Mentes Quebradas escrita por Nando


Capítulo 20
Connor


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo (finalmente, este demorou!). Aproveitem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/732491/chapter/20

Nunca tive tanto medo na minha vida. A cada segundo que passava sentia a minha vida a escapar-me das mãos. Porque raio é que estas coisas só me aconteciam a mim?! Envolvi-me numa relação perigosa com o álcool que me fez perder a pessoa mais importante da minha vida e, agora que estava a pagar por esse ato, aparecem-me aquele grupo de terroristas para tomar controlo da prisão e tornar alguns prisioneiros para o grupo deles!

No entanto, aquilo que eles não previram, foi que a polícia viu através do plano deles e rapidamente os cercou impedindo qualquer fuga da parte deles. Os terroristas, não tendo mais nenhuma opção, tomaram os prisioneiros como reféns, separando-se para tornar a tarefa dos polícias mais complicada. Neste momento, estava sozinho num armazém com uma mulher de cabelos louros e olhos azuis que me gelavam cada vez que os nossos olhos se cruzavam. Havia algo de estranho nela, parecia que existia um muro de gelo estava á sua volta a impedir que alguém entrasse. Enquanto me perguntava sobre o motivo da existência desse muro, ela virou, subitamente, a sua atenção para mim:

            -Não precisas de estar tão nervoso! Eu não te vou comer, pois ao contrário do que dizem as notícias nós não somos uns monstros!

            Nisso concordava com ela. Por mais fria que me parecesse, ela era definitivamente humana, pois, devido a estar numa situação que a podia mandar para a prisão até ao fim dos seus dias ou até perder a própria vida, tremia por todos os lados, embora tentasse parecer calma. Mas também tinha que admitir que os ataques que eles faziam deixavam a impressão de que não tinham sentimentos sobre outras pessoas e que não passavam de umas bestas, prontos a devorar tudo o que estivesse á sua frente apenas para alcançar os seus objetivos, se bem que eu próprio não podia falar muito, pois eles tornaram-se bestas, segundo eles, com um objetivo em mente, eu tornei-me num monstro sem correntes destruindo aquilo que me estava mais próximo sem qualquer intenção, destruindo apenas por destruir.

            Embrenhei-me na minha mágoa e tristeza, pensando, mais uma vez, naquilo que podia ter feito para impedir que tudo se desmorona-se, naquilo que a minha vida podia ter sido se não me tivesse viciado no álcool… Não… A culpa não era do álcool… Tinha que parar de o culpar… O monstro já há muito que residia dentro de mim…

            Os meus pensamentos foram interrompidos pela voz distante da terrorista:

            -Bom, isto aqui está muito silencioso para mim… Que tal me contares sobre o motivo que te levou a ir preso?

            Fui surpreendido por esta pergunta. Engoli em seco hesitando se deveria dizer ou não. Não gostava de partilhar a minha história com ninguém. Mesmo com a psicóloga que me consultou senti-me pouco á vontade, notando claramente que ela me julgava a cada olhar, facto para o qual eu não a podia culpar…

            Vendo a minha hesitação, ela retorquiu:

            -Não te preocupes, eu não te vou julgar, não sei se já reparas-te mas eu não sou, tecnicamente, a pessoa mais moralmente correta do mundo!

            Por algum motivo, esta frase levou-me a abrir a minha boca e a contar-lhe todas as minhas mágoas. Comecei um tanto quanto retraído, omitindo este e outro ponto, mas acabei por lhe contar toda a verdade. Talvez fosse o facto de encontrar outra pessoa que pecou tanto como eu, ou talvez fosse por não me sentir julgado ao confessar esses mesmos pecados, sentia-me tentado a contar-lhe tudo.

            A minha ouvinte não disse uma única palavra durante o meu discurso, acenando de vez em quando para confirmar que me ouvia perfeitamente. Quando terminei, aguardei silenciosamente pelo meu julgamento mas este não veio. Ela limitou-se apenas a dizer:

            -Ui, que reviravoltas…

            Fiquei parado a olhar para ela. Era só isso que tinha para dizer?! Tinha acabado de ouvir uma história de um esposo que agrediu violentamente e durante tempo demais a mulher com quem tinha jurado, diante do altar, amar e cuidar durante toda a sua vida! Algo não devia estar bem com a cabeça daquela mulher, só podia! Decidi provar a minha teoria:

            -É… é só isso que tem a dizer?!

            Ela fintou-me pensativa:

            -Que queres que eu diga mais?

            -Eu acabei de lhe contar que eu bati na minha mulher! Na minha mulher! Na mulher que eu tinha escolhido! Nós íamos criar uma família! E eu estraguei tudo! Acha que isto tudo foi só uma reviravolta?! – A meio deste momento de exaltação, as lágrimas começaram a vir-me aos olhos.

            -Ouve lá – respondeu ela prontamente – Tu deves achar que só tu é que tens problemas! Quantas pessoas é que achas que já se tornaram, e ainda são, viciadas em álcool?! Quantas pessoas é que já agrediram o seu parceiro?! E quantas pessoas já fizeram, ou sofreram, algo que levou ao fim de uma família feliz?! Muito mais do que possas imaginar! Não penses que só tu é que és um coitadinho! Não sei se reparas-te mas, muito provavelmente, mais de metade das pessoas que foram condenadas á prisão neste sítio onde estás vieram por motivos parecidos ou iguais aos teus! Para de pensar que as coisas más só te acontecem a ti! É assim que o mundo funciona!

            Foi como se tivesse levado a maior surra de todos os tempos. Cada frase dela atingiu o meu corpo fortemente, mas não me pareceu que tivesse deixado nódoas negras pois, afinal, ela tinha razão, eu não era o único! Quantas pessoas com quem eu já me tinha cruzado na rua já teriam tido problemas idênticos com os meus? O mundo naquele momento pareceu-me imensamente grande, e os meus problemas imensamente pequenos comparado com a grandeza do planeta. Comecei-me a rir nervosamente como que a gozar comigo mesmo por ter sido tão estúpido. O que eu fiz continuava a ser um crime, mas não tinha que atrair e amaldiçoar tudo que era de mau no mundo! E quem diria que quem me iria abrir as portas da verdade seria alguém que cometia maus atos a torto e a direito?! Parecia que era verdade o que diziam: os loucos, por vezes, são os certos!

            Olhei para a terrorista. Ela continuava com o seu olhar gélido e a muralha á sua volta ainda permanecia intacta, mas, por alguma razão, senti-me mais perto dela, talvez por finalmente ter encontrado alguém que me tirasse um pouco do peso sobre os meus ombros. Perguntei-me que motivos a teriam feito escolher aquela vida que tomava. Engoli em seco e decidi perguntar:

            -Eu concordo com tudo o que disse… Na verdade até parece algo absurdamente simples, mas que nunca me veio á cabeça… Se não estiver a me intrometer demasiado, poderia me contar sobre o motivo que a levou a seguir o caminho como terrorista?

            -Trata-me por tu, que já me estás a irritar! Como é que tu ainda consegues tratar alguém com você depois de lhe teres contado esse evento?!

            Acenei afirmativamente, baixando um pouco a cabeça. Isto levou a mais uma razão para se zangar comigo:

            -E não sejas assim tão submisso! Pareces um puto da primária a conversar com um adulto! Mas prontos, talvez te deva contar a minha história, acho que é uma troca justa depois de tu me teres contado a tua… - Suspirou antes de continuar – Bom, por onde começo? Talvez deva começar pela raiz de toda a tragédia… Já ouviste falar do Quebra-Mentes, certo?

            Acenei afirmativamente com a cabeça, como poderia não saber? Essa personagem misteriosa era a razão de muitas dores de cabeça da polícia e de muitos debates na televisão.

            -Bom, indo direta ao ponto, esse monstro tirou a vida do meu filho.

            A minha habilidade de criar palavras desapareceu por completo. Aquela súbita declaração indicava os motivos para todo e qualquer crime cometido por aquela mulher. Embora nunca tivesse experienciado eu mesmo a sensação de ter um filho, conseguia compreender perfeitamente os motivos que levaria um pai a pecar por um filho. Até conseguia ver o filme da vida dela a passar na minha cabeça. Queria dizer desculpa por ter achado que fosse apenas uma pessoa sem sentimentos pelos outros, mas as palavras não vinham. Não sabia o que dizer para acalmar a dor dela. Aliás, nem devia haver nada a dizer. Limitei-me a ficar quieto, tentando evitar olhá-la nos olhos. A comparação que tinha feito entre mi e um rapaz na primária assentava que nem uma luva neste momento. Eu era de facto uma criança, inocente, achando que sabia tudo sobre o mundo, mas, na verdade, eu não fazia a mínima ideia. Eu mal dormia á noite com as imagens do que tinha feito a atormentarem-me de cinco em cinco segundos, como é que aquela mulher dormia? Será que acreditava que o seu filho estivesse no céu em paz? E se ela não fosse religiosa? Caso não acreditasse numa vida após a atual, como lidaria ela com a perda eterna do menino que tinha criado desde o primeiro suspiro deste? O meu peito começou a doer, sentido uma parte da dor dela, sim, eu sabia plenamente que aquilo era apenas uma parte. A agonia dela devia ser imensa…

            -Não precisas de ficar dessa maneira… Eu tenho lidado com o sofrimento da melhor maneira e essa maneira é tentar impedir que outras mães sintam a mesma dor que eu. É esta a causa pela qual luto percebes agora?

            Esta conversa tinha-me ajudado de mais do que uma maneira. Tinha-me ajudado a livrar um pouco do peso que carregava, e tinha-me aberto os olhos para os diferentes problemas que as outras pessoas á minha volta sofriam. Agora percebia o porquê dos terroristas fazerem o que faziam. Quando o mundo á sua volta não entendia os seus problemas, eles tinham de mostrar de alguma maneira. Se ninguém se importava com eles, eles tinham de se mostrar ao mundo. Se a sociedade não conseguia resolver os seus problemas, então eles mesmos tinham de os resolver. Sabia perfeitamente que isso só iria trazer mais ódio de outras pessoas, mas enquanto tivessem um objetivo em mente nada os destruiria. Dei um pequeno sorriso. Talvez me devesse juntar a eles. Afinal, não é como se os meus pecados fossem ser inibidos apenas por mudar as minhas atitudes. Mesmo que existisse um Deus á minha espera quando morresse, eu simplesmente lhe iria mostrar a aberração que ele tinha feito. “Aqui tem!” diria eu “Eu sou apenas um fraco ser humano que não sabe ser bonzinho durante muito tempo”. Estava a tremer de tanta excitação! Como seria a minha vida se eu seguisse com eles? O melhor era descobrir já!

Quando me preparava para lhe pedir para entrar no grupo, ela ficou rígida subitamente, como se algo á sua volta tivesse-lhe captado a sua atenção. Sem aviso prévio, atirou-se na minha direção, prendendo-me o pescoço com o braço e colocando-me uma pistola na testa. Aquela mudança de atitude horrorizou-me por completo. O que lhe estava a passar pela cabeça? Ia-me matar?! Porquê?! A conversa estava a ir tão bem, o que tinha feito?! Percebi, passado uns segundos, o porquê desta mudança de atitude:

—Mostrem-se já, ou eu explodo a cabeça deste homem!

Era a polícia que tinha aparecido! Ela devia estar só a tentar impedir que a prendessem, ela não me mataria, sou precioso como refém, sim, deve ser isso…

Foquei a minha atenção na escuridão á minha frente. Havia uns vultos a mexer-se, que se revelaram após a indicação dela. Ao vê-los aproximarem-se, pressionou ainda mais a pistola contra a minha cabeça, levando-me a perguntar se sairia vivo daquela situação…

            Com a aproximação dos vultos pude ver que eram de facto polícias, três no total, e estavam protegidos da cabeça aos pés. Se alguma bala lhes acertasse, provavelmente não lhes iria afetar muito. Como raio iria escapar daquela situação?!

            -Não ouviram o que disse?! Querem que eu mate este homem?

            Os polícias esperaram um pouco e então deram uma resposta que me gelou da cabeça aos pés:

            -Boa tentativa, mas temos ordens para matar qualquer refém que os terroristas porventura fizessem. Lamento muito, pode ser que Deus vos perdoe alguns dos pecados que cometestes.

            Espera, eu… ia morrer? Não pode ser… Eu não quero… Não quero morrer! A minha suposta futura homicida deixou de fazer força, aproveitei essa situação para tentar fugir, mas era tarde demais. Os três polícias á minha frente pressionaram o gatilho. Depois, tudo ficou sem cor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E prontos, mais um capítulo finalizado! Vejo-vos no próximo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mentes Quebradas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.