Mentes Quebradas escrita por Nando


Capítulo 19
Daniel


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora! A escola tirou-me muito tempo, mas estou de volta! E mais determinado que nunca! Aproveitem o cap!



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—Dá de uma vez seu pedaço de metal!

            Bati na televisão várias vezes, na esperança que as minhas pancadas fizessem com que ela mostrasse alguma imagem para além daqueles riscos cinzentos e pretos, mas não estava a resultar. A minha raiva aumentava por não conseguir resolver aquele problema. Raios partam estas tecnologias! Porque diabo fui eu comprar esta maquinaria?! Porque é que fui eu gastar o meu dinheiro, que tanto me custa a ganhar, nesta sucata?!

Comecei a insultar a televisão como se estivesse á espera que isso a incentivasse a funcionar. A minha mulher, depois de ouvir as minhas tentativas para compor a televisão, falou-me da cozinha:

            -Sabes muito bem que não é à pancada e aos palavrões que se resolvem as coisas…

            Aí vinha ela com os seus sermões, mas, desta vez, não iria deixar que ela levasse a melhor:

            -Era uma mosca que estava aqui em cima da televisão e não lhe estava a conseguir acertar.

            -Mataste-a?

            -Não. Ela conseguiu fugir-me.

            -Que estranho, uma mosca neste tempo…

            -Também acho.

            -E onde é que ela se enfiou?

            -Não sei.

            -Já viste na tua cabeça, acho que aí deve estar uma mosca bem grande!

            Tinha-me descoberto, não conseguia enganar aquela mulher:

            -És muito engraçada, não haja dúvida…

            Ela respondeu-me no seu tom sarcástico:

            -Se fosse a ti tinha mas era cuidado com essa mosca, olha que para aparecer nesta altura deve andar maluquinha de todo…

            Não lhe respondi, só me iria enterrar mais se o fizesse, em vez disso decidi focar-me no problema que tinha á minha frente. A televisão continuava a não dar e as notícias já deviam ter começado. Aqueles riscos cinzentos e pretos a andar de cima para baixo começavam a enervar-me cada vez mais. Respirei fundo. Assim como a minha mulher tinha dito aquilo não se iria resolver á pancada, tinha que arranjar uma solução. Sentei-me no chão e cruzei as pernas, observando, ao mínimo detalhe, a televisão. Revirei-a de cima a baixo á procura do problema. Seria algum problema nos cabos? Verifiquei a ligação deles com a televisão, parecia estar tudo em ordem, contudo decidi tirá-los e voltar a pô-los, desligando a televisão. Voltei a liga-la com a esperança que tivesse dado resultado mas, para grande deceção minha, a televisão continuava na mesma. Controlei o meu impulso de lhe “pregar” um murro e dei uma vista de olhos nos cabos. Pareciam estar bem, logo, o problema não estava neles, mas, então, estava onde? A televisão também aparentava estar em bom estado, nada parecia fora do comum… Onde raio estava o problema? Seria a antena? Era uma hipótese. Saí de casa, subi ao telhado e comecei a mexer na antena. Parecia estar bem-posta e não mostrava sinais de estar danificada, contudo, decidi trocá-la de sítio, pois podia estar a apanhar mal o sinal. Com esta tarefa concluída, desci e voltei a entrar em casa, e, mais uma vez, ela continuava naquele estado irritante. Porcaria de máquinas! Ou funcionavam mal ou funcionavam bem de mais, será que não conseguiam arranjar um meio-termo?! Deitei-me no chão, frustrado com o meu falhanço. Que se lixassem as notícias! Também não seria num dia que o mundo se viraria do avesso!

            Cocei a cabeça em sinal de frustração e senti a cicatriz no meu peito a arder de euforia. O que raio estava eu a pensar?! Já tinha passado por situações mais complicadas, as minhas cicatrizes que o dissessem! Não seria agora uma máquina qualquer que me iria parar!

            Voltei a olhar para ela. Já tinha concluído que o problema não estava nos cabos, nem na antena e nem na televisão em si, por isso, a única coisa que me restava era… o comando!

            Dei uma vista de olhos pela sala á procura dele. Encontrei-o no sofá, esquecido entre as almofadas. Levantei-me e fui busca-lo, aproveitando a deixa para me sentar no sofá. Olhei o comando atentamente, prestando atenção a cada detalhe e a cada inscrição debaixo das teclas. Era nestes momentos que podia dizer que a minha visão era uma coisa do qual me podia gabar e agradecer a Deus, pois mesmo com os anos a passar continuava a ver tão bem, ou até melhor, que na minha juventude. E, graças a esta maravilhosa dádiva, podia ler o que cada inscrição dizia, no entanto, nunca soube nada de inglês, ou que linguagem era aquela, e por isso decidi ficar-me com os botões que geralmente usava. Apontei o comando na direção da televisão, e, mesmo não tendo grandes esperanças, cliquei no botão “1”, deixando-me pasmar á medida que os riscos iam desaparecendo e sons começavam a sair da televisão, aparecendo, por fim, as imagens. Fiquei parado uns segundos sem saber como engolir aquilo. Perdi tanto tempo a tentar descobrir qual é que era o problema e, afinal, estava á distância de um botão! Comecei a rir á gargalhada, pasmado com a minha idiotice, e nem reparei que a minha mulher tinha entrado na sala. Ao me ver naquele estado falou no seu tom sarcástico:

            -Então, já matas-te a mosca?

            -E que grande mosca era! Tu é que não a viste!

            Estava tão contente com a minha conquista que nem reparei no que estava a passar nas notícias, tendo sido a minha mulher a avisar-me:

            -Que horror! Como é que estas pessoas conseguem continuar a fazer estas coisas horríveis?!

            Fixei a minha atenção, mais uma vez, na televisão e os meus olhos pousaram no título da notícia “Os Quebra-Correntes atacam prisão”. Se a memória não me falha, eles eram o mesmo grupo que tinham atacado o aeroporto onde o pai do louro choramingas tinha perdido a vida. Que raio andariam eles a tramar agora?! Será que não haveria fim para esta loucura?! O que raio planeiam eles com estes ataques?!

            O repórter ia falando, as imagens iam mudando, mostrando uma das partes da prisão que tinha sido afetada por uma das explosões e também o facto de a polícia estar já no local e de alguns já terem entrado na prisão. Enquanto tudo isto ia-me sendo mostrado, sentia algo dentro de mim que me estava a impacientar. Comecei-me a sentir desconfortável e surgiu uma ânsia de me levantar e fazer o que tinha de ser feito. Tentei-a controlar ao máximo, mantendo-me estático, mas não consegui. Sabia plenamente que não tinha nada a ver comigo, mas tinha de o fazer. Ó meu Deus, porque é que me fizeste assim? Levantei-me e fui buscar o meu casaco, sendo seguido pelo olhar atento da minha mulher. Vesti o casaco enquanto lhe dizia:

            -Não esperes por mim para almoçar.

            Não era preciso dizer mais nada, ela sabia muito bem o que ia na minha cabeça:

            -Tem cuidado para não fazeres asneiras…

            -Não precisas de te preocupar.

            Mas bastava-me olhar para ela para perceber que estava preocupada, mas não havia nada a fazer, já tinha a ideia fixa na minha cabeça. Vesti o casaco e exprimi um olhar de confiança para lhe sossegar um pouco a alma, saindo, de seguida, e fechando a porta atrás de mim. Olhei ao meu redor a tentar situar-me, à procura da casa do loiro. A memória veio-me e os meus pés mexeram-se automaticamente, seguindo os caminhos daquela aldeia que conhecia como a palma da mão. Enquanto fazia aquele percurso, na minha cabeça surgiam pensamentos a tentar lembrar-me o quanto aquilo podia dar para o torto e que devia voltar para trás enquanto podia, mas não havia volta a dar. Já tinha tomado a minha decisão e a minha teimosia não me deixava voltar para trás. O único pensamento que me vinha á cabeça era o facto de estar frio. Íamos em Novembro e o frio já me dava motivos para acender a lareira. Nas notícias falavam em aquecimento global para aqui e para ali e, nos anos anteriores, esteve de facto bastante calor, mas este ano o frio atacou em força, e, na minha cabeça, já nem sabia em que é que havia de acreditar.

            Olhei e vi que esta perto da casa do loiro. Por falar nisso, qual é que era o nome dele? Acho que tinha um nome estrangeiro mas não me lembrava. As minhas memórias de infância vieram-me subitamente á cabeça e lembrei-me de um colega de escola que também tinha um nome estrangeiro. Como é que se chamava? Tentei procurar mais fundo nas minhas memórias mas não consegui descobrir. O tempo tinha apagado o nome dele da minha cabeça…

            Parei em frente da casa. Tinha chegado ao meu destino. Toquei á campainha. Esperei um pouco, mas ninguém veio. Voltei a tocar. Não gostava nada que me ignorassem e, o pior, é que eu via uma luz acesa por isso alguém tinha de estar em casa. Enervado por estar a receber aquele tratamento, pressionei o meu dedo na campainha e não o tirei, produzindo um som contínuo que nem os tipos que meditavam conseguiam ignorar.

            A minha ideia foi um sucesso. A porta abriu-se e o loro saiu, finalmente, para ver a luz do dia. Tinha os olhos vermelhos por dentro e escuros por fora. Estava magrinho como um palito, tendo receio que lhe desse alguma coisa com o frio que estava. O seu cabelo e as suas roupas também não ajudavam a melhorar a sua aparência, acho que nem trabalhando uma semana seguida no duro ficaria com aquele aspeto.

            -Posso saber porque raio me está a importunar?! Não tem respeito pelas outras pessoas?!

            Acho que era suposto aquilo me fazer sentir culpado, mas ele nem força tinha para falar. Até me dava pena…

            -Bom dia para ti também – Ele não entendeu a provocação – A tua mãe está em casa?

            -Não. Se era só isso…

            -Ainda bem, porque eu queria falar contigo a sós.

            Os seus olhos mostraram uma certa dúvida:

            -E posso saber o que é que quer falar comigo?

            Aquilo estava a demorar mais do que devia, tinha que agir rápido! Entrei de rompante pela casa dentro, surpreendendo-o:

            -Oiça, você não pode entrar assim na minha casa!

            Não lhe prestei atenção e procurei por o comando. Encontrei-o, também, no sofá.

            -Se você não sair agora eu vou telefonar á polícia!

            Agarrei no comando e fixei o meu olhar no dele:

            -Podes fazer as tuas queixas á polícia quando quiseres, mas primeiro vê isto.

            Ele ia responder mas o seu olhar virou-se para a televisão. Assim que percebeu o que estava a acontecer começou a tremer como varas verdes e os seus olhos mostraram, por fim, uma clara emoção, embora fosse de terror.

            Mesmo estando frio, começou a suar por todos os lados. Era óbvio o seu temor por aquele grupo. Tentou acalmar-se, respirando fundo. Após uns segundos de silêncio, que pareceram uma eternidade, virou-se na minha direção, com o medo estampado no rosto:

            -Qual é que é o seu objetivo ao mostrar-me isto?

            Abri um largo sorriso antes de lhe responder:

            -Que achas de fazermos uma visitinha a este lugar?

            Ele ficou estático com o poder das minhas palavras, mudando a sua expressão de confusão para medo e de medo para confusão. Mais segundos a passar e ele sem dizer nada. Olhei para a televisão. A polícia estava já a tomar controlo da situação. Em breve, tudo se iria resolver. Não tinha tempo a perder!

            -Olha, não achas que já é tempo de parares de te esconder?! Eu tenho estado calado a esta tua atitude menino mimado mas está na hora de te fazeres homem! Tens de superar isto! Os teus amigos deram-se ao trabalho de vir aqui tentar-te animar, mas pelo que vejo de nada serviu. Está na hora de encarares a vida! Ninguém fica cá para contar a história!

            Ia continuar o meu discurso, mas fui interrompido por ele:

            -Você não entende! Não fale como se entendesse tudo sobre a vida! Eu naquele dia eu…

            Desta vez fui eu a interrompe-lo, mostrando-lhe as minhas cicatrizes. Ele calou-se ficando horrorizado com aquela imagem. Decidi dar-lhe a explicação breve, pois o tempo escasseava:

            -Eu também enfrentei pessoas como as que tu vistes nesse dia trágico. Vi a minha família ser espancada á minha frente e eu sem poder fazer nada. Os humanos são criaturas terríveis é verdade, quanto mais nos deixarmos levar pelo ódio e quanto mais nos fecharmos na nossa concha mais ficamos parecidos com umas bestas. Este é o conselho que te dou. Queres vir comigo encarar já este teu medo ou preferes ficar aqui trancado até um dia ficares come eles?

            Demorou um tempo a processar toda aquela informação, mas, quando deu a sua resposta, nos seus olhos vi um rasgo de determinação:

            -Vamos lá, então!

            Resposta curta e direta, era assim que eu gostava!

            -Vai primeiro a tomar um banho e a vestir outra roupa, e sê rápido, temos um comboio para apanhar!

            Ele moveu-se rapidamente até à casa de banho e, naquele momento, não tive dúvida nenhuma que tinha feito o correto. As pessoas tinham o hábito de não se meter na vida uns dos outros e, quando alguém tem um problema, o mais comum é ninguém ajudar. Mas só quando nos ajudávamos uns aos outros é que a nossa sociedade evoluía. Perguntei-me a mim mesmo: se eu não tivesse conhecido a minha mulher, teria ficado no mesmo estado que aquele rapaz?


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Notas finais do capítulo

Gostaram deste capítulo? Eu adoro ouvir opiniões, por isso deem-me a vossa! Conto com o vosso apoio! Até à próxima!



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