Nós escrita por Matheus Gama


Capítulo 2
Desadocica, meu amor...


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!

(POV Leonardo)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/733339/chapter/2

Achei que não fosse conseguir fazer com que Beto levantasse da cama para ajudar na limpeza da casa. Normalmente as tarefas domésticas não eram muito pesadas porque nós éramos relativamente organizados e costumávamos dividir os afazeres, mas sem cobranças ou obrigações: se algo tinha de ser feito, um de nós se prontificava a fazer e fazia. É um pouco estranho associar atos prestativos àquela personificação da preguiça — que carinhosamente chamo de Beto —, não?

Embora ele cooperasse, pedir que ele o fizesse em silêncio parecia ser demais. Beto não costumava reclamar muito da vida, exceto quando tinha que acordar cedo por algum motivo ou enquanto fazia faxina. Deus, o homem virava um resmungão do caramba! Parecia até minha avó Iracema quando tinha de aturar a bagunça que eu e meus primos fazíamos na casa dela quando a família se reunia — e coitada, às vezes isso acontecia sem uma data ou evento especial.

Inconscientemente, larguei as louças que estava lavando na pia e comecei a divagar sobre o futuro. Imaginei-o velhinho, reclamando sobre a aposentadoria e o preço dos remédios ou apontando uma bengala em direção ao quarto, onde nossos netos estariam estranhamente silenciosos demais, provavelmente aprontando alguma. Sequer havíamos chegado a conversar sobre adoção e eu já estava imaginando a gente como um casal de vovôs.

Foi impossível não sorrir com o pensamento.

Seria bom reviver os saudosos encontros familiares da minha família ao lado dele. No caso, haveria uma troca de papéis, visto que seria uma nova geração familiar. A dúvida era: ele seria mesmo a Dona Iracema 2.0? Porque em relação à desordem, eu era quem mais me incomodava.

Pensar em situações familiares era um pouco doloroso, porque era difícil ser otimista e imaginar todas as pessoas importantes reunidas e felizes. Talvez, para imaginar meu pai presente nessas cenas, eu teria de deixar o pensamento otimisma de lado e partir para o surrealismo.

Isso doía pra caralho porque ele era a segunda pessoa mais importante na minha vida, ficando atrás apenas da minha mãe. Eu tinha certeza que se um dia aquele sonho de família grande e reunida se realizasse, meu pai não estaria perto e por mais feliz que eu estivesse, ainda assim sentiria um vazio impreenchível.

Braços envolveram-me na altura do peito, num abraço por trás, enquanto polegares acariciavam a região dos meus ombros. Soltei o ar que nem reparara que prendia, relaxando instantaneamente ao sentir os toques de Beto. Mesmo os mais singelos causavam esse efeito em mim.

— Tá pensando no quê? — perguntou.

— Nada demais.

— É sério, amor. O que foi?

A preocupação era perceptível não somente em sua voz, mas também na forma com a qual ele me chamou. Não sei se era involuntário ou não, mas ele sempre me chamava assim quando sabia que tinha algo me afetando.

Preferi não dizer nada do que eu estava pensando. Seria uma bobagem entrar naquele assunto justo naquele momento. Estávamos ocupados demais para sentarmos e conversarmos sobre algo sério — e que talvez ele já estivesse de saco cheio.

— Não é nada, fica tranquilo. — Beijei sua mão e tentei desconversar: — Tu já terminou o banheiro?

— Ainda não. Só vim beber água, mas aí te vi todo aéreo… — Beto livrou-me de seus braços, pegou um dos copos que eu já tinha lavado e foi até a geladeira.

— Eu tô bem, é sério — reforcei, vendo-o saciar sua sede.

Não era como se eu estivesse escondendo algo dele, apenas não queria compartilhar aqueles pensamentos negativos que talvez ele já estivesse cansado de ouvir. E ele me conhecia bem o suficiente para saber disso, então nem fez questão de insistir. Amém.

— Léo — Beto colocou o copo vazio na pia e beijou-me a bochecha —, a única coisa ruim que vai acontecer hoje é que você vai ter que dormir com alguém fedendo a cloro.

— Pelo menos o cloro vai dar um jeito no teu cheiro, né? — brinquei, dando de ombros.

Se inicialmente minha mãe já não tinha gostado de saber que sou gay, imagine a reação dela caso soubesse que eu estava com alguém que cheirava mal. Mas não era o caso, graças a Deus! Animal por animal, Beto estava mais para um gatinho manhoso ou uma preguiça idosa do que para um porco — embora não fosse uma má ideia chamá-lo de Peppa Pig, apenas para provocar. Roinc.

O problema com o cheiro dele era o perfume que ele usava, que empesteava a casa inteira com aquele cheiro extremamente doce e enjoativo. Uma vez cheguei a presentá-lo com um perfume cujo aroma era bem mais suave e não atacava a minha rinite, mas ele teve algum fim desconhecido por mim.

Às vezes desconfiava que ele gostava de me ver espirrando.

— Ah, então é assim? — Com a expressão facial que ele tinha naquele momento, foi impossível impedir que meu sorriso se transformasse numa risada. — O sofá é logo ali, monamu.

Não pude pensar em outra coisa que não fosse o quão adorável ele parecia daquele jeito, levemente emburrado. No entanto, para evitar que as coisas se agravassem e pudessem causar problemas futuros, esclareci a brincadeira, puxando-o para mais perto de mim.

Dei-lhe alguns beijos aleatórios, pelo rosto e pescoço, mas ele se esquivou e tirou o celular do bolso.

— Poxa, eu tentando me redimir e você vai ficar no celular? — perguntei, um pouco ofendido com a indiferença dele.

— É a minha mãe — respondeu, digitando alguma coisa. — Ela disse que já tá chegando.

— Já? — perguntei surpreso, pois ainda faltavam quase duas horas para o horário combinado. — É melhor a gente correr, então.

Afastei-me dele para terminar de lavar a louça. Por mais que eu não esperasse conhecê-la antes do almoço, não fiquei muito nervoso ao saber que ela estava chegando antes. Nervoso não, mas ansioso sim.

Beto sempre falara muito de seus pais, causando-me a impressão de que eram bastante amigáveis e desconstruídos de preconceitos, então não via a hora de conhecê-los.

Em contrapartida, era a primeira vez que eu apresentaria um namorado à minha mãe. Embora ela estivesse se esforçando para deixar seu conservadorismo de lado para fazer parte daquele momento da minha vida, eu tinha medo de que ela achasse que aquilo era demais para suportar. Por mim, ela não precisava nem tornar-se uma daquelas mães super apoiadoras e ativistas do movimento LGBTI como a mãe do Beto era, bastava ela gostar dele que eu já ficaria mais tranquilo.

O pior é que essa nem essa nem era a minha maior preocupação.

Ainda tinha o fato de ser a primeira vez que eu seria apresentado como namorado aos pais de alguém. Eu tinha que arranjar um jeito de agradá-los, mesmo sem saber direito o que dizer ou como me comportar. Afinal, queria que os pais do Beto gostassem mais de mim do que já gostaram de qualquer ex-namorado dele.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse capítulo não era pra ser assim, mas decidi alternar os pontos de vista pra deixar ainda mais claro que embora sejam diferentes, eles não podem ser considerados "opostos" porque possuem diversas semelhanças, e pra poder aproximar mais vocês de cada um deles.
É a primeira vez que uso essa alternância, então espero que esteja tudo certo. Qualquer coisa, seja elogio ou crítica, deixem-me saber nos comentários... É bastante importante.
Até mais! ❤



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Nós" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.