Superando o passado escrita por HungerGames


Capítulo 8
Capítulo 8




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A manhã no escritório parece passar voando, tomei dois comprimidos tentando me livrar da leve ressaca e ainda precisei correr com uns documentos urgentes, acabo almoçando um pouco mais tarde que o normal mas pelo menos o trabalho a tarde deve ser menos corrido, eu já estou me organizando novamente na minha mesa quando o telefone toca e ele me chama na sua sala, pego a agenda, caneta e corro até lá, depois de uma batida na porta eu entro e o encontro na mesa dele escrevendo algo em uma folha, ele para assim que me vê.
— Rafael Albuquerque Vianna – ele fala o nome e me olha esperando que eu diga algo e tudo que eu consigo pensar é que eu mato o Rafael se ele fez alguma coisa – Seu colega de quarto, certo?
— De apartamento, por um tempo... Aconteceu alguma coisa? – ele escreve mais alguma coisa na folha e eu mal aguento de ansiedade.
— Você tem alguma coisa pra falar dele?
— Como assim? Ele fez alguma coisa? Foi o avô dele? Por que se foi eu posso explicar... – começo a ficar nervosa, ele ri e nega levantando a mão pra que eu me acalme.
— Não, eu só estou procurando alguma referência sobre ele
— Referência?
— Sim, hoje no almoço ele me procurou e se ofereceu pra ser nosso novo motoboy!
— Motoboy? – eu quase não acredito no que eu ouço.
— É, ele ficou sabendo que estamos sem um e disse que precisa de um emprego. Ele me deu você como referência... Mas como um bom advogado reconheci o sobrenome, verifiquei minha suspeita e ele é neto de Pedro Vianna, um dos maiores empresários do país, e está aqui me pedindo um emprego de motoboy, então, você tem algo a falar sobre isso?
— Eu confesso que estou tão surpresa quanto o senhor... Quer dizer, eu sabia que ele estava procurando emprego, só não achei que ele fosse querer ser motoboy...
— Você acha que é uma ideia ruim?
— Não, eu só... Não entendi, mas ele é uma excelente pessoa, está mesmo precisando do emprego, por alguns motivos pessoais, então... Eu não tenho nada negativo pra falar sobre ele – nunca achei que fosse dizer essas palavras, mas se Rafael resolveu criar juízo, não sou eu quem vai impedir, ele me olha como se estivesse decidindo algo.
— Bom, ligue pra ele, peça pra vir até aqui, caso ele não tenha mudado de ideia, o emprego é dele e ele pode começar hoje
— Ok, eu vou ligar imediatamente – sou dispensada, pego o celular da minha bolsa e ligo pra ele que atende no segundo toque – Motoboy? Sério?
— Então a vaga é minha? – ele pergunta parecendo animado.
— Você sabe o que o motoboy faz, certo?
— Ah qual é? Eu não sou um imbecil
— Tenho muitas duvidas ainda
— O emprego é ou não meu?
— Esteja aqui em 20 minutos
— Chego em 10!
Ele desliga e eu ainda encaro o celular sem entender o por que ele está fazendo isso, mas antes do pensamento continuar sou despertada por Sara, ela trabalha aqui, é assistente pessoal do Dr. Paulo, o sócio do escritório e sempre que ela vem até a minha mesa significa trabalho pra uma semana inteira, eu faço uma careta e ela ri, me entrega uma pasta e então eu sei que lá se vai o meu fim de semana, ela já tinha me dado as tarefas e estava comentando sobre a festa que irá ter no próximo mês quando Rafael sai do elevador e vem na direção da minha mesa.
— Depois eu falo com você, tenho que resolver uma coisa – ela olha Rafael de cima a baixo, em seguida me olha com um sorriso aprovador, eu reviro os olhos e me levanto da minha cadeira, ela sai sorrindo e Rafael parece ainda mais animado do que estava pelo celular.
— Então, quando eu começo?
— Eu ainda não entendi por que você pegou essa vaga de motoboy! Com seu currículo poderia ser diretor de alguma empresa, sei lá...
— Se eu quisesse ser diretor de alguma coisa eu não teria nem brigado com meu avô – eu preciso concordar com isso, mas mesmo assim.
— Motoboy?
— Eu adoro motos – ele fala empolgado e eu continuo encarando ele – Eu mal sei quem eu sou ou o que quero fazer da minha vida, então... Acho que motoboy parece ótimo – respiro fundo.
— Você vai procurar pelo Marcus, ele vai te explicar tudo e te entregar a chave e a moto – pego uns documentos que já estavam separados – Preciso que você leve esses documentos até o cartório e reconheça firma, na volta você entrega essa pasta no endereço que está bem aí na frente! Alguma duvida? – ele abre um sorriso divertido.
— Você vai ser tipo minha chefe?
— Vou e se você demorar o cartório vai fechar e antes de ser contratado você será demitido – ele ri e pega as pastas da minha mão.
— Sim senhora – ele bate a mão na testa e segue pro elevador.
Quando ele volta pro escritório já está quase no fim do expediente, eu o mando pro RH e continuo meu trabalho, quando ele reaparece já estou terminando de arrumar minha mesa pra ir embora.
— Tudo certo, sou o novo empregado assalariado da cidade – ele se joga sentado na poltrona próximo a minha mesa.
— A poltrona é pra clientes e não empregados assalariados – ele ri, se levanta e pega minha agenda que caiu no chão.
— Posso perguntar uma coisa? – dou de ombros guardando minhas coisas – Qual a politica sobre relações entre empregados?
— Ah não! Não se atreva a ficar de namorinho pelos corredores, é sério, eu mesma te entrego – ele faz uma cara ridícula tentando parecer triste.
— Mas é que você fica tão sexy, assim, mandona – eu quase deixo a agenda cair de novo.
— Eu sou sua chefe, lembra? – ele levanta as mãos em inocência – Olha só, eu te recomendei então de certa forma sou responsável por você, talvez esse emprego seja só um passatempo pra você, mas pra mim não, pra mim esse emprego é tudo que eu tenho, pelo menos profissionalmente, então por favor, não estraga isso – falo séria e o sorriso do rosto dele desaparece.
— Não vai se repetir
— Espero que não! Agora anda, seu expediente acabou as cinco – aponto pro relógio que marca seis e quinze.
— Minha primeira hora extra.
— Você mal começou – falo mas acabo sorrindo, ele dá de ombros e nós seguimos pro elevador.
— O jantar é por minha conta
— Você começou um trabalho hoje e já sai pagando jantar assim?
— E quem disse que eu vou pagar? Eu vou te dar o prazer de experimentar o melhor macarrão do mundo – mesmo sendo arrogante e pretencioso, eu acabo sorrindo animada e com fome.
Quando chegamos no apartamento, eu vou tomar um banho e ele fica pela cozinha, quando saio do quarto ele está pegando os pratos no armário, eu já ia elogiar o cheiro quando vejo que ele tá só de cueca.
— Eu não sou obrigada a ver isso – aponto pra ele que sorri orgulhoso, abrindo ligeiramente os braços.
— Resolvi te dar esse presente – faço a melhor cara de desprezo que consigo mas acabo dando uma olhada demorada.
— O cheiro tá indo no corredor – Vinny fala entrando pelo apê e vindo até nós – O que houve com aquela bela invenção chamada “roupa”? – ele pergunta olhando pra mim mas apontando pro Rafael.
— Eu coloquei minha roupa pra lavar – ele avisa dando de ombros.
— E você só tem uma?
— Se reclamarem muito eu tiro o prato de vocês – assim que ele avisa Vinny e eu seguramos nossos pratos, ele ri e coloca a panela na nossa frente, o cheiro quase me faz suspirar de prazer e o assunto da roupa ou melhor, falta de roupa, fica esquecido.
O restante da semana passa normalmente, eu vou pro escritório um pouco mais cedo que ele e quando ele chega por lá já tenho algumas pilhas de documentos pra ele entregar ou buscar, mas por incrível que pareça isso só o deixa mais animado a cada dia, além do mais ele parece fazer amizades rápido e todo mundo já o conhece, no tempo que ele não está na rua ele fica pelo escritório ajuda a qualquer um com qualquer coisa que seja, ele recoloca os copos descartáveis quando acaba, leva café pra alguém, busca algo na lanchonete e mesmo eu dizendo que isso não faz parte da função dele isso não o faz parar e eu desisto de repetir a mesma coisa, ele também sai um pouco mais cedo que eu mas me espera, mesmo eu também dizendo que não precisa, quando chegamos em casa, ele troca de roupa e vai pra academia, me deixando no apartamento tentando entender como ele tem tanta energia e quando ele e Vinny chegam já estou dormindo.
No sábado eu acordo animada e me arrumo com um sorriso no rosto, saio quase pulando do quarto e encontro Vinny na cozinha com a geladeira aberta e bebendo suco de laranja na jarra mesmo.
— Pra sua sorte eu estou de ótimo humor – corro até ele também pegando a jarra mas despejando no copo e bebendo – Vamos? – levanto o braço animada.
— O Rafa vai? – ele pergunta apontando pro quarto.
— Ele não dormiu em casa, saiu com a Priscila? Paula? Fernanda? Isabela? aaaah sei lá, um desses rolos dele – dou de ombros, pego a chave do carro e jogo pra ele.
— Você tá animada eim
— A Lia tá voltandooooooo – eu pulo me jogando nas costas dele que ri e segura minhas pernas me carregando assim até o elevador.
Chegamos vinte minutos antes do horário no aeroporto e eu não consigo me sentar pra esperar.
— Você vai furar o chão
— Não te perguntei nada – verifico o painel de voos novamente e o dela já está pousado a quase vinte minutos – Meu Deus, demora tanto tempo da pista até aqui? – reclamo cruzando os braços irritada e então quando olho pra sala de desembarque vejo Lia puxando a mala rosa gigante e usando um vestido novo que eu nunca vi antes, mas que a deixa ainda mais linda e radiante do que eu me lembrava, assim que me vê ela solta a mala e abre os braços, eu corro até ela e nós quase caímos no chão, mesmo assim nos apertamos ainda mais forte, eu beijo sua bochecha várias e várias vezes e ela ri sem tentar se esquivar – É serio, na próxima eu não quero nem saber, eu vou com vocês – aviso apontando pro Bruno que está rindo logo atrás dela, ainda aperto ela mais alguns minutos e só então também o abraço.
No caminho pra casa o carro não fica nem um segundo em silêncio, Lia nos conta sobre como o cruzeiro foi perfeito e todas as coisas que eles viram e fizeram, eles mergulharam, foram em aquários, andaram de jet-ski e nadaram com golfinhos, Bruno também se anima e conta sobre como Lia fez um escândalo quando eles foram tirar fotos com alguns pássaros da região e um deles se agarrou no seu cabelo, nós paramos no restaurante e é claro que foi no mesmo restaurante da Bianca, agora os olhares deles dois são ainda mais impossíveis de passar despercebidos e isso faz com que Lia exija saber cada detalhe, eu conto mesmo com o Vinny dizendo que não é bem assim, mas quando ela vem trazer a sobremesa na nossa mesa e eles dois cochicham e riem um pro outro, Lia imediatamente aceita minha versão, a que diz que Vinny está mesmo apaixonadinho, ele finge não ligar e no caminho pra casa, rimos tanto que minha barriga dói, eu mal vejo que já chegamos até Vinny parar o carro na frente da nova casa deles, é estranho não ser o nosso apartamento e sinto uma pontada de nostalgia, mas quando vejo o sorriso ansioso no rosto deles dois a felicidade toma o lugar de qualquer outra coisa, Bruno procura pela chave na mochila e então aperta o botão nela fazendo o grande portão branco se abrir sozinho, eles se olham com uma cumplicidade e alegria tão grande que eu quase consigo tocar, Vinny entra com o carro e então abrimos as portas e praticamente pulamos pra fora, ele joga a chave por cima do carro pro Vinny e ele a pega ainda no ar, eles trocam uns sinais rápido e antes que uma de nós fale algo Bruno se aproxima da Lia e a pega no colo, ela solta um gritinho surpresa mas seu sorriso parece dividir seu rosto ao meio, Vinny abre a porta e então Bruno entra carregando ela nos braços, eles passam pela porta rindo e antes que Vinny entrasse também eu o chamo, ele me olha meio confuso e eu faço sinal pra ele se aproximar.
— Eu quero ver a cara deles – ele fala reclamando e eu o encaro sem acreditar.
— Tão lindo e tão burro – eu dou um tapa na cabeça dele que ainda me olha confuso – Deixa eles curtirem os primeiros minutos. É a casa deles! Eles merecem isso – ele faz uma careta, eu sorrio e aperto as bochechas dele daquele jeito que ele odeia – Me ajuda a descer as malas enquanto isso – ele abre o porta malas, nós descemos as duas malas grandes e mais as mochilas e bolsa que eles traziam nas mãos, colocamos tudo ao lado do carro e nos encostamos nele, o quintal é lindo, a garagem onde estamos é coberta e livre do sol, um pequeno jardim com varias flores coloridas fica na lateral de onde estamos, um pinheiro também está muito bem cuidado na lateral do lugar, Lia já está fazendo planos para enfeitar ele no natal, aliás esse foi um dos motivos pra ela amar o lugar, olhando de fora a casa parece ainda maior do que é por dentro, ela é de dois andares, com aquele telhado colonial perfeitamente pintado de marrom, as janelas são de madeira, assim como a porta, as paredes pintadas de um laranja suave com beiradas brancas deixam aquele ar de se sentir aconchegado, mesmo sem conseguir ver daqui sei que nos fundos tem uma piscina, churrasqueira e uma longa mesa de madeira que irá nos acomodar por muitos e muitos anos.
— Tenho que admitir que a casa é linda mesmo – Vinny fala e eu sorrio e concordo.
— É mesmo – falo sinceramente mas um sentimento egoísta e triste me atinge, por que essa casa é como uma daquelas em que eu e Lipe jurávamos morar um dia, claro que a parede seria pintada de azul e no lugar do jardim teríamos o espaço liberado para os dois labradores que tanto queríamos, além do mais uma cama elástica teria que se encaixar em algum lugar, já que desde a festa do primo dele de seis anos onde nós passamos metade da noite pulando juntos, nós juramos que na nossa casa teríamos uma onde ninguém nunca nos mandaria ceder o lugar pra alguma criança chorando.
— Se você quiser a gente vende o apartamento e compra uma dessas! Aposto que a nossa ia ser muito mais estilosa – Vinny fala com aquele sorriso que eu sei que é só pra me animar, como sempre ele parece ler meus pensamentos, decifrar cada sentimento meu e do jeito que só ele sabe fazer ele me faz ver que eu não estou sozinha e apenas esse esforço dele já consegue fazer meu coração transbordar de gratidão, mesmo assim decido implicar com ele.
— Mas acho que agora você tem que pedir permissão pra Bianca – ele me olha e desencosta do carro vindo pra minha frente, ele segura meu rosto entre suas mãos e olha nos meus olhos.
— Se você quiser morar debaixo da ponte, então é debaixo da ponte que eu vou morar
— Ao infinito e além? – ele abre um sorriso divertido.
— Sempre – assim que ele fala eu aperto a bochecha dele de novo.
— Eu AMO quando você é fofo
— Vou te mostrar o fofo – eu acabo rindo alto demais.
— Vocês vão entrar ou vão ficar se agarrando ai fora? – Lia pergunta parada na porta nos olhando.
— Você traz as malas – eu avisando me esquivando e fugindo por debaixo dos braços dele.
Vinny fica um pouco com a gente mas logo vai embora por causa do ensaio pro show de hoje a noite, eu também ia embora mas Lia e Bruno se recusam a me deixar ir, então acabamos os três na cozinha fazendo brigadeiro de panela, na verdade Bruno faz e nós ficamos em volta dele, quando fica pronto nós levamos a panela com as três colheres pra beira da piscina e ficamos sentados com os pés dentro da agua rindo e conversando como se não nos víssemos a anos, Bruno acaba dormindo no chão da varanda e eu ajudo Lia a esvaziar as malas, o dia parece passar num piscar de olhos e quando a noite chega eu acabo pegando uma roupa dela emprestada por que ela se recusa a me deixar ir no apartamento e como o guarda roupa dela todo é basicamente vestidos curtos, eu acabo não tendo muita escolha e mesmo que tivesse ela simplesmente pega um vestido e joga em cima de mim, ele é preto, com um tecido transparente e bordado por cima, ele é colado no corpo e deixa uma curva meio enganosa, minha cintura parece uns dois números menores e tenho que confessar que adorei isso, pareço muito mais magra, mas meu bumbum parece que eu coloquei silicone, além disso tudo, o vestido ainda tem um decote que parece meio ousado demais.
— Lia, eu não vou sair assim – aviso saindo do banheiro e parando com as mãos na cintura na frente dela que estava terminando de passar um batom no grande espelho que tem no quarto, ela se vira e abre a boca parecendo surpresa.
— UAU! – ela fala e me olha de cima a baixo – Uma voltinha – ela pede e eu cruzo os braços encarando ela – Que foi?
— Eu não vou sair assim
— Por que não?
— Fala sério, Lia, olha isso... Eu tô... – tento achar a palavra mas não consigo.
— Gostosa? Incrível? Perfeita? Poderosa?
— Não! Estranha! Engraçada e nem pareço comigo mesma
— Isso eu tenho que concordar! Você está uma versão muito mais gostosa de você mesma – eu reviro os olhos.
— Me empresta aquela calça jeans velha mesmo, deve ter uma blusa legal
— Nem pensar! Você vai assim – eu já ia abrir a boca pra protestar quando ela levanta um dedo me impedindo – A gente tá quase atrasada e ainda temos que achar um táxi, então... – eu solto o ar frustrada quando Bruno entra no quarto e para assim que nos vê.
— UAU! – ele fala me olhando com uma cara impressionada e faz um sinal de aprovação.
— Você pode por favor, dizer pra sua esposa que eu tô exagerada – a palavra esposa faz ele sorrir de um jeito bobo e eu reviro os olhos.
— Foi mal mas a cartilha de um bom casamento diz que eu nunca devo discordar dela – ela sorri aprovando já dando a volta e o alcançando, eles se beijam rapidamente – Além do mais não acho que você deveria tirar nada daí, tá perfeita – eu faço uma careta – Claro que não tanto quanto a mulher mais linda desse mundo – ele se vira pra ela e sorri orgulhoso e nisso eu tenho que concordar com ele, ela está incrível, diferente de mim ela parece que nasceu pra essas roupas, ela está com um vestido verde limão com um rasgo na coxa, ele é de alças finas e na pele bronzeada dela fica perfeito, além disso a maquiagem como sempre está impecável e os olhos azuis perfeitamente destacados.
— Não faz essa cara, você tá incrível – ela me avisa enquanto saímos de casa, o táxi está nos esperando e mesmo negando até eu percebo o olhar nada discreto que o motorista me dá, pra piorar, ele ainda faz questão de descer e abrir a porta pra mim quando chegamos a quadra municipal, eu sorrio agradecendo e Lia vem pro meu lado já me cutucando e rindo.
— Viu como você tá impressionante!
— Ou ridícula – ela revira os olhos e Bruno nos alcança – Eu juro que vou dá na cara dela se ela não perceber o quanto tá incrível – Bruno ri e se encaixa no nosso meio, ele passa o braço pela cintura dela e se inclina pra mim.
— Não é errado – ele fala e eu olho confusa e irritada – Você sabe do que eu tô falando –  e eu sei, sei exatamente do que ele está falando, por que sempre que eu começo a me arrumar muito eu penso a mesma coisa, que não faz mais sentido, eu nem ao menos deveria querer me arrumar muito, por que o motivo que me fazia querer isso não existe mais e se não for pra ser elogiada por ele, olhada por ele, admirada por ele, então não tem sentido, na verdade, parece realmente errado – Você é linda, não tem nada que você possa fazer contra isso – ele avisa e antes que eu diga algo ele acena pra alguém do outro lado, eu guardo qualquer comentário que fosse e então Lia dá a volta e para ao meu lado.
— Não acredito – ela fala já segurando meu braço parecendo agitada e só por isso eu não ignoro ela – Olha quem tá ali.
— Onde?
— Ali! De preto!
— Perto de quê? – começo a ficar nervosa sem achar a pessoa.
— Ai droga, ela viu a gente, tá vindo pra cá, ai não acredito... – e então eu vejo a garota loira sobre um salto alto vermelho e um vestido preto que tem duas aberturas nas laterais, o cabelo castanho claro solto desce pelos seus ombros e as luzes loiras cintilam conforme ela se aproxima, o par de olhos verdes estão destacados em um delineador perfeitamente contornado e o sorriso que ela abre quando nos alcança deve ser o mesmo que uma serpente daria antes de dar o bote.
— Lia! Dani! Nossa, quanto tempo – ela para na nossa frente e sem disfarçar nos olha de cima a baixo – Você tá bem diferente – ela me olha com um sorriso cínico.
— Sempre um prazer te ver, Flavia – falo com toda ironia que tenho, nós estudamos juntas no ensino médio e ela nos detestava, a reciproca é verdadeira, pincipalmente depois que ela deu em cima do Lipe e do Bruno, só pra nos provocar, e é claro que eu não deixei barato, eu dei uns belos tapas nela na quadra da escola e mesmo tendo sido suspensa por três dias até hoje não me arrependo disso.
— Eu posso dizer o mesmo de vocês – ela devolve e Lia revira os olhos quase bufando.
— Quem diria que até hoje vocês seriam amigas não é?
— Eu nunca tive duvidas disso, isso se chama amizade! Não que você entenda algo sobre isso né, afinal você não pode ver o namorado de nenhuma amiga e já cai em cima – Lia fala e ela ri.
— Você ainda não superou isso, Lia? Por favor, é passado
— Claro que é! E um passado infeliz, eu diria – Bruno fala se reaproximando de nós, ele passa o braço pela cintura da Lia e ela sorri satisfeita.
— Bruno, quanto tempo... Ainda mais bonito do que eu me lembrava – ela sorri de um jeito sarcástico, enquanto os olhos descem lentamente pelo corpo dele, sinto quando Lia já está perdendo a paciência, ela tenta se mexer mas Bruno a segura mais firme nele.
— Obrigado! Você também – assim que ele fala eu e Lia olhamos rapidamente pra ele que continua mantendo um sorriso simpático – Mas deve ter sido a gravidez, sempre muda o rosto e o corpo da mulher...
 - Que gravidez?
— Você não é mãe ainda? – ele pergunta fingindo confusão – Desculpa, é que você parece um pouco mais gordinha e seu rosto redondo, eu achei que... Foi mal! Mas é que ela parece até a Marina que teve filho mês passado, né amor? – ele pergunta e olha pra Lia que já está rindo descontrolada, Flávia sai sem dizer mais nada e quase soltando fogo pela boca, então eu e Lia continuamos rindo.
— Você foi incrível, sério – eu falo pra ele que também ri.
— O melhor marido do mundo – Lia se vira pra ele e beija seus lábios rapidamente, ele sorri e prende ela nele.
— Espero que você se lembre disso quando a gente chegar em casa e me agradeça bastante – ele fala rindo e então eles se beijam.
— E eu vou procurar um banheiro pra vomitar – aviso fingindo que vou sair, eles riem e param de se agarrar.
Como o lugar já está bastante cheio nós decidimos ir logo pra mais perto do palco, ainda estão na passagem de som, mas a banda não está em cima do palco, como é um evento da rádio eles deixam umas musicas tocando e algumas vezes um cara aparece e fala algumas coisas, anima um pouco o pessoal e depois sai de novo, Bruno pega umas cervejas pra gente e ficamos logo na frente do palco, Lia reclama que os pés dela irão doer então nós vamos até a arquibancada pra que ela se sente um pouco, ela acaba de conseguir um lugar quando eu vejo Rafael e Vítor, eles também me veem e logo se aproximam, Vítor está com uma camisa branca em gola V, uma calça meio desbotada e uma boot marrom, ele sorri de um jeito diferente quando me vê e vem diretamente em mim sem desviar os olhos do meu.
— Você está... Impressionante – ele fala e seus olhos descem rapidamente pelo meu vestido – Eu não tenho duvida nenhuma que é a garota mais linda daqui
— Você está exagerando, mas... Obrigada – ele sorri e se inclina pra beijar minha bochecha, mas sua boca demora um pouco mais e sobe até minha orelha.
— Não tem exagero, você É impressionante – sua voz sai rouca e mesmo sem sentir nada por ele além de simpatia, o ar quente me faz arrepiar imediatamente, ele se afasta um pouco ainda sorrindo e eu não sei o que dizer.
— Você é o Vítor, acertei? – Lia pergunta e então ele finalmente desvia os olhos de mim e olha pra ela, eles se cumprimentam e ela apresenta o Bruno pra ele quando eu percebo o Rafael ainda parado no lugar me olhando.
— Quê que foi? Nunca me viu? – ele se aproxima.
— Assim... – ele aponta pra minha roupa – Na verdade não
— Eu não tinha roupa e tive que pegar um vestido da Lia
— Na minha opinião você deveria pegar o guarda roupa dela inteiro – ele fala fazendo uma cara de impressionado – Você até parece menos com aquela mal humorada
— Vai se ferrar
— E aí está ela! – ele sorri e passa a mão pelo meu cabelo, eu empurro sua mão e ele se diverte ainda mais.
— Então você vai mesmo roubar meu lugar né? – Lia implica com Rafael e eles se cumprimentam com beijos na bochecha.
— Se roubar seu lugar significa aguentar o mal humor matinal de certas pessoas e a bagunça de outras... – ele fala fingindo sussurrar – Então sim
— Como diria o ditado... Os incomodados que se mudem
— Eu amo a simpatia dela – Rafael fala suspirando com ironia, eu faço uma careta e eles riem, nós ficamos pela arquibancada enquanto uma banda também local, porém sem tanta simpatia quanto a do Vinny se apresenta, assim que eles terminam eu aviso que vou pegar uma bebida pra mim e é claro que Vítor se oferece pra ir comigo e é claro que ninguém mais quer ir junto com a gente, mesmo assim sorrio e aceito que ele me acompanhe. Uma cartela com as opções chama minha atenção e eu pego pra me decidir.
— Esse blue barry é muito bom! Meio doce, mas é gostoso – Vítor fala tentando me ajudar a decidir.
— Acho que eu quero alguma coisa mais tradicional, sei lá... – ele ri.
— Caipirinha?
— Caipvodca – falo levantando as sobrancelhas animada, ele sorri satisfeito e então faz o pedido pra nós dois.
— Nossa, acho que o destino quer nos aproximar – a voz irritante soa logo atrás de mim e antes de me virar já sei quem é, Flávia está com o mesmo sorriso idiota de antes.
— Eu chamaria de pesadelo, não de destino – ela ri e então algo atrás de mim chama sua atenção, ela sorri e quando os olhos dela sobem e descem e já sei o que é.
— Seu amigo?
— Não te interessa – ela sorri ficando ainda mais interessada.
— Flávia – ela estica a mão pra ele.
— Vítor – ele aperta sua mão, mas não se aproxima muito dela, pelo contrario, parecendo perceber alguma coisa ele para ao meu lado e me olha como se estivesse pronto pra me tirar dali a qualquer momento.
—Huuum, entendi... – ela fala olhando dele pra mim – Fico feliz que você tenha superado. O Lipe era incrível, mas a vida continua, não é mesmo? – ela fala com todo veneno que tem e antes que eu consiga pensar em qualquer outra coisa, o som da minha mão atingindo seu rosto estala alto, eu acerto outro tapa logo em seguida e agarro seu cabelo, ela grita e me xinga tentando se soltar e me acertar mas a raiva e ódio me fazem acertar mais algumas vezes, até que sinto os braços na minha cintura me puxando e me afastando dela, eu me debato e tento acertar ela de novo, mas ela também é afastada de mim, um homem de preto segura ela que continua me xingando.
— Me solta! Me solta, eu não vou encostar nela – aviso ainda me debatendo, o aperto diminui e quando me viro vejo Vítor, ele me olha meio assustado e então me solta.
— Eu quero essa garota fora daqui – ela exige apontando pra mim, o homem a solta e vem até a mim.
— Melhor você sair numa boa...
— Eu não vou sair – falo batendo o pé.
— A entrada é liberada, não podem expulsar ela – Vítor fala entrando na minha frente e encarando o homem que parece um segurança, já que está com um terno todo preto.
— A entrada é liberada, as brigas não – ele fala sério e volta a apontar pra mim – Pra fora, ou eu vou ter que fazer isso
— Não, cara, você não vai encostar nela – Vítor fala e se aproxima mais do homem.
— Não interessa, eu quero ela fora – Flávia fala ainda fervendo de raiva.
— E quem é você?
— Eu sou da equipe organizadora, queridinha – ela fala e sorri enquanto levanta algo parecido com um crachá.
— Você vai sair numa boa ou eu vou ter que fazer isso?
— Cara, eu já disse que ninguém encosta nela
— A banda do meu amigo vai se apresentar... Eu juro que nem chego perto dela – falo com desprezo.
— Fora! – ela fala apontando a saída.
— Melhor você levar sua amiga – o homem avisa pro Vítor e ele se vira pra mim esperando que eu fale algo, então eu simplesmente bufo irritada, me viro e vou andando pra saída, Vítor me segue lado a lado e um passo atrás de nós está o segurança, ele faz questão de nos acompanhar até que estamos do lado de fora, então para na entrada.
— Não acredito nisso! Eu vou perder a apresentação do Vinny – reclamo enquanto ando inconformada.
— Dá pra escutar pelo menos – eu o olho sem estar nem um pouco animada e ele me dá um sorriso encorajador – Posso falar uma coisa? – dou de ombros – Mãozinha forte ein – ele fala e passa a mão no rosto como se sentisse dor.
— Eu te acertei?
— Acho que eu não deveria ter tentado te segurar
— Foi mal, é que essa garota me tira do sério – eu falo um pouco culpada por ter acertado ele – Deixa eu ver – eu me viro de frente pra ele, com o salto que estou usando ficamos na mesma altura, eu seguro o rosto dele virando-o do lado que ele disse ter levado o tapa e realmente está levemente avermelhado, eu passo meus dedos me sentindo mais culpada ainda – Tá vermelho – ele ri e segura minha mão afastando do seu rosto mas ainda nos deixando próximos, ele olha nos meus olhos.
— Acho que tá valendo a pena – o sorriso que ele abre é divertido e tentador.
— Acho que você tá andando muito com o Rafael – ele ri e se aproxima passando os dedos pelo meu cabelo, mas eu me afasto um pouco dele que continua rindo – Você deveria levar mais em conta o que sua mãe te ensinou – eu falo e mesmo sendo muito pequena, eu percebo imediatamente a mudança no seu humor, é algo que talvez a maioria não perceba, mas eu percebo, por que é o que acontece comigo também sempre que alguém me pergunta se estou namorando ou saindo com alguém, então eu sei exatamente sobre o que se trata e sinto uma pontada de culpa tão grande que eu me sinto mal – Merda – ele ainda mantém o sorriso mesmo que agora ele tenha uma leve sombra – Desculpa! Desculpa mesmo, eu...
— Relaxa, tudo bem! Já faz alguns anos, é só que...
— Eu não devia ter falado, desculpa
— Eu já disse que não tem motivo pra desculpa – mesmo ele falando eu ainda me sinto imensamente culpada, ele anda até o muro e se encosta, eu também me aproximo dele – Foi um acidente de carro, ela e meu pai... Quer dizer, um acidente não. Um riquinho mimado, imbecil, que encheu a cara e decidiu que não se importava com a vida de ninguém – assim que ele fala meu corpo inteiro fica tenso, mas não pode ser, seria muita coincidência, mesmo assim me pego perguntando.
— Um racha?
— Quatro anos atrás, na estrada da serra – minhas pernas falham e eu preciso me apoiar no muro ao lado dele, uma chuva de imagens dispara na minha frente, o dia do acidente, do meu acidente, o carro que nos atingiu tinha acertado outro antes, um casal morreu na hora e agora eu descubro que esse mesmo casal pode ser o pai e a mãe dele, minha cabeça gira e eu aperto minhas mãos de cada lado tentando dar algum sentido, não pode ser, não pode – Eles estavam voltando de um almoço de família, era aniversário da irmã do meu pai, minha mãe tinha insistido pra eu ir mas eu tinha um encontro com a minha namorada naquela época e eles foram sozinhos... Morreram na hora. Eu nem tive a chance de me despedir – ele fala com a mesma culpa na voz que eu mesma tenho sempre que lembro que poderia ter insistido com o Felipe pra não irmos na festa, talvez ele estivesse vivo – Você deve ter visto alguma coisa sobre isso, saiu nos jornais, na televisão... O cara foi condenado e tá preso, parece que teve outra vitima – teve, o Felipe, o meu Lipe, aquele que a falta ainda rasga e arde meu peito.
— Eu sinto muito, muito mesmo – ele me força um sorriso e simplesmente o abraço, não com receio como as outras vezes, eu o abraço querendo confortá-lo, querendo passar pra ele algum alivio, o alivio que eu mesma procuro até hoje, mesmo sabendo que isso é inútil.
— Eu já chorei muito por isso, já fiquei revoltado, deprimido, mas hoje em dia eu só penso que... Esteja onde estiver eles iam querer me ver seguindo minha vida, sendo feliz, sabe? – eu concordo com a cabeça enquanto ainda permanecemos abraçados – Na verdade você me lembra muito ela – ele confessa e eu me afasto pra olhar ele – Ela também era uma das mulheres mais lindas que eu já conheci – ele sorri afastando todo clima ruim, eu acabo sorrindo também.
— Comprovado, você está andando demais com o Rafael – ele ri.
— O cara é maneiro
— É o que dizem né – dou de ombros e ele ri novamente, então a voz de dentro da quadra anuncia que em poucos minutos a banda principal, que é a banda do Vinny, vai entrar – Eu não acredito que não vou ver – choramingo quase me arrependendo de ter dado na cara daquela garota.
— Talvez a gente ache um meio termo – ele fala e me dá uma piscada de olhos – Espera aqui – ele avisa e dá uma rápida corrida até o segurança que continua parado na entrada, eu aproveito pra me recompor, passo a mão pelo cabelo e respiro fundo várias e várias vezes, tentando entender que espécie de reviravolta é essa que a vida quer me dar, por que de todas as pessoas do mundo, de todos os caras da cidade, eu tinha que esbarrar justamente nele, na única pessoa que viveu e ainda vive o mesmo pesadelo que eu, o único que teve uma perda tão grande ou ainda maior que a minha, naquele que carrega nos ombros o mesmo peso do “e se” que eu carrego todos os dias, porque justamente ele? Eu não sei e nem sei o que isso pode significar pra nós dois.
Eu me viro pra observar ele e o vejo falando alguma coisa, o cara mal olhando na cara dele, ele tenta mais alguma coisa e tudo que consegue é um balanço de ombros, então Vítor coloca a mão no bolso da calça e puxa a carteira de lá, ele abre e estica algo, que eu acredito ser dinheiro, o homem então se vira pra ele e fala algo, Vítor recolhe a mão, guarda a carteira e se afasta dele, vindo até a mim.
— Uma noticia boa e uma ruim – ele fala quando para na minha frente.
— Ruim...
— Você ainda não pode entrar
— E a boa? – ele sorri se divertindo.
— Você não vai ficar sozinha! Eu também não posso mais entrar – eu acabo rindo.
— Você tentou subornar o cara?
— Suborno é uma palavra muito forte – ele dá de ombros.
— Legal! Bom trabalho, garotão – falo dando uns tapinhas no ombro dele.
— Foi mal! Achei que fosse uma boa ideia
— Relaxa, a culpa não é sua, eu que não devia ter dado na cara daquela garota – ele me olha de um jeito curioso.
— Arrependida?
— Nem um pouco – ele ri satisfeito com a resposta – Mas eu vou perder o show deles
— Numa escala de 0 a 10, quanto você quer isso?
— Uns 15?! – ele ri e então se vira pra quadra olhando pro muro alto, ele faz um sinal pra eu esperar e corre contornando o muro, eu o perco de visão então ele reaparece sorrindo e me chama, eu contorno o muro junto com ele, então paramos logo abaixo de duas janelas razoavelmente grandes, ele aponta pra elas e me olha sorrindo.
— Banheiros! Um é o masculino, outro o feminino! Ainda quer ver o show? – eu abro um sorriso animado.
— Muito! – ele também sorri então eu o ajudo a arrastar dois caixotes de madeira que estavam a poucos centímetros de nós, ele sobe e olha em uma das janelas.
— Feminino! Você primeiro – ele fala já descendo e me oferecendo a mão, eu coloco a minha mão sobre a dele e ele sorri ainda mais – Acho melhor tirar o salto – eu me abaixo e tiro os sapatos, ele o pega da minha mão e segura, ele coloca um dos pés dele sobre o caixote novamente e me oferece a mão vazia, eu olho em volta e não tem ninguém, todos estão lá dentro e pela gritaria a banda já deve estar quase entrando no palco, então seguro sua mão e coloco um pé sobre o joelho dele que está mais alto graças a caixa, mas assim que faço isso o vestido já curto fica ainda mais curto, ele sobe pela minha coxa tampando menos de um palmo e os olhos dele vão direto pras minhas pernas, porém quando percebe que eu vejo, suas bochechas coram rapidamente e ele desvia os olhos – Foi mal, não vai acontecer de novo – ele fala meio sem jeito, eu acabo rindo mesmo sem acreditar, dou impulso e consigo alcançar a janela, seguro com as duas mãos e ele segura minhas pernas me impulsionando ainda mais, então eu consigo escorregar pra dentro do banheiro, as duas meninas que estavam se olhando no espelho se assustam, eu me levanto do chão e coloco o melhor sorriso que consigo.
— Adorei o vestido – falo pra uma delas, então me viro pra janela e logo meus sapatos são jogados pra dentro, eu os calço e vou até o espelho, limpo a poeira que sujou um pouco o vestido e saio do banheiro, paro na frente da porta do banheiro masculino e em poucos segundos Vítor sai de lá com um sorriso orgulhoso.
— Me senti meio Tom Cruise, tirando o fato que eu quase entalei e um cara me ajudou a sair da janela – ele fala e nós rimos.
— Obrigada – ele sorri e se aproxima de mim, seus dedos tocam meu ombro e quando eu acho que ele vai tentar alguma coisa ele afasta a mão.
— Você se machucou – ele mostra o sangue nos dedos dele, eu olho meu ombro e está arranhado.
— Não foi nada, só um arranhão, já tive piores – eu falo com um sorriso e ele também sorri, então o nome da banda é anunciado e as pessoas gritam eufóricas, ele me olha animado e segura minha mão, meu primeiro impulso seria puxar minha mão, mas alguma coisa me faz segurar de volta e eu apenas corro junto com ele de mãos dadas, temos que empurrar algumas pessoas e nos espremer sobre muitas outras, Vítor passa o braço pela minha cintura e me afasta dos empurrões mais fortes e com sorte alcançamos a frente do palco assim que Vinny aparece no palco, eu grito o máximo que consigo e quando ele começa a cantar eu já estou quase pulando por ele.
— Onde vocês estavam? – o grito quase no meu ouvido me distrai, me viro rápido e Lia está me olhando curiosa, até que os olhos dela descem pra minha cintura e veem o braço do Vítor ali, eu também já havia me esquecido mas assim que ela sorri daquele jeito de quem entendeu algo que nem ao menos existe, eu afasto o braço do Vítor, mas já é tarde demais – Quero saber de tudo – ela grita no meu ouvido, eu reviro os olhos e aponto pro palco, ela ri e nós voltamos a prestar atenção no show, Vinny como sempre brilha lá em cima, ele é tão carismático e seguro que conquista a qualquer um, ele emenda a segunda musica e todos estão cantando e gritando junto com ele, é lindo ver ele assim, cada segundo mais perto do sonho dele e sei que ele ainda vai brilhar ainda mais, nós cantamos, gritamos, rimos e dançamos, ele anuncia a quinta e ultima musica e o pessoal já está pedindo bis, então ele começa a cantar “Como eu quero” do Kid abelha e Lia pula e grita, já que essa é a musica e banda preferida dela, eu também estou cantando e rindo, quando os braços voltam a me envolver, eu olho pra trás e Vítor já está me olhando.
— Você fica ainda mais linda sorrindo – sinto meu rosto esquentar um pouco constrangida, então ele me vira de frente pra ele, nossos corpos estão bem próximos e sinto o perfume dele, um cheiro suave e marcante, seus dedos tocam meu queixo e antes que eu tenha alguma reação ele aproxima a boca da minha e me beija, seus lábios são suaves quando tocam o meu e sinto meu coração disparar de um jeito que não fazia mais, sua mão encaixa na minha nuca e ele aumenta o beijo, sua língua procura o caminho pela minha boca e pela primeira vez em todo esse tempo eu estou beijando alguém e é esse pensamento que me desperta, eu abro os olhos e me esquivo dele, acabo esbarrando em alguém, ele ainda tenta segurar meu braço mas sou mais rápida que ele e consigo me soltar, ouço alguém me chamar mas me enfio no meio das pessoas e me perco na multidão, a voz do Vinny está cantando o ultimo trecho da música, olho pro palco apenas pra ver ele sorrindo enquanto é aplaudido, então quando ele se despede eu volto a andar.
— Achei que eu tivesse te colocado pra fora – Flávia fala surgindo na minha frente, mas dessa vez eu apenas ignoro ela e passo direto, vou pra saída e sem saber pra onde ir acabo na calçada encostada no muro da quadra, uma mão na cabeça e outra na barriga, tentando entender o que acabou de acontecer, quer dizer, eu ainda sei o que é um beijo, só que a sensação de ser beijada já estava praticamente morta dentro de mim, desde que o Lipe morreu eu nunca mais quis beijar, nem ser beijada por ninguém, mas o que aconteceu lá dentro, o Vítor, isso foi tão... Eu nem sei que palavra usar, não devia ter acontecido e com certeza não deveria mexer tanto comigo, ele não é o Felipe, ele está morto e ainda é a única pessoa que eu quero beijar, acho que toda essa revelação da noite, sobre ele estar envolvido no mesmo drama que eu mexeu com a minha cabeça, mas eu ainda sou a mesma, minha dor, meu vazio, a falta que o Lipe me faz e isso não vai mudar só por que encontrei alguém que passou por algo parecido.
— Dani! – meu nome é gritado e quando olho pro lado Lia vem apressada na minha direção – Meu Deus, você saiu correndo – ela briga comigo parecendo preocupada e a única coisa que eu consigo fazer quando ela chega perto de mim é me jogar nos seus braços e a abraçar apertado, ela também me aperta e seus dedos passam pelo meu cabelo – O que aconteceu não foi errado, você não tem que ficar assim
— Você viu? – seu sorriso é grande e animado – Tá feliz agora?
— Sinceramente? Estou! Muito! Você merece e ele parece um cara muito legal, eu vi o jeito que ele te olha
— Lia, por favor – volto a me encostar no muro e olho pro céu que está bastante estrelado, do mesmo jeito que o Lipe adorava.
— Eu acho que você tá levando um beijo a sério demais, foi só um beijo, ninguém tá te pedindo pra namorar ou casar com ele... – eu reviro os olhos assim que ela fala, ela segura meu rosto entre as mãos dela – Você é linda! E não pode viver trancada dentro desse casco. Eu te amo, Dani! Deixa rolar...
— Eu nunca mais tinha beijado ninguém desde o... Nunca – ela me olha com carinho e compreensão, então me puxa para os seus braços.
— Isso não significa que você não possa recuperar o tempo perdido
— Lia! – ela ri e beija minha cabeça.
— Só não afasta ninguém agora! Deixa as coisas acontecerem. Deixa a vida acontecer! Por favor? – ela pede me olhando com certa urgência.
— Eu não sei se eu consigo
— Você só vai saber se tentar – eu reviro os olhos e ela sorri me apertando – Agora vamos que eu quero agarrar muito nosso cantor preferido – assim que ela fala eu volto a sorrir orgulhosa e nós vamos para a entrada da quadra, estamos de braços dados e assim que eu boto um pé dentro do lugar, o segurança surge na nossa frente.
— Achei que já tínhamos nos acertado.
— Eu não posso entrar – falo pra Lia e ela me olha confusa – Eu dei uns tapas na Flávia e ela faz parte do pessoal da organização e nosso amigo aí gentilmente me acompanhou até a saída – Lia está entre a diversão e a incredulidade.
— E o seu amigo também
— Avisa o Vinny que eu vou esperar aqui fora – eu peço pra Lia já desistindo de entrar.
— Eu não vou te deixar aqui sozinha – ela fala com a mão na cintura e encara o homem – Você não pode deixar ela aqui sozinha e se aparecer algum ladrão, sequestrador, serial killer, psicopata? – ela exagera colocando em prática todo seu drama.
— Eu cuido dela – os olhos dele descem pelo meu corpo e eu tenho vontade de dar uns tapas nele também.
— Eu sei me cuidar sozinha
— Ah os meninos... – Lia fala e balança as mãos chamando por eles, Bruno, Rafael e Vítor olham na nossa direção e correm até nós.
— O que houve? – Bruno pergunta todo protetor já indo pro lado da Lia.
— A Dani tá barrada de entrar...
— Por que?
— Ela deu uma surra na Flávia
— Você deu uma surra em alguém de novo? – Rafael pergunta se divertindo, eu faço uma careta.
— Uma surra e tanto, até eu levei uns tapas – Vítor fala e me olha com um sorriso, me sinto ainda mais sem jeito quando o olho.
— E você também não devia estar aqui dentro – o segurança fala apontando pro Vítor a saída, ele levanta as mãos e vem pro meu lado – Os dois ficam aqui fora, vocês se quiserem podem entrar
— A gente fica com vocês – Rafael fala já vindo pro nosso lado mas Lia coloca a mão no peito dele, o impedindo.
— Nada disso, você ajuda a gente a achar o Vinny, além do mais, eles que se meteram em confusão e não nós – ela fala tentando parecer desaprovar, mas quando me olha sei exatamente o que ela está fazendo e isso só confirma quando ela fala a ultima frase – Cuida dela por mim, ein – ela sorri pro Vítor e sai levando Bruno pela mão e empurrando Rafael que segue meio contrariado, eu ainda não consigo olhar pro Vítor então apenas dou meia volta e saio, parando no mesmo lugar da calçada de antes, ele para ao meu lado, um dos pés apoiado na parede e o sinto me olhar.
— Alguma coisa me diz que eu deveria te pedir desculpas, mas ao mesmo tempo, eu não sei se seria sincero – eu crio coragem e o olho, ele desfaz a postura de antes e se vira pra mim – Por que eu não me arrependo nem um pouco de ter te beijado – ele me dá um pequeno sorriso e se aproxima um pouco mais, eu coloco minha mão no seu peito em um pedido pra não se aproximar mais e ele para.
— Eu acho melhor não. Eu... Eu não tô procurando nenhum relacionamento. Eu sou complicada, muito complicada, tipo muito complicada mesmo... Acho que você merece alguém mais simples... – dou de ombros e ele sorri ainda mais.
— Sabe qual era minha matéria preferida? Álgebra! E se você conhecer alguma coisa mais complicada que isso... – eu acabo rindo também.
— Eu! – falo abrindo um pouco os braços.
— Na verdade eu não te acho complicada, te acho bem simples... – eu o olho duvidando, então ele passa os dedos pelo meu rosto, coloca uma mecha dos meus cabelos atrás da orelha e olha nos meus olhos – Você é obviamente uma das garotas mais lindas que eu já vi em toda minha vida, mesmo tentando esconder isso – eu reviro os olhos – Só que quando eu olho nos seus olhos, é como se... Eu enxergo alguém muito perdido, com alguma dor que parece infinita, na verdade eu enxergo alguém muito parecida comigo – ele sorri de um jeito suave e eu sinto algo que não sei explicar, mas algo que não vai me deixar me afastar dele agora, por isso deixo-o continuar falando - Mas ao mesmo tempo enxergo alguém com tanto amor dentro dela que conseguiu me prender – seus dedos voltam a acariciar meu rosto e com o polegar ele segura meu queixo – Eu ainda não sei qual a sua história, mas eu tenho certeza que você merece seguir em frente e eu seria muito burro se não tentasse seguir com você – seus olhos me passam tanta sinceridade que é difícil dar um fora nele ou empurrá-lo pra longe de mim, alguma coisa nele, talvez a cumplicidade da nossa história, mesmo que ele ainda não saiba ou talvez a ilusão que ele entenda a minha dor, eu não sei o que é, mas parece ter despertado alguma outra coisa em mim e talvez seja por isso que quando ele se inclina e me beija novamente, eu não o afasto, dessa vez ele é um pouco mais rápido que antes e logo sua língua encontra seu caminho na minha boca, ele aperta minha cintura e segura minha nuca enquanto me encosta no muro, a principio eu apenas deixo acontecer, só que o calor da sua boca, do seu corpo, a maneira como ele me segura nele, acaba despertando um desejo adormecido e é esse desejo que me faz segurar seu ombro e o beijar de volta com uma vontade que eu já nem me lembrava, minha respiração começa a ficar ofegante, quando o beijo para ele está sorrindo e segura meu queixo – Com certeza eu não vou pedir desculpa por isso também – eu acabo sorrindo e ele também, então ele volta a me beijar e todo meu corpo parece ter sido acordado de um sono profundo, cada sensação que até então eu tinha esquecido que existia reaparece e o arrepio aumenta cada vez que sua mão se move na minha cintura ou quando ele aumenta o puxão no meu cabelo, a maneira como sua boca domina a minha é tudo que eu quero continuar sentindo isso, mas quando o beijo para e eu olho pro lado vejo todos eles lá nos olhando, Vítor se afasta um passo e eu passo a mão pelo rosto e cabelo, Lia já está com um sorriso que poderia ser visto a quilômetros de distância, eu reviro os olhos internamente e vou até eles.
— Você arrasou – eu falo abrindo os braços pro Vinny antes que qualquer um deles diga alguma coisa sobre o que viram, ele me recebe com um abraço apertado e exagerado, ele me gira e beija meu pescoço me fazendo rir, então me coloca no chão, segurando minha mão e exige uma voltinha, eu dou e ele me olha impressionado.
— Você tá muito, muito gata – eu faço uma careta mas o agarro de novo, então me lembro da Bianca ao lado dele e diminuo os apertos.
— Eu disse pra você que ele era incrível – eu falo pra ela que sorri orgulhosa.
— É, eu tô vendo – ele me solta e passa o braço pela cintura dela, eles sorriem um pro outro daquele jeito bobo.
— A gente podia ir pra algum lugar, já que “certas pessoas” estão barradas de voltar lá pra dentro –  Rafael fala implicando comigo mas se divertindo com isso.
— Tem um lugar bacana aqui perto! O Prisma! A gente podia ir lá – Bianca sugere e todos concordam.
— Mas só temos um carro
— A Bianca vai na frente com o Vinny, eu vou no colo do Bruno, Rafael no meio e a Dani pode ir no colo do Vítor – eu e Vinny a olhamos sem acreditar no que ela disse – O quê?
— Foi mal, ela não tem filtro – eu falo olhando pro Vítor que está rindo junto com Rafael.
— Ué, não tem nada demais.
— Mô, a gente pode fazer duas viagens, né? – Bruno fala com aquele olhar que indica que ela está exagerando.
— Eu só quis ajudar
— Nós sabemos
— Eu e o Rafa, a gente pode ir andando, eu sei onde é, fica umas duas quadras daqui – Vítor sugere e Rafael concorda, então enquanto nós vamos pro carro eles já se adiantam.
— Sério? Sentar no colo dele? Jura que você falou isso? – tento mostrar pra ela o quanto foi idiota.
— Como se eu fosse deixar ela sentar no colo de qualquer um – Vinny também reclama enquanto abre a porta do carro.
— Ele não é qualquer um! É o Vítor e ele gosta dela
— E por isso ela tem que sentar no colo dele assim?
— Aí Vinny, cala a boca! Não pode me ajudar, não me atrapalha – ela faz uma careta pra ele.
— Você deveria manter sua esposa com a boca fechada mais vezes – ele fala e como já estamos todos no carro ele recebe um tapa na cabeça.
— Ele beija bem, pelo menos?
— Eu não vou falar nada sobre isso com você – ela me olha ofendida e magoada – Não adianta fazer essa cara, eu não quero falar sobre isso agora e você vai ter que aceitar – ela levanta uma sobrancelha me desafiando – Por favor – seu rosto suaviza e ela concorda.
— Eu só quero você bem
— Então não me joga no colo de ninguém – ela junta os dedos em um x na frente da boca e beija eles, eu sorrio e ela me abraça.


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