Meu amado é um lobisomem escrita por Lailla


Capítulo 10
Capítulo 10: Reconciliações


Notas iniciais do capítulo

*Haha = mãe/mamãe
*Chichi (se lê "Titi") = pai/papai



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Dizem que ter um filho não é fácil. E realmente não foi, doeu bastante. Dizem também que criar uma criança não é fácil. Essa eu concordo inteiramente. Não me disseram o quão difícil seria.

Depois que Shouya nasceu, senhora Kei logo descobriu de seu nascimento quando foi me visitar no dia seguinte para ver se eu estava bem por causa do vento forte da noite anterior. Yuzo contou que eu dera a luz naquela noite e nos mostrou para senhora Kei. Shouya e eu estávamos dormindo no quarto, deitados na cama no tatame. E com senhora Kei descobrindo, logo todos na cidade descobriram. Nossos amigos mais próximos nos visitaram no primeiro mês para conhecer Shouya. Ele era quieto, calmo. E foi bom isso ter sido no primeiro mês, pois ele logo deixou de ser quieto.

Cuidar de um bebê normal não era fácil. Eram trocas frequentes de fralda, dar o peito para ele mamar e atendê-lo em tudo quando ele começava a chorar. Yuzo ficava bastante tempo com ele, me ajudando muito. Cuidava dele e fazia tudo que podia. Menos lhe dar mamar. Isso ele precisava me chamar, se não seria impossível. Até o vi uma vez no quarto com Shouya, deitado no chão com ele e transformado em lobo. Yuzo o aconchegava em seus pelos, deixando-o quentinho e também pegando no sono. Desejei muito ter tirado uma foto deles assim. E foi então que o cuidar de um bebê normal logo se tornou distante quando descobrimos que Shouya havia herdado o traço característico do pai.

Em poucos meses ele descobriu como se transformar em lobo. E isso me deixou louca! Naquele dia eu o deixara dormindo no berço para fazer o almoço, ele tinha cinco meses. De repente Shouya começou a chorar e logo parou. Eu estava indo até ele, porém quando ouvi os uivos vindos do quarto, arregalei os olhos e corri para lá. Vi Shouya dentro do berço transformado em lobo. O focinho, a pelagem rala e escura, e as patas. Ele sorriu para mim, se balançando. Por um suave momento sorri, seus olhos amarelos eram iguais aos de Yuzo. Shouya era como uma cópia dele.

Era primavera e Yuzo fora até a cidade para comprar sementes para começarmos mais uma vez com a horta. Ele provavelmente escutara Shouya uivar, pois correu para dentro e me viu tentando fazê-lo parar.

— Shh! Por favor! – implorava, ajoelhada em frente ao berço.

— Ele...

— Herdou muito de você. – brinquei – Não consigo fazê-lo parar. Alguém vai escutar.

— Feche a porta. – disse Yuzo, caminhando até o berço.

Fechei a porta do quarto e o olhei. Yuzo pegou Shouya no colo e sentou no chão, virando lobo e encostando seu focinho no rosto de Shouya, cheirando-o e fazendo com que ele risse. Yuzo voltou a ser homem, balançando simplesmente a cabeça e Shouya fez o mesmo, continuando a rir.

— É questão de ensiná-lo.

— Parece tão fácil. – sentei-me ao seu lado.

— Será quando ele crescer e entender. – Yuzo roçou seu nariz em minha bochecha, fazendo-me sorrir.

— Senhora Kei o chama de Sho-chan.

Yuzo sorriu.

— Ela gosta de nos visitar. Temos que arranjar uma desculpa, pelo menos até ele aprender.

— Hum. – concordei – Agora acho que as coisas eram fáceis antes.

Ele riu.

Shouya aprendeu a se controlar um pouco após alguns meses. Yuzo conversava bastante com ele para ensiná-lo a falar e engatinhar. Os dois passavam muito tempo dentro de casa. E eu precisava deixar a porta da frente fechada para nenhuma visita surpresa ver Yuzo correndo pela casa totalmente como lobo e em seguida Shouya, tentando acompanhá-lo enquanto tentava engatinhar. Yuzo passou a levá-lo para a floresta às vezes, apenas para mostrar a natureza a ele. Quando eu os acompanhava, via Shouya sorrir constantemente ao ver os pássaros e animais na floresta. Era mais divertido para ele estar na floresta do que em casa, escondido dentro do quarto. E eu gostava de vê-lo sorrir. Era como se a floresta os fizesse felizes, como se fizesse parte deles.

Não sei se nosso filho tinha o incentivo certo, porém ele começou a engatinhar aos sete meses. Isso é considerado normal, porém apenas acontece quando o bebê consegue ficar sentado com facilidade e sem apoio. E isso ele fazia muito antes. Após começar a engatinhar, ele passou a se tornar lobo e correr atrás de Yuzo. Era como se sua estrutura óssea mudasse e isso facilitasse o ato de correr em quatro patas. Isso me deixou apavorada, tive medo que ele corresse para a floresta como lobo e vestido com roupas de bebê. Precisei ficar ainda mais atenta com Shouya.

No final da primavera, Shouya começou a balbuciar e nos chamar de Haha e Chichi. Fiquei feliz por ouvi-lo me chamar assim. Um pouco depois disso, ele passou a ficar comigo enquanto eu cuidava da horta. Yuzo voltou a desaparecer por alguns dias e a me deixar bilhetes sobre o travesseiro avisando que estava na floresta. Então Shouya passou a ficar bastante tempo comigo. Quando eu estava ajoelhada para cuidar da horta, ele estava sentado brincando na terra. Quando eu estava cuidando do almoço, ele estava puxando a toalha da mesa da cadeira do bebê para derrubar tudo. Infelizmente ele conseguia derrubar, mas aprendi a não deixar mais nada sobre a mesa. Quando eu estava descansando no quarto e lendo um livro, ele estava deitado com a cabeça em meu colo chupando seu dedo e mexendo numa mecha de seu cabelo com a outra mão.

Eram poucas as vezes que ele se transformava em lobo comigo, acho que queria que eu brincasse de correr com ele como Yuzo fazia. Porém eu não podia e creio que ele desistiu de tentar. Então Shouya ficava muito feliz quando Yuzo voltava para casa. Principalmente quando ele o surpreendia entrando em casa ou em seu quarto como lobo. Eu escutava as risadas do cômodo principal.

Shouya faria dez meses em uma semana, estávamos no verão. No final daquela tarde eu estava olhando para a foto do meu pai. Fazia mais de um ano que ele se fora. A saudade nunca me deixava e creio que a Yuzo também não. Eu o pegava às vezes olhando para a foto, murmurando coisas e agradecendo por outras. Escutei uma vez ele dizer para papai “Obrigada por ter uma filha tão maravilhosa”. Sempre sorria, escondida atrás da porta.

— Né, papai. Ele está crescendo tão rápido. – sorri – Logo irá para a escola. Eu estou tão feliz, queria que estivesse aqui...

Ouvi alguém do lado de fora e logo em seguida meu nome.

— Tsuki! – senhora Kei gritou.

Fui até a entrada e a vi, indo até ela.

— Oi, senhora Kei. Como está?

— Muito bem. Vou viajar em breve para ver meu neto. – ela sorriu – E como vai Sho-chan?

— Ele está dormindo, mas logo vai acordar. Sempre é assim. – sorri.

— Yuzo viajou novamente?

— Sim. Ele volta hoje.

— E como vai Sana? Não tenho a visto. Você sabe de algo?

— Bem, ela está grávida, os enjoos estão fazendo-a ficar muito em casa. A senhora lembra de mim, não é? – ri – Foi terrível. Mas logo vai passar. Vou visitá-la amanhã.

— Com certeza. Bem, minha querida, gostaria de falar algo pra você.

— O que? – fiquei preocupada.

— Algumas pessoas estão dizendo que há cães ou lobos, não sei, por aqui. Há uivos por esses lados e preciso dizer para tomar cuidado.

— Ah, sim. Não se preocupe. – sorri.

Senhora Kei sorriu e olhou para minha casa ao ouvir o som de patas correndo na madeira. Arregalei os olhos, um frio cortante passou pelo meu corpo.

— Chichi! – Shouya exclamou de dentro da casa.

— Yuzo voltou. – gaguejei – Deve ter entrado pelos fundos.

— Vocês tem um cachorro?

— Mais ou menos. – sorri – O achamos na floresta e minha tia o quer. Como Shouya é muito novo, prefiro não ter um ainda. Então vou mandá-lo para Tokyo.

— Ah, sim. Então deve ser ele que uivava. Vou tranquilizar a todos.

— Hum. – sorri nervosa.

— Bem, vou indo. Preciso ir ao mercado.

— Tudo bem.

Entrei rapidamente em casa e fechei a porta, vendo Yuzo brincar com Shouya, ambos como lobo. Sorri por um momento e corri para abraçá-lo. Ele voltou a ser homem – um homem pelado – e me abraçou, beijando-me. Shouya ficou nos olhando e balançou sua cauda, que saía de dentro da fralda.

— Duas crianças. – sorri, intencionada – Senhora Kei acha que temos um cachorro.

— Desculpe. – Yuzo sorriu, envergonhado – Queria surpreendê-lo.

— Eu sei. – agachei e peguei Shouya no colo – Vamos tomar banho, meu lobinho?

Yuzo sorriu e foi para o banheiro conosco. No final das contas, ele tomou banho com Shouya e me fez entrar na banheira de roupa mesmo, me encharcando e fazendo Shouya rir ao me fazer cócegas. Após o banho, com dificuldade, o fizemos dormir.

Deixei uma brecha ao fechar a porta do quarto de Shouya. Ao ir para o nosso, vi Yuzo me esperando sentado na cama. Ele sorriu como se quisesse algo mais além de dormir. Achei graça e me sentei ao seu lado. Ele esfregou seu nariz em meu cabelo ao cheirá-lo. O beijei, deitando e fazendo-o deitar comigo. Após algumas carícias, ele cessou e passou a me olhar, acariciando minha bochecha com o polegar. O olhava, curiosa, e sorri.

— O que foi?

— Quero perguntar uma coisa.

— Tudo bem. Pergunte.

Yuzo sentou e eu fiz o mesmo. Ele ficou me olhando por um tempo como se tentasse guardar na mente como era meu rosto.

— Quero fazer algo.

— O que?

— Moramos juntos e temos o Shouya.

— Hum. – concordei.

— Quero casar com você.

Arregalei os olhos por um momento e sorri, feliz.

— Claro. – gaguejei – Eu quero!

Ele sorriu para mim, porém abaixou o olhar.

— O que houve?

— Pedi a Sana e a senhora Ryoko para me ajudar com o casamento. Elas tinham certeza de que você diria sim, então a maior parte de tudo está pronto.

— Quando fizeram isso?

— Há três meses. – disse ele – Às vezes eu ia para a cidade ao invés de ir para a floresta como escrevia no bilhete. – sorriu, envergonhado.

— Que mentiroso. – sorri – Mas então o que há de errado? O que falta?

— Meus documentos para nos casarmos.

— Mas... Ah. Deve estar com seu pai, não é?

— Sim.

— Mas nós podemos procurá-lo em Nagano, não deve ser difícil. – sorri.

— Eu já o encontrei.

O olhei, surpresa.

— Lembra-se daquela vez que sumi por uma semana quando já morávamos juntos?

Assenti.

— Fui procurá-lo, e o achei depois de alguns dias em Nagano. – dizia Yuzo – Ele mora na mesma casa. Eu quis encontrá-lo pra dizer que estava bem e que tinha encontrado alguém, mas... Não consegui. Ele entrou em casa com as sacolas de compras e eu fiquei parado.

— Não tem problema, Yuzo. – toquei sua mão – Há muito tempo você não o via. É só questão de tentar numa próxima vez.

Ele concordou.

— Agora é a próxima vez.

— Yuzo...

— Quero casar com você, de verdade. E não apenas morar com você. Quero fazer tudo certo por você, Tsuki. E se pra isso eu tenha que vê-lo, eu vou fazê-lo.

Semicerrei os olhos, olhando-o. Sorri, emocionada. Mesmo não tendo coragem, Yuzo queria enfrentar seu medo para ficar comigo. Ele já havia o enfrentado uma vez quando me contou seu segredo, mas agora... Era diferente. Era alguém que ele não via há anos. Era seu pai. Se ele faria isso por mim, então eu também poderia fazer algo por ele.

— Tudo bem.

— Hum. – ele concordou.

— Vamos todos juntos.

— O que?

— Afinal, Shouya precisa conhecer o avô. Não é? – sorri.

Yuzo arregalou os olhos, os amarelos ficaram nítidos como sempre ficavam quando ele fazia isso. Abracei-o e o beijei em seguida.

— Quero fazer isso com você, Yuzo.

Ele pôs as mãos suavemente sobre minhas costas e me beijou, deitando-me. Nos cobriu com a coberta, fazendo-me sorrir.

Partimos para Nagano depois de três dias. Saímos pela manhã, eram oito horas de carro até a cidade. Yuzo e eu dividimos o tempo dirigindo. Ele foi o primeiro enquanto eu segurava Shouya no colo, no banco do carona. Ele ainda dormia quando saímos e não entendeu muito bem onde estávamos quando acordou, porém ao me ver e ver Yuzo, ele apenas encostou novamente a cabeça em meu peito.

Almoçamos o que eu havia preparado na noite anterior, parando o carro num posto de gasolina. Shouya não estava se transformando em lobo, porém não quisemos arriscar e o cobríamos com uma manta caso isso acontecesse de repente. Ao continuarmos foi minha vez de dirigir e Yuzo brincava com Shouya com um brinquedo que ele tinha desde o nascimento. Ele mordeu o brinquedo algumas vezes e em seguida o dedo de Yuzo, que chegou perto para pegar o brinquedo.

— Ai, ai! – ele exclamou – Os dentes dele estão aparecendo.

Sorri. Yuzo abriu levemente a boca de Shouya, vendo caninos pequenos de lobo.

— Deixa pra lá.

— O que foi?

— São caninos.

— Mas isso é normal... Ah. Mesmo como criança, ele ainda dá um jeito. – ri.

Yuzo suspirou.

Nas quatro horas restantes, chegamos em Nagano finalmente. A cidade era bonita e havia florestas. Passamos pelo centro e por várias ruas de residências. Yuzo me guiou pelas ruas e ao pararmos o carro em frente a sua casa, me surpreendi. Era uma casa de dois andares com inúmeras árvores ao redor. Acreditei que se ele tivesse tido a liberdade de se transformar em lobo quando criança, sua infância teria sido ótima naquele lugar. Era afastado, precisamos subir por uma estrada. Uma casa vizinha era há minutos dali. Provavelmente sua mãe escolhera o local. Ela devia ser cuidadosa.

Paramos o carro em frente e eu abri a porta para sair, porém Yuzo paralisou com Shouya em seu colo. Ele olhava para a casa, mirando as janelas na frente e o segundo andar enquanto Shouya batia com o brinquedo contra seu peito.

— Podemos voltar outra vez. – o olhava.

Yuzo me olhou, despertando e firmando sua mão nas costas de Shouya para apoiá-lo. Por um ligeiro momento ele abaixou o olhar e respirou fundo, abrindo a porta e segurando Shouya nos braços, saindo em apenas um salto. Olhei-o dar a volta do carro, abrindo minha porta e oferecendo sua mão.

Caminhamos até a entrada na lateral da casa. Ela tinha grandes janelas na frente e uma varanda, onde dava para ver a sala de estar. As luzes estavam apagadas, porém uma luz ao fundo estava acessa. Peguei Shouya no colo, encapuzando-o com a manta. Yuzo hesitou, porém bateu na porta. Ele estava nervoso, encarava a porta. Ninguém atendeu, ficamos parados ali por um minuto, que tenho certeza de que para Yuzo foi uma eternidade.

— Acho que não tem ninguém. – disse à ele.

Yuzo abaixou o olhar.

— Ele não pode ter se mudado. Ficou aqui por anos.

— Vamos continuar procurando.

Ele assentiu e me olhou.

— O que fazemos agora?

Abri a boca para falar para irmos para um hotel descansar, pois já estava entardecendo. Mas alguém, a quem tanto procurávamos, apareceu.

— Yuzo? – ouvimos o gaguejar de um homem.

Nos viramos e vimos um senhor de cinquenta anos com cabelos pretos azulados e vários fios grisalhos percorrendo sua cabeça. Ele segurava uma sacola de compras e seu rosto mostrava as marcas da velhice. Seus olhos marrons estavam arregalados, olhando para Yuzo. Repentinamente ele largou a sacola, deixando-a cair no chão e correu em direção a Yuzo, abraçando-o. O homem começou a chorar, abraçando-o forte.

— Não acredito... Não acredito. – ele dizia – Depois de todos esses anos... Você está tão grande.

Yuzo paralisou com os olhos arregalados. Creio que essa não era a reação que esperava de seu pai. Porém eu compreendia. Há tantos anos sem ver o filho e descobrir que ele estava bem. Seu pai estava feliz. Yuzo acalmou o olhar e levantou os braços, abraçando seu pai e aos poucos apertando o abraço. Ficaram por um longo momento abraçados. Ao cessarem, seu pai o olhou com os olhos cheios de lágrimas e as marcas das lágrimas anteriores em seu rosto.

— Onde esteve este tempo todo? – perguntou e me olhou com o bebê nos braços – Quem é essa menina?

Olhei para Yuzo, que me olhou e em seguida ao seu pai.

— Pai... – pôs a mão em seu ombro – Precisamos conversar.

O pai de Yuzo nos deixou entrar. Yuzo o ajudou a pegar a sacola que ele trazia e ao entrarmos, vimos como a casa era grande. A sala de estar era grande e ao fundo ficava a cozinha, tendo apenas como divisão uma bancada. Ao lado uma porta provavelmente para o banheiro e a frente dela uma grande escada de madeira. Como aquele homem viveu tanto tempo sozinho nessa casa?

Seu pai pôs a sacola sobre a bancada e nos ofereceu água. Nos sentamos no sofá com Shouya em meu colo e Yuzo ao meu lado. O senhor trouxe dois copos de água e os colocou na mesa de centro a nossa frente. Ele se sentou e fitou Yuzo e a mim.

— Ahm... Muito prazer, sou Yoshiro Kenjiro.

— Eu sou Miyoshi Tsuki. Esse é Shouya. – tirei a manta de sua cabeça – Yoshiro Shouya.

Senhor Kenjiro ficou surpreso olhando para Shouya. Ele ficou boquiaberto e olhou para Yuzo, recompondo-se.

— Ele... É igual a você. Vocês... Não são casados, são? Ela não tem seu nome.

Yuzo negou.

— É por isso que viemos. Preciso de alguns documentos para nos casarmos.

— Ah. – senhor Kenjiro abaixou o olhar – Então veio para isso.

— Pai...

— Tudo bem. Afinal, são trezes anos. Treze anos que não o vejo. Não sei como se virou, você tinha doze anos! Onde esteve? Onde mora agora?

Yuzo o olhava quase apático. Por um lado eu conhecia esse seu lado difícil, mas pensei que ele demonstraria mais com o próprio pai.

— Morei na floresta, o pai de Tsuki me encontrou e me visitava. Moramos em Okayama.

— Na floresta? Morou em uma floresta todo esse tempo?

— Pai...

— Por que fugiu? O diretor me ligou naquele dia dizendo que você brigou e desmaiou um garoto. Você desapareceu, ninguém sabia onde estava!

— Eu fui pra floresta. Passei por ela e pegava carona às vezes. Fiquei em Okayama, achei melhor.

Senhor Kenjiro o olhava, indignado.

— Por que fez isso?

— Não posso contar.

— Por que não? – ele se irritou – Eu tenho o direito de saber!

— Eu sou diferente. Não me encaixo aqui.

— Mas parece bem com essa menina. E teve um filho! O que você tem de tão diferente que precisou fugir de casa?

— Eu não tenho nada. É algo que eu sou e que minha mãe também era. Por isso ela morreu. – Yuzo abaixou o olhar.

— Sua mãe não morreu! – exclamou senhor Kenjiro – Ela nos abandonou!

— Ela morreu, se afogou no parque.

— O que? – ele levantou, indo até a escada – Pare de falar bobagens.

Seu pai desaparecera, indo para o segundo andar. Yuzo cerrou os punhos, abaixando a cabeça. Pus a mão sobre seu ombro e ele me olhou.

— Conte. Mostre para ele.

— Não.

— Ele vai entender, você é o filho dele.

— Ele vai me achar um monstro.

— Eu não achei. – franzi as sobrancelhas.

— Você me ama. – ele sorriu.

— Seu pai também ama você. Ele é o seu pai!

Yuzo abaixou o olhar. Levantei, pondo Shouya em seu colo e me direcionei para as escadas, subindo-as. Yuzo me olhou confuso. Cheguei ao segundo andar e procurei pelo seu pai, achando-o num quarto. Ele estava sentado na cama, com a cabeça baixa e uma papelada na mão. Entrei com cautela no quarto, olhando-o e bati levemente na porta.

— Senhor Kenjiro.

Ele me olhou, surpreso e levantou, limpando o rosto.

— Eu peguei os documentos para Yuzo. – ele veio até mim e entregou-me a papelada bruscamente – Agora vocês podem se casar.

Permaneci o olhando, vendo a expressão triste e amargurada em seu rosto.

— Ele sempre foi difícil assim?

— Sim, mas... Parece que piorou.

Sorri levemente.

— Yuzo foi embora, pois não se encaixava aqui. Ele é diferente de várias formas.

— Eu não sou surdo. Não queriam isso? Então agora vão.

— Conhece a lenda do lobo japonês? – abracei a papelada.

— O que?

— Que... Algumas pessoas herdaram o sangue dos lobos e dos humanos.

— Que loucura está dizendo?

— Nunca percebeu algo diferente com a mãe de Yuzo? Algo que não pudesse explicar.

Ele me olhou, pensando, porém desviou o olhar.

— Não havia nada de errado com Keiko. Ela era diferente nos seus cabelos e olhos. Mais nada.

— Por que não acredita que ela morreu?

— Ela não morreu. – ele franziu as sobrancelhas – Keiko deve estar em algum lugar, feliz.

Então era isso, compreendi.

— O senhor prefere pensar que ela os deixou a pensar que ela morreu. – falei, fazendo-o me olhar – Eu sei como é perder alguém. Perdi minha mãe com dez anos e meu pai há um ano e meio.

Senhor Kenjiro foi até a cama e se sentou. Ele ficou com o olhar baixo por um momento, e então me olhou.

— Eu a vi pela primeira vez no colégio. Ela tinha os cabelos curtos, ruivos. Era linda. Mas parecia ter um segredo. Um segredo que eu nunca soube qual era. Pensei que era por ela ter perdido os pais quando criança, mas não era isso. Fomos para a mesma faculdade e quando terminamos, nos casamos.

Ele parou por um momento.

— Antes do casamento ela parecia querer me contar algo importante. Pensei que finalmente descobriria qual era o segredo. Mas então deixou pra lá, como se estivesse com medo. Quando Yuzo nasceu tudo ficou estranho. Ele era um bebê apenas, mas me assustava às vezes. Às vezes a noite eu acordava com uivos dentro de casa e corria para o quarto dele. Keiko sempre o estava ninando, cantarolando. Eu perguntava o que eram os uivos e ela disse que foi a televisão que estava assistindo. Mas eu sabia que ela estava dormindo ao meu lado. E eu... Eu...

— O que?

Senhor Kenjiro me olhou como se pedisse para eu acreditar nele.

— Eu jurava que via grandes orelhas na cabeça de Yuzo. Como orelhas de animal.

Tracejei um leve sorriso. Ele com certeza pensara que estivesse ficando louco.

— Sabe, senhor Kenjiro... Eu também vejo muitas vezes grandes orelhas na cabeça de Shouya. – sorria – Há muitas coisas que não sabemos sobre o mundo.

Ele arregalou os olhos, porém começou a chorar. Para senhor Kenjiro era melhor pensar que a esposa abandonara a ele e seu filho a pensar que ela morrera. Quando o vi chorar por descobrir que tudo que vira era verdade e que ele não estava imaginando, percebi que ele a amava de verdade e que não se importava com o segredo que ela tinha.

Fiquei ao lado do pai de Yuzo por um tempo. Quando ele se acalmou, me olhou.

— Não posso encará-lo agora. Por favor... Eu... Sinto muito.

Neguei com a cabeça.

— Vamos nos casar no próximo mês, no outono. Quero que venha, Yuzo ficará feliz. Nós ficaremos felizes.

Senhor Kenjiro assentiu.

Quando saí do quarto, fechando a porta calmamente, vi Yuzo ao lado da porta com Shouya no colo. Seus olhos estavam cheios de água. Ele escutou tudo e me abraçou. Depois disso, fomos para um hotel e passamos a noite em Nagano. Yuzo ficou angustiado e disse que deveria ter sido mais gentil com o pai, dizendo que ele era estúpido. Conversei com ele, dizendo que senhor Kenjiro o conhecia bem e que estava apenas com saudades. E que agora que ele acreditava em Yuzo, esperávamos que senhor Kenjiro fosse para nosso casamento.

Voltamos para Okayama no dia seguinte. Uma longa viagem de volta. O final daquele verão se resumiu a resolvermos os documentos de Yuzo. Ele tinha agora uma identidade, oficialmente fazendo parte do país.

O dia do casamento chegou rapidamente. Estava começando a ficar frio por causa do outono e as folhas das árvores caiam. A cerimônia me fez chorar e Yuzo não parava de sorrir. Nossos olhares sempre se direcionavam para Shouya, que estava no colo de Sana. Ela estava na metade da gravidez e feliz. Ficamos receosos de que Shouya virasse lobo, mas ele apenas observava as folhas caindo, entretido. A festa foi maravilhosa e Yuzo não parava de me olhar. Minha Yukata era florida com as cores preta e rosa. Meu cabelo estava preso e eu usei a presilha prateada que minha mãe usou em seu casamento.

Yuzo e eu não tínhamos muitos parentes. Nossos convidados foram nossos amigos e as pessoas da cidade. Estávamos sentados na mesa com Shouya em meu colo quando avistei uma pessoa em especial. Pus a mão sobre a mão de Yuzo, que conversava com Haku. Ele me olhou e depois olhou para onde eu olhava. Yuzo então viu seu pai.

Fomos até ele e o cumprimentamos. Senhor Kenjiro pareceu acanhado, mas sorriu para Yuzo. Ele se sentou conosco e ficou até o final da festa. Ocorreu tudo bem e Yuzo parecia feliz por ele ter vindo. Quando o casamento acabou, ele veio conosco para casa. No meio do caminho, comprei uma chupeta nova para Shouya na farmácia. Ele estragou a anterior com os dentes de lobo e precisávamos comprar outra logo. Passei por uma prateleira e vi algo em especial. Estava desconfiada há duas semanas, mas agora teria certeza.

Ao chegarmos em casa, deixei Yuzo com o pai na cozinha e levei Shouya para o quarto. Ele dormiu rápido, estava cansado por causa do casamento. Shouya ficou com Sana e depois comigo, porém não parava de brincar e não dormiu durante o dia, o que ele sempre fazia. Troquei de roupa e fui para o banheiro. Eu estava desconfiada há duas semanas de que estava grávida de novo. Comprei o teste de farmácia e teria certeza naquele momento.

Enquanto esperava os cinco minutos acabarem, escutei algo na cozinha. “Meu Deus!”, exclamou o pai de Yuzo. Ele provavelmente mostrou ao pai seu lado animal. Espionei pela brecha da porta da cozinha e o ouvi dizer que Yuzo não precisava ter guardado isso apenas para ele, que senhor Kenjiro o amava não importava o que ele fosse. E que também ainda amava sua mãe.

Quando os cinco minutos acabaram, descobri que estava mesmo grávida. Fiquei feliz! E tinha certeza de que Yuzo também ficaria. Voltei para a cozinha e vi o pai de Yuzo abraçando-o. Fiquei parada, olhando-os e sorri. Yuzo me olhou e cessou o abraço.

— Tenho um presente surpresa de casamento. – falei.

Ambos me olharam sem entender.

— Como assim? – perguntou Yuzo.

— Vamos ter outro bebê.

Yuzo arregalou os olhos e se aproximou, tracejando suavemente um sorriso. Ele me abraçou e me suspendeu, me beijando. Seu pai se aproximou, me olhando.

— Vocês vão ter outro filho?

— Sim. – confirmei, feliz.

— Mas como vão...?

— Tivemos Shouya em casa. Cuidamos de tudo. – sorri.

Ele assentiu, abaixando o olhar e nos olhando.

— Já que agora eu sei... – sorriu para Yuzo – Posso ajudar quando o bebê estiver perto de nascer.

Yuzo e eu nos entreolhamos e sorrimos.

— Claro que sim. – disse ele.

— Vai ser ótimo tê-lo aqui quando o bebê chegar. – sorri.

Senhor Kenjiro assentiu, sorrindo e ouvimos um choro de bebê seguido por uivos vindos do quarto de Shouya. Nos entreolhamos e sorrimos. Ele tinha apenas deixado a chupeta cair da boca e não conseguia encontrá-la.


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