A chuva agora caia com intensidade, tamanha esta que era até mesmo difícil enxergar um palmo a frente, e muitas pessoas corriam com seus guarda-chuvas em direção a um abrigo qualquer para aquela tempestade, mas Ayumi não se importava com nada daquilo. Corria desesperadamente por entre as pessoas para alcançar o homem que daquela distancia era somente uma imagem embaçada, esbarrando em pessoas, derrubando e tropeçando em coisas, e em uma dessas vezes caiu no chão, mergulhando em uma enorme poça de lama, mas no mesmo instante se levantou, voltando a correr. Suas vestes já estavam um pouco rasgadas e completamente sujas, e no mesmo estado estava seu rosto, mas nada daquilo impedia de seguir aquele homem, não entendia o motivo de estar fazendo tudo aquilo, mas algo dentro dela a movia, dizia que ela tinha que fazer aquilo, era algo que ela não conseguia resistir. Já estava pensando que não conseguiria alcança-lo quando percebeu que o mesmo havia entrado em um pequeno beco, o seguiu, e ao virar a esquina e deparar-se com aquela figura já no final daquela rua deserta não pode se conter.

- Eiii você ai, ESPERAAAAA!!! – Sua voz alta ecoou pela escuridão daquele beco, e, no mesmo instante o homem interrompeu seus passos, virando lentamente seu rosto para o lado, para em seguida virar-se completamente para a menina. Era ele, realmente era ele. Por longos segundos os dois ficaram apenas se observando, os orbes acinzentados fixados nos castanhos esverdeados de Ayumi, lhe lançando assim um olhar frio e compenetrante, que provocava estranhos arrepios que percorriam a espinha da menina. Seus cabelos avermelhados agora colavam no rosto e pescoço da menina, que ao separar os lábios para tentar dizer algo sente uma estranha tontura, sua visão começava a ficar turva e suas pernas pareciam não estar mais agüentando o peso de seu corpo, ter pegado toda aquela chuva pareceu piorar sua “pequena gripe”. Cambaleou até o muro mais próximo, buscando apoio neste, seus olhos ainda estavam fixos na figura loira imóvel a sua frente quando finalmente perdeu a consciência, despencando no chão.

Mas alguns segundos se passaram enquanto o loiro apenas observava a menina caída no chão, em outras ocasiões simplesmente viraria as costas e continuaria andando, mas algo naquela menina lhe chamava atenção, não sabia exatamente o que era, mas não era normal ele sentir algo assim por alguém. Não podia deixa-la ali, pelo menos não até descobrir o que estava o atraindo nela.

Seus olhos esverdeados eram lentamente abertos, deparando-se com um teto branco o qual não conhecia, esfregou os olhos, piscando-os algumas vezes, até se sentir um pouco mais “acordada”, para assim sentar-se na cama. Definitivamente não conhecia aquele lugar, era um quarto bastante mal iluminado, as paredes eram em tom quase vinho, a cama onde agora estava sentada era uma espaçosa cama de casal, forrada com lençóis de seda tingidos de preto, e os travesseiros brancos com alguns detalhes em preto, do lado da cama havia uma pequena mesinha de madeira escura, e um pouco mais adiante um armário feito de mesma madeira, uma mesa com um computador e alguns livros espalhados e uma cadeira em frente a esta, e do outro lado da sala uma poltrona de um lugar só, com uma mesinha que continha apenas um cinzeiro e um telefone encima, e o chão era de tábua corrida, coberto por um carpete preto, sem sombra de dúvida era um luxuoso quarto, que ainda assim mantinha um ar sombrio. Ainda com a cabeça bastante dolorida Ayumi analisava aquele quarto tentando se lembrar de como viera parar ali, mas todos os seus pensamentos desapareceram quando foi surpreendida por uma voz.

- Não deveria se levantar ainda, sua febre ainda não baixou. – De um dos cantos obscuros daquele quarto surgia uma figura loira, com um cigarro nos lábios em um tom frio na voz. Não pôde evitar dar um pequeno pulo com o susto que levara depois dele praticamente se “materializar” nas sombras.

- O-onde eu estou? O que eu estou fazendo aqui? ...E onde estão minhas roupas? o_o”
Baixou os orbes esverdeados para suas próprias roupas, reparando que agora vestia uma camisa masculina sobre suas “roupas de baixo”, que nela estava mais para um vestido. O loiro apenas deu mais um trago em seu cigarro, respondendo-a no mesmo tom de antes.

- Você esta na minha casa, e eu te trouxe aqui porque você me gritou no meio da rua e depois desmaiou sem mais nem menos, e se você morresse lá a minha consciência iria pesar...E eu tomei a liberdade de trocar suas roupas porque as que você usava estavam encharcadas e provavelmente você pegaria uma pneumonia se continuasse com elas.


Ah tá... - Ayumi piscou algumas vezes seus olhos, sentindo suas bochechas corarem no mesmo instante, em outra ocasião faria um escandalo porque ele tirara suas roupas, e provavelmente inventaria histórias mirabolantes que ele havia abusado dela e outras mais, mas nada disso passava por sua mente naquele momento. Agora que finalmente havia alcançado aquele homem não sabia o que fazer em sua presença, começou a pensar que talvez tivesse cometido um grande erro quando decidiu segui-lo. Não conseguia pensar no que dizer, queria apenas sair dali.

- E agora você poderia devolver minhas roupas...? Eu tenho que ir embora, meu irmão me mata se eu chegar muito tarde... – Havia sido a primeira desculpa que conseguira arrumar para tentar sair dali, virou-se na cama, pondo agora seus pés no chão para em seguida se levantar. No mesmo instante sentiu uma forte tontura, seu corpo estava fraco devido a febre, sentiu-se cair, mas antes que pudesse atingir o chão sentiu dois braços a envolverem colando seu corpo em um outro.

- Eu disse que não era pra você se levantar. – Era a voz de Hiero, que falava agora bem próximo ao ouvido da menina. Seus olhos se arregalaram e todo o seu rosto assumiu uma coloração quase púrpura. O loiro agora deitava-a em sua cama, fitando diretamente seus olhos, Ayumi retribuía o olhar, dizendo em tom bastante baixo enquanto voltava a se deitar.

- Porque...Porque Você está fazendo isso se agente mal se conhece?

- Eu sinceramente não sei...Mas quando tenho vontade de fazer algo eu simplesmente faço, não tenho interesse em saber o porque. – Sempre direto respondeu, cobrindo a menina com o lençol de seda negro, e vendo-a mostrá-lo um doce sorriso, antes de virar-se para o lado e dormir. Afastou-se dela, esperando que ela adormecesse para por levemente sua mão sobre a testa da mesma, constatando que a febre estava baixando, para em seguida caminhar até a mesa, pegando o cigarro que havia deixado no cinzeiro sobre esta quando foi amparar a menina, levando-o aos lábios, para uma longa tragada. Recostou-se na parede, observando a menina dormir com sua expressão neutra, ainda não entendia o motivo de estar fazendo aquilo, mas como já havia dito, não fazia questão de entender.

O silêncio foi interrompido pelo toque de um telefone, que no mesmo instante foi pego por Hiero, que quando se deparou com o número que ligava soltou um suspiro entediado, era seu chefe para lhe encher a cabeça de reclamações e coisas que ele nunca prestava atenção.

- Alô...? – Disse, o tom demonstrando frieza, esta que provocava calafrios em qualquer um que a ouvisse, menos em seu chefe, que já havia se acostumado com a falta de sentimento de Hiero.

- Hiero-san eu preciso saber o porquê dessa demora toda. Eu acho que esse espectro não é nenhum desafio pra você, então porque ainda não cumpriu a missão? – Aquela voz demonstrava explícita irritação, mas nada fora da irritação normal de seu chefe. Ele era a única pessoa que lhe cobrava atitudes daquela maneira, pois ele era a única pessoa a quem o loiro devia respeito.

- E realmente não é, mas esse verme é mais covarde do que o esperado, então eu estou tendo um pouco de trabalho para encontra-lo, mas já tenho minhas suspeitas, e estou certo de que estão corretas. Por isso, você não tem do que se preocupar Ryu-sama. – E no mesmo tom de sempre o respondeu, batendo levemente com o cigarro na borda do cinzeiro, despejando assim um pouco de cinza no mesmo enquanto desviava rapidamente seu olhar para a ruiva, que agora se mexia em sua cama. Um suspiro pôde ser ouvido do outro lado da linha telefônica, e seu chefe voltou a se manifestar.

- Tudo bem tudo bem, só quero que não demore muito. Você já tem uma lista de missões a cumprir quando voltar pra cá. – E após isso desligou o telefone, sendo seguido pelo mesmo ato da parte de Hiero. Estava certo de que no dia que se seguiria teria certeza da localização do espectro, e poderia elimina-lo sem dificuldade. Apagou o cigarro, caminhando para fora do quarto em seguida, provavelmente leria um livro ou algo do tipo até o amanhecer, não costumava ter sono à noite.

Seu sono foi interrompido por um fixe de luz diretamente em seus olhos, que adentrou no quarto devido a uma movimentação nas cortinas também negras, que adicionavam uma visão ainda mais macabra daquele quarto, mesmo estando de dia. Abriu por completo seus olhos, sentando-se calmamente na cama, passando em seguida as costas das mãos sobre estes para tentar desembaçar um pouco sua visão. É, ainda estava naquele quarto, mas a pessoa que a tinha trazido para lá não estava ali. Novamente seus orbes esverdeados percorreram todo o cômodo, deparando-se com suas roupas, secas e lavadas sobre a pequena poltrona. A menina se levantou, pegando suas roupas e dando uma pequena olhada pela fresta da porta para ver se o homem não estava por perto, para em seguida tirar a camisa que e ele lhe havia vestido e colocar suas próprias roupas, para em seguia timidamente abrir a porta do quarto, andando a passos lentos pelo corredor, até chegar em uma vasta sala de estar.

Era realmente uma vasta sala de estar. As paredes eram brancas e o chão em um tom de bege, em todas as paredes haviam quadros de arte moderna que qualquer artista acharia lindo, mas que para Ayumi não passavam de borrões de tinta. Ao fundo da sala uma grande varanda que era separada desta por uma grande porta de vidro, deixando a mostra toda a vista de que tinha da cidade lá embaixo, mostrando que o apartamendo devia ser em um andar bem elevado. Mais ao centro uma mesinha de chá com fundo de vidro, e abaixo desta um grande tapete com desenhos distintos, mais atrás uma Tv com tela de plasma, bem grande, que era apoiada diretamente no chão. No outro canto da sala um grande sofá de couro branco em formato de ‘L’ estava encostado em uma das quinas da parede, tendo sentado o jovem que havia trazido Ayumi até aquele apartamento, que havia sido o motivo de uma semana sem dormir direito, o jovem que nem ao menos sabia o nome.

Ayumi permaneceu por alguns instantes observando aquele novo cômodo, para em seguida pousar seus olhos sobre o loiro que tinha toda sua atenção dirigida a um livro que lia, cujo titulo não conhecia, e nem fazia questão, somente a aparência deste já lhe causava arrepios. Permaneceu perdida em seus devaneios enquanto o observava por algum tempo, até que fora interrompido pela voz fria do jovem, que ainda não havia tirado os olhos de sua leitura.

- Até que enfim acordou, achei que tivesse morrido. – A menina não lhe respondeu, apenas corou e desviou o olhar, não era normal ter aquelas reações ‘envergonhadas’, mas não conseguia evitar. Deparando-se com a falta de resposta da menina Hiero finalmente desviou os olhos do livro, para pousa-los sobre a menina que se encontrava timidamente recostada na parede da entrada da sala.

- O que está esperando?

- E-esperando pra quê? – Perguntou a menina, voltando a fitá-lo agora, não entendo o que ele queria dizer.

- Para ir embora. – Respondeu, sendo o mais direto possível, não que isso fosse anormal para ele. No mesmo instante que se deparou com aquela reposta a menina arqueou as sobrancelhas, caminhando até a frente do jovem, pondo suas mãos na cintura, sentindo-se ligeiramente ofendida.

- Heey, você está me expulsando? – Perguntou, com o tom um pouco mal alterado, porém não perceber nenhuma alteração na expressão ou no tom de voz de Hiero, que voltara a responde-la.

- Para ser mais exato...Sim. Já cumpri a minha parte, sua febre já melhorou, e eu tenho muito mais o que fazer a ficar cuidando de uma pirralha como você. – Aquele tom frio que o jovem usara era pior do que se estivesse gritando, em outra ocasião a menina teria várias respostas prontas para dizer, mas naquele momento todas elas pareciam sumir de sua mente, não conseguia pensar em nada a dizer.

- Seu...Idiota. – Foi a única coisa que saiu de seus lábios antes de bater a porta com força e gritar um “Eu odeio você” pelo corredor. Hiero apenas voltou a ler seu livro, como se nada tivesse acontecido, enquanto Ayumi andava pelos corredores do prédio quase quebrando o chão devido à tamanha força que pisava neste até chegar na rua, onde pensava em voz alta.

- Maldito, idiota, quem ele pensa que é para me expulsar assim? Mas ele vai pagar, ele vai ver, eu ainda vou me vingar, a se vou mochii. – Seus pensamentos sobre sua vingança conta o loiro foram interrompidos por um pequeno animal peludo que correu pela calçada a sua frente, parando um pouco a frente enquanto coçava levemente o focinho com as pequena patinhas, era um hamster branco com uma mancha negra na barriga, que fazia-o se assimilar a um bolinho de arroz.

- Nyaaa, que lindooo!! Que bichinho kawaii, vem brincar com a tia Ayumi vem. – Disse a menina em seu tom infantil costumeiro, aproximava-se do pequeno animal que quando a notou começou a correr, e quando o viu correr a menina passou a persegui-lo. Ela era a única menina de 17 anos que se dispunha a perseguir um hamster na rua só porque o achara bonitinho, talvez nem mesmo uma criança faria isso. O pequeno animal entrara no terreno de uma casa da região por um portão aberto, entrando em seguida no interior da casa por uma fresta da porta de entrada que permanecia aberta, Ayumi parou em frente a entrada da casa, e notando que esta parecia abandonada não se importou em seguir o animal até o interior, abrindo com cautela a porta de madeira que parecia bastante velha.

- Hey coisa kawaii, cadê você? A tia Ayumi só quer brincar um pouco. – A voz fina da menina ecoou por todo aquele cômodo, fazendo um estranho eco. Realmente estava abandonada, continha poucos móveis, e os que tinham estavam cobertos por plásticos e com uma grossa camada de poeira por cima, uma escuridão anormal podia ser notada naquela casa, além de estar um pouco mais frio do que no lado de fora. Ayumi abaixou os olhos para o chão, e o animal estava a alguns passos de distância dela, roendo alguma pequena semente. A menina então deu alguns passos para frente, agachando-se lentamente em frente a ele, comum doce sorriso no rosto.

- Aah, tia Ayumi achou você amiguinho, vem cá vem. – Esticou uma das mãos, e assim o animal subiu por seu braço até que ela voltasse a se por de pé, segurando-o agora no colo enquanto já se virava para sair daquela casa quando a porta subitamente se fechou a sua frente.

Nesse mesmo momento Hiero levantou-se do sofá, sentindo a presença de algum poder incomum. Finalmente aquela criatura desprezível havia mostrado as caras, e no mesmo instante o loiro pegou o sobretudo no armário e revirou algumas caixas pretas no fundo deste, até encontrar o que queria, e com isso um sorriso sádico pela primeira vez se formar em seus lábios.

- Huhu, finalmente vou te aniquilar, seu verme asqueroso.