Festas, Drogas & Problemas escrita por Julya Com Z


Capítulo 6
Cinco - Alfredo




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Olivia e eu estávamos deitadas na cama dela, conversando sobre a festa. Eu mexia no celular, respondendo à mensagem de Max, que havia me enviado "Feliz Ano Novo, Ná!" duas horas depois da mensagem que eu enviei.

— Então, quer dizer que o Pedro beija mal...? - ela sussurrou para mim, pois as garotas já estavam dormindo.

— Eu não disse que ele beija mal; eu disse que o beijo não foi bom. Talvez não tenha rolado nenhuma química, sei lá.

— Ou talvez você beije mal.

Eu ergui uma sobrancelha para ela, demonstrando irritação.

— Se você quiser eu te beijo agora mesmo pra provar que o problema não sou eu.

— Ah, sai pra lá, garota! Eu já beijei a Kimi por falta de homem à meia-noite e agora eu vou beijar você? Tá todo mundo meio lésbica hoje ou meu perfume Seduction funciona mesmo? - Revirei os olhos em resposta. - É sério; a gorducha aqui tá tão bem assim?

— Você não é gorda, Liv.

— Lógico que sou! Eu uso calças tamanho 46, fofa! Se isso não é ser no mínimo gordinha, o que é então? E não me venha com esse papo de "excesso de gostosura", senão eu dou na sua cara!

— Calma, querida. Não está mais aqui quem falou! Tchau, vou pra minha cama.

— Boa noite, palha seca.

— Boa noite, excesso de gostosura.

Então eu fui atingida por um tênis na cabeça.

Malu apareceu gritando com seu megafone assim que o sol deu as caras. Sério, não eram nem 7 horas da manhã do primeiro dia de 2013 e a mulher escancarou a porta da minha cabana aos berros, dizendo "andem, desgraças, vamos embora!".

Ela deu alguns minutos para que todos os alunos terminassem de arrumar as coisas, então nos aguardou na porta do acampamento. Com o megafone, que ninguém sabia de onde ela havia tirado, gritava seus xingamentos para que os alunos fossem mais rápido, fizessem uma fila e pedissem desculpas aos monitores pela "viagem mais trágica de toda a história do Colégio Alpha".

— Ela deve falar isso para todo mundo que vem aqui. - Leo disse no meu ouvido - Isso não tem como ser pior que a viagem do ano passado.

— O que aconteceu ano passado? - Pedro perguntou, se aproximando de mim um pouco além do "permitido", o que me incomodou um pouco.

— Três garotas engravidaram do mesmo cara. - Olivia respondeu - No mesmo ato.

— Você está dizendo que... - Kimi pareceu chocada, sussurrando para disfarçar sua surpresa- Quatro pessoas... de uma vez... e as três garotas engravidaram?!

— Pois é, fofa.- Leo se apoiou no ombro da Olivia, aproximando-se para que todos ouvissem- E o cara desapareceu completamente, deixando todas as meninas abandonadas. Elas saíram do colégio e ninguém nunca mais ouviu falar nelas.

Fomos interrompidos por um grito da Malu. Ela começou a dizer que todos os alunos que estavam no acampamento começariam o ano letivo com uma advertência a ser assinada pelos pais ou responsáveis, para que eles ficassem cientes de que estão criando marginais e macacos de circo. Eu não sei por que ela nos chamou de macacos de circo, mas considerando que ela já havia nos insultado de todas as formas possíveis, ela achou por bem recorrer aos termos sem sentido.

Depois de algum tempo ouvindo Malu e sua voz ardidamente insuportável, entramos no ônibus para voltarmos para a casa. Kimi e Olivia sentaram juntas, Juliana se sentou ao meu lado e Leo, reclamando de ter sobrado outra vez, se sentou ao lado do Pedro, livrando-o de se sentar com a Mariana. E me livrando de sentar com ele, claro.

Como ninguém estava feliz por voltar mais cedo, a viagem foi silenciosa e agradável. Todos conversando baixo, sem fazer todo aquele escândalo de quando fomos ao acampamento. Juliana me contou sobre a vida com sua irmã e que ela não era má apenas no colégio; em casa ela conseguia ser ainda pior. Sua crueldade, porém, tem motivos para existir: sua mãe era uma mulher extremamente narcisista, que não se importava nem um pouco com as filhas, então Mariana acabou aprendendo com ela a arte de ser uma completa egocêntrica. Apesar de me sentir um pouco mal por ela, não fui capaz de sentir nenhum tipo de compaixão. Ela ter sofrido não significa que os outros devem sofrer também. Se você é do tipo de pessoa que pensa que as pessoas têm que sofrer como fizeram você sofrer, eu peço que por favor, você vá tomar bem no centro do seu cu.

— Por que você não é má como sua irmã?

— Porque eu não cresci com a minha mãe, eu já te disse isso antes. Eu cresci com meu pai e ele só me dava comida e dinheiro para comprar roupas. Então eu aprendi a me virar sozinha, enquanto ela é completamente dependente das pessoas, carente de atenção.

— Cara, ela ter sofrido na vida não serve de justificativa para ela ser má com as pessoas. Ninguém tem nada a ver com isso, além da mãe dela!

Ela deu de ombros, movendo a cabeça em negativa, como se o que eu disse não tivesse a menor importância.

— Mas é assim que nascem os vilões, querida. Eles sofreram e querem fazer com que todos sofram também. Minha irmã não passa de uma vilã de história.

Levantei as mãos, dando o assunto por encerrado. Eu jamais aceitaria esse tipo de coisa; esse tipo de gente. Não é dessa forma que a vida funciona, meu bem. Você que resolva seus problemas com quem os causou. Não venha atirar em mim as pedras que te acertaram, porque eu jogo tudo de volta.

Quase uma hora depois que saímos, Leo levantou do assento ao lado do Pedro, reclamando.

— Querido, quantas vezes eu tenho que dizer que eu sou gay? Será possível que ninguém entendeu isso ainda?! Não aguento mais ouvir você falando de mulher, chama ela logo aqui e fala com ela! - Ele parou na minha frente, fazendo um sinal com a mão para que eu saísse - Me deixa sentar aí e vai lá com aquele garoto; responda às perguntas dele sobre você.

Como Leo era pouco discreto (entenda absurdamente escandaloso), tenha em mente que todo mundo que estava acordado no ônibus ouviu seu breve ataque de pelanca. Eu levantei do assento ao lado da Juliana parecendo um pimentão vermelho e, quando sentei ao lado do Pedro, ele estava parecendo um tomate. Ótimo, era tudo o que eu precisava.

Ele sorriu timidamente quando criou coragem de olhar para mim. Eu dobrei as pernas, apoiando os pés sobre o assento. Sussurrei um "oi" um tanto desajeitado, numa tentativa falha de quebrar o gelo.

— Eu não estava... perguntando sobre você, sabe. Só fiz uma pergunta.

Por que ele disse isso, meu Deus?!

— Eu conheço o Leonardo. Ele tende a ser incrivelmente exagerado. Mas o que você perguntou a ele?

— Se eu fiz algo de errado, porque você está um pouco estranha. Parece que está me evitando, não sei.

Suspirei. Foi inevitável. Eu não deveria ter suspirado, porque Pedro entrou em um desespero mudo na mesma hora. É aquele desespero que a gente percebe que a pessoa quer disfarçar a todo custo, mas não consegue, pois ela está toda vermelha e o suor de nervoso resolveu dar as caras. Eu tentei responder rápido, mas acabei entrando no meu próprio desespero mudo.

— É que... eu acho que não funcionou aquele...

— Beijo?

— É.

Ele soltou um pouco de ar pelo nariz, em um risinho abafado.

— Eu achei aquilo estranho também. Mas não entendi por que você ficou desse jeito... - ele pareceu refletir por um momento, então suas sobrancelhas levantaram de repente, como se tudo se esclarecesse na sua mente. - Você achou que eu tinha adorado o beijo e que grudei em você para tentar mais?!

Minha cara se transformou em uma careta confusa.

— E não foi isso?

— Claro que não! Eu gostei demais de você, Naty! Mas aquele beijo foi praticamente assustador! Isso não significa que eu não queira tentar outra vez, mas tem que ser espontâneo, não pode ser forçado como foi. Pode ficar tranquila; se houver uma próxima vez, você vai sentir pelo menos um pouquinho de química.

Ele sorriu torto, deixando transparecer um pouco de malícia. Eu sorri também, finalmente relaxando os ombros e liberando a tensão que se acumulou ali.

Como ainda demoraríamos um pouco para chegar no colégio, perguntei ao Pedro se ele se importava se eu dormisse. Ele disse que não, me ofereceu seu ombro para eu me apoiar e eu aceitei; como negar um ombro de apoio para dormir? Ainda mais um ombro tão cheiroso como o dele (sim, eu comento sobre ombros cheirosos, e daí?).

— Naty?

Acordei sentindo alguém cutucando meu braço. Era o Pedro. Quando abri os olhos, notei que o canto da minha boca estava úmido, o me fez morrer de vergonha. Eu babei no ombro do Pedro! Havia uma pequena poça de baba minha no ombro do garoto, que estava rindo da minha cara. Ah, não.

— Desculpa, Pedro! Não acredito que eu fiz isso!

— Relaxa! Eu provavelmente babei no seu cabelo.

Não era verdade; ele estava apenas tentando me impedir de surtar. Foi uma tentativa válida, devo reconhecer. Mas confesso que eu estava fervendo de vergonha, meu Deus do céu! Para que ninguém notasse a mancha molhada em seu ombro, ele colocou uma blusa, mesmo com o calor insuportável que estava lá fora. Eu disse que não precisava fazer isso, mas ele insistiu. Quando descemos do ônibus, Leonardo estava rindo de mim, e pude ler em seus lábios a palavra "babona". Mostrei-lhe o dedo do meio e fingi que tudo estava normal.

Depois de pegar as malas do ônibus, nos reunimos em um grupo perto do portão do colégio. Mariana disse que estava com a chave do carro e que não iria para casa, o que deixou Juliana à mercê de uma carona.

— Eu te levo.- Leo disse, colocando um chiclete na boca.- Ou melhor, quando a minha mãe chegar, ela te deixa em casa.

Juliana agradeceu e Kimi se ofereceu para pegar a carona também. Olivia estava esperando um táxi e eu estava esperando todos irem embora para eu ir também, já que morava perto do colégio. Pedro estava calado, apenas mexendo no celular, trocando mensagens com alguém. A mãe do Leonardo chegou, parou perto da gente e ofereceu carona para quem coubesse no carro. Olivia então aceitou e cancelou o táxi. Quando todos foram embora, só restamos eu e Pedro.

— Eu até te ofereceria uma carona, mas minha mala está cheia.

Pedro sorriu. Ele estava um pouco sem graça, então ficamos um tempo em silêncio, o que foi muito constrangedor.

— É... será que eu posso te oferecer uma carona? Meu carro está chegando e está muito calor para você ir andando até em casa carregando ela mala.

— Eu moro a três quadras daqui, não precisa.

— Por favor, Naty, não custa nada te dar uma carona, da mesma forma que não custa nada você aceitar.

— Tudo bem, Pedro, eu aceito. Mas só uma pergunta; o que você quis dizer com "seu carro está chegando"?

Ele fez uma cara confusa. Procurou uma forma de responder, mas estava visivelmente confuso; não entendeu à minha pergunta. E foi a minha vez de ficar confusa. Como o carro dele está chegando?!

A resposta veio em segundos.

Um carro preto se aproximou do colégio e parou na vaga mais perto de onde eu e Pedro estávamos. Um homem vestido de terno e gravata desceu, nos cumprimentou, pegou a mala do Pedro e guardou no porta-malas.

— Essa também vai. - Ele apontou para a minha mala. O homem fez um sinal positivo com a cabeça e pegou minha mala, antes que eu pudesse dizer que não era necessário. - Esse é o Alfredo, meu motorista.

— Seu o quê?! Você tem um motorista?!

— Você não? - ele estava realmente perguntando aquilo. É sério mesmo, ele achou estranho eu não ter um motorista! - Alfredo, essa é a Natalie, minha nova amiga nesse novo colégio horroroso.

Alfredo apertou minha mão.

— Meu nome na verdade é Maurício. - ergui uma sobrancelha, confusa- É que há muitos anos eu cometi o terrível erro de dizer a este garoto que meu nome é Maurício Alfredo. Desde então, ele me chama pelo segundo nome, porque sabe que eu detesto.

Olhei para o Pedro, que estava sorrindo como uma criança maldosa.

— Esse cara é tipo um pai amigo. Mas ao invés de me criar e dar conselhos, ele me leva para os lugares e dá conselhos.

— Você pode me chamar de Alfredo também, Natalie.

— Obrigada, Alfredo. E você pode me chamar de Naty.

Ele sorriu para mim e abriu a porta do carro. Fez um sinal para que eu entrasse, seguida por Pedro e então entrou no banco da frente e começou a dirigir. Eu lhe disse onde ficava a minha casa e menos de cinco minutos depois, havíamos chegado.

Pedro e Alfredo foram embora e eu abri o portão da minha casa, observando o carro da minha mãe estacionado na porta e fiquei me perguntando se ela estava lá. E comecei a pensar em Max, se ele havia ido embora.

Ao abrir a porta, ouvi uma risada vinda do fundo da minha casa. Deixei a mala perto do sofá na sala e fui até lá, onde encontrei minha mãe rinco com Max. Ah não.

— Filha!- ela veio até mim e me espremeu em um abraço- Fugiu do acampamento?

— Oi, mãe! A Malu acabou com a viagem antes da hora. Tinha muita gente bêbada. E você - olhei para Max-, o que faz aqui?

— Eu cheguei depois da festa na clínica da sua avó e fui dormir. - Minha mãe atropelou Max, que tentou responder à minha pergunta. - Quando acordei, ele estava dormindo no sofá.

— Eu já me desculpei por isso. - Max disse, perceptivelmente envergonhado. Ele olhou para mim, passando a mão na nuca- Ela pensou que eu fosse um ladrão.

Não pude segurar uma risada, que escapou como um ronco.

— Mãe, que ladrão dorme no sofá da casa que está roubando?!

Ela deu de ombros.

— Hoje em dia, minha filha... O ladrão entra na casa para roubar, usa o banheiro, tira um cochilo e se bobear, ainda assiste à sua tevê!

— Você anda assistindo muito aquele programa policial.

Max adorou a minha mãe - chegou ao ponto de chamá-la de sogra, aquele ridículo. Quando perguntei por que ele não voltou para sua casa, ele disse que voltou, mas quando chegou descobriu que havia perdido suas chaves e, como sua mãe estava viajando, ele voltou à minha casa; já que era o único lugar que ele tinha como entrar.

Eu raramente ouvia Max falar sobre sua mãe. Sabia que eles não se gostavam muito, mas nunca tive coragem de perguntar o motivo. Já que ele havia gostado tanto da minha mãe, passamos um tempão conversando. Ela me lançava alguns olhares sugestivos vez ou outra, como se estivesse dizendo que ele estava aprovado. Eu revirava os olhos sempre que ela fazia isso, até que ele percebeu.

— Tem alguma coisa no seu olho?

— Não, só está coçando. Eu preciso desfazer as malas; você me ajuda?

— Claro.

Deixei ele entrar primeiro e direcionei uma careta à minha mãe, que sorria como uma criança.

— Max, não se esqueça do presente dela lá em cima!

Max parou de andar e me olhou com os olhos arregalados.

— Que presente?

Ele olhou em direção à minha mãe, como se a repreendesse. Pelo jeito, ela estragou a surpresa.

— Eu... tenho um presente para você no seu quarto. Era para ser uma surpresa, mas a dona Sophia está muito ansiosa para saber se você vai gostar.

— Desculpe, Max. Eu não estava mais aguentando! Subam logo, eu tenho certeza de que você vai adorar, filha.

Max pegou minha mão e me puxou correndo até o segundo andar, tropeçando na escada. Deixei escapar uma risada e ele me olhou torto. Parou na frente da porta do meu quarto, abriu um sorriso e me deixou abrir a porta.

Fui atingida por uma coisa preta bem na boca do estômago; caí para trás e havia um cachorro enorme em cima de mim, que não me deixava nem respirar direito. Eu não sabia se ria ou se ficava desesperada.

— Max, você está me dando um cachorro?!

— Você gostou?

— Eu adorei! Mas tira ele de cima de mim, para que o veja direito!

Ele puxou o cachorro e eu pude olhá-lo. Era um vira-lata preto, com uma única mancha branca no pescoço. Estava ofegando; parecia muito contente.

— De onde saiu?! Qual é o nome dele?

— Ele estava no meio da Avenida Piazon, prestes a ser atropelado. Eu o tirei de lá, levei para tomar banho, dei vacinas e resolvi trazê-lo aqui para você, já que sua mãe viaja muito e você fica sozinha. Pode não ser um cão de guarda, mas é uma companhia. Ele não tem nome ainda; achei que você deveria escolher.

O cachorro me olhou, como se estivesse esperando ouvir seu novo nome. Eu o encarei brevemente, já com um nome em mente.

— Já sei. - Max me olhou ansioso.- Ele vai se chamar Alfredo.


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