A M O N G U S escrita por Ero Hime


Capítulo 7
G I V E U P U S


Notas iniciais do capítulo

Esse, definitivamente, foi um dos capítulos que eu mais gostei de escrever. É ótimo quando você percebe que tem toda a narrativa pronta, e está ansiosa para colocar em palavras. Obrigada por todo o apoio!



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Tempos difíceis nos aguardam e em breve teremos que escolher entre o que é certo e o que é fácil.

Ou sobre desistir. E não desistir. E reconquistar. E perceber –

 

— Ele está enfeitiçado?

— Foi Amortentia?

— Ele estava assim quando chegamos.

— Ele foi ferido?

— Não sei, ele parece paralisado.

— Parece artes das trevas.

— Eu vou matar aqueles sonserinos!

Havia certa de seis ou sete pessoas aglomeradas em volta da poltrona, com semblantes curiosos e preocupados, falando entre si. O Salão Comunal, outrora cheio, começou a esvaziar-se gradativamente, a medida que os grifinórios retiravam-se para os dormitórios. Uma grande comemoração havia sido realizada na Casa, por conta da vitória, mas tudo que restara foram as faixas coloridas e as mensagens brilhantes, agora com letras faltando.

Apenas os alunos do sexto ano permaneceram próximos à lareira sempre trepidante. Estes agora se reuniam em volta da poltrona e de uma única pessoa, que permanecera sentada, com as pernas cruzadas, desde que chegara, há cerca de três horas.

— Vocês querem calar a boca?

O falatório cessou e eles entreolharam-se, confusos, logo em seguida dirigindo seus olhares inconformados para o garoto, cujo semblante ainda não se alterara, embora sua voz tivesse uma pontada de irritação. O sorriso em sua face estendia-se dolorosamente, e seus olhos encurtaram-se, enquanto encarava o vazio. Suas maçãs estavam ligeiramente coradas, e as orbes, desfocadas.

— É, ele foi enfeitiçado.

— Alguém poderia chamar a professora Tsunade?

— Não temos bezoar aqui.

— Calem a maldita boca! – dessa vez gritou, rindo em seguida. Suas pernas, que estavam cruzadas, descruzaram-se para que ele as puxasse com os braços, apoiando a cabeça entre o pequeno vão que se formara. Os colegas, antes indignados, agora aparentavam sérias caras de preocupação – Por Merlin, eu estou bem. Cruzes.

— Naruto, faz três horas que você está sentado aí, encarando a parede, feito um troll idiota. Nos perdoe por achar que essa sua cara de paspalho não seja costumeira. – foi Sakura quem respondeu, zombeteira, e o clima, que estava pesado, tornou-se imediatamente mais leve. Os amigos se acomodaram pelo chão e nas almofadas, encarando o loiro, que agora revirava os olhos.

Após ser liberado por Madame Chiyo – que consertou seu rosto brilhantemente apenas com algumas gotas de sua poção para cicatrizar –, Naruto conseguiu chegar até o Salão Comunal, embora não se lembrasse nem mesmo de como passara pelo quadro da Mulher Gorda. Tudo em sua mente era uma nuvem cósmica e brilhante, e seus pensamentos mais básicos eram complexos demais para serem compreendidos. Contou apenas com suas habilidades motoras reflexivas, e, quando sentou-se na poltrona, pôs-se a, finalmente, pensar no que havia acontecido mais cedo.

Ganhar da Sonserina trouxera, por si só, um sentimento inexplicável de felicidade. Em seguida, provocar Neji Hyuuga até que ele perdesse calma e lhe batesse, como dois trouxas em uma briga – a parte em que Naruto apanhara não fora, de fato, tão satisfatória, mas, mesmo assim, o garoto ainda dava risadas ao se lembrar –. E, então, o ápice. A cereja do bolo. A inexplicável, e, ainda assim, interminável, capacidade do garoto de fazer merda. Naruto não era a melhor das pessoas. Na maior parte das vezes, ele admitia que não pensava muito nas consequências, e quase sempre agia por um impulso perturbadoramente primitivo. Mas, naquele momento, Naruto chegou à conclusão de que ele pensara. Ele pensara em cada movimento. Ele previra milimetricamente cada reação, até que chegasse no esperado instante. Embora tudo tivesse acontecido em um píncaro, Naruto já tinha preparado, há muito tempo, aquela ação.

Foram segundos. Cronometrados. Rápidos. O tempo de uma contrarreação. O piscar de dois olhos. Mas, sem esforço, o garoto conseguia reviver a lembrança tão vividamente que parecia estar acontecendo, repetidas vezes. O gosto doce, a textura seca e macia. O perfume que invadiu seu nariz, queimando-o. A resistência, que, por um átimo, se soltou, entregando-se. Naruto podia sentir a pele macia sob seus dedos, quente. Queimava. Hinata Hyuuga era fria, mas, naquele momento, ela queimava.

— De novo, com cara de idiota.

— Ele deve estar sob algum feitiço.

— Parem, vocês. – o garoto retrucou, rindo. Novamente, se perdera em pensamentos, e soltou um suspiro. Sakura, que estava mais próxima, e Kiba, se entreolharam, prendendo o riso. Conheciam aquele suspirar de outros verões – A gente se beijou. Dizer em voz alta tornava a lembrança ainda mais real. Ao seu redor, o Uzumaki observou os rostos se contorcerem em expressões de puro choque, pasmo e incredulidade. Fez uma careta – Ok, eu a beijei. Mas ela deixou. Por um tempo. – e voltou a sorrir, com a cabeça apoiada, fitando a corda de uma das cortinas na janela oposta. Não conseguia ver a paisagem na escuridão, apenas suas sombras.

— Por um momento, eu quase acreditei. – Ino dramatizou, com a mão sobre o peito, e Naruto a fuzilou. Os amigos riram.

— Você beijou Hinata Hyuuga e está aqui para nos contar? – Sakura tinha um tom levemente estupefacto – Bruxos e bruxas, este sim é um dia que entrará para a história! – fez sua melhor pose, levando uma almofadada nos ombros, e Naruto grunhiu.

— Façam chacota o quanto quiserem. Aconteceu. Eu estou um passo à frente! – estufou o peito, exalando determinação.

— Um passo à frente da morte, você quis dizer. – a rosada o corrigiu, novamente prendendo o riso enquanto o loiro soltava alguns palavrões.

— Ela me quer. Eu sei que sim. E agora ela não vai ter outra escolha a não ser admitir isso e aceitar sair comigo. – seus olhos eram puro fogo, e os grifinórios tiveram de admitir entre si que Naruto honrava a Casa em que estava.

O garoto continuou a suportar as brincadeiras, enquanto sua mente estava longe ali, revivendo, uma nova vez, o momento em que se tocaram. Seus braços se arrepiavam, pedindo por mais. Era viciante – Hyuuga tinha algo. Ele não sabia dizer o quê, mas era algo. Desde o terceiro ano, quando notara pela primeira vez, sabia que seria atraído por aquela magia. Mas, ao mesmo tempo, lutava para que sua mente reproduzisse apenas o toque, esquecendo-se propositalmente das palavras que vieram em seguida. Internamente, Naruto desejou que ela tivesse lhe batido. Entretanto, ela era quem era, e sua máscara de frieza jamais se alterava. Restava apenas continuar a se convencer de que seu único objetivo era levar Hinata para sair, e provar para si mesmo, e para todos os outros, de que ele conseguia. Era apenas mais um desafio. Apenas um desafio.

 

A Sala Precisa era uma das salas mais misteriosas e procuradas pelos alunos de Hogwarts – por aqueles que sabiam da sua existência –. Como tudo no castelo, não se sabia ao certo por quem ou porquê ela fora criada, mas a sala era, de longe, uma das mais úteis e estrategicamente configuradas. Não havia quem não conhecesse, ao menos em suma, seus efeitos mágicos. Ela fora feita para atender as maiores precisões do bruxo que por ela chamasse – a sala conseguia reproduzir qualquer cenário, apresentar qualquer objeto ou móvel. Fora feita para os alunos, a espera de que sua utilidade fosse aproveitada no futuro.

Naquele momento, a Sala Precisa continha um amplo espaço, com alguns acolchoados confortáveis, luzes naturais de velas, sem formar grandes sombras, e prateleiras – grandes prateleiras, com cinco colunas e dezenas de tábuas, ocupadas por pilhas de pratos. Centenas de pratos. Pratos de cerâmica, brancos, de peso mediano, empilhados em grupos de dez, dispostos um ao lado do outro, na altura das mãos. As prateleiras estavam nos cantos, cobrindo grande parte da parede, enquanto do lado esquerdo havia um sólido muro de concreto.

E, então, ouvia-se um barulho de porcelana se quebrando. E os pratos sendo jogados contra a parede.

— Miserável. – prato – Infeliz. – prato – Cretino. – Filho da puta! – prato.

Veja bem, os sonserinos carregavam, por muito tempo, a imagem de bruxos calculistas e desprovidos de sentimentos. Era, em partes, uma grande injustiça. Sonserinos apenas sabiam priorizar seus sentimentos, e tinham consciência de que emoções, muitas vezes, atrapalhavam o almejo de grandes realizações, e, para tais, precisavam privar-se de demonstrar o que sentiam, para que permanecessem impassíveis, temíveis e bem-sucedidos. No entanto, sonserinos também carregavam emoções, e, em algum momento, elas precisavam sair.

Sasuke a Gaara estavam sentados havia algumas horas. A Sala fornecera comida quando necessitaram, e um bom Abaffiato fizera com que os sons se tornassem inaudíveis do lado de fora, ou em qualquer outro lado que fugisse dos limites daquele quarto. Acomodados sobre confortáveis almofadas, os garotos observavam Hinata atirar pratos, incessantemente. Estavam impressionados, admitiam. A garota mantinha-se resistente, embora seu rosto agora brilhasse com gotículas de suor. Tentara, mais cedo, usar-se de feitiços para destruir os pratos, mas percebeu que jogá-los contra as paredes era mais efetivo. Os xingamentos acompanham os arremessos, as vezes apenas resmungos, as vezes monólogos inteiros. Era uma cena curiosa e, definitivamente, chocante. Mas eles não estavam ali para julgá-la. Sonserinos aprenderam a conter seus sentimentos, mas havia uma qualidade inegável em sua Casa – a lealdade era algo que prezavam. Se fosse necessário, ficariam ali a noite inteira, vendo Hinata jogar pratos. Era um ótimo mecanismo proposto pela sala, uma vez que os pratos se reconstituíam e voltavam para as próximas pilhas, na prateleira, fazendo com que o chão não ficasse coberto de cacos de cerâmica.

Hinata parou, baixando os braços, com a respiração entrecortada. Permaneceu de pé, de costas para os amigos, que viam apenas seus ombros se mexeram. Entreolharam-se, preocupados. Hinata havia contado – aos gritos – o que acontecera, e, depois que Sasuke conseguiu acalmar Gaara, que manifestara um desejo quase incontrolável de azarar o Uzumaki, ambos sentaram e ouviram a Hyuuga extravasar sua raiva. Não a viram chorar. Ninguém nunca vira Hinata chorar. Ela era calma, era contida, era perspicaz. Suportava todos os fardos que precisasse sem reclamar nunca. Mas, ela também era uma pessoa, e tal qual uma, em algum momento, ela precisaria dizer. Ninguém permanece como uma rocha para sempre.

— Eu não acredito que ele fez isso. – murmurou. Havia dito muito aquela frase no período de tempo que se sucedeu, e seus dedos correram pelos lábios, ainda dormentes pelo toque. Estava irritada, chocada, com ódio. Mas estava confusa, abismada, perturbada. Naruto Uzumaki causava em si reações poderosas, e Hinata não gostava de sentir que não estava no controle – Quem ele pensa que é? – dessa vez, a garota começou a andar em círculos, com passos pesados. Sua coluna estava ereta, e seu rosto, impassível. Mas seus olhos, orbes peroladas profundas, emitiam um conjunto de emoções que ninguém conseguira distinguir quais eram – Grifinório maldito.

— Ainda sou da opinião de azararmos ele. – Gaara se manisfetou. O garoto só queria uma reação de Hinata, fazê-la se distrair. Funcionou por alguns instantes. A morena virou-se para ele com um quase sorriso, agradecendo silenciosamente.

— Eu deveria colocar aquele cretino em detenção para o resto da vida. – resmungou – Mas então meu pai ficaria sabendo. – viram um tremor ligeiro em suas mãos, e sua voz falhou – A velha Tsunade ficaria sabendo. Hiruzen ficaria sabendo. Merlin! Que maldição. – grunhiu, levando as mãos até o cabelo e enterrando os dedos contra os fios. Em seguida, parou e respirou fundo – Não posso deixar que isso me distraia agora.

— Você sabe que temos que ser discretos. – Sasuke comentou, sério. Pouco havia dito durante aquele período, mas também se preocupava com a amiga. Sua mente trabalhava rápido, e ele pensava muito a frente dos amigos – Logo os diretores estarão perguntando sobre nossas carreiras. Temos que ir bem nos NIEMs, e terminarmos todas as matérias. – Hinata suspirou. Sasuke sempre tinha razão.

— Isso não será um problema. Mas outros grifinórios também estarão na sala. – apontou, pela primeira vez na noite, mais calma e controlada. Sua mente havia clareado, e a imagem do Uzumaki desaparecera, ao menos por alguns instantes de sanidade – Não teremos muito tempo. Não vão esperar até o final do ano.

— Estão agindo mais cedo do que esperávamos. – Gaara comentou, com o rosto sombrio, suas curvas trepidando contra as chamas das velas, que chamavam menos atenção – As pessoas começaram a notar que Itachi estava na escola.

— Eu disse para ele não voltar. – Sasuke suspirou – Mas aconteceu. Agora temos que ser discretos. – repetiu, voltando-se para Hinata – O Uzumaki é irritante, mas não é idiota. Algo me diz que ele tem um irritante gosto pelo heroísmo. Não conseguiremos manter contato com ele rondando a cada instante.

— Não é como se a culpa fosse minha. – resmungou – Otenki estava solicitando uma reunião com os outros, mas não podemos ser vistos. – apontou. Em seguida, soltou um suspiro cansado – Queria que as coisas não acontecessem tão rápido. – sua voz era sincera, e ela permitiu-se sair da grossa muralha em que se escondia.

— Sim. – concordou Sasuke, com um surpreendente sorriso compreensivo – Eu também.

 

A partida de Grifinória contra Sonserina acontecera há algumas semanas, mas parecia que os alunos não esqueceriam tão cedo. As rivalidades entre os leões e os serpentinos aumentou consideravelmente, e os corredores se tornaram campos constantes de batalhas, principalmente entre quintanistas e sextanistas. As varinhas tinham de estar sempre em punho, e era preciso ser rápido para soltarem feitiços de defesa e escudo. As azarações eram elaboradas, e alguns dos estudantes especializaram-se em azarações silenciosas. A enfermaria estava quase sempre com todos seus leitos cheios, e Madame Chiyo ocupava-se desfazendo feitiços-bolha, carrapatos e lesmas, ou cicatrizando feridas abertas e ossos expostos.

Os monitores, então, eram encarregados de pegar as pessoas certas, nas horas certas. Na maioria das vezes, as azarações já haviam sido feitas quando chegavam, e as salas de troféus ficavam tão cheias de pessoas cumprindo detenções que a única maneira era deixar passar. Os professores discutiram afinco a situação, mas, novamente, não havia muito que pudesse ser feito – os descendentes de Godric e Salazar não poderiam ser contidos tão facilmente –.

Naquele momento, o sol começava a se por quando Naruto virou o corredor junto com Kiba, rindo até seus pulmões doerem. Em uma das mãos, a varinha, e na outra, um conjunto de balões explosivos de fedor, que comprara na Zonko’s. Havia pregado uma pegadinha em alguns idiotas da sonserina do sétimo ano, e saíra antes que eles pudesse se mexer e procurar vingança. Infelizmente, para sua sorte, deu de cara justamente com a Hyuuga.

Parou de rir. Não se encontravam desde o fatídico dia – Naruto estava ocupado demais defendendo sua honra e seu título, e Hinata estava ocupada demais com outras coisas –, e, naquele momento, a Hyuuga não se encontrava no melhor de seus humores. Encarar o Uzumaki definitivamente não contribuía para que melhorasse. Com um sorriso cínico que apenas aumentava em seu rosto, se aproximou dos dois garotos. Kiba engoliu em seco, sentindo que seria alvo da fúria inconstante de Hinata Hyuuga, mas Naruto sequer se moveu. Seu rosto permaneceu impassível, mesmo que suas pernas estivessem congeladas.

— Eu realmente não vou perder meu tempo conferindo o que vocês dois fizeram. – falou com a voz de aço, puxando um pergaminho mágico no bolso e uma pena – Inuzuka, acredito que a Madame Chiyo vai ficar muito contente com a sua ajuda para limpar as comadres. Sem magia. – sorriu, entregando-lhe a detenção, e o garoto xingou baixo, apenas assentindo quando passou por ela. Hinata voltou-se para Naruto, não querendo permanecer sozinha com ele, mas não vendo muitas escolhas – Uzumaki, só essa semana eu apliquei seis detenções para você. Aparentemente, seu cérebro é pequeno demais para que qualquer uma delas faça efeito. – seus olhos eram bolas esfumeadas de gelo, enquanto o loiro sustentava seu olhar.

— O que posso dizer, Hyuuga, eu estou ficando bom nisso. – provocou, com um sorriso afetado. As detenções não iam para seu histórico permanente, embora sua ficha com o zelador não fosse, de fato, pequena – Agora, o que faremos? Limpar troféus? Organizar pergaminhos? Lustrar os quadros?

— Venha comigo. – deu as costas e começou a caminhar com passos firmes. Naruto a seguiu, analisando-a. Constatou como seus ombros eram baixos, e sua silhueta, pequena.

Andaram por todo o corredor e subiram a escadaria para o segundo lugar, parando na sala dos monitores. Hinata abriu a porta para que o garoto entrasse, e apoiou-se na mesa. Escreveu algo em um novo pergaminho.

— Entregue isso para Tsunade. Parece que as detenções não fazem mais efeito em você, então, talvez se eu atingir algo que realmente goste, você aprenda alguma coisa. – o garoto a olhou desconfiado, e tomou o pergaminho de seus dedos. Correu os olhos pelo pequeno texto, e, a cada linha, seu rosto ficava cada vez mais vermelho, e sua raiva, cada vez maior.

— Fora de Hogsmead? Por um mês?! – brandou, atônito. Fitou a Hyuuga, que lhe encarava com um sorriso gélido, e proferiu alguns palavrões – Você não pode fazer isso!

— Não só posso como já fiz. – retrucou, cruzando os braços. O gesto fez com que o brasão serpentino saltasse, o que ajudou Naruto a lembrar-se de odiá-la, e não se distrair com o decote volumoso a mostra – Veja, Uzumaki, tudo isso poderia ser evitado se você não agisse como um energúmeno infantil e imaturo. Eu não tenho mais opções. – deu de ombros, ainda com sua máscara habitual de frieza.

— Você faz isso porque me odeia! – Naruto acusou de volta, exasperado – Eu tinha um encontro marcado em Hogsmead esse fim de semana!

— Quantas vezes vou precisar dizer que eu não te odeio? – respondeu, com tédio – Você não é assim tão importante. Não é nada pessoal. Diga para sua amiga — frisou a palavra com asco – que infelizmente você não estará disponível pelas próximas semanas. Que ótima maneira de me convencer a sair com você. – quando se deu conta, a provocação já havia saído de sua boca. Naruto a fitou com o olhar malicioso, e Hinata xingou-se por dentro, não deixando exibir nenhuma reação que demonstrasse o quão idiota ela era.

— Ora, Hinata, se você quer sair comigo, é só pedir. – Naruto não perdeu a oportunidade.

— Nem se Merlin ressuscitasse. – Hinata retrucou na ponta da língua, e eles ficaram se encarando por alguns segundos, enquanto a atmosfera começava a ficar pesada.

— Eu não entendo. – Naruto murmurou, dando um passo para frente. Agora, o calor de seus corpos estava sendo compartilhado, e Hinata conseguia ouvir as palpitações – Você me insulta, me humilha, me ignora, mas, então, fica com ciúmes porque vou levar outra garota para sair. – ambos sustentavam o olhar agora.

— Não se ache tanto, Uzumaki. Eu jamais sentiria ciúmes de você. – a garota retrucou com a voz firme, mas suas mãos estavam suando.

O loiro não respondeu. Deu mais um passo, ficando entre a Hyuuga e a mesa. Apoiou suas mãos de maneira que Hinata ficou presa entre seus braços, e seus rostos estavam perto suficiente para que suas respirações batessem uma contra a outra. Hinata estava sem reação. Tudo que sua mente conseguia pensar era para ela não esboçasse nada. Lutou para manter-se calma, enquanto via o Uzumaki fechar os olhos, e, inevitavelmente, aproximar-se novamente.

Dessa vez os lábios se tocaram com calma. Os de Hinata não estava secos, e sim úmidos, com um gosto peculiar, e agridoce. Os de Naruto traziam uma mistura que a Hyuuga não soube identificar – era doce, e alegre. No entanto, o beijo não durou mais que alguns segundos. Hinata esperou pacientemente que Naruto se afastasse, abrindo os olhos e sorrindo torto. A morena teve que juntar todas suas forças para não ceder aquele sorriso. Ela nunca tinha visto – já vira o sorriso convincente, o sorriso arrogante, o sorriso zombeteiro, e até mesmo o sorriso charmoso, mas nunca o sorriso torto.

— Já terminou? – Naruto fechou a cara, confuso. A garota desvencilhou-se com facilidade de sua prisão, com o pergaminho em mãos. – Não faça mais isso. É nojento. – sua voz era puro asco – Leve para Tsunade. – e saiu, sem dizer mais nada.

Naruto permaneceu na sala, sem reação, com o pergaminho em uma de suas mãos estendidas. Seu coração ainda palpitava, e o gosto em seus lábios permanecia, mas sua mente era uma massa cinzenta e parada. Ele não conseguia compreender. Era óbvio, assustadoramente óbvio, mas, de alguma maneira, ele não conseguia processar – havia tomado um fora. Curto, grosso e doloroso. Não havia como deixar mais claro que aquilo. Mas o atingira. Profundo, diretamente em seu ego. Ele era um bruxo, e era um homem. Percebeu, então, que a Hyuuga era capaz de fazer-lhe mudar de humor com uma rapidez desconcertante. Ele a odiava em um minuto, e no outro, estava humilhando-se por ela. Por ela. Uma maldita sonserina.

Riu amargo, consigo mesmo. Apertou o pergaminho e saiu, até a sala da diretora da Grifinória. Finalmente, depois de tantos anos, convenceu-se a parar. Havia um limite, e ele já havia ultrapassado ele vezes demais. Suplicado demais, insistido demais. Seu pai estava errado – não eram todas as garotas que valiam a pena –. Naruto estava cansado de ser tratado como um trasgo qualquer.

Sentiu vontade de rasgar o pergaminho em seu bolso, mas sabia que, se fizesse isso, Hyuuga voltaria e lhe aplicaria um castigo ainda pior. Não queria perder todos os passeios do ano. Resmungou, chutando a poeira. Chegou até a sala da diretora e entrou em bater. A loira apenas levantou os olhos, irritada, mas Naruto não ligou. Encostou a porta e foi até ela, jogando o pergaminho em cima dos livros que a diretora estudava.

— Claro que pode entrar, Naruto. – ironizou, olhando-o por cima dos óculos – O que é isso? – desenrolou e correu os olhos. Em seguida, soltou uma risada seca, recostando na cadeira, enquanto Naruto fazia careta e sentava-se na sua frente – Andou irritando a Hyuuga de novo?

— Eu não fiz nada para ela! – partiu em sua defesa – Foi só uma brincadeira com uns setimanistas idiotas. – resmungou, ainda de mau humor, e Tsunade suspirou.

— Naruto, você precisa começar a rever suas ações. Não é mais o terceiro ano, logo você precisará escolher uma carreira, focar em seus exames finais. Você precisa amadurecer.

— Não precisa dizer isso para mim! – explodiu, e um dos fracos na prateleira de Tsunade explodiu. Por sorte, era apenas extrato de raiz de mandrágora, e a diretora o encarou, firme, esperando. Naruto respirou fundo, sentindo-se culpado – Desculpa. Eu só... desculpa. Mau dia. – ficou encarando seus próprios dedos.

— Tudo bem. – a diretora disse simplesmente – Naruto. Você precisa tomar cuidado. – Tsunade falou, por fim. Seu tom era cuidadoso – O mundo bruxo é perigoso. Coisas estão acontecendo, coisas que... – a Senju parou, como se lembrasse, de repente, que estava falando demais.

— Coisas o quê? Que coisas? – Naruto perguntou, curioso. A diretora era sempre cautelosa e, embora severa, nunca a ouvira falar daquela maneira.

— Nada. Não é nada. Só tome cuidado. As coisas não são mais como antes. – baixou os olhos, coçando a cabeça com a têmpora. Bebeu algo de um pequeno copo ao seu lado, e Naruto suspeitou que não fosse suco de abóbora – Pode ir. Lembre-se de não sair esse fim de semana. – o garoto apenas assentiu, já nem se lembrando mais da detenção. Sua cabeça preocupava-se com outros assuntos.

Curioso, ponderou sobre que coisas Tsunade se referia. O garoto não tinha muitas notícias do mundo bruxo, a não ser pelos exemplares do Profeta Diário que recebia, e tampouco do mundo trouxa. Resolveu, então, mudar o percurso. Caminhou até o corujal, e, com rapidez, escreveu um bilhete para seus pais. Comunicavam-se por cartas de tempos em tempos, mas os pais não estranhariam a mensagem repentina. Pegou uma coruja amarronzada com pequenas manchas brancas e amarrou o bilhete em seu pé. Indicou o endereço e a viu sair voando, rumo ao norte, e perder-se entre as colinas das terras de Hogwarts.

Havia alguma coisa de errado acontecendo. O garoto conseguia sentir. Enquanto isso, voltou para o dormitório e caiu na cama, subitamente cansado. O jantar ainda não havia sido servido, mas não estava com fome. Seu estômago estava embrulhado, e, entre um sono sem sonhos, uma certa garota povoou seus pensamentos, mas muito pouco.

 

Hinata comia distraidamente uma torrada enquanto ouvia sua amiga, Tenten, relatar detalhadamente sobre algum episódio engraçado na aula do professor Asuma. Tenten costumava sentar-se na mesa da Sonserina no café da manhã, com Hinata, e, embora fossem muitos os olhares atravessados, nenhuma das garotas se importava, e, com o tempo, as pessoas pararam de importuná-las – claro que nada tinha a ver com Gaara encarando-os com seus piores olhar a cada vez que passavam –. A Hyuuga assentia distraída quando viu um grupo de grifinórios passar pela porta, caminhando ao longo de sua mente.

A garota lutou para que suas maçãs não corassem. Geralmente, neste momento, o Uzumaki iria lhe encarar e sorrir largamente, com todos seus dentes brilhantes, mas, naquela manhã, o garoto parou reto por ela, sem ao menos virar o olhar. Hinata murchou disfarçadamente. Não sabia o que estava acontecendo. Era o que ela desejara por muito tempo, que ele parasse de importuná-la. No entanto, subitamente, a falta de atenção lhe perturbara. Convenceu a si mesma de que era apenas a rotina de ter de xingá-lo, e tentou evitar o crescente aperto no peito, enquanto se concentrava no que a corvinal estava dizendo.

Naruto obrigou todas suas células a ignorá-la quando passou pela mesa verde e prateada. Sentou-se mais para o norte, com Sakura e Shikamaru do seu lado. Pegou um prato e seu copo automaticamente encheu-se com suco. Tomou um bom gole e pegou algumas frutas e um pedaço de pudim flamejante.

Havia dado a primeira garfada quando Sakura chamou sua atenção:

— Olha, Naruto! Sua coruja. – o garoto olhou para cima e viu a coruja que despachara no dia anterior. Satisfeito, a recolheu e acariciou seu bico. A coruja ficou satisfeita, mordiscou um pedaço de maçã e saiu voando de volta. Naruto havia desamarrado o pacote de suas patas, e agora abria na primeira página – O que é isso? – os amigos vieram para perto, curiosos.

— Um jornal trouxa. – explicou, com um exemplar do Daily Mail em mãos – Pedi para meus pais me mandaram o de hoje, já que não recebo aqui. – a primeira página já gritava uma manchete chamativa.

NOVAS VÍTIMAS FORAM ENCONTRADAS, TOTALIZANDO 20 MORTOS ATÉ O MOMENTO. POLÍCIA INVESTIGA POSSÍVEL SERIAL KILLER.

Naruto sentiu um arrepio na espinha, e abriu na página da matéria principal. Shikamaru, ao seu lado, havia soltado seu café da manhã e também acompanhava com os olhos.

— Lê alto. – Ino pediu, aproximando-se.

Novos corpos foram encontrados na noite de ontem, quarta-feira, em um beco próximo ao distrito de Charing Cross. As vítimas totalizam vinte até o momento, e polícia não tem novas pistas. As vítimas seguem os mesmos padrões das anteriores, e há a hipótese de um serial killer a solta. Homem de meia-idade carregava um malão consigo. A perícia não autorizou divulgação de itens, mas fontes confiáveis afirmam que um espeto de madeira encontrava-se agarrado com força na mão da vítima.

— Um bruxo. – Sakura sussurrou, e Naruto assentiu, com a garganta seca.

Até o presente momento não houve pronunciamento do Parlamento. As vítimas são homens e mulheres de idades variadas, e muitos carregavam os mesmos objetos. Não conseguimos encontrar testemunhas. — o restante da matéria trazia estatísticas e entrevistas com especialistas e analistas. Naruto fechou o jornal, subitamente enjoado.

— Foram encontrados em Charing Cross. – Ino murmurou.

— Podiam ser viajantes. – Shikamaru rebateu, mas sua voz também não carregava grandes convencimentos.

— Em Charing Cross? Difícil. Só pessoas que moram em Charing Cross conhecem Charing Cross. – Sakura apontou o óbvio – Se moravam no distrito, ou conheciam, só podiam ser nascidos-trouxas. – todos os olhares recaíram sobre Naruto, que manteve seus olhos focalizados na mesa. Seria sobre isso que Tsunade estava falando?

— Calma, não vamos montar uma teoria da conspiração sem motivos. – Kiba tentou ser racional, mas a atmosfera já havia mudado.

— Kiba, você conhecer as histórias. – Naruto quem respondeu, e os amigos se voltaram para ele, atentos – As lendas. Os professores não falam sobre isso, mas é óbvio que eles também estão estranhos.

A mesa dos professores, sempre com todos seus assentos ocupados, contava somente com o professor Orochimaru e a professora Kurenai, conversando sobre algo. Nem mesmo Hiruzen, que comparecia a todas as refeições dos alunos, estava em sua cadeira alta.

— Quem está matando bruxos? – Ino quem fez a pergunta, mas ninguém tinha uma resposta para ela.

Na mesa da Sonserina, Hinata observava atentamente o grupo em destaque. Uma coruja chegou carregando o que parecia ser um jornal, e todos se amontoaram sobre o Uzumaki. Suas expressões mudaram, e, de repente, todos estavam sérios e compenetrados demais.

— O que está acontecendo? – Hinata perguntou baixo para Gaara, que estava do seu lado. O garoto balançou a cabeça, também sem saber, mas observava junto da Hyuuga. Eram raros os momentos em que os grifinórios não estavam rindo e fazendo algazarra pela manhã. Hinata estranhou, mas seu devaneio foi interrompido por Neji, que se sentou a sua frente com uma expressão de poucos amigos – O que foi? – perguntou, entediada. Reparou, ao lado dele, um sextanista da sua sala de Poções, mas não sabia o nome dele. Tinha a expressão maligna e músculos grandes.

— Preciso de um favor seu. – o garoto murmurou. Hinata teve dificuldades em ouvir, mas balançou a cabeça, para que ele prosseguisse – Preciso que pegue a ronda do corredor do terceiro andar hoje, depois das dez horas, mas não coloque na lista. – Hinata o encarou, confusa. Aquela noite era para Neji e a monitora-chefe lufana fazerem as rondas até meia-noite. A lista funcionava para que os professores coordenassem quais monitores estavam em serviço, e era enfeitiçada para mudar automaticamente as escalas caso houvesse uma troca.

— Por que? – estava claro que Hinata queria saber o porquê.

— Tenho contas a acertar. – foi somente o que o Hyuuga disse, e o garoto ao seu lado sorriu estranhamente. Ele usava mangas, mesmo que o clima estivesse agradavelmente quente – Vai me ajudar ou não? – perguntou de novo, impaciente, e Hinata assentiu. O garoto saiu da mesa rapidamente, e Gaara a encarou, confuso.

— Isso foi estranho. – comentou.

— Sim. – Hinata concordou, desconfiada. Descobriria o que estava acontecendo.

 

As aulas continuaram normalmente, mas Naruto não conseguiu se concentrar no resto do dia. Falhou em transfigurar sua taça em um pássaro, deixando-o mais parecido com um copo voador, e, depois disso, resolveu cabular o restante das aulas. Foi para o dormitório, evitando os amigos. Sabia que eles apenas tentavam ajudar, mas precisava ficar sozinho para pensar. De repente, as coisas que conhecia e estava habituado – Quadribol, azarar sonserinos, Hogsmead, pergaminhos de lição – não existiam mais.

Fugiu para a cozinha quando sentiu seu estômago trepidar de fome, e não aguentava mais. Kiba estava dormindo ao lado da sua cama, e ele saiu em silêncio. Na cozinha, pegou alguns pedaços de torta preparada pelos elfos e saiu. Não queria ser pego para mais uma detenção. Caminhou passo-ante-passo até o dormitório, mas, quando percebeu, seus pés estavam colados, e ele não conseguia se mexer. Cordas invisíveis amarram-no no lugar, e um feitiço emudecedor não deixou gritar.

Seus olhos rolavam em desespero para os lados, mas o breu da noite não o deixou enxergar nada. Havia tochas iluminando o corredor, e ele percebeu vultos se aproximando. A última coisa que viu foram capuzes, mantos longos que se arrastavam, cobrindo seus rostos. Em seguida, foi estuporado, e apagou.

 

Hinata já havia passado pelos corredores do primeiro e segundo andar, e ainda não havia cruzado com a monitora lufana. O castelo estava silencioso, e nem mesmo os fantasmas perambulavam pelas paredes. A Hyuuga nunca fora do tipo que tivera medo do silêncio, mas algo estava errado – ela estava incomodada desde manhã.

Olhou em seu relógio de pulso. Onze e meia. Faltavam apenas algumas salas e corredores para verificar. Neji havia sido específico, quando se encontraram na aula de Poções – ele faria a monitoração do corredor do terceiro andar, ela só precisaria passar pelos outros. Hinata era filha de quem era, e aprendera a desconfiar de tudo. Aplicou um feitiço antirruídos em seus pés e subiu para o terceiro andar. Estava como todos os outros, e a garoto rolou os olhos internamente. Estava começando a criar situações em sua cabeça. Os exames estavam se aproximando, e ela estava tensa demais.

Uma brisa gélida soprou pelas janelas, e Hinata resistiu ao ímpeto de se encolher. O corredor era mais curto, e, em uma volta, ela estaria novamente no Salão Principal. Precisava descansar. Enquanto caminhava, porém, escutou um farfalhar.

Parou.

Considerou ser coisa da sua cabeça – não seria a primeira vez –. Mas, então, novamente. Baixo, quase inaudível. Parecia uma pessoa. Hinata apertou o passo, procurando pelas salas do corredor. Haviam apenas duas, e uma delas permanecia trancada, com as coisas do zelador Ebisu. A Hyuuga forçou a maçaneta, que chacoalhou e não abriu. Parou, atenta. O barulho parecia vir de dentro. Puxou a varinha das vestes e sussurrou um Alorromora. A porta destrancou e ela entrou, apressada.

Estava certa.

Era uma pessoa. Estava caída no fundo da sala, e parecia quase inconsciente, se não fossem pelo ofegar e os gemidos de dor. Hinata correu em sua direção, se ajoelhando. Virou a pessoa para seu colo, e, por pouco, não soltou um arfar. Sua garganta se fechou em um bolo, e ela jamais teria reconhecido-o se não fossem pelos olhos – havia apenas uma íris reconhecível, o azul brilhante e penetrante agora apagado, mas com a mesma chama. Encarava-a suplicante. Hinata sentiu sua cabeça rodar, com vertigens.

O cabelo loiro estava bagunçado no alto de sua cabeça, formando nós. O rosto, simétrico, agora coberto de arranhões. Um dos olhos estava inchado, roxo, como uma grande gole. Seu lábio superior estava cortado, e sangrava. O sangue estava pouco fresco, o que significava que ele estava ali há pouco mais de uma hora. Estava sem a parte de cima da camiseta, com a calça surrada e cheia de poeira. No entanto, não era isso o mais atordoante.

Seu peito, aberto, continha trapézios definidos. Os músculos ressaltados e braços fortes. Hinata já havia admirado-os não havia muito tempo. Mas, naquele momento, cada centímetro de músculo estava coberto com cicatrizes. Vermelhas, ensanguentadas, pulsantes. Vergões por toda a pele, sensível, alguns lugares demonstrando carne viva. Hinata engoliu em seco, sentindo-se fraquejar. Acomodou a cabeça em seu colo, acariciando o cabelo com as mãos trêmulas. Inicialmente, não notou, mas não era riscos aleatórios. Formavam palavras. Uma única palavra, repetidas vezes.

Sangue-ruim.

Hinata nunca chorava. Quando criança, caiu da vassoura de brinquedo, no segundo andar, e rolou alguns degraus. Não chorou. Quando sua mãe morreu, não chorou. Depois de todos os castigos de seu pai, não chorou. Quando estava no limite, não chorou. Hinata não chorava. Ela não conhecia o sentimento. No entanto, seus olhos começaram a embaçar, e ardiam. Havia algo molhado no canto deles. Ela não sabia o que era. Estava assustada. Encarava o garoto em seu colo, e estava assustada.

Seu coração falhou uma batida.

Caiu em si.

Precisava fazer algo urgente. Respirou fundo e puxou a varinha. Conhecia alguns feitiços de primeiros-socorros, mas não sabia a intensidade dos ferimentos. O garoto a encarava com sua orbe azul desfocada, e Hinata pensou que estivesse já inconsciente. Passou a mão por seus fios embaraçados, sussurrando palavras gentis.

Se levantou com cuidado e murmurou um Wingardium Leviosa. O corpo ficou leve, suspenso ao seu lado, e ela correu para fora da sala, corredor afora. A enfermaria ficava no corredor debaixo, e seus olhos não desgrudavam do garoto loiro. As marcas em seu corpo... foram feitas a fogo por uma varinha. Hinata conhecia, já havia visto inúmeras vezes. Mas não eram todos os bruxos que conseguiam usar tal magia. Era preciso muito sangue-frio.

Avistou a enfermaria, quase tropeçando. Empurrou as portas, fazendo-as bater. Madame Chiyo estava cochilando sobre a mesa, e acordou de sobressalto, assustada.

— Madama Chiyo! – Hinata gritou, sem se importar. Nada mais importava.

— Hinata, o que... SANTO MERLIN! – a curandeira exclamou, assustada. Rapidamente puxou um leito e ajudou Hinata a colocá-lo na maca – O que aconteceu? – estava horrorizada. Em todos seus anos de serviço na escola, jamais havia visto tal barbaridade.

— Não sei. – a garota tinha dificuldade em falar, e a curandeira percebeu isso. Conjurou uma poção calmante com sua varinha e entregou para a Hyuuga – Encontrei ele assim no corredor do terceiro a-andar. – gaguejou no final, bebendo um gole da poção. Tinha um gosto agradável, e imediatamente sentiu seu coração se acalmar, embora ainda tremesse.

— Fique aqui com ele, vou chamar a professora Tsunade agora mesmo! – Chiyo saiu correndo em disparada pela enfermaria, e Hinata virou-se para Naruto.

O garoto contrastava com o lençol branco, e as marcas vermelhas pareciam mais intensas. Eram marcas de tortura – Hinata mal conseguia imaginar o quanto ele sofrera. Aproximou-se, com uma das mãos em sua testa, e abaixou-se, até ficar na altura de seu rosto. Fechou os olhos com força, o aperto no coração piorando. Hinata não percebeu o medo de perder algo que não era seu até que já estivesse perdendo.

— Naruto, por favor... por favor, fica bem... por favor, aguenta firme, por favor... – implorou, com os ombros tremendo – Eu saio com você. Está bem? Eu saio. Só aguenta firme...

Hinata não soube dizer quanto tempo ficou curvada sobre o corpo imóvel do Uzumaki, até que sentiu um repuxão e foi jogada para o lado. Caiu sobre o quadril e ofegou de dor. Madame Chiyo correu para ajudá-la, enquanto a gritaria se instaurara na enfermaria.

— HARUNO! – Hinata identificou a voz de Tsunade gritando, como um trovão, mas sua mente estava zonza por conta da queda.

— SAI DE PERTO DELE, SONSERINA IMUNDA! – Sakura estava sendo contida por dois outros grifinórios. Todos estavam em roupas de dormir, e Tsunade tinha uma veia saltada. Olhou para Hinata com preocupação, o semblante sério, e a garota assentiu, dizendo que estava bem.

— Chiyo, leve Hinata daqui. O diretor tem uma poção para dor no meu estoque. Deixe-a na sala dele.

Hinata queria lutar. Queria ficar, queria ficar com Naruto. Mas Chiyo a pegar pelo braço delicadamente, a levando para fora. A garota virou-se, vendo Sakura chorando sobre a cama, enquanto Tsunade levitava alguns frascos ao seu lado. Os outros dois amigos permaneceram de pé, com o rosto amassado. Um deles virou-se de volta para encará-la, mas Hinata já estava fora da enfermaria. O último vislumbre que teve foram as faíscas coloridas que Tsunade emitiu de sua varinha, começando a curar Naruto.


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