Nós escrita por Matheus Gama


Capítulo 3
Deus não deu asa à cobra, mas Léo deu


Notas iniciais do capítulo

Postando sem revisar, então, já peço desculpas pelos eventuais erros que vocês podem encontrar.
Boa leitura!

(POV Humberto)



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— Tá acabando aí? — Por incrível que pareça, terminei de lavar o banheiro antes do Léo terminar seus afazeres na cozinha.

— Sim — respondeu, olhando-me por cima do ombro enquanto secava as louças. — Vai indo arrumar a sala.

— Acho melhor eu ir no mercado e enquanto isso você termina aqui e depois vai pra sala.

Ainda haviam algumas coisas que precisavam ser compradas para o almoço ser preparado, então ganharíamos muito mais tempo se eu fosse logo fazer as compras e ele cuidasse da casa enquanto isso.

— Não tá querendo fugir não, né? — Apesar do olhar desconfiado que ele tinha, o tom de voz que usara era brincalhão.

— Ah, você descobriu! — brinquei, aproximando-me dele. — Sou só eu não querendo limpar a casa.

É claro que fazer faxina estava longe de ser algo que eu gostava de fazer, mas não tinha nada a ver com fuga e nem com preguiça. O problema era que uma caminhada até o mercado mais próximo seria uma perda de tempo desnecessária, sem contar o tempo que seria perdido na fila. Ainda mais naquela faixa de horário, que as filas de mercado costumam ser quilométricas.

— Eu vou de bicicleta, vai ser rapidão. — Dei-lhe um beijo na bochecha. — Qualquer dia te ensino a andar também... Ou te dou uma com rodinhas.

Ele já tentara aprender uma vez, mas não tinha o menor equilíbrio e, depois de algumas quedas, desistiu.

Até hoje tiro sarro dele por isso.

— Vai logo. — Ele pegou um dos pratos ainda molhados e o balançou na minha direção, fazendo respingar água em mim, e começou a rir.

A ida ao mercado exigiu muito de mim, não queria nem carregar a cesta de compras. Nem era drama, só estava muito calor, então qualquer coisinha que a gente faça, já é exaustivo. Tudo piorou porque me senti numa competição: muita disputa para selecionar os melhores itens da seção de Hortifruti, muita atenção para não esbarrar em ninguém, principalmente para desviar daqueles carrinhos aparentemente desgovernados, e muita correria para alcançar o melhor lugar nas filas. E mesmo o melhor lugar não parecia muito bom.

A espera em si já estava me irritando; pra piorar, ainda tive que ouvir um homem ao lado dizendo que queria ser mulher porque qualquer uma pode alegar gravidez para utilizar os caixas preferenciais em mercados e bancos. Ainda terminou dizendo que ser mulher deve ser super fácil porque as mulheres têm privilégios na vida e tudo é questão de saber usar o cérebro.

Só questão de usar o cérebro… como se ele pudesse usar algo que, aparentemente, ele nem tinha. Tsc, tsc.

Até pensei em rebater aqueles comentários totalmente sem sentido, mas meu celular vibrou no bolso.

[16/6 10:27] Léo: Já tá vindo?

[16/6 10:27] Léo: Se for demorar, eu já vou sair

E então recebi uma foto dele, molhado, em frente ao espelho do banheiro. Não era explícita, mas ele aparentava estar nu. Podia estar com cinco camadas de roupas, aquele sorriso sedutor já bastava para me atiçar. Porém, outra coisa chamou mais a minha atenção: ele estava fora do box.

Molhado e fora do box, no banheiro que eu acabara de lavar.

[16/6 10:28] Humberto: Se esse banheiro estiver todo molhado como eu acho que tá

[16/6 10:28] Humberto: É melhor aproveitar e sair de casa também

Respondi que estava na fila e, como estava engasgado com o escroto ao lado, contei o que ouvi e falei para ele tudo o que eu tinha vontade de dizer para o tal homem.

Estava chegando a minha vez de ser atendido, então avisei que guardaria o celular e o alertei para tomar cuidado com a minha mãe. Léo respondeu com algumas interrogações, dizendo ainda que quem tinha de tomar cuidado era eu, alegando que se eu fosse rebater o homem, ele poderia fazer alguma besteira.

Por sorte — do homem, é claro — eu estava muito controlado. Mas, e se eu falasse o que ele merecia ouvir, o que ele faria? Ia tentar me bater? Só tentar mesmo, porque não assisti e reassisti Kill Bill e As Panteras inúmeras vezes à toa.

Chegando em casa, foi impossível não sorrir instantaneamente ao ouvir as vozes de meus pais e Léo conversando com certa afinidade. Era meio de se esperar que fosse assim porque meus pais sempre foram amigáveis com as pessoas em geral e Léo, mesmo sendo tímido, costumava conquistar as pessoas — tudo bem que sou suspeito para afirmar isso, mas é a verdade.

Contudo, ao entrar na cozinha, deparei-me com Léo parado com um semblante constrangido, enquanto minha mãe andava ao seu redor, como se estivesse marchando ou algo assim.

Meu pai foi o único a notar minha presença, e encolheu os ombros, como se estivesse se desculpando por aquilo, mas não disse nada. E nem precisava: aquela era minha mãe, afinal.

— Mãe — chamei, recebendo o olhar dos dois. — Já começou com isso? Deixa ele.

Aquele era um dos péssimos hábitos que ela insistia em manter: sempre tinha de analisar as pessoas com quem eu me envolvia, e geralmente o fazia de maneira inconveniente e intimidadora.

Não sei o que estava acontecendo ou o que ela já tinha falado para ele, mas confesso que eu até tinha medo de saber.

— Que mal tem umas perguntinhas? — Fingindo-se de ofendida, ela  finalmente parou de rodeá-lo e andou em minha direção. — Pergunte pra ele se incomodei.

— Magina — respondeu Léo, com um sorriso que não me convenceu. — Já achei a senhora muito legal.

Se nem Deus dá asa à cobra, por que diabos ele tinha que dar?

— Viu só? Eu falei. — Ela beijou-me a bochecha e prendeu-me num abraço quase que esmagador, enquanto eu resmungava. — Humberto do céu, vai tomar um banho! Não sei o que tá pior, o cheiro de suor ou de cloro.

— Isso porque a senhora ainda não sentiu o perfume dele… — Léo deu um sorrisinho que deixou-me na dúvida entre matá-lo por se juntar à minha mãe ou apenas retribuir o sorriso, porque era bonito demais.

— Não vai nem me defender, pai? — perguntei, aproximando-me para enfim cumprimentá-lo com um abraço.

— Não sei como é com vocês gays, mas a mulher sempre tá certa, filho… mesmo que ela não esteja realmente, ela sempre está.

— Tá querendo dizer que eu tô errada?

E então eles começaram uma discussão sobre isso.

Não chegava — e eu esperava que nem chegasse — a ser uma briga de fato, mas Léo estava visivelmente desconfortável em presenciar a cena. Quem não ficaria? É basicamente a mesma coisa que ir à casa de um amigo e ele começar a levar uma bronca dos pais na sua frente. Mas meus pais eram sempre assim, Léo teria de se acostumar com isso.

— Seus pais são assim também? — perguntei quando já estava perto dele, alto o suficiente para que apenas ele ouvisse.

— Ah, eles brigavam muito porque minha mãe se incomoda até com coisas mínimas de casa, mas acho que ele se adaptou nesses anos de casados. Não deixa mais a tampa da privada levantada, não deixa toalha molhada na cama… — Por um instante, Léo parou de falar e desviou o olhar. — Falando nisso...

Ele começou a se afastar sem dizer nada e eu, obviamente, o segui. Quando chegamos no quarto, ele tirou uma toalha molhada da cama e, com um pequeno sorriso nos lábios, encolheu os ombros como se pedisse desculpas.

— Vamos ter que casar pra você aprender? — Brinquei, como se aquilo fosse algo comum; na verdade até era, mas eu quem costumava deixar a toalha na cama.

— Se isso for um pedido, fique sabendo que eu só aceito com uma aliança. — Deu-me um selinho e foi estender a toalha no varal.

Eu ainda tinha que cozinhar, mas um banho era minha prioridade naquele momento.

O banheiro estava todo seco e, pra falar a verdade, nem sei porquê cheguei a pensar o contrário. Afinal, aquele era o mesmo Léo que não conseguia dormir sabendo que a pia está cheia de louça ou que roupas recém-tiradas do varal não estavam devidamente guardadas. Esquecer a toalha na cama fora um daqueles deslizes que ocorrem, tipo, uma vez por semestre.

Já vestido e cheiroso — porque meu perfume era muito bom, sim —, encontrei-os na sala, rindo e conversando animadamente sobre algo. A julgar pela expressão do meu pai, que participava meio receoso do assunto, e do fato de minha mãe aumentar a risada ainda mais quando me viu, o assunto só poderia ser eu.

E realmente era.

Ela havia contado a história de quando eu gostava de um amigo hétero da escola e, depois de assistirmos um filme de terror que era o tema de uma resenha que deveríamos entregar para a professora, ele dormiu na minha casa. No dia seguinte, quando ela acordou, encontrou-me sozinho na cama, chorando sobre lençóis que não eram os mesmos da noite anterior. Depois disso, não quis voltar para a mesma escola.

Para ela, a graça da história era eu, com quinze anos, ter feito xixi na cama e ter sido descoberto pelo garoto que eu gostava. Ela sempre foi tão esperta, não sei como diabos ainda acreditava naquela história que eu contara.

A verdade é que o lençol estava sujo com um outro tipo de líquido e eu dei um jeito de me desfazer dele. E sobre o garoto… bem, antes de minha mãe acordar, ele repetiu aquele discurso que ele não era viado, que eu não devia chegar perto dele e blá blá blá.

Eu poderia dizer que a verdadeira graça, da verdadeira história, é o fato de que três anos depois ele já era pai, estava casado, e ressurgiu na minha vida com muita cara de pau e muitas insinuações. Mas não havia graça nisso, na verdade era bem triste.

Triste para ele, que vivia uma vida baseada em mentiras por pressão ou falta de coragem; para a mulher, que era enganada; e para a criança, que sabe-se lá o que poderia enfrentar futuramente.

Eu já tinha liberdade o suficiente para desmentir aquela história que ela contava e dizer o que realmente acontecera. Contudo, por mais que eles estivessem rindo de mim, eu não poderia acabar com aquele clima leve e descontraído que havia se instaurado. Afinal, as pessoas mais importantes da minha vida estavam juntas e se divertindo.

Tudo o que eu podia fazer era juntar-me a eles. E assim o fiz.


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Notas finais do capítulo

Bom, eu queria fazer logo a cena do almoço, mas como eu tô intercalando os pontos de vista e não começando os capítulos exatamente de onde parou o anterior, tá demorando um pouco pra chegar. Então, tenhamos paciência!
E eu também não queria correr muito com a história porque é algo que costumava fazer inconscientemente e inclusive já chamaram minha atenção por isso. Então queria fazer as coisas diferentes aqui.
Enfim, espero que tenham gostado. Deixem-me saber o que estão achando da história, dos pais do Beto, da relação deles, da situação do Brasil, de qualquer coisa! Só deixem-me saber que cês tão pelaí. hahahahah
Beijinhos. ❤



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