtor? — indaguei e testei as tábuas mais próximas.

 Mike era bem direto nas respostas, parecia não fazer muita questão de conversar; era o extremo oposto de Chuck. No entanto, o pouco que dizia me fazia pensar bastante e percebi que eu dizia o triplo que ele a cada vez que podia. Enquanto caminhávamos pela Clareira para obedecer às ordens, pude ouvir seu joelho estalando sempre que dobrava a perna. Mike disse que ele era assim desde que chegou à Clareira e felizmente não era a perna que havia sido deslocada. Durante o jantar ele me contou mais sobre ser Construtor, sobre Gally e sobre como odiava ele e os amigos dele.

  — Ele nem sempre foi babaca assim, piorou depois da Transformação. Assim como os outros, se recusa a dizer o que viu. — contou.

  — E você? Já foi picado?

 Mike assentiu com a cabeça e olhou brevemente ao redor.

  — Até que não o culpo por ter piorado. — disse.

  — E como é? — perguntei curiosa, rápido demais. Ele me encarou e largou no prato a batata frita que segurava.

  — É uma pergunta muito imbecil, trolha. Você não gostaria de responder se tivesse passado por aquilo.

  — Talvez sim, talvez para deixar claro o quão ruim deva ser.

 Ele soltou uma risada de escárnio, desviando o olhar novamente.

  — Acho que ninguém sente vontade de chegar muito perto dos Verdugos, Novata. Uma noite no Labirinto não foi o suficiente para você?

  — Mais do que suficiente.

 Abri a boca para continuar falando, insistir que era melhor contar do que guardar para si mesmo, mas o misto de raiva e temor no rosto dele deixava claro que esquecer o assunto era melhor. Além disso, eu não precisava que mais alguém ali me desprezasse por alguma razão.

 Durante as noites que passei dormindo na Sede, curando-me do ferimento e revivendo a cada segundo as cenas do Labirinto, lembrando-me de coisas que deixei passar e elaborando planos que teriam sido mais convenientes, tive sonhos e pesadelos dos mais diversos possíveis, baseados no Labirinto. Por causa deles eu havia decidido que nunca mais voltaria lá. Pareciam muito prováveis e realistas e o medo de tudo o que poderia acontecer a nós me consumia, pois eu estivera deitada numa cama sem poder fazer nada.

 E eu não sabia o porquê, mas meu conhecimento de curativos e tratamentos possuía a minha mente mais do que qualquer coisa. À mínima menção a machucados, minha atenção era despertada e as engrenagens da minha cabeça começavam a trabalhar fervorosamente. Eu tentava ignorar, mas já tinha percebido que eu gostava de saber tanto. Era útil. Fazia eu me sentir menos como um objeto dos Criadores. Ademais, impedia-me de pensar na infelicidade que era estar naquele lugar. Muitas vezes me peguei imaginando situações extremamente perigosas, desafiando-me a desdobrá-las e resolvê-las. Soava doentio, mas era verdade. Eu me coçava para colocar aquilo em prática, o que soava mais doentio ainda, considerando o fato de que alguém teria que sofrer.

 Newt achava ter colocado um ponto final no assunto, mas eu sempre estava atenta aos outros, nem que fosse um engasgo durante as refeições; contudo, quando aconteceu, Clint estava bem ao lado e pôde intervir.

 Dias depois, durante o horário do almoço, que eu tinha começado e terminado mais cedo pelo escasso trabalho daquele dia, sentei-me no gramado dos Jardins para esperar até que a próxima tarefa começasse. Ouvi uma respiração forte próxima a mim e Tagarela, o cão que rondava o Sangradouro, chocou o topo de sua cabeça contra meu rosto assim que olhei para ele. Ri e acariciei seu pescoço, iniciando uma conversa como se fôssemos velhos amigos.

 Eu passava a maior parte do meu tempo livre com ele e acabei me apegando tão rápido que tive a ideia de dar-lhe um banho. Newt e Alby chegaram tão perto de me matar ao me verem usando o sabonete dos banheiros e a água da mangueira dos Jardins que quase larguei tudo onde estava e saí correndo. Ainda assim, consegui dar a Tagarela um banho por semana, sem que eles soubessem. Todos nós já estávamos num estado deplorável demais naquele lugar, o cão não precisava passar pelo mesmo. Eu não conseguira convencê-los disso, Thomas fora o único que parecera entender.

  — Muitos porcos abatidos hoje? Espero que você não tenha uma alma tão ruim quanto Winston. — falei e ele lambeu meu rosto. — Já disse que não gosto que faça isso! — ralhei irônica limpando o rosto na manga.

 Tagarela gemeu e se deitou, descansando a cabeça na minha coxa e relanceando para mim algumas vezes, como se pedisse desculpas. Eu gargalhei e acariciei seu pelo. Às vezes eu preferia conversar com ele do que com os outros Clareanos.

 Tagarela passava-me um enorme conforto; a sensação de rir do que ele fazia e de acariciá-lo soava-me muito familiar, trazia-me a vaga lembrança de ter tido um animal de estimação. Talvez fosse um gato, um pássaro ou um cachorro mesmo. Ou talvez fosse apenas uma falsa lembrança. Já estava cansada de ouvir os Clareanos dizerem que não tinham esperança de recuperar a memória. Eu fazia de tudo para não me contaminar com essa ideia. Eu encontraria todas as respostas sobre eu mesma, nem que para isso eu precisasse forçar os Criadores a dizer.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bem, o que acharam?
SPOILER DO PRÓXIMO!
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
" - Socorristas! – um Clareano próximo ao outro berrou e abaixou-se.
Vi Jeff soltando a porta da Caixa, o que produziu um barulho forte de metal batendo e rangendo, e correndo até eles. Quando os alcancei, um pequeno grupo havia se amontoado ao redor do garoto caído e Jeff checava o pulso dele. [...]
— Ele não tem pulso. – Jeff avisou no mesmo momento em que Clint surgiu da multidão. O silêncio que pairou foi mortal."

Hehe'! O que será que aconteceu?

Até o próximo, pessoal! Kkkk



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Socorristas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.