Lucille chegou a rápida conclusão de que ela não gostava da sensação de um pós desmaio. A desorientação, a sensação de que seu cérebro perdeu uma luta de espadas, até mesmo sua boca estava seca como um dia muito frio. Ela se remexeu, sentindo um colchão macio sob seu corpo. Estava em uma espécie de quarto de dormitório, e, ao menos, não estava amarrada a nada. Ao seu redor havia apenas um armarinho simples e uma estante com alguns livros. A garota fechou os olhos com força, esperando que um pouco da dor desaparecesse, e quando isso não aconteceu, ela tentou resolver com a magia, descobrindo logo em seguida, que seus poderes estavam enfraquecidos.

A bruxa sentiu o pânico voltar, como ela poderia viver sem os poderes que por tantos anos a ajudaram? Sua respiração se acelerou, e, quando a porta do quarto em que estava abriu, ela quase deixou um grito sair.

— Você está bem? - Perguntou a figura que acabara de entrar. Diante de Lucille estava um rapaz que poderia se considerado, no mínimo, peculiar. O cabelo era loiro quase naturalmente platinado, seu rosto comprido e as maçãs do rosto bem altas, mas sua característica realmente singular, eram seus olhos. De um verde água muito claro, como gotas de tinta em uma aquarela, seus olhos tinham as pupilas verticais como os de uma serpente.

— Não... - Lucille disse vagarosamente, encarando o rapaz sem qualquer sutileza. Ela achava que poderia se vangloriar de já ter visto de tudo um pouco nesse mundo, mas aparentemente perdera algumas coisas. Notou com curiosidade o que pareciam tatuagens de escamas nos braços do rapaz - Nem um pouco bem. - Disse por fim.

O rapaz soltou uma risada de compreensão.

— O que está acontecendo? - Perguntou, sentando-se na cama - Quem eram aquelas pessoas? Quem é você? - Lucille estava tão confusa, se sentindo tão vulnerável, ela não gostava nem um pouco disso.

— Bem, vamos começar do começo. - O rapaz disse, e a bruxa acenou que sim - Meu nome é Vitor Basara. - Ele estendeu a mão, hesitante, Lucille apertou - Eu sou uma espécie de metamorfo, mais especificamente da ordem dos ofídios, o que basicamente quer dizer que eu posso me transformar em uma serpente. - Lucille acenou vagamente - As pessoas que te sequestraram fazem parte de um grupo que se autointitula Anemis. Criaturas malignas que se juntaram e agem sob o comando de Nikolaus. Eles estão tentando abrir o portal para a dimensão morta, o que, em poucas palavras, traria o apocalipse ao nosso mundo.

— Ótimo. - Lucille exclamou antes que pudesse evitar.

— Nós somos a Organização de Defensores Mágicos, ou, abreviando ODM, trabalhamos para conter qualquer atividade perversa, maligna, maliciosa, ou o mal uso da magia por humanos. - Disse com uma nota de orgulho.

— Certo. - Lucille tentava assimilar o que ouvira, mais uma vez ela fechou os olhos com força - E que história era aquela de eu ser uma "chave"? - Ela fez aspas com os dedos - E por que eu não estou com cem por cento dos meus poderes?

— Essas são perguntas que levam muito mais tempo para serem respondidas. - Uma voz diferente falou. Lucille abriu rapidamente os olhos, ato que lhe rendeu uma fisgada de dor. A sua frente estava uma mulher que parecia a imagem exata de uma hippie dos anos 70. Ela beirava os sessenta anos, usava uma saia longa em estilo indiano, com contas na barra que chacoalhavam quando ela andava. Havia bons dez colares pendendo de seu pescoço, e em sua camiseta de algodão havia um símbolo da paz. A mulher usava um óculos estilo fundo de garrafa, a lente tão grossa que fazia seus olhos pareceram perturbadoramente maiores.

— Eu imagino que eu tenha muito tempo para ouvir. - Lucille disse. Não que ela quisesse ser babaca com todo o sarcasmo, mas ela estava amedrontada e desarmada, só o que lhe restara fora o deboche.

— Eu compreendo seu medo Lucille, e concordo que chegou a hora de boas explicações serem dadas. - Ela sentou ao pé da cama - Meu nome é Odete Stasio, assim como você eu sou uma bruxa. - Lucille concordou lentamente - Para explicar o que você ouviu, teremos que voltar no tempo, em uma época onde a magia reinava absoluta.

"Os bruxos eram os soberanos na Terra, venerados como deuses, odiados por aqueles que praticavam as artes malignas. Todos achavam que o reinado benevolente dos bruxos duraria para sempre, mas então os Miseri apareceram. Criaturas horríveis, como vermes gigantescos, vindos da parte mais sombria do cosmos. Tão fortes e poderosos, destronaram os que estavam no poder e iniciaram uma era de terror. Com os bruxos subjugados todos acharam que não havia quem pudesse interceder por nós."

"Foi então que aqueles que passaram a ser chamados de Bruxos Plenus, ou "bruxos por completo", se revelaram. Eram criaturas de imenso poder, detinham o controle total sob a magia, e feitiços feitos contra eles simplesmente não duravam mais do alguns minutos. Raros no universo, havia apenas quatro deles, . Foram esses quatro Plenus que, juntos, conseguiram abrir o portal para a dimensão morta, de onde nada jamais deveria sair, lá eles jogaram os Miseri."

"Agora Kreisel e seus ajudantes querem abrir o portal uma vez mais, mas a dimensão morta só pode ser aberta por um Plenus. Com o passar dos séculos, bruxos por completo foram virando artigos raros. A magia foi se enfraquecendo na Terra conforme os humanos cresceram em número, nos trazendo até os dias de hoje, onde restou apenas um Plenus conhecido vagando sobre a Terra, e é você, Lucille."

Lucille piscou um par de vezes, sem conseguir digerir o que acabara de ouvir.

— O colar que você viu, tem uma pedra cujos poderes são nefastos. Forjada no interior da dimensão morta por um bruxo das trevas, ele conseguiu escapulir a joia por uma espécie de "vão" entre as dimensões, tão pequeno que só um pequeno rubi poderia passar. A pedra Nihil foi feita com a intenção de trazer o caos, ela tem o poder de escravizar a mente de qualquer criatura mágica que a use. Kreisel ia usá-la em você para te obrigar a abrir o portal. É por isso que você sente seus poderes enfraquecidos, porque por uma breve fração de segundos, quando a joia se aproximou de você, seus poderes já não eram mais seus, mas daquele que fosse te controlar".

Lucille engoliu em seco. - Isso vai passar? - Perguntou, ao que Odete acenou que sim.

— Em alguns dias você vai estar nova em folha. - Garantiu. - Está segura aqui, não se preocupe, esse é um lugar onde eles não podem chegar.

— E onde exatamente é aqui?

— Estamos no quartel general brasileiro da ODM. - Respondeu Vitor - Uma dimensão alternativa criada pela Odete e mais um grupo de bruxos. Só pode ser acessada por quem tem boas intenções, um jeito fácil de garantir que nenhum ser maléfico vai entrar. - Disse, e novamente parecia cheio de orgulho.

— Bem, sorte minha que esse tal Kreisel esqueceu a primeira regra de um bom vilão. - Lucille disse, se ajeitando no colchão fofo - Fale menos e faça mais. - Vitor soltou outra risada, e Odete esboçou um sorriso.

— Eu vou te deixar aos cuidados de Vitor, assim que você estiver melhor ele vai te mostrar o lugar. Se tiver qualquer outra dúvida não hesite, pergunte tudo que quiser saber. - A garota acenou que sim - Seja bem vinda Lucille, tenho um pressentimento de que você vai se dar muito bem por aqui.