Meu amado é um lobisomem escrita por Lailla


Capítulo 6
Capítulo 6: Tokyo




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Tokyo não parecia ter mudado. Ainda era populosa e o centro movimentado. Mina me deixou ficar em seu apartamento até que eu alugasse um próprio. Ele era perto do trabalho e um pouco longe do centro. E logo comecei a trabalhar, não perdi tempo. As pessoas foram receptivas e me trataram muito bem. Trabalhar com controle de qualidade não era ruim, eu até que gostava. No trabalho havia conversas de nossas vidas pessoais e de família. Não era nenhuma novidade ter isso. Era divertido ouvir as mulheres falarem de seus filhos e como eles não paravam quietos em casa. E como os homens falavam de um péssimo encontro que tiveram ou um bom encontro com uma mulher bonita.

Me faltavam histórias para contar em nossa roda de amigos. Mina tinha várias da faculdade e eu era incluída, mas a única coisa que falei foi que morei em uma pequena cidade e acabei indo embora. Eu não tinha marido e nem filhos. Histórias comuns que eram contadas eu não conseguia me identificar. Contei que meus pais já eram falecidos e isso já limitou muitos assuntos sobre pais, porém ainda me sentia deslocada quanto a esse meio social com que sempre me dava bem. Era como se eu tivesse mudado.

O inverno chegara no segundo mês em que eu estava em Tokyo e consegui meu próprio apartamento. A neve cobriu todos os lugares possíveis. A cidade estava branca e eu amava a paisagem do apartamento da minha tia. Passei o natal com ela. As visitas que eu fazia eram frequentes, ela era a única família que eu tinha agora. Minhas primas haviam se mudado e a casa estava um pouco silenciosa, mas ela sempre se mostrava sorridente. Fui a sua casa depois do trabalho naquele dia, recusando o convite de Mina em jantar fora com alguns de nossos amigos do trabalho. Sempre que ia à casa de tia Mizuki, ela me convidava para jantar. Sua comida era ótima e com certeza me faria ficar. O apartamento era no centro, no terceiro andar.

Subi os lances de escada calmamente vestida em meu casaco, cachecol e touca. Estava frio e nevando do lado de fora. Enquanto subia não notei um homem descendo, passando por mim. O olhei de relance e vi cabelos pretos passando por mim. Arregalei os olhos e me virei para ele.

— Yuzo?

O rapaz se virou e me olhou, confuso. Seus olhos eram marrons e o rosto completamente diferente.

— Ahm... Desculpe.

Estava claro que eu sentia falta de Yuzo. Muitas vezes o vi em homens de cabelos pretos que nada se assemelhavam a ele pelo rosto. Acho que esperava que ele viesse até mim de alguma forma, mas nem sei se ele sabia onde eu estava. Contei a Sana para onde ia e em que trabalharia, muitas vezes conversávamos por horas ao telefone. Mas acredito que ele houvesse parado de ir à minha casa. Estava trancada e vazia. Se bem que creio que ele nem mesmo tenha voltado depois que fora embora naquele dia. Me perguntava onde ele estaria naquele momento.

Tia Mizuki me atendeu com um sorriso e entramos. O chá estava pronto e os assuntos que ela desejava saber também.

— Então, como está indo o trabalho?

— Muito bem. Gosto no que estou trabalho e os meus colegas são boas pessoas.

— Claro. – ela sorriu – Você sempre foi ótima em fazer amigos. Lembro-me da primeira semana de aula quando disse que já tinha três amigas no colégio.

Sorri, recordando.

— Aquele tempo foi ótimo.

— Foi mesmo. Os amigos... Os namorados.

Gargalhei.

— Os namorados eram legais.

— Mas nenhum dos namoros foi sério. – disse ela – Lembro-me daquele seu namorado de cabelos marrons do último ano. Ele sempre vinha aqui te ver, era tão bonzinho. Mas você o dispensou no momento que partiu para a faculdade.

— Ele queria que eu fosse para Kyoto com ele. Não havia como.

— Sim. Você sempre visou seus planos mais do que os namorados.

Abaixei o olhar.

— É...

Tia Mizuki pôs os braços sobre a mesa, observando-me. Ela me conhecia tão bem que se algo estivesse errado, ela sabia apenas olhando minha expressão.

— Esse rapaz deve ser especial. – disse ela, docemente.

— O que?

— Conheceu alguém em Okayama.

— Bem...

— Não foi uma pergunta. Dá pra ver em seus olhos. – ela sorriu – Escolheu partir?

— Não. – confessei, sorrindo – Eu havia desistido de ir para Kansai, mas ele descobriu que antes eu não pretendia ficar e que venderia a casa. Brigamos... E ele foi embora.

— Sinto muito, Tsuki.

— Foi minha culpa também, mas... Eu mal o conhecia. Ele não me contava nada sobre ele e eu só sabia seu primeiro nome. Como posso ter me apaixonado por alguém que mal conheço?

— Às vezes acontece. Queremos escolher, mas é tão repentino quanto a chuva.

Sorri.

— Não para a meteorologia.

— Ora, menina. – ela franziu as sobrancelhas.

Depois do jantar com tia Mizuki, voltei para casa. Fechei a porta, olhando para meu apartamento e vendo como ele era vazio mesmo tendo o que eu precisava. Pus a bolsa em cima da mesa e arrumei minha cama para dormir. Era tão solitário à ponto do desânimo me abater. Em Okayama era o mesmo. Minha casa era a mais distante, mas à noite eu podia escutar o som da floresta antes de dormir. Quando voltei, nunca me senti tão solitária quanto naquele momento em meu apartamento. Além da falta do som da floresta antes de dormir, sentia falta de Yuzo. Ele me abraçava enquanto dormia, me esquentava. Yuzo preencheu minha casa quando se mudou.

As semanas seguintes passaram como uma lesma. Eu acordava ansiando logo pelo momento de dormir. O trabalho começara a se tornar um pouco monótono. Mesmo não sendo as mesmas coisas para controlar a qualidade, meu emprego em si estava se tornando... Vazio. Algo sem rumo ou perspectivas. Não era isso que eu desejava desde a faculdade? Fiz faculdade de agricultura e estava trabalhando nisso. Não era para eu estar feliz?

Por raros momentos conseguia tirar Yuzo da cabeça. Às vezes era fácil no horário de trabalho. Andava para lá e para cá com a prancheta e apenas sentava para escrever os produtos e descrever suas qualidades. Eu não tinha exatamente uma sala, na verdade era apenas um lugar – que não era meu – onde eu guardava os documentos e arquivos dos produtos. Quando me sentava para descansar, era na sala do almoço. Uma grande sala com uma mesa e cadeiras. Havia uma geladeira e microondas, pois muitos de nós levavam o próprio almoço. Mina e outras pessoas compravam o almoço, mas eu preferia comer calmamente dentro da sala e olhar a neve através da janela.

A paisagem branca estava bonita e dava para ver a fina camada de gelo formada na janela. A porta da sala se abriu e entrou Akio, um dos meus colegas que trabalhava no mesmo setor que eu. Ele tinha cabelos loiros e olhos marrons. Sorriu em minha direção ao entrar e foi até a geladeira para pegar seu almoço.

— Tsuki. – me cumprimentou – Como está?

— Bem. Estava observando a neve.

— Acho que pegaram o almoço de Toshiro de novo. Ele não vai gostar nada. – disse Akio, fechando a geladeira e indo até o microondas.

— Que absurdo. Por que não compram o próprio almoço? – franzi as sobrancelhas.

— Por que é a esposa dele que preparara o almoço. Todo mundo sabe que ela cozinha muito bem.

Achei graça.

— Muitos restaurantes e lanchonetes cozinham muito bem também.

Ele sorriu.

— Conhece muitos restaurantes por aqui? – perguntou – Você veio de Chugoku, não é?

— Na verdade eu morei aqui por sete anos. Fiz o ensino médio e faculdade aqui.

— Que incrível.

Sorri, abaixando o olhar. O tempo do microondas terminara e Akio tirou sua comida, sentando a minha frente. Ele começou a comer, porém continuando a conversar comigo.

— Chugoku é bonita. Eu já estive nas praias de Shimane. Fui para lá de férias quando estava no colégio.

— Eu morava em Okayama. Não há praias, mas na cidade que morei há florestas e muitos rios.

— Deve ter sido interessante morar lá.

— E foi. – sorri – Era um pouco difícil ir para a escola, pois eu tinha que andar um quilômetro até o ponto de ônibus, mas... Eu amei crescer lá.

— Por que foi embora? Se não se importa em responder. Acho que estou fazendo muitas perguntas. – ele riu de si mesmo – Me disseram que seus pais faleceram. Foi por isso?

— Sim. – assenti com pesar – Meu pai faleceu há alguns meses. Minha mãe quando eu tinha dez anos. Mas não foi por isso. Meu pai me mandou morar com minha tia para fazer o ensino médio aqui. Mas conseguir ir para uma faculdade aqui mesmo, então...

— Ficou.

— Isso. Precisei voltar para resolver algumas coisas por causa do falecimento do meu pai, mas voltei para cá.

— Que bom. – ele sorriu.

O olhei e ele desfez o sorriso, ficando envergonhado de repente.

— Que bom não por seu pai ter falecido, mas por você ter vindo pra cá. Bem...

Permaneci o olhando e acabei sorrindo. Ele esboçou um sorriso singelo, creio que por ter ficado contente em me ver sorrir.

Depois do almoço, voltamos ao trabalho. Ouvimos Toshiro reclamar ao entrar na sala ao passo que saíamos. Ele perguntou se não havíamos visto ninguém suspeito e a única coisa que pudemos fazer foi negar com a cabeça e sorrir um para o outro, confirmando o que Akio havia dito. Toshiro não gostou nada de alguém ter comido seu almoço de novo e falou que iria parar de trazer comida. Mas ele nunca o fazia.

Akio e eu voltamos juntos para nosso setor, conversando sobre outras coisas. Ele nascera em Saitama e tinha dois irmãos mais novos que ainda moravam lá. Um na faculdade e o outro ainda no colégio, morando com os pais. Akio era gentil e inteligente. Muito do que aprendi ao chegar foi com ele e outro colega de trabalho. Mina era de outro setor, então em quase nada pôde me ajudar.

Passamos a almoçar juntos nos dias seguintes. Sempre quando eu estava comendo na sala, ele entrava e esquentava seu almoço. E em quase todos esses dias alguém havia comido o almoço de Toshiro. Conversávamos sobre Tokyo e alguns lugares que gostávamos de ir. Uns ou outros lugares eu não conhecia muito, então ele me contava detalhes do lugar e sorria ao fazê-lo. Recordei de um sorriso semelhante de dois meses atrás. Aquele olhar feliz e sorriso de admiração ao contar sobre algo que gostava. Eu sorria para Akio, mandando a nostalgia para longe.

Então, duas semanas após conversas, risadas e sorrisos, Akio me chamou para sair. Meu humor parecia ter melhorado e eu não pensava mais tanto em Yuzo. Porém não tanto quanto eu gostaria. Seu sorriso e as noites em que passamos juntos ainda vinham a minha mente antes de dormir. Porém naquele momento estava preocupada com o que eu iria vestir.

— Tá, pra onde vão? – perguntou Mina.

— Para um restaurante.

— Coloca um vestido então. Calça é muito casual e até profissional. Com uma blusa ficaria bonito, porém se vocês fossem a uma lanchonete que nem adolescentes no colégio.

Achei graça.

— Um vestido. Aquele! – ela apontou para meu vestido azul, pendurado no armário.

— Tem certeza? – torci a expressão.

— Claro! Ele não é decotado demais e nem curto demais. As mangas dão um toque suave e ele é justo, o que faz sua cintura aparecer.

— Não sei se quero que ele veja minha cintura. – disse, coçando a bochecha.

— Ele não é Yuzo, que não se importava se você estava suja de terra ou com aquelas roupas largas.

— Não eram largas e não fale dele. – franzi as sobrancelhas.

— Tá bom. Mas vista-se. Com... Estes saltos. – Mina me entregou meus saltos pretos.

Me vesti com o vestido preto e calcei os saltos altos. Como ela disse o vestido não era decotado demais e nem curto demais. O decote era pequeno, porém dava a beleza que o vestindo tinha. E o comprimento era até um pouco antes do joelho. Fiquei um pouco mais alta com os saltos e Mina prendeu em cabelo em um coque. Ela disse que assim Akio poderia ver melhor meu rosto e meus olhos castanhos claros. Me sentia diferente vestida daquele jeito. Há muito tempo não me arrumava assim e era estranho.

Akio me levou para um restaurante maravilhoso. A comida era ótima e as pessoas ao nosso redor eram muito bonitas. Conversamos todo o tempo, parecia que nossos assuntos não tinham fim. Depois do jantar, passeamos um pouco. Pus meu braço ao redor do seu e ele pareceu ter gostado do gesto. Estava muito mais frio à noite e eu usava um casaco preto e cachecol. Estremeci por um momento, então Akio pôs o braço ao meu redor para me esquentar. Ele pareceu ter ficado sem jeito, porém não recuou o braço.

— Está melhor?

— Sim. Obrigada. – sorri – Hoje foi ótimo.

Ele sorriu.

— Faz muito frio em Okayama essa época?

— Muito. Acho que até mais que aqui.

— Quando chegar o verão provavelmente irei às praias novamente, em Chugoku. Minha família comprou uma casa em uma delas e me chamou para ir. Eu gostaria de saber se você quer ir comigo.

— No verão? É daqui a cinco meses.

— Sim. – ele confirmou.

— Não é algo muito planejado?

— Como assim?

— O verão ainda está longe, então...

— Bem... – ele pôs a mão no pescoço por um momento – Gostaria de saber se quer namorar comigo.

Arregalei os olhos, surpresa.

— O que?

— Eu gosto de você, Tsuki. Sei que é algo repentino, mas quero namorar você.

Eu o olhava, sem ter em mente o que dizer. Namorar alguém era um passo importante, o que significava gostar da pessoa e fazer planos para o futuro com essa pessoa. E eu não me via no futuro com Akio. Saímos apenas para jantar, isso não me fazia imaginar um futuro concreto com ele. O máximo que podia pensar seria onde jantaríamos na próxima vez ou que filme poderíamos ver no cinema. E não viajar para Chugoku para ficar na casa de praia da família dele daqui a cinco meses.

Estava boquiaberta enquanto ele falava como se tentasse desfazer o que fizera. Fechei a boca e meus olhos pareceram se abrir mais. Com Akio, eu não imaginava nada possível para um futuro feliz, porém lembrei-me de quando Yuzo se mudou para minha casa. Foi rápido, espontâneo. E não vi nada de errado. Na verdade fiquei feliz. Poderia ver um futuro feliz com ele. O que, naquele momento, me fez ter certeza de que não via um futuro feliz com mais ninguém. Casar, ter filhos, envelhecer juntos. Nada disso se encaixava em minha mente se Yuzo não fizesse parte da história.

Os cantos de meus olhos se encheram de lágrimas, abri um singelo sorriso. Akio ficou surpreso, parando de falar. Flocos de neve começaram a cair. Olhei para cima, vendo que começara a nevar.

— Tsuki?

O olhei, despertando.

— Me desculpe... Akio. – disse, sorrindo – Não posso namorar com você.

— O que?

— Na verdade... Não posso ficar em Tokyo.

Ele arregalou os olhos, surpreso. Me despedi de Akio com um sorriso e peguei um táxi para casa. Ele permaneceu onde o deixei, sem compreender em nada o que acontecera. Enquanto o táxi fazia o percurso, conclui o que demorei muito a entender. Quando dizem que certas coisas não fazem sentido sem a pessoa que amamos... Estas pessoas estão certas. Estão muito certas! Meus planos não me preenchiam como eu gostaria que o fizessem. Como acontecia no passado. Eles agora pareciam vazios e sem rumo. Sem um norte para seguir.

Desci do táxi após pagar e corri para dentro do prédio, subindo as escadas rapidamente como nunca havia feito. Percebi que deixara meu norte em Okayama. Um norte que me faria falta durante toda a vida se escolhesse deixar no passado. Alguém que me arrependeria de não ter ido atrás. Yuzo era meu norte. Agora sabia disso e não me deixaria esquecer nunca mais.

Destranquei a porta e entrei no apartamento, vendo Mina sentada em meu sofá assistindo à tv.

— Oi! Como foi? – perguntou ela, animada – Desculpa, não consegui ir para casa. Queria ser a primeira a saber como foi o encontro. E então?

— Akio me pediu em namoro. – falei, ofegando e fechei a porta.

— O que? – ela abriu um gigantesco sorriso – Isso é ótimo!

— Eu disse não. – sorri feliz – Vou para casa.

— O que? – Mina paralisou.


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