Superando o passado escrita por HungerGames


Capítulo 6
Capítulo 6




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/733578/chapter/6

 Mesmo depois de pensar por alguns minutos ainda não entendo o recado do avô do Rafael, então desisto e aproveito pra ligar pro Dr. Leones, ele me diz que tudo está bem e me liberou de ir trabalhar o resto da semana, contanto que eu envie todos os documentos que ele precisa e faça algumas ligações, por isso volto pro quarto quase saltando de alegria, com a animação aproveito e coloco meu macacão da academia, essa hora Vinny já está acabando o estágio e fica por lá pra malhar, além do mais depois de faltar o treino por duas semanas, hoje é um ótimo dia pra voltar. Jogo uma regata cavada por cima, pego minha luva nova, minha mochila e saio, quando chego na academia vejo Vinny ajudando um garoto em um aparelho, aceno pra ele indicando que cheguei e ele pede um minuto, olho pro relógio e ele já devia ter acabado o estágio mesmo assim me afasto e me concentro em começar meus exercícios, aproveitando pra pegar um pouco na musculação.
— Olha como ela é fortinha – Rafael para do lado do aparelho, eu solto o ar e como já não estava muito afim de completar a série, paro.
— Você tá aqui escondido? – ele me olha rindo.
— Eu vim com o Vinny...
— Aqui não. Na cidade, no apartamento – ele fica mais sério e me olha confuso.
— Como assim?
— Seu avô ligou lá pro apartamento e ele não estava nada feliz...
— Pro apartamento? – sua expressão surpresa e assustada me diz que aí com certeza tem algum segredo.
— É! Ele disse que a palhaçada acabou e é pra você ir embora até o fim de semana – ele perde toda a ironia que sempre tem e parece preocupado – Então, vai falar a verdade ou não?
— Não fala nada pro Vinny, pode ser?
— Não! Eu não vou mentir pra ele – ele respira fundo.
— Não tô te pedindo pra mentir, só pra não contar nada agora – eu nego de novo – Escuta, se você falar pra ele, eu tenho certeza que ele vai falar pra mãe, ela conta pro meu pai e eu vou tá bem ferrado, só tô te pedindo uns dias...
— Por que? O que você está escondendo? – ele passa as mãos pelo cabelo parecendo frustrado.
— Você vai querer uma explicação agora, no meio da academia? – cruzo os braços esperando que ele fale – Tá, eu falo! Mas não aqui, você me leva pra uma daquelas trilhas que vocês tanto falam e até hoje ninguém me levou – eu reviro os olhos.
— Eu não vou te levar em lugar nenhum
— Então eu não falo nada – ele dá de ombros e sai andando.
— Se você não falar eu ligo pro seu avô e pergunto, o número dele ficou gravado... Além do mais eu conto tudo pro Vinny agora... – paro a frase quando ele se vira pra mim.
— Acho que você tem coisas mais importantes pra se preocupar agora – ele aponta pra algo atrás de mim com um sorriso divertido, a alguns passos vejo a garota que trabalha aqui e dá aulas de Zumba quase em cima do Vinny, é sério, ela está com a mão no meio do peito dele, subindo e descendo, a outra mão no seu ombro, próxima demais e ainda ri de alguma coisa.
— Ah tá de sacanagem – falo irritada olhando eles, Rafael sorri e me olha.
— É, o cara tem mel – lhe dou um olhar sério e ele coloca a mão tampando a boca.
— Eu vou dar na cara dele – essa garota é a mais oferecida da academia, aliás da cidade inteira, todo mundo sabe disso, o Vinny sabe disso, eu juro que arranco os olhos dele se ele pensar em ficar com ela, deixo Rafael pra trás e vou até eles, chego passando a mão nas costas do Vinny e encosto meu rosto no seu ombro dando um beijo rápido.
— Ainda trabalhando? Não é as cinco que acaba? – ele me olha com aquele sorriso de quem sabe exatamente o que eu estou fazendo.
— Já acabou! Eu tava te procurando – ele passa o braço pela minha cintura e ela não se intimida.
— Ah desculpa, fui eu que roubei ele de você – eu solto uma risada.
— Relaxa, flor, ninguém rouba ele de mim, eu que ás vezes empresto – sinto Vinny prendendo o riso – Mas agora ele é meu – completo, dou um sorriso cínico, aceno um adeus e saio segurando o braço dele.
— Você é maluca – ele fala mas não ousa tirar o braço da minha cintura, eu dou de ombros.
— Ela é uma piranha
— Esse é meu trabalho.
— Ser assediado por piranhas? – ele ri.
— Você é maluca, sabia?
— Já acabou seu expediente e vai começar meu treino daqui a pouco – ele me puxa me apertando nele, algumas pessoas nos olham, mas é normal, a maioria aqui acha que somos um casal e quem não acha isso pensa que somos irmãos, então não me importo.
— A garota saiu viva? – Rafael ri e se aproxima da gente, eu faço uma careta e nós subimos para o treino de muai thay.
O treino é puxado, cansativo e eu termino estirada no tatame praticamente sem fôlego.
— Isso que dá faltar 2 semanas! Tá fora de forma – Vinny fala enquanto estica minha perna no alto fazendo uma massagem enquanto eu continuo jogada de braços abertos e olhos fechados.
— Fora de forma tá sua cara – tampo o rosto com minhas mãos – Ainda bem que amanhã eu não preciso ir trabalhar – falo já com planos de dormir o dia inteiro.
— Anda, chega de moleza – abro os olhos e ele está com a mão esticada pra mim, faço uma careta, mas aceito sua mão – Sabe do que você precisa? – abro um sorriso.
— Açaí – então descemos pra lanchonete.
— Eu não esqueci – aviso ao Rafael enquanto Vinny fala com um garoto da outra mesa, ele me olha e faz sinal de silêncio.
— Por que você não vai trabalhar amanhã? – Vinny pergunta roubando uma colher do meu pote.
— O filho do Dr. Leones nasceu e ele não vai tá por lá, então me dispensou, só preciso enviar uns documentos e tô livre – abro os braços meio exagerada.
— Sorte a sua. Amanhã tenho aula até as quatro – eu finjo uma cara triste – Então... Será que você podia, por favor, lavar aquela minha calça jeans e a camisa preta?  – eu o olho já pronta pra reprovar – É que eu preciso dela pra depois de amanhã e eu vou chegar morto em casa e ela nem vai secar, por favor...
— Eu não sou sua empregada.
— Claro que não! É a melhor amiga do mundo – olho pra ele avaliando e acabo soltando o ar derrotada.
— Não acostuma – ele ri e beija minha bochecha.
— Aproveitando, eu também...
— Nem continua essa frase – eu aviso apontando pro Rafael e ele ri levantando as mãos em desistência.
Nós terminamos o açaí e vamos pra casa, assim que entramos Vinny vai tomar banho e segue pro quarto dele, que agora é o antigo quarto da Lia, o dele agora é o quarto do Rafael e ele já estava entrando no quarto quando seguro e puxo sua camisa.
— Você me deve uma explicação –falo um pouco mais baixo, ele solta o ar e se vira pra mim.
— Sai comigo hoje e eu te conto...
— Nem em outra vida você vai conseguir isso... Fala tudo agora ou eu chamo o Vinny – ele revira os olhos, apoia a mão na parede ficando muito próximo de mim, então abre um sorriso divertido.
— Ok, hoje não! Amanhã! Você está de folga, eu não tenho nada pra fazer... Me leva na tal trilha e eu conto...
— Será que você não entendeu que isso não é uma negociação?
— Amanhã! Trilha! Confissão – ele fala e vira as costas.
— Eu não vou.
— Então não vai saber – ele abre a porta do quarto, antes para e me olha – É só uma trilha. Eu quero muito conhecer o lugar antes de ir embora e você quer uma história, os dois saem ganhando – eu penso alguns segundos.
— Esteja pronto as oito – consigo ver o sorriso vitorioso dele, entro no meu quarto me xingando mentalmente, eu não deveria ter aceitado nada, mas ao mesmo tempo, eu quero saber da história e do jeito que ele é idiota e irritante não teria outro jeito de descobrir, convenço a mim mesma de que essa foi uma decisão correta e inteligente, então entro no banheiro e tomo um banho demorado, saio de lá com uma camiseta apertada e um short curto, me jogo na cama e então meu celular toca, pego despreocupada e quase caio da cama quando vejo as fotos que a Lia mandou.
— Vinny! – grito por ele já correndo e saindo do quarto – A Lia mandou fotos! Eles estão lindos, olha isso – vou falando enquanto corro até a sala, ele está jogado no sofá e eu me jogo ao lado dele.
— Eles estão com uma cara ótima! Até que enfim ela pegou uma cor.
— Ela tá linda – pego o celular de volta, então Rafael se joga quase sentando em cima de mim pra poder ver também.
— Ela tá gata.
— O Bruno também tá bonitão – eles fazem uma careta, Rafael se levanta e sai da sala.
— Deixei a calça e a camisa lá em cima da maquina – Vinny fala e estou com tanto bom humor que nem reclamo, pelo contrário me levanto e vou lavar logo – Achei que você estivesse morta de cansaço e ia fazer isso amanhã...
— Eu ia, mas amanhã eu vou fazer a trilha com o Rafael – no momento que as palavras saem eu me arrependo, fecho os olhos e mordo a boca me xingando, o ruim de ter um melhor amigo é que você nem pensa antes de dizer as coisas.
— Fazer a trilha com o Rafa? Eu entendi certo ou aquele soco no ouvido te deixou danos? – ele pergunta e sinto-o se aproximando de mim.
— Ele reclama tanto que é melhor alguém levar logo pra ele calar essa boca e como vou tá de folga... – tento parecer o mais normal que posso, Vinny não diz nada e quando eu olho pra trás ele está parado encostado na parede de braços cruzados me olhando – O que?
— Você vive implicando com o cara.
— Eu não implico com ele, ele é um idiota, é diferente – ele levanta a sobrancelha e me encara ainda mais.
— Vai me falar a verdade ou não?
— Essa é a verdade – afirmo e também cruzo os braços, ele não desfaz sua postura.
— OK! – então ele me dá as costas e sai, eu me xingo chutando a maquina, a segunda pior coisa de se ter um melhor amigo ainda mais um melhor amigo como o Vinny é que ele te conhece melhor do que ninguém e se torna completamente impossível mentir pra ele, além do mais me sinto tão culpada que mesmo se ele não percebesse a mentira eu me entregaria, tento me convencer que é só uma mentirinha de nada e que não é o fim do mundo, mas a coisa só piora, coloco a roupa pra lavar e vou até a sala, ele está deitado no sofá, Rafael não está por perto e na TV está passando o jornal, me sento no braço do sofá perto da cabeça dele, meus dedos penteam seu cabelo.
— Desde quando você gosta de jornal? – ele levanta os olhos e me encara.
— Acho que no mesmo dia que você começou a mentir pra mim – então desliga a TV e se levanta – Boa noite – ele sai me deixando sozinha na sala, eu me jogo no sofá e encaro o teto, Rafael parecia realmente preocupado e nervoso, ele não quer que o pai descubra seja lá o que for, mas ao mesmo tempo esse é o Vinny, meu melhor amigo, meu irmão e eu nunca, jamais menti pra ele, eu não posso fazer isso agora ainda mais por um motivo assim, aperto a almofada no meu rosto e abafo um som irritado, volto pra lavanderia e termino de lavar a tal calça e a camisa dele, penduro no varal que temos e apago as luzes, mas antes de dormir preciso resolver isso, por isso ao invés de entrar no meu quarto bato na porta do ex-quarto do Vinny.
— Entra – ouço a voz abafada e abro a porta, Rafael está parado no meio do quarto com uma mochila nas mãos, ele está com aquele sorriso irônico, a barba recém aparada e o cabelo bagunçado – Se veio desmarcar é tarde demais, já arrumei minha mochila – ele avisa jogando a mochila em cima da cama e parecendo animado demais.
— Eu vou falar pro Vinny. Eu confio completamente nele e sei que ele não vai contar nada pra mãe dele, eu posso te garantir isso... E além do mais você querendo ou não, eu não vou começar a esconder as coisas dele agora, ainda mais por você – falo irritada e sem nem saber por que, eu vim apenas pra esclarecer as coisas, só que o simples fato de olhar pra ele me irrita.
— Vai em frente! Não quero te tirar nenhuma noite de sono – ele vira as costas pra pegar alguma coisa na gaveta, ele está sem camisa e com um short, suas costas são bem definidas, os músculos parecem tão destacados que você se pega querendo tocá-los.
— Você não tem nada que me faça perder uma noite de sono – ele solta uma risada e se vira pra mim.
— Eu tenho certeza que não – ele fala com ironia e puxa a mochila, ele está com aquele sorriso idiota, então apenas viro as costas e saio batendo a porta, paro no corredor ainda mais irritada com ele e penso em voltar e dizer que não vou a lugar algum com ele, só que alguma coisa me impede, talvez seja a curiosidade em saber qual a história por trás de toda essa ironia, eu respiro fundo e vou pro atual quarto do Vinny entro sem bater e não o vejo na cama, vou até o meio do quarto e ele está no banheiro, a porta está aberta então vou até lá, ele está fazendo a barba de frente pro espelho, mesmo que ela estivesse apenas começando a aparecer.
— Prefiro com barba.
— Eu prefiro você loira – faço uma careta, uma vez eu fiz a loucura de pintar meu cabelo de loiro e mal conseguia me olhar no espelho, eu fiquei tão branca que parecia doente, mas o Vinny adorou, por isso deixei por um mês até voltar a cor dele original.
— O avô dele ligou pra cá hoje. Eu acho que ele está aqui... Escondido. Aliás pelo que o velho me disse, eu tenho certeza que está – ele me olha esperando que eu diga mais alguma coisa – Eu sei, também não entendi nada, mas ele me fez jurar que não te falaria nada com medo de você contar pra sua mãe e ela contar pro pai dele – ele suaviza o olhar e vira de frente pra mim.
— E qual é a história?
— Ainda não sei! Ele disse que só conta se eu levar ele na trilha, por que ele quer conhecer o lugar antes de ir embora...
— Ele já me pediu um monte de vezes, mas sempre tem alguma coisa pra fazer e eu acabo desmarcando.
— Bom, parece que sobrou pra mim – faço uma careta e ele ri.
— Posso te pedir uma coisa? – espero ele falar – Não pega tanto no pé do cara. Ele é legal – reviro os olhos – É sério, é que você nunca deixa ele falar, mas esses últimos dias a gente andou batendo um papo e tal, o cara é maneiro, só... Sei lá, ele sempre parece esconder alguma coisa mesmo.
— Tipo?
— Não sei! Deve ser esse lance da família, mas seja o que for, não é coisa boa. Escuta a história do cara antes de maltratar ele, pode ser?
— Não posso prometer – ele sorri – Eu vou dormir aqui – aviso indo até a cama dele e pegando um travesseiro, ele sai do banheiro e ri quando me jogo na cama abraçando o travesseiro.
— Se você roncar eu te jogo pra fora da cama.
— Eu não ronco – ele faz careta e morde minha bochecha, eu o empurro.
— Eu tenho que acordar cedo – ele avisa e beija minha testa – Boa noite – puxo o cobertor pra cima de nós dois e ele se ajeita no lado dele da cama, me inclino sobre ele e beijo sua testa.
Acordo bem cedo e ele ainda está dormindo com a perna em cima de mim, sorrio mas saio da cama, aproveito e envio e-mails e documentos que não podiam esperar e então tomo um banho, arrumo minha mochila e saio do meu quarto com um short jeans curto, uma camiseta vermelha, meu tênis e um boné preto com flores coloridas.
— Bom dia!!! – Rafael me recebe na cozinha com uma animação exagerada, eu olho pronta pra reclamar e então ele me estende uma caneca, eu pego e o café está quente – O Vinny me emprestou o carro – faço uma cara de surpresa, mas eu desconfiei que ele fosse fazer isso, quando olho para o balcão tem pães, frutas e torrada – Achei melhor a gente comer bem antes de ir...
— Você não é tão idiota quanto eu pensava.
— E você não é tão educada quanto eu pensava – faço uma careta, mas tomamos café juntos, quando acabamos ele vai buscar a mochila dele, volta, pega algumas coisas pra gente comer lá e levanta as chaves pra mim.
— Antes de sair vamos esclarecer alguns pontos... A guia sou eu, então eu mando e você obedece – ele ri.
— E já não é assim desde sempre?
— Eu falo anda, você anda. Para, você para. Se eu disser vire a esquerda e você achar que é a direita, guarde seus pensamentos pra você e vire a esquerda, ok? – ele fica em pé mais reto e coloca a mão na testa como se estivesse em um quartel, eu reviro os olhos e passo por ele, abro a porta e saio do apartamento.
— Também está ansiosa pra ficar sozinha comigo numa montanha... – ele fala com a voz baixa e próxima do meu ouvido.
— Eu ainda posso dar meia volta e entrar no apartamento de novo – ele faz um sinal de silêncio.
Eu vou ensinando o caminho pela estrada e pra minha surpresa ele não reclamou, nem discordou de mim em nada, mesmo quando eu disse para entrarmos em uma rua que era sem saída, ele apenas riu, manobrou e continuou seguindo minhas orientações, eu indico o lugar para que ele estacione o carro e nós descemos a alguns metros do inicio da trilha.
— Pronto? – pergunto já ajeitando minha mochila nas costas então nós começamos a caminhar, a trilha não é totalmente limpa então alguns galhos acabam nos acertando e algumas vezes arranhando, mesmo assim essa é a parte fácil, depois de quase quinze minutos andando, ele para.
— Tem certeza que você sabe mesmo chegar lá em cima né? – eu também paro com as mãos na cintura.
— Praticamente minha infância e adolescência foi aqui, meu pai sempre trazia a gente, então sim, eu conheço o lugar
— Ah, mas isso deve fazer muito tempo. Quantos anos você tem? Uns 30? – eu o olho meio irritada.
— 23 – ele finge uma cara de surpresa.
— Com o humor que você tem, a culpa não é minha ter errado.
— Vai se ferrar – viro as costas e volto a caminhada, alguns metros depois e ele desvia do caminho indo para a lateral – O que você tá fazendo? É pra seguir a trilha – paro e espero ele voltar.
— Vai ser mais fácil seguindo o fluxo da agua, a cachoeira tá aqui do lado, se a gente seguir por ela...
— Você pode levar um tombo entre as pedras, além do mais vai estragar toda magia da coisa. Se você alcançar a cachoeira daqui, você já vai ter visto a paisagem, mesmo que não com a visão completa, ainda assim estraga a surpresa – ele abre um sorriso grande demais.
— Então você quer me fazer uma surpresa?
— Cara, você não desiste nunca?
— Eu não sou de deixar uma oportunidade passar – ele fala rindo e já se juntando a mim na trilha novamente.
— Você tem problemas, isso sim.
— Talvez eu tenha mesmo – ele fala de um jeito meio misterioso, então passa por mim – Você não vem?
 - E você, quantos anos você tem?
— Sua mãe nunca ensinou que uma dama não deve perguntar a idade de um cavalheiro?
— Ótimo, por que nem de longe você é um cavalheiro – ele solta uma risada alta e divertida.
— E ninguém deve ter te confundido com uma dama – ele devolve e eu dou de ombros – 25.
— E eu que sou a velha? – ele espirra agua da garrafa que estava segurando em mim – Super maduro – ele ri e para pra beber agua, me oferece, eu aceito e enquanto eu bebo ele tira a mochila, coloca no chão e então tira a camisa, como ele está de frente pra mim é meio que impossível não olhar, ele pendura a camisa na bermuda que ele está e ainda se alonga demoradamente, esticando os braços para os dois lados e depois alongando-os atrás da cabeça o que faz o corpo dele ficar ainda mais exibido, o abdômen parece que tem photoshop de tão definido, a tatuagem também fica mais destacada e dessa vez consigo observar que ela tem alguns pontinhos vermelhos espalhados.
— Porra, esse calor tá de matar... A vista tem que ser muito boa – ele estica a mão pedindo a agua de volta.
— É sim, é muito lindo... Lá de cima e tal! É, bem legal, ainda não encontrei ninguém que não gostasse...
— É bom você ter razão – ele pega a mochila do chão, joga nas costas de novo e então voltamos a caminhada, dessa vez não paramos mais e finalmente conseguimos alcançar o topo da serra, seguimos para a lateral do lugar, tomando cuidado com algumas pedras e então a visão da cidade inteira é toda nossa, por mais que eu já tenha vindo aqui dezenas de vezes ainda sinto meu coração disparar e um sorriso grande demais aparecer no meu rosto, é a visão mais perfeita que eu já vi, caminho até mais perto da beirada, próximo onde se começa o véu da noiva, a agua desce com força e lá embaixo um poço fundo de agua esverdeada é uma visão de tirar o folego, olho pro lado e Rafael pela primeira vez não está com um sorriso irônico e sim um deslumbrado, como se ele tivesse acabado de descobrir algo muito precioso e a verdade é que ele descobriu.
— Eu disse que era incrível – sorrio orgulhosa.
— É mais do que incrível, é... Perfeito – ele olha pro céu e respira fundo, depois volta a olhar pra frente, deixo-o admirando o lugar e me afasto alguns passos, eu vou para o lado oposto e me sento, tiro a mochila das costas, dobro minhas pernas e olho pro céu, um sorriso desliza nos meus lábios enquanto eu tento me adaptar a todas as emoções, é uma mistura de gratificação, satisfação, orgulho e alegria por ver algo tão lindo, mas ao mesmo tempo um sentimento de saudade, vazio e solidão, por que ainda me lembro perfeitamente como foi trazer o Felipe aqui pela primeira vez, nós não viemos sozinhos, meu pai nos acompanhou por que ainda éramos “muito novos”, mesmo assim foi um dos dias mais incríveis da minha vida, o sorriso no rosto dele, o modo como ele ficou encantado, em como ele tirou dezenas de fotos nossa aqui, tudo foi lindo, ele me prometeu que no dia que tivéssemos um filho ou uma filha faríamos um piquenique aqui no topo, só nós três, ele parecia realmente decidido e eu tenho certeza que isso teria acontecido.
— Tô falando com você – a mão balança na minha frente e isso me distrai, olho pro lado e Rafael está me olhando meio preocupado – Tá tudo bem? – ele pergunta e forço o melhor sorriso que consigo.
— É que eu amo esse lugar – ele também sorri e se senta ao meu lado, abraçando as próprias pernas, ficamos em silêncio alguns minutos, cada um perdido em seus próprios pensamentos.
— Eu passei minha vida inteira procurando por isso – eu o olho e ele está concentrado demais – Essa sensação de liberdade que eu estou sentindo agora – é quase inacreditável a sinceridade com que ele fala, como se esse fosse um outro Rafael.
— Você morou sozinho, viajou...
— Mas nunca me senti livre, não como agora – ele me olha como se decidisse algo importante, volta  a olhar pra frente, respira fundo e solta o ar – Você queria a história, então teremos a história – ele garante com um sorriso, mas nem de longe é um sorriso alegre, é um daqueles que você força pra não ter que explicar todas as razões que te fazem não estar bem, conheço perfeitamente, essa tem sido minha técnica há anos – Meus pais se separaram quando eu tinha uns sete anos. Meu pai saiu de casa, ele e meu avô nunca se deram bem e a coisa ficou pior quando ele se separou da minha mãe, por que meu avô não admitia ter uma filha divorciada, então eles meio que entraram em guerra. Meu avô é rico, rico mesmo, rico do tipo “consigo impedir você de ver seu filho se não fizer o que eu quero “ e bem... Meu pai não fez – ele solta uma tentativa de sorriso, mas o fecha rapidamente – Eu e minha mãe ficamos morando na casa do meu avô por alguns meses, até que com todas as regras que ele exigia, minha mãe não aguentou e saímos de lá, moramos em hotel por algumas semanas e então ela se casou de novo... Assim, do nada, apenas apareceu com o cara e eles se casaram depois de uns dias e nos mudamos pra casa dele, uma casa gigante na verdade... Isso durou um pouco menos de um ano, até que terminaram e voltamos para um outro hotel... Pra não deixar a história mais longa ainda, depois disso ela se casou de novo... Mais duas vezes, em menos de 3 anos, meu avô desistiu dela e de tentar fazer ela pensar no bem do nome da família, até que fomos morar com o marido número 3 na Alemanha, eles duraram uns 2 anos e então veio outro casamento, nos mudamos pra China e acredita em mim, não tem nada pra um adolescente sem amigos fazer na China – ele brinca fingindo tédio, eu forço um sorriso – Quando eu tinha 14 anos ela separou desse e arranjou o quinto marido, então nos mudamos pra Bósnia... É, eu também não sabia onde ficava – ele brinca e ri – Enfim, eu já estava cansado de ficar nesse vai e volta e esse cara que ela tinha arranjado era um completo idiota, ele não aceitava o fato de eu ter que morar com eles e fazia questão de mostrar isso, então eu estava de saco cheio... Eu ia fazer 15 anos, não conseguia fazer uma amizade decente ou me adaptar a uma escola por que ela trocava de marido todo ano e eu cansei daquilo tudo, foi quando eu tive a brilhante ideia de ligar pro meu avô, eu disse a ele que não queria mais ficar com a minha mãe, eu pedi, aliás, eu implorei pra que ele me buscasse, 24 horas depois ele estava na porta da nossa casa na Bósnia, minha mãe reclamou, mas quando ele disse que ainda mandaria o dinheiro da minha mesada pra ela, rapidamente ela achou a ideia boa – ele remexe em uns matinhos que estão próximos aos seus pés – Bom, depois disso as coisas simplesmente ficaram fáceis e simples, morar com meu avô era perfeito, ele me colocou em uma ótima escola, eu fazia natação, judô, Karatê, basquete, tinha aulas de todas as línguas que eu quisesse, embora dentro de casa eu não tivesse o que fazer, quando eu estava fora, as coisas eram boas, eu tinha qualquer coisa que eu pedisse... Quando eu fiz 18 anos, ele me deu um ano pra fazer o que eu quisesse, junto com um cartão de crédito sem limite e dinheiro a vontade, eu estava namorando na época, juntei mais uns dois amigos da escola e fui viajar com eles três, a viagem estava perfeita, a gente se divertia até de manhã, não tínhamos horários, regras, nada, era a vida que qualquer garoto de 18 anos poderia querer, a não ser... Que ele pegasse a namorada dele transando com um dos seus “melhores amigos” – ele faz as aspas com o dedo.
— Não acredito – não consigo segurar o horror e ele sorri.
— Por um minuto eu também não, mas foi a única explicação pra eles estarem sem roupas e ela montada em cima dele – ele tenta colocar humor nisso, mas eu não sorrio – Enfim, a gente brigou, brigou feio mesmo, ameaçaram chamar a policia, ela disse que sentia muito mas que tinha se apaixonado por ele, ele por outro lado disse que não era nada demais, só um “lance”, então eu virei as costas, juntei minhas coisas, fui pro aeroporto e comprei uma passagem pra qualquer destino que estivesse disponível, desci do avião em Boston, eu não sabia direito o que ia fazer, por que eles eram as únicas pessoas que eu confiava, então fiquei meio perdido, daí eu lembrei que a ultima vez que eu tinha ouvido falar do meu  pai ele estava em Boston, eu joguei na internet, achei o prédio e apareci lá, ele estava em reunião, eu esperei e quando ele me viu mal conseguiu acreditar, claro que não teve aquele encontro dramático com choro e abraços demorados, essas coisas só acontecem na televisão pra aumentar a audiência, na vida real quando você passa 10 anos da sua vida sem ver uma pessoa as coisas ficam estranhas, vocês são completos desconhecidos um pro outro e era assim que nós estávamos... Ele me levou pra almoçar, perguntou o que eu estava fazendo lá e a verdade era que nem eu sabia, então eu menti, disse que estava fazendo um curso em Boston e que aproveitei pra saber como ele estava, ele pareceu bem feliz, disse que poderíamos nos ver mais vezes, que ele sentia minha falta, que sempre pensava em mim e então pra mim, naquele momento aquilo foi suficiente...  Alguém que pensava em mim – sinto um nó na garganta, ele puxa o ar e passa as mãos pelo cabelo, mas logo volta a falar - Eu passei o resto dos meses em Boston, meu pai continuou pensando que eu estava fazendo um curso e meu avô que eu estava curtindo as férias prolongadas, eu e meu pai nos encontrávamos praticamente todos os dias, aos poucos nossa ligação se formou, e eu vi a falta que ele me fez durante todos os anos que passaram e eu decidi que não ia perder aquilo, mas quando eu voltei pro Brasil meu avô já tinha feito um cronograma da minha vida, eu estudaria nos Estados Unidos, faria minha especialização em Londres e então voltaria pra assumir a empresa dele, eu tentei argumentar mas foi inútil, ele me lembrou que foi escolha minha morar com ele e que ele não pensou antes de me ajudar, portanto, agora era a minha vez de retribuir, então eu fui pra Universidade nos Estados Unidos, o lugar era perfeito, era como viver num filme americano, as garotas, as festas e foi até fácil me acostumar com o lugar, era tudo incrível, eu continuei mantendo contato com meu pai escondido do meu avô e as vezes em feriados nos encontrávamos e as coisas iam bem, eu me formei, voltei pro Brasil e meu avô de alguma forma descobriu que eu falava com meu pai então tudo ficou complicado, ele me acusou de trair a confiança dele, de jogar fora tudo que ele tinha me dado, que eu era ingrato e tudo mais, então me deu uma sentença, eu poderia continuar falando com meu pai, mas então esqueceria que tinha um avô e eu estava quase tentado a aceitar quando ele completou dizendo que uma das maiores empresas que tinha contrato com a do meu pai, era de um grande amigo dele e se eu escolhesse meu pai, então ele conseguiria o rompimento do contrato no dia seguinte – eu mal consigo acreditar em tudo isso – Eu aceitei, fui pra Londres, mas não conseguia... Não conseguia mais não ter ninguém do meu lado. Meu avô me deu tudo, mas só dinheiro, eu nunca tinha ninguém se preocupando com o que eu realmente queria fazer, mas meu pai sim, todas as vezes que eu falava com ele, ele queria saber de mim e não jogar uma lista de deveres na minha cara e então eu menti pro meu avô, continuei com contato com meu pai, nos falávamos algumas vezes por semana, ele já estava morando no Brasil e em uma das visitas eu conheci a mãe do Vinny, ela é ótima também e quando meu curso em Londres terminou eu disse pro meu avô que estava muito ansioso pra começar o trabalho que estava com muitas ideias, mas ao mesmo tempo estava um pouco inseguro pra comandar a empresa inteira e que tinha um outro curso que eu queria muito fazer, mas que demoraria pelo menos um ano, ele ficou tão animado em achar que eu queria mesmo o cargo que não se importou... Então eu disse pro meu pai que meu avô tinha me liberado pra pensar um pouco melhor no que eu queria fazer da vida, ele se surpreendeu, mas não questionou, eu disse que iria viajar um pouco, conhecer gente nova e foi então que a mãe do Vinny teve a ideia que eu viesse pra cá, pr estreitar os laços... E então, aqui estou eu – eu levo alguns segundos pra conseguir formar um pensamento.
— Então você está aqui fugido do seu avô enquanto seu pai acha que você está apenas curtindo umas férias?
— Em um resumo? Sim, exatamente isso.
— E depois? Ou você planeja passar a vida inteira assim? – ele dá de ombros olhando pra frente – Rafael, o que você realmente veio fazer aqui? O que você espera disso? – ele respira fundo, remexe um pouco de terra, limpa as mãos e então me olha.
— Eu não sei – seu olhar é tão perdido quanto sua voz, ele está sendo sincero e qualquer pessoa que o olhasse agora o veria tão perdido quanto uma criança abandonada – Eu realmente não sei, eu... Acho que gostei da ideia de ter um irmão – ele abre um pequeno sorriso – E o cara é legal, acho que a gente se deu bem.
— É, ele gostou de você – confesso e ele parece animado com isso – Só não sei por que – implico e ele ri.
— Eu acho que agora morando com vocês, vendo vocês três, eu... Sei lá, é legal ter uma vida assim –não é auto piedade que tem na sua voz, é algo parecido com admiração – Acho que agora eu só queria ficar perto dessa coisa que vocês tem.
— Isso se chama amizade.
— É bem diferente da que eu conheço – isso me deixa sem palavras – Eu só não sei como meu avô me achou aqui.
— Não importa, o que importa é o que você vai fazer a partir de agora – ele me olha e seu sorriso é apenas um traço reto e sem vida.
— Eu já comprei minha passagem – ele revela e isso me pega de surpresa – Eu vou embora na sexta e então tudo volta pros seus lugares – ele se levanta, esticando os braços pra cima.
— Você não pode ir embora – falo completamente contrariada por essa decisão, eu também me levanto e quando o olho ele está sorrindo.
— Então você quer que eu fique? – sua voz volta a toda sua ironia, eu reviro os olhos.
— Se você for agora seu avô vai te controlar pro resto da sua vida e mesmo se tratando de você, acho que não desejo esse tipo de vida pra ninguém – ele fecha o sorriso e dá de ombros.
— Eu sobrevivo.
— Mas não vive – a afirmação o faz parar – Escuta, você ainda era criança, pediu ajuda pra ele e ok, ele é seu avô deveria mesmo ter te ajudado, mas já passou, já foi, ele não pode exigir nada em troca disso...
— Ah, ele pode
— Não Rafael, ele não pode! É a sua vida, ninguém pode viver ela por você. Meu Deus como você consegue ser tão idiota? Você tem uma única chance pra ser feliz e o que você faz? Abaixa a cabeça e obedece como um cachorrinho? É a sua vida e não a dele.
— Ele pode prejudicar meu pai. Você ouviu alguma coisa que eu disse? – ele também se exalta.
— Ouvi! Ouvi a história de um cara que está usando essa história de proteger o pai pra não admitir que é um grandíssimo de um medroso.
— Medroso?
— É! Um medroso covarde.
— Quer saber? Vai se ferrar! Você não sabe nada sobre mim – ele começa a juntar suas coisas – VOCÊ OUVE UMA HISTÓRIA E ACHA QUE TUDO É ASSIM, SIMPLES. VOCÊ NÃO TEM NOÇÃO DE TODA A PRESSÃO QUE É ISSO TUDO OK? VOCÊ NÃO SABE O QUE É SABER QUE SEU PAI PODE PERDER TUDO O QUE ELE CONSTRUIU POR CULPA SUA – ele já está gritando, mas isso não me intimida.
— NÃO É CULPA SUA – eu grito mais alto e ele para de falar – Esse é o ponto. Nada disso é culpa sua. Foram escolhas que eles fizeram... Sua mãe, seu pai, seu avô e não é você quem vai consertar tudo. Se seu pai perder o contrato, paciência, vai ter que conseguir outro, mas eu tenho certeza que se ele realmente se preocupa com você do jeito que você disse, ele não está nem aí pra isso e mesmo que ele se importe, FODA-SE eles! Foda-se todo mundo! É a sua vida – agora ele está parado me olhando como se nunca tivesse me visto antes ou como se eu fosse alguma louca, acredito que seja a segunda opção, eu solto o ar e me controlo – Você não vai resolver nada voltando e aceitando as ordens do seu avô. Hoje é seu pai, amanhã ele vai achar alguma outra coisa pra te ameaçar, não vai ter fim.
— Tudo que eu tenho é dele – sua voz é baixa.
— Então já passou da hora de você ter as suas coisas... Eu sinto muito pelo que eu vou falar, mas seu avô não fez isso por que te ama, ele fez por que queria o poder sobre você.
— E o que você faria no meu lugar? – ele parece confuso.
— Eu ligaria pra ele, diria que a partir de agora quem escolhe com quem eu devo ou não falar sou eu, que agora a minha vida está sob minha direção e se ele não aceitar... Paciência! Existem milhões de forma de ganhar dinheiro...
— E meu pai?
— Explica o que aconteceu, eu tenho certeza que ele vai entender e caso não entenda, essa continua sendo a sua vida e entenda uma coisa... – me aproximo dele, parando a apenas alguns poucos centímetros – Ninguém nunca desistiria da própria felicidade por você, do mesmo jeito que você não deve fazer isso por ninguém... E caso você abra mão disso vai passar a vida inteira perguntando “e se” e acredita em mim, não existe nada mais torturante do que um “e se” – ele sorri.
— Bem que o Vinny disse que você meio que tem super poderes pra convencer as pessoas – ele fala de um jeito divertido.
— Eu sou realista, é diferente.
— Eu nem saberia pra onde ir...
— Como assim, pra onde ir? – pergunto confusa – Você continua aqui com a gente – ele abre um sorriso e antes que ele fale já sei o que é – Pelo menos por enquanto – conserto, mas já é tarde demais.
— Você não quer mesmo que eu vá né?
— Eu só estou falando que se você precisar de alguma coisa, nós estamos aqui, só isso – me afasto tentando me livrar da vontade de sorrir e abraça-lo.
— Então você quer ser minha amiga? – reviro os olhos, mas olho pra ele.
— Não estava na minha lista de top 10, mas acho que isso deve contar como boa ação – ele ri e dá de ombros.
— Não sei se sou bom nisso... Eu nunca tive amigos. Quer dizer, amigos que não comem a minha namorada e acobertam quem faz isso – ele fala como uma piada e mesmo sendo totalmente idiota e cruel, eu também acabo rindo.
— Você é um babaca – ele ri – E não se fala “comendo” e mulher na mesma frase.
— Então se eu disser: “Olha aquela mulher está comendo uma maçã!” Então é errado? – ele me desafia.
— Você entendeu! Dizer coisas do tipo: “Ele comeu aquela garota!” É idiota, machista e nojento.
— É só um modo de falar
— Não, não é! Se eu dissesse: “Nossa, ontem a noite eu comi aquele cara!” O que você pensaria?
— Que eu queria ser aquela cara – ele me dá uma piscada.
— É sério, eu desisto! Pega seu avião e volta pro seu avô, por que minha cota de boa ação já foi atingida – levanto as mãos e ele ri.
— Um mergulho? – ele pergunta apontando a queda d’agua.
— Você não está pensando em pular daqui, está?
— Eu sou um babaca e não um suicida! Estava pensando em descer e ir naquele lago ali embaixo – ele aponta, eu faço uma careta, então ele se aproxima e tira o boné da minha cabeça, colocando nele mesmo, eu passo as mãos ajeitando meu cabelo.
— Você fica melhor assim – eu ignoro, pego a mochila e descemos em direção ao lago, subimos em uma grande pedra e deixamos nossas mochilas sobre ela, então tiro meu tênis, minha meia, me sento na pedra e tiro minha camiseta, ficando com o sutiã do biquíni que também é vermelho, ele está a apenas um passo de distância e de costas pra mim, então ele tira a bermuda, revelando uma sunga branca, eu olho pro outro lado e o evito, fico em pé e tiro meu short, ele avisa que vai pular e antes que eu avise que o poço é fundo ele dá um salto e desaparece, espirrando a agua gelada pra todo lado, a agua é cristalina e posso ver ele nadando até o meio do poço, então ele submerge.
— Tá gelada.
— É, percebi quando você se jogou e espirrou agua pra todo lado – falo tentando parecer irritada e então ele joga ainda mais agua em cima de mim, como resposta eu também pulo na agua que está realmente muito gelada, eu mergulho até próximo a queda d’agua e quando subo a superfície encontro ele quase do meu lado.
— Eu fico – ele me olha com um sorriso.
— Problema seu – finjo indiferença, mas acabo sorrindo, ele ri e então nós mergulhamos novamente.
A água gelada consegue afastar um pouco do calor, mas o sol começa a esquentar ainda mais, conseguimos uma sombra em uma das pedras, embaixo de uma arvore e ele traz nosso lanche que serve de almoço.
— Então você não era do tipo garotinha quietinha... – ele fala rindo e apontando para a cicatriz nas minhas costelas.
— Isso não foi nada – falo ríspida e sem querer tocar no assunto, por sorte ele não insiste e luto pra afastar todas as lembranças que me trouxeram essa cicatriz, enquanto ele me conta uma das dezenas de histórias dele na Universidade, ele fala de alguma garota que ele estava “pegando”, mesmo que eu tenha dito que esse tipo de vocabulário é horrível, me distraio sem querer saber dos beijos dele ou de como eles deram um “amasso” no banheiro do Campus. Acabo me lembrando do dia que eu e Lipe viemos aqui sozinhos pela primeira vez, ele estava todo preocupado em meu pai descobrir e acabar brigando com ele e tentou me fazer mudar de ideia por todo o caminho, eu tentei acalmar ele dizendo que não era nada demais, apenas um passeio, mesmo assim ele estava nervoso, mas quando alcançamos a cachoeira e eu tirei minha roupa ficando apenas de calcinha e sutiã rapidamente ele parou de reclamar, eu pulei na agua e antes que eu voltasse a superfície senti os braços dele na minha cintura, foi um dos melhores dias da minha vida, passamos cerca de duas horas aqui e eu me lembro de cada segundo, assim como lembro dos beijos, de como ele me olhava com aquele sorriso doce e carinhoso, lembro dele rindo por que eu gritei desesperada por que vi um sapo, lembro de como ele se desculpou por ter rido, de como ele sempre me fazia me sentir única e especial, e em como pra mim ele sempre foi assim também.
— Dani? – me assusto e olho pro lado rapidamente, Rafael está me olhando meio curioso – Você não ouviu nada que eu disse né?
— Claro que eu ouvi! Você. Garota gostosa. Banheiro. Amasso. Sem calcinha. Outro amasso. Pegação. Enfim, não me obrigue a repetir tudo por que eu tenho alguns limites...
— O que você faz pra se divertir? – ele pergunta rindo.
— Não saio por aí entrando em banheiros com o primeiro cara bonito que eu vejo
— Hum, então você me acha bonito... – eu o encaro.
— Eu não estava falando de você
— Eu acho que estava sim
— Aí é um problema seu e não meu
— Eu te acho bonita! Aliás, muito bonita...
— Eu não perguntei sua opinião – a risada dele é tão alta que eu acabo sorrindo orgulhosa.
— Você não respondeu minha pergunta...
— Eu saio, com o Vinny, a Lia! Eu leio, luto, vejo filmes...
— Não, não... Eu estou falando de se divertir, como uma jovem irresponsável
— Eu me divirto fazendo essas coisas – ele me olha meio desconfiado.
— Sabe o que eu acho? Você precisa de mais emoção na sua vida – solto uma risada irônica.
— Sabe o que eu acho? Que não me importa o que você acha – falo e me levanto – E já está ficando tarde – aviso indo em direção as nossas mochilas.
— Só mais 10 minutos – ele pede e antes que eu negue ele agarra minha cintura e me joga na agua junto com ele.
— Nunca mais faz isso – eu brigo irritada enquanto empurro ele que está rindo – Isso não é brincadeira, eu poderia ter me afogado.
— Eu não ia deixar você se afogar – ele fala orgulhoso de si mesmo, eu o empurro mais uma vez e me afasto.
— Eu odeio esse tipo de brincadeira.
— Ok, desculpa! Não faço mais – ele levanta as mãos – Mas a gente pode ficar mais 10 minutos? – eu olho pro céu e ainda está bem claro, então reviro os olhos e mergulho.
— Sabe, você não é tão durona quanto parece – ele fala enquanto eu me sento na pedra onde estão nossas coisas, eu o encaro duvidando – Você tem todo esse mal humor aí, mas no fundo tem bom coração. Você até se compadeceu da minha história
— Eu só não acho certo o que seu avô está fazendo – ele dá impulso e sobe na pedra ao meu lado, ele se senta e passo o braço em volta dos joelhos – Ele vai fazer um inferno quando eu falar com ele.
— Você viveria um inferno todo dia se aceitar o que ele quer – ele me olha avaliando.
— Ele deve bloquear meus cartões e cortar meu dinheiro então não vai ter como eu continuar ajudando...
— Não tem que se preocupar com isso agora – ele abre um meio sorriso – Até por que isso é só por enquanto, eu tenho certeza que você vai arranjar um emprego logo, logo...
— É, mas tem que ser um emprego a minha altura né?
— Tem que ser um emprego que te pague pelo menos um salário.
— Um salário? – ele parece realmente chocado.
— Bem vindo a vida – eu sorrio orgulhosa.
— Você vai adorar me ver como um assalariado né?
— HÁ não duvide disso – eu falo sorrindo bem satisfeita com a possibilidade, ele também sorri, mas a verdade é que eu só quero que as coisas deem certo pra ele.
— Vou tentar arranjar algum com uniforme só pra te ver sorrindo assim de novo...
— Arranje um que pague sua parte das contas e o sorriso será maior ainda – dessa vez ele solta uma gargalhada divertida – Fim dos 10 minutos – anuncio e me levanto, ele faz uma cara feia, mas acaba se levantando também, juntamos nossas coisas, nos vestimos e começamos a descida da trilha, dessa vez parece mais rápido, até por que o sol já está quase se pondo e o calor não está mais intenso, além do que andamos mais rápido pra não escurecer enquanto ainda estamos pela mata, nós andamos enquanto conversamos sobre o que ele deveria fazer a partir de agora e não existem piadas, nem ironia, apenas uma conversa normal, alcançamos o carro e eu jogo a mochila no banco de trás, sento no meu lugar, coloco o cinto e ele sai com o carro, coloco uma música e ele reclama, , mesmo assim eu deixo tocar, então entramos num papo de gosto musical e embora sejamos diferente em praticamente tudo descubro que ele é tão fã do Nando Reis quanto eu e me empolgo com isso já que Vinny não curte muito e eu sempre preciso de um esforço excessivo pra conseguir colocar uma das músicas dele, então coloco uma das minhas preferidas “Não vou me adaptar”.
— Caralho! A melhor música! – ele fala e eu sorrio concordando e então o carro vira um estúdio, por que nós cantamos junto com a voz que quase já não é ouvida, ele ainda faz uma performance que ele garante dar mais sentimento a música, eu acho apenas idiota, mesmo assim não consigo evitar rir, ele finge que a mão é um microfone e fica colocando pra mim, nos empolgamos ainda mais no refrão e rimos quando percebemos que já estamos muito mais adiantados do que a música, então quando essa acaba ele escolhe a próxima, passa por várias até achar “Marvin”, a minha segunda preferida, novamente o show estava no seu máximo quando chegamos ao cruzamento que nos liga a cidade.
— Vira a direita – eu aviso parando de cantar rapidamente e apontando pra direita.
— Mas a esquerda não é aquela que sai perto do centro já? Nessa a gente vai dar maior volta – ele reclama dando seta a esquerda.
— Rafael, vira a direita – eu exijo começando a ficar nervosa.
— A gente vai perder uns 40 minutos...
— VIRA A DIREITA – eu grito quando ele entra a esquerda – RETORNA – eu exijo ainda gritando.
— Eu sei o caminho, daqui já dá pra ver aquele prédio lá do centro, é mais rápido – ele continua seguindo pela rua, meu coração está tão acelerado que sinto que pode simplesmente parar de funcionar, o tremor começa nas minhas mãos e então se espalha pra todo meu corpo, a alguns metros eu vejo o barranco que agora está com uma proteção, a arvore no fundo dele ainda está lá, meu desespero aumenta conforme nos aproximamos.
— Se você não parar eu pulo do carro –ele ri.
— Tá, então pula – antes que ele termine a frase, eu tiro meu cinto e abro a porta, ele freia rápido.
— Você é maluca? – eu pulo do carro que já está parado e saio correndo o mais rápido que consigo – Você podia ter se machucado – ele briga comigo parecendo irritado e eu só paro quando volto até antes do cruzamento, eu vou pro acostamento e me jogo ajoelhada no chão, meus joelhos doem e sinto que machuquei eles mas não me importo, eu apenas começo a chorar, por mais que eu odeie chorar, eu choro tanto que meu corpo treme cada vez mais forte, eu mesma consigo ouvir meu soluço e a dor no meu peito parece que irá rasga-lo, eu ainda me lembro perfeitamente da ultima vez que passei por aquela estrada e foi também a ultima vez que eu estava completa, com todos os meus pedaços – Dani, o que foi? – a mão toca meu ombro e eu me esquivo rapidamente, eu me arrasto no chão, sento e aperto meus braços ao redor das minhas pernas – Dani! – ele chama mais uma vez, dessa vez a mão escorrega pelos meus cabelos – Tá tudo bem! Sou eu, o Rafael.
— SAI DAQUI – eu exijo e empurro a mão dele com força – SAI DAQUI – mas ele não se afasta.
— Eu não vou te deixar aqui sozinha – então eu me levanto enxugando meu rosto e saio a passos fortes, entro na rua a direita e simplesmente começo a andar.
— VEM PRO CARRO – ele grita e eu não olho pra trás, continuo andando, as lagrimas ainda escorrem e eu as deixo escorrer, solto um som engasgado e aperto meus olhos tentando me livrar de todas as imagens que aparecem na minha frente.
O carro capotado. Tudo fora do lugar. Sangue. Meu sangue. O sangue dele. O modo como ele me olhou. Seus olhos se fechando.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Superando o passado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.