Encontros, Acasos e Amores escrita por Bell Fraser, Sany, Gabriella Oliveira, Ester, Yasmin, Paty Everllark, IsabelaThorntonDarcyMellark, RêEvansDarcy, deboradb, Ellen Freitas, Cupcake de Brigadeiro, DiandrabyDi


Capítulo 2
Blind Date


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Que legal terem vindo conferir a minha one-shot do desafio!!!

O título em inglês já entrega qual é o tema: Encontro às cegas!

Pra começar, gostaria de agradecer a todas as coautoras que me proporcionaram estar aqui... Em especial, a quem se lembrou de mim para participar, a quem me convidou e à minha desafiante, Sany, que escolheu um tema sobre o qual eu A-DO-REI escrever, pois pude criar situações completamente diferentes das que estou acostumada a desenvolver, bem como pude manter uma característica minha, que é fazer muitas (muitas!!!) referências às passagens marcantes dos livros da Suzanne Collins e dos filmes (algumas sutis e outras nem tanto).

Quando comecei a escrever, estava lendo um livro da autora escocesa Mhairi McFarlane e absorvi muito do estilo descontraído da escrita dela. Espero que gostem! Outra fonte de inspiração foi uma história real adaptada, que li há muito tempo, sobre um encontro às cegas durante o pós-guerra, chamada “The blind date”, mas eu não sei o nome da autora (tsc, tsc).

Agora, falando do desafio: pra mim, ele foi realmente um... Desafio!
Nunca havia escrito uma one-shot e ter que colocar todas as minhas ideias em um só capítulo foi algo bem difícil. Por outro lado, também nunca havia desenvolvido nada em Universo Alternativo – minhas outras fanfics são do tipo Canon, sempre buscando o máximo de fidelidade à trilogia -, de modo que eu me empolguei com a possibilidade de incluir momentos que nunca poderiam acontecer nos meus outros textos.

E a empolgação foi tanta que acabou virando uma songfic também!

Então, o que era pra ser apenas um encontro às cegas se transformou num grande encontro, repleto de acasos e onde gravitam vários tipos de amor.

Amor que encerra ciclos e que inaugura novos.
Amor pelo que se faz e pelo que se sonha em fazer.
Amor pela família, amor pelos amigos.
Amor por quem partiu para sempre, amor por quem permaneceu.
Amor por quem se foi e não quer voltar, amor por quem voltou para ficar.

Espero que deem uma chance à fic!

A gente se vê lá embaixo!

Isabela.

OBS: O banner lindo foi feito pela Belrapunzel!



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Por Katniss

O relógio alcança a marca das onze horas da manhã e um sinal sonoro invade a sala de aula.

— Bom fim de semana, crianças! – Eu me despeço dos alunos.

Ainda me emociono por trabalhar no colégio onde estudei. Tinha vinte e um anos quando comecei, dando aulas para os veteranos.

Alguns colegas me disseram que eu era muito nova para ser professora da escola secundária. No entanto, descobri que não é uma questão de idade, mas principalmente de como se age. Eu e os alunos temos um ótimo relacionamento, apenas me certifico de estabelecer limites, e isso vale para professores de qualquer faixa etária.

Aprendi que o modo como você se veste também é um fator importante. É interessante usar roupas mais formais, mesmo que o código de vestimenta na escola seja casual.

Antes do primeiro dia de aula, a diretora Johanna Mason me disse também que é fundamental andar com saltos que clicam no chão de modo irritante. Pode parecer loucura, mas essa dica acrescenta um último e necessário toque de autoridade. Johanna sabe das coisas, mas logo abandonei os saltos e os cliques, pois eles me irritam também.

Todo esse cuidado, porém, não me livrou de ser convidada para o baile de formatura algumas vezes. Então, para dispensar meus admiradores nada secretos, tive que usar como desculpa a minha relação com Gale.

Gale Hawthorne. O vizinho da frente, com quem cresci e tive uma infância humilde, mas feliz. Ele é apenas dois anos mais velho que eu e sempre fomos muito próximos.

Foi também ao lado dele que amadureci a duras penas. Nossa amizade se transformou numa verdadeira aliança, quando meu pai e o pai dele morreram num acidente de trabalho.

Talvez por isso eu tenha algumas vezes imaginado que Gale era meu e eu, dele. Eu pensava que, dentre todos os rapazes disponíveis, eu e Gale é que fazíamos sentido juntos. Nós compartilhamos o mesmo passado e entendemos o que é sobreviver na Costura, sendo órfãos de pai.

No entanto, nossa relação nunca caminhou nesse sentido e ele, inclusive, namorou outras garotas na adolescência.

Até que, aos dezoito anos, Gale se alistou no exército americano. Lembro-me do dia em que partiu para sua primeira missão no exterior, luzindo inacreditavelmente bonito de farda.

Na despedida, aquele que eu considerava um bom amigo me surpreendeu ao dizer adeus com um beijo apaixonado. 

Não sabia o que deveria sentir, mas não foi como imaginei meu primeiro beijo, apesar de ter sido bom. Também não sabia o que deveria dizer, então confirmei o pedido que me fez de esperar por ele.

Mesmo sem estar certa de que estava apaixonada, eu me mantive fiel à promessa. Essa incerteza, porém, era muito conveniente, pois minha mãe me fez conhecer os efeitos de amar alguém e perdê-lo tragicamente.

Eu e Gale costumávamos nos falar toda semana por chamada de vídeo ou por telefone.

Sem o contato físico, nosso relacionamento não mudou muito e, estranhamente, sentia-me aliviada por ele estar longe, mas apenas por esse motivo, pois tinha saudade da nossa convivência.

E, assim, levamos adiante nosso namoro à distância, embora para mim a condição de namorada não tivesse alterado muita coisa quanto aos meus sentimentos. Gale sabia disso, pois não consegui responder à altura sua declaração de amor. Quando ele tomou coragem para me dizer que me amava, respondi um ridículo: "Eu sei".

Após um tempo, ele me confessou que não pretendia mais morar na Califórnia e queria que eu também me engajasse nas Forças Armadas. Numa outra oportunidade, afirmou que, quando voltasse ao país, pretendia casar e ter filhos o mais depressa possível. 

Em todas as vezes, tentei explicar meu ponto de vista, que diverge completamente do dele, porém não resolvemos nossas diferenças em nenhuma das ocasiões.

Depois disso, as chamadas de vídeo foram rareando. As ligações também ficaram mais curtas. Eu atribuía isso às dificuldades que vivenciava, numa zona de guerra.

Em seu último contato, Gale deixou claro que não foi justo se declarar para mim no dia de sua partida e ainda me prender por anos num namoro à distância, liberando-me do compromisso.

Eu minimizei os problemas. Não queria causar uma desilusão em alguém que já vive em condições adversas, sem dúvidas precisando de algum alento para seguir adiante.

Por fim, nossa situação ficou indefinida, ao menos de minha parte, e me vi obrigada a atualizar meu status de relacionamento: no limbo.

Há alguns meses, Posy, sua irmã mais nova, deixou escapar inadvertidamente que teria um sobrinho. Nunca ouvi uma confirmação diretamente de Gale ou de outra pessoa.

Não me senti traída. Chorei somente por pensar que, se eu ainda fosse apenas sua amiga, seria uma das primeiras a saber. Por fim, fiquei feliz por ele.

No entanto, para todos os efeitos, continuo no limbo. Nada mal. Aliás, esse status é muito oportuno pra mim, quando preciso de uma boa desculpa para afastar paqueras indesejadas, especialmente por parte dos estudantes.

Já lancei mão dessa estratégia nesse ano letivo, mesmo tendo sido escalada para dar aulas aos calouros. Até agora, deu certo.

Espero meus alunos saírem, sorridentes e apressados, e escorrego o apagador pelo quadro branco, desmanchando as anotações que fiz.

Quando as carteiras já estão vazias, a mais linda jovem que eu conheço adentra pela porta, com seus olhos azuis brilhantes e cabelos loiros saltando pelas costas.

Primrose, minha irmã mais nova, já cresceu tanto... Esse é seu último ano na Panem High School. 

Sou suspeita para falar, mas ela é muito dedicada em tudo o que faz e se destaca por aqui. Por isso, não tenho receio de alimentar seus sonhos, bem diferentes dos meus. Além de querer se casar e ter filhos, Prim pretende se formar em medicina, o que tem um custo elevado, mas eu não meço sacrifícios para tornar isso realidade.

Como em todo fim de turno, ela atravessa o campus e vem se encontrar comigo para irmos para casa no meu bom e velho carro.

Prim caminha pela sala, sorrindo lindamente. Pego minha bolsa e já estou pronta para enganchar meu braço no dela e sairmos juntas, quando reparo que sua blusa escapou da parte de trás da saia. Começo a ajeitar a peça e Prim dá uma risadinha.

— Como foi sua manhã, patinho?

— Foi ótima! A Srta. Trinket me convidou para ajudá-la em alguns projetos e isso conta pontos para a universidade.

— Que legal, Prim! Vamos à sala dela. Tenho que agradecer a oportunidade que Effie está dando a você.

Effie Trinket é a orientadora escolar. Ela trabalha aqui desde a época em que eu era aluna também e me conhece mesmo antes disso. Foi Effie quem mais me ajudou a permanecer na escola, quando meu pai morreu e minha mãe entrou em depressão.

Foi ela também quem indicou seu advogado competente e ranzinza, que tenho certeza de que é também seu pretendente, Haymitch Abernathy, para ajuizar a ação indenizatória em face da empresa onde meu pai trabalhava. Foi uma luta árdua, mas ele conseguiu provas de que não foram tomadas as precauções obrigatórias para evitar o desastre fatal.

Poderíamos ter conseguido uma boa quantia, mas decidimos fazer um acordo com a empresa. Se fosse condenada a pagar um valor exorbitante, a firma poderia ir à falência e muitos trabalhadores da Costura ficariam desempregados.

Além disso, nem todo o dinheiro do mundo traria meu pai de volta, nem me livraria dos pesadelos que passei a ter.

Então, como contrapartida, recebemos um montante menor e a empresa foi obrigada a ajustar sua conduta para operar de modo a prevenir incidentes iguais ao que matou meu pai.

A indenização foi de grande ajuda. No entanto, o que obtive de mais precioso em toda essa batalha judicial foi conhecer Haymitch. Ele abraçou a causa com afinco e entendeu os motivos pelos quais desisti de levar a ação até o fim. Então, hoje eu o considero como um amigo e mentor.

Com o dinheiro que recebemos, foi possível pagar contas pendentes, especialmente a hipoteca, além da minha formação superior. No entanto, a maior parte eu guardei para as despesas com a faculdade de Prim.

Reservei também um pouco para algumas obras em casa. Embora muitos achassem um desperdício reformar um imóvel na Costura, ali foi o lugar onde fomos felizes com o meu pai.

Isso não foi nenhuma extravagância, pois, desde que comecei a trabalhar na escola, posso proporcionar uma vida decente para nossa família, ainda que sem luxos. Atualmente, conto também com a ajuda da minha mãe, que felizmente já se recuperou, a ponto de retomar seu emprego como enfermeira no hospital local.

Enfim, tudo vale a pena, quando a recompensa é o sorriso da minha irmã, sorriso este que recebo ao terminar de ajustar sua blusa fora do lugar.

— Vamos, Prim?

— Vamos! Tenho mesmo que ir à sala da Srta. Trinket para saber dos meus horários. – Ela cruza o umbral da porta, puxando meu braço.

No entanto, antes de dar o primeiro passo no corredor, olho cautelosamente para um lado e para o outro para me certificar de que não há ninguém transitando.

— O que foi? – Prim pergunta.

— Estou fugindo da Annie.

— Quem ela quer apresentar a você dessa vez?

— Nem ela sabe. É um encontro às cegas com um amigo do Finnick, que ele conheceu em Londres – explico, saindo pé ante pé.

O esforço é inútil, pois, enquanto caminho com Prim pelo corredor vazio, vejo minha melhor amiga emergir na extremidade oposta. Annie corre até nós e prende meu braço livre no seu.

— É hoje... A sexta-feira mais esperada do ano! Aonde você vai mesmo, Katniss? – Annie pergunta com voz doce.

— Para a sala da Effie.

— Estou falando de mais tarde! – retruca ela.

Prim estica a cabeça para frente e examina minha reação. Annie pisca pra ela, escondendo o verde esmeralda de seus olhos e, sem dúvida, conquistando uma aliada na missão de me convencer a sair.

Eu vejo os sorrisos travessos de ambas e sei exatamente onde isso vai parar.

— Vou ficar em casa, ler um livro...

— Tá. Você pode ler tudo o que quiser por toda a tarde! – Annie empaca subitamente, fazendo com que o comboio formado comigo e com Prim pare de se movimentar após um solavanco. – E depois? O que vai fazer?

— Vou dizer o que eu não vou fazerNão vou a um encontro às escuras! Essa é a pior proposta que já me fez de me apresentar a alguém, já que nem você o conhece!

— Adoro essa aura de mistério! – Prim se empolga, elevando os ombros com ar sonhador.

Annie alonga o braço para bater na mão que Prim lhe estende e minha visão fica ofuscada pela cortina de cachos vermelhos e dourados diante do meu rosto.

— Em primeiro lugar, o convite é do Finnick e ele conhece bem o seu par desta noite. Em segundo lugar... Até quando você vai me punir pelo que aconteceu quando apresentei você ao Cato?

A desculpa que eu uso com todos os outros não funciona mais com Annie, pois ela sabe dos pormenores do meu relacionamento com Gale. Por isso, a ruiva sempre tenta me apresentar a alguém. Nunca funcionou.

Ainda não perdi completamente a fé na humanidade, mas aceitar ir a um encontro às cegas proposto pela Annie... É exigir demais da minha pessoa. Tenho motivos pra isso.

Desde o dia em que ela me pegou com o rosto banhado em lágrimas, fazendo uma maratona de séries românticas à frente da TV, meu lema "Katniss solteira é Katniss inteira" não funcionou mais. Assim, sucumbi à sua insistência para conhecer Cato Ludwig.

Ele foi um amorzinho quando saímos em duplas, apesar de me sufocar um pouco. É normal gostar de se sentir querida, mas o lado bom não supera a aversão que tenho de me sentir presa. A princípio, porém, eu relevei a possessividade dele.

No entanto, já no primeiro encontro sozinhos, Cato começou a implicar com minhas roupas e deixou meu braço marcado, quando me segurou e me acusou de estar paquerando outro rapaz. Bastou me soltar para eu dar as costas e nunca mais olhar na cara dele.

— Oh, Katniss, esqueça o Cato – Prim choraminga.

— Eu já esqueci! Vocês é que estão me lembrando dele. – Balanço a cabeça para afastar a memória do que tinha tudo para ser um relacionamento abusivo. – Mas a lição ficou.

— Finn disse que esse amigo é um cara legal – Annie não desiste.

— O que mais você sabe sobre meu futuro cunhado, Srta. Cresta? – Prim indaga.

— Srta. Primrose Everdeen, sei que ainda estamos nas dependências da escola e que você deve respeito à sua professora preferida... No caso, eu. – Annie ergue um dedo solenemente, para depois sussurrar. – Mas, pra você, sou sempre Ann, a amiga favorita da sua irmã teimosa desde que ela tem dezesseis anos! – Annie encosta sua cabeça na minha. – Eu sou, né?

Não consigo manter a cara fechada que estava sustentando desde a menção ao nome indesejado. 

Annie costuma fazer essa pergunta desde que a conheci, seis anos atrás, quando se mudou com seus pais para nossa cidade. Ela insiste e insiste até eu admitir que é minha amiga favorita no mundo.

Nunca tive amigos próximos na turma da escola, dominada por elitistas, que não se misturavam com os moradores da Costura. Ironicamente, a única que almoçava e conversava comigo era Madge, a filha do prefeito. Annie também se deu bem com ela e passamos a formar um trio diferente, num mar de adolescentes manipuladores e falsos, até que Madge se mudou com a família para Washington, para seu pai seguir carreira política.

Então, eu e Annie viramos uma dupla inseparável. Apesar de sua boa condição financeira, ela não tinha os preconceitos dos alunos antigos.

Finnick se mudou para a cidade um ano depois da chegada de Annie. Nascido na Inglaterra, pois sua mãe é britânica, ele veio morar com o pai americano. Os dois forasteiros da escola apaixonaram-se um pelo outro de cara e estão juntos desde então.

Annie sempre acompanhou o quanto eu me desdobrava para estudar, trabalhar em meio período na lanchonete de Greasy Sae e tomar conta de Prim.

Não foram poucas as vezes em que cheguei em casa esbaforida e Annie já estava cuidando dela, fazendo-a suspirar com histórias açucaradas de passeios com Finnick pela praia e de como ele ficava bonito com o uniforme do time de futebol americano.

Por isso e por muitas outras virtudes, Annie é mesmo minha amiga favorita.

— É claro que você é minha amiga favorita no mundo inteiro... Agora, vamos antes que Effie vá embora.

Recomeço a andar, carregando as duas até a sala da orientadora.

Atrás da mesa, organizada impecavelmente, Effie pestaneja com os olhos vidrados em Haymitch, que deve ter vindo buscá-la.

— Olá, meninas! – Haymitch nos cumprimenta.

— A que devo a honra da visita? – Effie contorna a mesa para nos abraçar.

— Vim agradecer pela oferta que fez à Primrose.

— Gostou da novidade, Katniss? – Effie pergunta. – Que conselhos você daria à sua irmã?

— Nunca, jamais, em hipótese alguma, ouse colocar um copo com água sobre a mesa de mogno, Prim.

— Nem uma xícara de café! – Annie completa.

— Primrose pode fazer isso... Se usar um porta-copos! – Effie alerta e Prim faz sinal de que compreendeu.

— Haymitch, estamos tentando convencer a Katniss a ir a um encontro às escuras hoje – Prim apela para a lábia do advogado.

— Então, vocês tem que fazer uma lavagem cerebral nela. Katniss tem tanto charme quanto uma lesma morta e é tão romântica quanto um monte de sujeira.

— Ai. Isso doeu – reclamo.

Ele percebe que exagerou, tanto é que suaviza o tom ao continuar.

— Essa pode ser sua chance, docinho. – Haymitch cutuca meu ombro. – Não deve ser tão ruim assim... Para o pobre garoto, é claro.

Reviro os olhos e todas riem com sua observação. Em seguida, Prim checa seus horários e nos despedimos do casal.

— Feliz encontro às cegas! E que a sorte esteja sempre a seu favor! – Effie exclama com sua voz melodiosa ao nos levar ao corredor.

— Posso pegar carona? – Annie pede. – Eu ajudo Prim a separar tudo o que você vai usar hoje à noite! Combinei com o Finn de me buscar na sua casa.

— Você já tinha tudo planejado! – Aperto os olhos na direção dela. – Você pensa que é inútil eu me esquivar dos seus pedidos, não é? Mas vou resistir bravamente.

— Katniss, aventure-se! – Prim me instiga. – Você nunca fez algo assim!

— Será que foi porque isso não é nada sensato? – respondo de modo sarcástico, mas elas fingem não escutar.

Primrose se acomoda no banco traseiro do carro, enquanto Annie fica ao meu lado.

— Conta tudo o que você sabe sobre ele, Ann – implora Prim, com a cabeça entre nossos assentos.

— Prim, sente-se direito e coloque o cinto de segurança. Você também, Annie.

As duas me ignoram mais uma vez e Annie se vira para trás.

— Ele é americano e foi morar na Inglaterra. Finnick o conheceu durante um curso que fez por lá. Esse rapaz está voltando para Los Angeles para reativar os negócios da família. Ele está buscando amizades e...

— Bom para ele – digo apressadamente – Estou realmente feliz por ele estar retornando pra casa. Quanto ao resto, ele parece já ter encontrado dois bons amigos... Finn e você. Estou dispensada?

— Ah, vai, Katniss! – Annie balança meu ombro.

— Onde?

— No Bar Mockingjay.

Logo lá? O Mockingjay é um bar localizado em frente ao Píer de Santa Mônica, no início do calçadão que vai até Venice Beach. Meu pai fazia uns bicos como músico nesse local. Ele dizia que o lugar é espetacular e que me levaria lá para cantar quando eu alcançasse a maioridade. Por isso, eu sempre quis conhecer o Mockingjay, porém não ia dar o braço a torcer tão facilmente.

— Que horas?

— Às seis.

— Não é muito cedo?

— Ele quer ver o pôr do sol do Píer – explica Annie.

— Que romântico! – Prim joga o corpo para trás contra o banco, suspirando.

— E... Hoje é noite de karaokê! – Annie praticamente grita, enquanto me sacode.

— Você está brincando? Não vou cantar...

— Eu também não! Vou dançar! – Annie faz uma dancinha empolgada com o tronco e os braços. – Os frequentadores de lá levam a cantoria a sério. Finnick é um deles.

— Vocês também vão?

— Claro que vou com Finnick! Preciso recolher material para o meu discurso como madrinha do seu casamento. Eu dei a você anos de vantagem...

— Por que não disse antes? – eu a interrompo.

— E então? Você vai? E vai cantar, né? – Prim está impaciente.

— Ei, vocês duas. Meu carro, minhas regras. Cinto de segurança já! – ordeno e elas ajustam as fivelas rapidamente.

— Não fuja do assunto, amiga.

— Você canta tão bem, Katniss. Por que não arrisca? – Prim tenta novamente me dissuadir.

— Estou arriscando a minha sanidade ao dar ouvidos a vocês. – Dou partida no carro.

— Isso é um sim? – Annie fica esperançosa.

— É um talvez. Não tenho nada para vestir em lugares como o Mockingjay – argumento.

— Você pode usar um vestido da mamãe! – Prim sugere.

Ela está tão entusiasmada que estou inclinada a ir. Quanto a cantar... É algo que não faço desde que meu pai faleceu. Olho de esguelha para Annie.

— Você promete que não preciso cantar?

— Prometo! Por favor... Pelo Finnick? Por mim?

— Tudo bem – concordo ainda contrariada.

Prim solta um gritinho e Annie bate palmas. Eu suspiro dramaticamente.

— Agora podemos planejar o casamento duplo! – Annie sorri.

— Duplo, não! Triplo! Quero participar da festa! – Primrose se diverte.

— O quê? – Eu a encaro pelo retrovisor com os olhos arregalados.

— OK! Nada de casamento duplo ou triplo... Ainda! Vamos focar em hoje à noite – Annie propõe. – Prim, o que você vai fazer no cabelo dela?

Aff. Estou em apuros. Definitivamente.

Atravessamos a fronteira da Costura e logo chegamos à minha casa. A pintura desgastada sob as janelas está disfarçada pelos arbustos floridos das prímulas que minha irmã plantou.

Assim que descemos do carro, Rory Hawthorne, irmão mais novo de Gale, atravessa a rua, apreensivo.

— Prim, posso falar com você? – pergunta ele.

Mesmo sem precisar pedir, ela olha pra mim, esperando permissão. Assinto e os dois se dirigem a um dos velhos bancos da Campina, o descampado mal cuidado que fica a alguns metros da nossa casa.

— Katniss, você trata Prim como sua filha.

— Que exagero, Ann! – Abro a porta.

Quando eu e Annie invadimos a cozinha, minha mãe já está enchendo tigelas fumegantes com sopa. Annie a cumprimenta com um abraço de lado.

— Prim está lá fora com Rory – aviso secamente.

— Katniss vai comigo hoje num encontro e precisa de um vestido emprestado da senhora.

Minha mãe pousa a concha na panela e seus olhos marejam.

— Vou providenciar tudo, filha. – Ela sai da cozinha em direção ao quarto.

— Você deveria ser menos dura com ela – Annie me censura quando vai comigo ao banheiro lavar as mãos, apesar da sua voz calma.

Fico calada, pois sei que a ruiva está certa. Sentamos à mesa e comemos em silêncio até que Prim entra em casa, sorrindo para si mesma.

— E então? – pergunto curiosa.

— Rory me convidou para o baile de formatura! – Prim sorri ainda mais e circunda a mesa para jogar os braços ao redor do meu pescoço. – E ele me pediu um conselho em relação a você e ao Gale.

Olho para Prim atordoada.

— Rory disse que alguns amigos estão pensando em convidar você para o baile e perguntaram a ele sobre seu namoro com Gale. Rory não sabia o que dizer.

— Diga apenas para ele desencorajar os amigos. Com ou sem Gale, não vou aceitar mesmo nenhum convite – respondo evasivamente. – E coma sua sopa, Prim.

— Está vendo? Você a trata como sua filha o tempo todo – Annie aponta. – Não que isso seja ruim. Só deixe o seu lado irmã fluir um pouquinho mais...

— Como faço isso? – questiono.

— Você pode me dar uma sugestão em vez de uma ordem – Prim aconselha.

— OK – emito uma voz cheia de candura, piscando os olhos e ladeando a cabeça. – Querida irmãzinha, sugiro que você experimente a sopa que a mamãe preparou, enquanto ainda está quentinha.

— Bem melhor! – Prim estala um beijo em minha bochecha. – Agora, vamos falar sobre sua maquiagem e sobre as sandálias de salto!

Saltos também? Isso saiu do controle.

— Prim, coma sua sopa! – resmungo.

As duas riem da regressão em meu comportamento e Annie toca o braço de Prim.

— Como foi o papo com Rory? Você respondeu logo ou fez suspense?

— Fiquei com cara de boba apaixonada... – Prim apoia o rosto em seu punho fechado. – E disse sim! Mais apaixonada ainda!

— Acho que nunca me apaixonei antes. Nem pelo Gale – confesso.

Prim faz de conta que está segurando um microfone para me entrevistar, imitando uma repórter sensacionalista:

— Você nunca foi balançada por um sentimento arrebatador, que toma conta dos pensamentos e faz o corpo inteiro reagir, pela certeza de que quer aquela pessoa ao seu lado por toda a sua vida?

— O que significa isso, Primrose Everdeen? – pergunto intrigada, pois, apesar de saber que ela gosta de Rory, não fazia ideia de que era tanto.

Mas, pra variar, ela não me responde. Annie entra na brincadeira, também fingindo ser uma entrevistadora:

— Você não sonha ter uma pessoa que decifre o que está sentindo só de olhar nos seus olhos, que saiba do que precisa antes mesmo de você falar, que seja seu maior fã, seu melhor conselheiro, mas com aquele algo mais que torna impossível resistirem um ao outro?

— Argh! Vocês são muito melosas – esbravejo, para disfarçar o frio na barriga só de imaginar encontrar alguém assim.

— Você já gostou de um garoto que eu sei... – Prim acusa.

— De onde tirou isso, mocinha?

— O filho do padeiro! – ela afirma com convicção.

— Esse eu não conheci. – Annie fica curiosa.

— A padaria ficava aqui perto da Costura. Fechou antes de você se mudar pra cá, Ann – Prim explica. – Katniss ia lá comigo para ver os bolos decorados na vitrine.

— Você disse bem. Eu ia levar você. Não ia pra ver o garoto com o p... Quero dizer, o filho do padeiro – Quase deixo escapar o modo como me refiro a ele em meus pensamentos. Garoto com o pão.— Eu não gostava dele dessa maneira. Só era grata por ter me ajudado uma vez. E ele nunca me notou de verdade.

— Notou sim! Ele observava você de um jeito tão fofo! Pena que ele foi morar longe...

— Pena mesmo. É alguém que eu gostaria de conhecer, por conseguir a façanha de conquistar o coração da Katniss! – Annie se levanta da mesa e me puxa para o meio da sala. – Mas agora vamos pensar positivo, pra você encontrar uma nova paixão essa noite!

— Lá vem você com suas ideias mirabolantes! – Eu me jogo no sofá quando Annie me solta.

— Estou torcendo para que ele seja uma graça e que o encontro seja maravilhoso! – Prim senta-se ao meu lado.

— Vai ser – Annie confirma.

— Tem que ser. Para o seu bem, Annie – ameaço, mas pisco pra ela logo depois. – Por via das dúvidas, é bom que você e Finn estejam por perto, caso o encontro seja um fiasco e eu precise ser resgatada.

— Temos que combinar um pedido de socorro – Annie fala.

— Já sei. Vou fazer aquela sua coreografia de cheerleader, Ann. – Agarro duas almofadas para imitar pompons e, depois, atiro nela.

— O sinal pode ser enrolar o cabelo assim! – Prim enrosca uma de suas mechas no dedo indicador.

— Se eu ficar enrolando o cabelo, ele pode pensar que estou me insinuando... Que tal mexer na orelha? – Reproduzo o gesto para Annie memorizar, segurando meu lóbulo esquerdo.

— Se você mexer na orelha, irei resgatá-la, Everdeen! – Annie promete, devolvendo-me as almofadas que joguei nela.

Uma delas atinge Primrose, o que é o estopim para uma guerra de almofadas.

Nossas risadas ainda ecoam pela casa, quando minha mãe ressurge na sala.

— Katniss, separei um vestido que ficará perfeito. Há um tempo, pedi para Hazelle fazer uns ajustes e deixá-lo mais moderno, justamente pra você usar numa ocasião assim.

As palavras da minha mãe me tocam profundamente. Os vestidos são algo especial pra ela.

Annie e Prim me lançam olhares encorajadores e vou até ela para abraçá-la.

Não sei se esse encontro às escuras será divertido ou não, mas já serviu para me ajudar nessa reaproximação. Minha mãe segura meu rosto cautelosamente e abre um pequeno sorriso.

— Qual é o nome do rapaz, Annie? – pergunta ela, ainda olhando para mim.

— Peter... Peter Montark. Ou seria Monnark? É alguma coisa assim.

— Não conheço a família. Ele é daqui? – Minha mãe quer saber.

— Não sei. Finn está cheio de segredos. Ouvi o nome do rapaz por acaso.

— Então, serei uma surpresa pra ele também? – pergunto.

Annie confirma, antes de ouvirmos uma buzina insistente do lado de fora. Annie solta uma exclamação e corremos para a calçada. Finnick está em seu carro, fazendo a barulheira.

Rue, a melhor amiga de Prim, sai de casa para ver o motivo do estardalhaço e se junta a nós.

Finnick atravessa a rua, atrapalhando um bando de meninos que brincavam de bola.

Annie salta nos braços do namorado, que imediatamente a pega no colo, girando-a no ar com os lábios colados nos dela. Eles pouco se importam com a cena que estão protagonizando.

As crianças agitam os braços, reclamando pela interrupção do jogo. Finnick deixa Annie deslizar até o chão suavemente. Então, aproxima-se dos meninos e arremessa perfeitamente a bola para o que está mais distante.

— Um dia vocês vão saber o que é estar apaixonado! – Ele grita e sorri para Annie, enquanto Prim e Rue suspiram atrás de mim. – Boa tarde, meninas! Vim buscar o amor da minha vida... Até mais, Katniss!

O belo casal acena para nós, de braços dados, e os dois entram no veículo.

Deixo Prim segredando com Rue na entrada de nossa casa e vou até meu quarto organizar as aulas da próxima semana no notebook, o que me toma bastante tempo.

Horas depois, minha mãe leva um lanche pra mim numa bandeja, antes de ir para seu plantão. Vejo seu sorriso quando ela sai e, de repente, na tela iluminada, surge uma chamada de vídeo.

É Gale. Clico para iniciar a conversa.

— Hey, Catnip!

— Oi, Gale.

— Falei com Rory agora e ele disse que Prim e Annie estavam tendo trabalho pra convencer você a ir a um encontro.

— Às cegas.

— Ah, certo. De qualquer modo, fico tranquilo que esteja seguindo em frente. Você sabe que eu e você... Bem, que nós...

— Não há mais nós, não é? Soube há um tempinho.

— Sinto muito.

— Não sinta. Só fiquei triste por não ter me contado antes algo tão importante. Mas, se você está feliz, estou feliz também.

— Estou mesmo. Aliás, eu e Cressida estamos.

— Ela se chama Cressida?

— Sim. E o bebê vai receber o nome do meu pai.

— Desejo tudo de bom pra sua nova família...

— Desejo tudo de bom no seu encontro.

— Você faz falta, Gale. Não suma – digo sinceramente.

— Eu também sinto saudades – despede-se ele e faço um gesto de adeus para a câmera, que é repetido por ele.

Gale finaliza a ligação. Meu monitor se apaga depois de um tempo e... É isso. Acabo de escapar do limbo oficialmente.

Será que esse é um bom sinal? Com certeza, uma grande carga sai dos meus ombros. Fico pensativa, olhando a tela vazia, e, logo depois, Prim se recosta no batente da porta, segurando o cofre onde guarda suas economias.

— Você deve estar preocupada com o que vai gastar hoje e...

— Nem pense nisso, Prim.

— Katniss, garanti à Annie que providenciaria tudo.

— Ela não estava se referindo a dinheiro.

— De qualquer modo, não posso contrariá-la. Ela ainda não me entregou a carta de recomendação para a universidade.

— Isso é golpe baixo, Prim! – reclamo, realmente aborrecida por minha irmã mencionar meu ponto fraco.

— Você me perdoa? – Ela se aproxima e segura minha mão. – O principal motivo de ajudar à Annie é porque quero ver você feliz.

— Tudo bem. Eu exagerei. É que não posso nem imaginar nada dando errado com sua ida à faculdade. Isso é meu dever como irmã mais velha e...

— Não é seu dever. Você já faz de tudo por mim e, por mais que eu seja grata, não posso permitir que se sacrifique tanto, sem viver sua vida. – Ela me estende algumas notas e eu pego. – Fique com o que ganhei essa semana como babá. Não é muito, mas ao menos um drink será por minha conta!

— Vou aceitar, mas só dessa vez. – Fito com carinho o sorriso que se desenha em seus lábios.

Um rápido olhar para o relógio me mostra que já são três e meia da tarde. Eu imediatamente saio do meu quarto e constato que, sobre a cama da minha mãe, ela estendeu cuidadosamente um belo vestido, cujo tecido fino contrasta com a colcha surrada. Na cômoda, ela deixou à vista os brincos delicados que ganhou da Dra. Paylor, sua supervisora no hospital.

A roupa me lembra de momentos alegres, em que meu pai conduzia minha mãe, rodopiando-a pela sala e cantarolando seu amor por ela.

Enxugo uma lágrima furtiva antes que Prim veja e me enfio no chuveiro. Imediatamente após o banho, descubro que não tenho como escapar da sessão de beleza organizada por minha irmã. Estou com os cabelos escovados e com o rosto levemente pintado.

— Olhe só pra você! – diz ela satisfeita, guardando o último pincel. – Você está absolutamente linda, Katniss... O que o papai diria se, no mesmo dia, soubesse que recebi um convite para o baile e que você terá um encontro?

Tento formar um sorriso no rosto, mas é muito doloroso ouvi-la falar sobre nosso pai. Por sorte, a campainha soa.

— Deve ser Rue! – Prim vai atender.

Ponho o vestido e calço meu par de sandálias, atando as tiras finas nos tornozelos. Adorno as orelhas com os brincos e disfarço o decote do vestido com a única joia que possuo: o broche de ouro que Madge me deu, com a figura de um pássaro.

Respiro fundo e me olho no espelho, gostando verdadeiramente da minha aparência. Prim e Rue abrem a porta.

— Não falei que ela está incrível? – Prim pede a opinião da amiga.

— Sim! E eu adoro seu broche, Katniss – Rue elogia. – Trouxe essa pulseira, que combina com ele.

Ela envolve em meu pulso uma corrente dourada, com minúsculos pingentes de passarinhos.

— Obrigada, Rue. – Fico comovida com o mimo.

Eu abraço as duas e elas me levam até a porta. Prim me entrega casaco e bolsa.

— Eu coloquei batom, celular e carteira. Também chamei um táxi.

— Minha irmãzinha está crescida e agora cuida de mim... Você vai ficar bem até eu chegar?

— Rue vai ficar comigo. Não precisa voltar cedo por minha causa.

— Espero que ele seja educado, respeitador e... lindo! – Rue acrescenta animada, antes de eu entrar no táxi.

Olho pra trás para ver as duas acenando sorridentes. Não demora muito, elas enviam mensagens para meu telefone com conselhos para eu seguir. Rio sozinha com o empenho delas para que dê tudo certo.

Na metade do percurso, Annie também manda uma mensagem pelo celular.

ANNIE"Eu e Finnick vamos nos atrasar. O carro dele quebrou. Vou pegar logo um táxi, enquanto Finn espera o reboque e vai depois. O amigo dele já está a caminho."

— Ah! Que ótimo! – resmungo, enquanto espero a mensagem que o aplicativo me informa que Annie está digitando.

ANNIE: "Eu conheci o dito cujo. É loiro e lindooo!!!!! Além de simpático e comunicativo."

EU: "Você confirmou o nome dele?"

O marcador ao lado da mensagem me indica que foi recebida, mas Annie ainda não leu. Seguro o telefone por alguns minutos, mas o devolvo para a bolsa, sem a resposta dela. Tenho que me conformar com o fato de que terei que procurar sozinha por um loiro chamado Peter.

Como estou com tempo, peço para o taxista parar um pouco antes do bar, para poder apreciar o visual do Píer enquanto o dia declina. Agradeço mentalmente ao amigo do Finnick pela oportunidade de assistir ao espetáculo que é o pôr do sol visto da praia de Santa Mônica.

Chego ao local combinado com alguns minutos de antecedência. Quando entro, solto um suspiro. Como meu pai descreveu, o lugar tem o charme litorâneo, sem perder o ar de casa noturna.

A iluminação é pouca. Há apenas luz indireta, letreiros luminosos e alguns holofotes ao redor de um globo espelhado na pista de dança. Em frente, um palco com instrumentos espera uma banda. No som ambiente, tocam aleatoriamente músicas compostas para colocar os hormônios de mulheres incautas em ebulição.

Decido ir ao bar pegar uma bebida para manter minhas mãos ocupadas enquanto espero. Isso vai evitar que pareça entediada antes mesmo de encontrar o rapaz.

Quando já estou com o meu Cosmopolitan nas mãos, vejo um loiro de porte atlético saindo da área externa da boate. Ombros largos, alto, queixo quadrado. Ele veste um casaco jeans escuro que marca seus braços fortes.

Seu rosto me é familiar e traz uma onda de conforto que normalmente não sinto à primeira vista, porém, se eu tivesse conhecido alguém com traços tão perfeitos recentemente, com certeza, ficaria registrado na memória. Ele se senta no balcão diante do bar, num daqueles bancos altos.

Ai, ai! Com esse aí, o encontro pode ser às cegas, de olhos vendados até... Eu não me importaria.

Mas é lógico que ele não precisa de artifícios como marcar encontros às escuras para sair com alguém.

Mesmo desconfiando de que não é ele quem eu vim encontrar, eu me permito uma tímida troca de olhares. E recebo olhares de volta, acompanhados de um sorriso acanhado!

Fico hipnotizada e não noto um loiro desengonçado que esbarra em mim ao levantar o braço desajeitadamente para chamar o barman, derrubando meu Cosmopolitan.

E lá se vai o drink que Prim bancou pra mim!

Graças ao meu bom reflexo, dou um pulo para trás e sinto apenas as gotículas salpicando meus pés. Por muito pouco, o líquido não derrama em meu vestido.

Fito o loiro lindo mais uma vez e percebo que agora ele ri discretamente. O problema é que ele está rindo de mim, e não para mim.

Quando percebe minha expressão zangada, ele sufoca a risada, desviando o olhar para girar o gelo que está mergulhado na bebida em seu copo.

— Oh, mil desculpas! – O loiro aguado à minha frente segura minha taça praticamente vazia. – Você já pagou pelo Cosmopolitan?

— Ia fazer isso agora.

— Então, eu pago. – Ele puxa o dinheiro e chama o atendente. – Esse é por conta do Peter aqui! – Ele aponta para si próprio.

— Ah! Peter? – Deixo os braços penderem em sinal de desânimo – Então, você é o famoso Peter?

Não menciono o sobrenome, pois a Annie não sabia se era Montark ou Monnark.

Peter faz uma expressão confusa ao me ouvir qualificá-lo de famoso, mas acaba concordando.

— Sou eu, sim. Você só pode ser a... a...

— A amiga de Annie e Finnick. Katniss Everdeen.

— Muito prazer, amiga-de-Annie-e-Finnick-Katniss-Everdeen. Quem diria que logo você fosse esbarrar em mim e derrubar o drink? Vou repor, pode deixar! – Ele pega duas cervejas com o atendente.

— Os fatos não foram bem esses. E, a propósito, era um Cosmopolitan...

— Ah, sim, claro! É que o dono do bar liberou a cerveja pra mim, quando me viu escolhendo uma música pra cantar.

— Você deve cantar bem, então.

— Talvez... Só sei que foi a pedido de outros clientes, que imploraram para ele fazer alguma coisa para eu não pisar no palco essa noite.

Conclusão: Peter é desafinado. Ainda bem que o dono do bar me salvou dessa humilhação.

— Acho que eles temem a concorrência – digo, tentando parecer convincente.

Ele assente orgulhoso e se aproxima, segurando meu braço para me guiar até uma mesa, num gesto excessivamente confiante.

Por azar, meu calcanhar vacila quando tento não pisar na poça no chão e preciso me agarrar no outro braço dele, ficando a centímetros do seu rosto. Peter ergue a sobrancelha, certamente interpretando erroneamente o que foi um mero acidente.

Eu logo me recomponho e sentamos à mesa. Peter me olha sedutoramente. Para fingir que não noto, tomo um gole da cerveja, apesar de detestar a bebida.

— Você é sempre atirada assim ou só ficou impressionada com o material aqui? – Ele pergunta, alisando a ausência de músculos coberta por sua camisa.

Engasgo e suas mãos se esticam para acariciar minhas costas, enquanto engulo rapidamente o conteúdo ainda na minha boca.

— Que material? – Tusso ainda algumas vezes para me recuperar.

— Humm... Senso de humor – Ele ri, coçando o lado do pescoço, tentando parecer sexy, sem sucesso – E por que você me chamou de famoso?

— "Famoso" – Faço aspas com os dedos. – É modo de dizer. Por causa do Finnick e da Annie. Eles devem ter falado de mim pra você também, não?

— Finnick e... Annie, certo? É claro que falaram! – Ele diz de modo descontraído, mas mantém um semblante que denota confusão – Eles são mesmo muito... Falantes.

Estranho o adjetivo, mas dou continuidade ao papo, para fugir do silêncio.

— Então, animado por estar de volta à Califórnia?

— Estar de volta... O que significa voltar quando sinto que nunca parti?

Levo um guardanapo à boca para reprimir uma risada. O que foi isso? Poesia? Ou uma maneira bem esquisita de manifestar que quer mudar de assunto? Pode ser isso, mas parece que ele não faz ideia do que estou falando.

— Hoje vamos apenas celebrar a vida, as conquistas, os drinks derramados...

E ele começa a desfiar uma conversa sem limites. Saí do limbo e entrei numa furada homérica.

Lembro-me das recomendações de Prim e Rue:

"Converse em um tom amigável."

Até agora não precisei usar tom nenhum, pois ele não me deixa falar.

"Tenha algumas perguntas em mente para evitar silêncios durante o encontro."

Como se ele precisasse de mais assunto!

"Não crie expectativas muito altas."

Minha mais alta expectativa é que ele saia correndo daqui com dor de barriga.

Finco meu cotovelo no braço da cadeira e sustento meu rosto com minha mão aberta. Permaneço ali, estática, fingindo prestar atenção enquanto ele debulha sua história sem fim sobre... Nem sei mais o quê!

Com a minha visão periférica, vejo Annie entrar, vasculhando o espaço com seus grandes olhos, causando fascínio por onde sua figura longilínea e seus cabelos naturalmente vermelhos passam. Respiro aliviada, esperando-a se aproximar.

No entanto, Annie cruza a pista de dança ainda vazia. Fico na mesma posição. Apenas meus olhos se movem e acompanham o andar gracioso da ruiva, que acena pra mim discretamente e segue em frente, indo se sentar perto do... loiro lindo!

Como assim? Annie vai me deixar aqui sozinha com o amigo do Finnick?

Minha revolta atinge níveis estratosféricos, quando observo o loiro lindo puxar assunto.

Ele conversa com Annie e a faz rir. O globo espelhado é atingido por raios luminosos que desviam na direção dos dois e refletem belos padrões de luzes, ora destacando, ora ocultando suas expressões.

Estreito meus olhos, tentando com todas as minhas forças me comunicar telepaticamente com ele, para avisá-lo de que Annie não está solteira e que o destino dele está traçado comigo, e não com a minha amiga traíra.

É uma pena que Peter não pare de falar para eu me concentrar na tarefa.

Annie interrompe a pseudopaquera por alguns míseros segundos, apenas para fazer sinal de positivo com o polegar em minha direção. Eu queria mesmo mostrar outro dedo pra ela, mas opto por fazer um pedido de resgate.

Agarro o lóbulo da minha orelha, como se fosse uma tábua de salvação. No entanto, ela parece não ver. Seguro o lóbulo da outra orelha. Annie apenas franze o cenho e, depois, balança a cabeça, sacudindo a mão no ar e rindo, como se eu estivesse fazendo uma piada.

Já estou a ponto de pinçar minhas duas orelhas, quando vejo Annie se afastar para ir ao banheiro.

— Preciso ir ao toalete – informo, já de pé.

— Ah, sim, claro... Quando você voltar, termino de contar como foi difícil encontrar o...

— Mal posso esperar para ouvir o final dessa aventura! – corto Peter sem cerimônias.

No banheiro, Annie está retocando o batom à frente do espelho. Eu me posiciono ao lado dela para encarar sua imagem refletida.

— Quase arranquei minhas orelhas e você não fez nada!

— Você parecia tão envolvida na conversa e o rapaz tem bastante assunto. Achei que, em algum momento, você fosse se juntar a nós...

— Saiba que o Sr. Wikipedia lá fora parece inofensivo, mas engoliu uma biblioteca com todas as informações sobre todas as coisas que você ousar mencionar. Ele responde às próprias perguntas, ri das próprias piadas sem graça e ainda explica! – Ergo as mãos para o céu em busca da piedade dela.

— Então, o que você está fazendo lá com ele? – Annie pergunta, como se não fosse óbvio que fiquei todo esse tempo sufocada na verborragia nada interessante daquele sujeito por causa do convite que ela me fez. Não satisfeita, ela se dá ao trabalho de explicar o inexplicável. – Eu só não queria atrapalhar seu bate papo com seu amigo.

— Meu amigo? O loiro, lindo, simpático e comunicativo é seu amigo. Ou do Finnick! Sei lá... Aliás, o adjetivo lindo é por sua conta! Quer saber? Você não é minha amiga favorita no momento. Vou lá fora tomar um ar.

Saio sem querer ouvir mais de suas desculpas. Por sorte, a sacada externa do bar está vazia. Apoio minhas mãos no corrimão e admiro o céu do início da noite, quando o horizonte assume tons de azul escuro que aos poucos vão sendo substituídos por matizes negros.

A vista do Pacific Park faz deste bar um local perfeito para encontros. A roda-gigante colorida e reluzente, o reflexo cintilante e verde-azulado do mar e a iluminação característica do local me fazem sentir como a protagonista de uma comédia adolescente. É pena que o roteiro não tenha graça.

Nem a paisagem é capaz de aplacar o meu aborrecimento. Se Finnick cogitou que eu gostaria de sair com alguém como esse Peter, deve achar que estou no fundo do poço.

Meu celular vibra em minha bolsa. Quando eu a abro, vejo piscar a luz que indica o recebimento de uma mensagem.

Abro o aplicativo e vejo que há mensagens de Prim e de Annie. Minha irmã está perguntando como está sendo o encontro.

EU: "Estou seguindo seus conselhos, Prim."

Uma meia verdade inofensiva.

A mensagem de Annie tem a resposta à pergunta que havia feito há séculos.

ANNIE: "O nome dele é Preta."

PRETA? Esse não é o nome dele. Maldito corretor ortográfico!

— Olá! – Meus pensamentos são interrompidos por um timbre masculino suave, mas que, ao mesmo tempo, evoca sensualidade.

— Oi – cumprimento, guardando o celular na bolsa, sem me virar na direção do meu interlocutor, embora esteja curiosa para conhecer o dono da voz.

— Annie está inconsolável. Ela me disse que não é sua amiga favorita no momento e isso parece ser algo grave entre vocês.

— E é mesmo! – Ao ouvir o nome de Annie, ponho meus cotovelos na grade da sacada e continuo olhando pra frente, voltando a me sentir aviltada pelo que ela aprontou comigo.

— Você deve estar bem chateada com Annie por arrastá-la até aqui. Eu sei que a ideia de um encontro às cegas pode ser horrível, mas o Finnick me garantiu que você estava lidando numa boa...

— Você já falou da Annie e do Finnick e eu ainda não faço ideia de quem seja você... Espera... Eu vim encontrar você? E não aquela criatura ali? – Indico o interior do bar.

— Pelo menos, foi o que Annie me garantiu.

A indignação ainda nublava o que já devia estar claro pra mim há muito tempo e, por isso, mal posso me conter quando dou uma volta de cento e oitenta graus, ficando frente a frente com ninguém mais, ninguém menos que o loiro lindo.

Sou saudada pelo par de olhos azuis mais desconcertantes que já vi. Noto que não sou a única a ficar desconcertada, pois ele está me encarando como se eu fosse uma aparição.

Ou, talvez, como se eu fosse uma completa decepção... Com esse último pensamento na cabeça, pergunto:

— Se a ideia de um encontro às cegas é horrível, por que aceitou vir? – pergunto sem disfarçar minha irritação.

— Porque eu tinha esperanças de encontrar alguém como você.

O galanteio me desestabiliza, mas recobro meus sentidos.

— Já sei. O Finnick trapaceou e mostrou uma foto minha? Ou pior... Ele postou alguma foto comigo nas redes sociopatas dele? – vocifero e ele arregala os olhos, mas não há nenhum julgamento neles, apenas divertimento. – Desculpe-me se você é adepto, mas abomino redes sociais e o tráfico de informações pessoais!

Ele ri das palavras que despejo desenfreadamente. Não sei se fico grata ou mais chateada ainda. Só sei que sua risada é tão gostosa que meu aborrecimento vai desvanecendo aos poucos.

— Pode ficar tranquila. O Odair não me mostrou nenhuma foto sua, nem desrespeitou sua antipatia pelas redes sociais. Eu vim pra cá sem saber quem eu iria encontrar, nem como seria sua aparência atual.

— Atual? – pergunto, notando que ele faz uma expressão de quem deixou escapar algo que não devia.

— Eu disse atual? – O loiro afasta os olhos para um ponto à minha direita, direção para a qual me movo lateralmente, bloqueando sua visão, para que seja inevitável olhar para mim novamente.

— Ouvi perfeitamente – Eu o confronto de modo atrevido e ele me encara de volta.

— Você quer mesmo uma explicação? – Ele adia um pouco mais a resposta.

— Por favor.

— Promete que não vai se assustar com o que vou dizer?

— Prometo – balbucio sem muita firmeza, tentando imaginar o tamanho da desgraça que ele está prestes a me dizer.

— Faz muito tempo que me mudei da cidade, mas, assim que você se virou, eu me lembrei de você e... Eu me lembro de tudo a seu respeito. É que você nunca prestou atenção.

— Agora estou prestando.

Ele sorri de lado, evidenciando a covinha do seu queixo, e minha última declaração passa a ser a maior das verdades. O loiro lindo tem toda a minha atenção.

Em seguida, ele me oferece uma das mãos e eu a seguro com desconfiança. Seu aperto firme e quente envia uma corrente elétrica que percorre meu braço e se espalha pelo meu corpo.

— Então, é hora de me apresentar. Meu nome é Peeta – diz ele e eu estremeço. – Peeta Mellark.

Peeta Mellark? Fico desnorteada. Não pode ser!

Depois que começo a encaixar as peças, percebo que pode ser sim. Peeta saiu da escola e foi morar em outro país logo depois que meu pai morreu, há cerca de onze anos.

Meu coração bate desenfreadamente no peito. O loiro lindo é o garoto com o pão!

Não esperava que ele se lembrasse da menina pobre da Costura para quem deu alguns pães uma vez.

O estranho é que nem mesmo minha confusão mental é capaz de me impedir de perceber o que o contato da sua pele na minha me faz sentir. E aqueles olhos azuis que, de tão ternos, parecem enxergar através de mim? Definitivamente, não fico imune àquele olhar ao mesmo tempo doce e intenso.

— Meu nome é Katniss... – começo.

— Everdeen – Peeta completa junto comigo.

Percebo que preciso soltar sua mão, mas ele não cede tão facilmente e seus dedos se arrastam suavemente pelos meus antes de perderem o contato.

— Nós nunca conversamos antes. Por que você se lembraria de mim? – questiono.

— Você não faz ideia do efeito que causa – Ele declara com sua voz aveludada, mantendo seus olhos nos meus.

Ajeito a alça do vestido, que escorregou pelo meu ombro, sem tirar meus olhos dele também. Finalmente, sou a primeira a dizer algo.

— Só houve aquela vez... Foi logo depois do acidente com meu pai. Fui à padaria sem levar dinheiro suficiente e você foi até a calçada me entregar alguns pães, escondido da sua mãe. E aquele gesto fez toda a diferença. – Luto para evitar as lágrimas de rolarem. – Você não falou comigo, mesmo depois daquele dia. Foi a nossa única interação.

Aquele menino acendeu em mim um último fio de esperança, num momento em que mal sabia quando seria minha próxima refeição.

— Isso foi pouco antes da mudança para a Inglaterra com minha família. Você se lembra de mim também?

— Como poderia esquecer? Não se esquece do rosto da pessoa que representou sua última esperança... Porém guardei na memória suas feições de menino. – Passeio meus olhos por seu rosto. – Reparando bem, você não mudou muito, mas nunca poderia imaginar revê-lo depois de tanto tempo.

— Você também não mudou nada, tirando o fato de que era uma menina também na última vez em que a vi. E se tornou uma mulher... Linda.

Ele, então, abaixa o olhar. Só assim as borboletas no estômago sossegam um pouco e sou capaz de formular uma frase coerente.

— Então, você sabia quem eu era e que estava ali conversando com a pessoa errada? Foi bom se divertir às minhas custas? – zombo de mim mesma.

— Calma! – Ele ri e seu sorriso estonteante me distrai. – Não havia reconhecido você ainda. Tive a impressão de que aquele rapaz era seu amigo de longa data e que vocês se reencontraram depois de muito tempo. Annie também se convenceu disso depois que contei que ele derrubou sua bebida e você continuou sendo agradável com ele.

— Quem tem uma amiga como a Annie não precisa de inimigos – murmuro entre dentes e, no mesmo instante, torço para que ele não tenha ouvido meu desabafo, mas... É claro que ouviu.

— Eu só fiz um comentário sobre o que vi. – Ele ergue os braços em sinal de rendição – E Annie achou que poderia ser isso mesmo.

Peeta enfia as mãos nos bolsos da calça e examina minha face até seus olhos rolarem para baixo e se fixarem na minha boca. Ele quebra o silêncio, que já começa a ficar constrangedor.

— Você quer entrar? Annie está sozinha lá dentro.

Assinto e ele espera eu me deslocar para vir logo atrás. Novamente no interior do bar, encontramos também com Finnick, que acabara de chegar. Annie conversa com ele com uma carinha triste, mas sua face se ilumina quando me vê.

— Fico feliz que esteja aqui, Katniss! – Finnick se inclina para um beijo no topo da minha cabeça.

— Annie e sua insistência... Ou melhor, seu poder de persuasão – digo rindo.

— Mal entendido desfeito – Peeta anuncia antes de eu e Annie nos abraçarmos.

— Ann, você não vai acreditar. Ele é o filho do padeiro – sussurro pra ela.

— Não creio! – exclama ela em alta voz e depois põe a mão sobre os lábios, quando faço sinal para falar baixo. – Este é o melhor encontro às cegas de todos os tempos!

— Eu só o reconheci quando se apresentou. Eu não o via desde que era um garoto! – pontuo.

— Agora é um homem feito. E muito bem feito... – Annie me cutuca.

Finnick segura a mão dela e nos leva até uma mesa. Peeta se adianta e puxa uma cadeira para mim. Finnick faz o mesmo por Annie e toma a palavra.

— Preciso ter uma conversa séria com vocês. – Ele faz suspense. – Cinna, o dono do bar, disse que hoje, além das competições individuais, haverá um desafio de equipes de karaokê, com direito à presença das maiores figuras do show business: Caesar Flickerman como apresentador e Plutarch Heavensbee como jurado! Isso significa que temos que formar um time para cantar. Vocês topam?

— Estou dentro! – Peeta se manifesta e Finnick comemora.

— Sou um desastre cantando, Finn, você sabe – Annie recusa.

— Você tinha que ter um defeito, não é, linda? – Finnick beija a mão de Annie unida à sua. – Katniss, você tem fama de boa cantora e...

— Hoje não, Finn.

Ele faz menção de insistir, mas observo Annie dissuadi-lo com um movimento de cabeça quase imperceptível.

— A equipe deve ter, pelo menos, três pessoas. – Finnick murcha.

— Vamos fazer o seguinte: Finnick inscreve seu nome para entrarmos na competição e, depois, podemos substituí-la por algum dos meus amigos que devem chegar mais tarde. Pode ser? – Peeta propõe e recupera o ânimo de Finnick, ao mesmo tempo em que faz meu peito afundar com a perspectiva de rever alguns colegas de classe que me rejeitavam.

— Pode – respondo num fio de voz, enquanto os dois amigos se congratulam efusivamente, com tapas nas costas.

— Bem-vindos à 76ª edição dos Jogos Musicais! – Finnick brada.

Muitas pessoas já ocupam a pista de dança, aguardando as primeiras apresentações. Como Annie disse, os frequentadores levam a brincadeira de karaokê a sério.

— Vocês bebem alguma coisa, meninas? – Peeta indaga – Posso pedir dois Cosmopolitans? – Ele olha para mim pelo canto do olho.

Ponto pra ele! Observador e atencioso.

— É o preferido da Katniss! – Annie entrega – Pra mim, um Sex on the Beach!

— Você pede isso a ele assim? Na minha frente? – Finnick faz graça do trocadilho com o nome sugestivo do coquetel e Peeta fica encantadoramente corado.

— Você não se ofereceu para buscar! – Annie reclama.

— É que quero conversar um pouco com a Katniss.

— Vou indo lá. – Peeta se afasta, sem dúvidas desconfiando de que o assunto é ele.

Finnick abre o açucareiro que está numa pequena bandeja no centro da mesa.

— Aceita um cubo de açúcar em troca dos seus segredos?

Nego com a cabeça, sorrindo de lado, e ele prossegue:

— Então, Katniss, você e Peeta já descobriram tudo um sobre o outro? Espero que não o suficiente. – Ele pisca pra mim. – Sabe por que armei esse encontro às cegas?

— Não, mas acho que você está louco pra contar!

— Num dia chuvoso em Londres, estava almoçando com Peeta e recebi uma ligação da Annie. Durante a conversa, mencionei o seu nome e, nessa hora, vi aquele discreto rapaz congelar no lugar... Ele ficou como uma estátua mesmo, sem exagero! Então, cruzei algumas informações. Ambos moravam em bairros próximos, frequentaram a mesma escola, têm a mesma idade... Por fim, deduzi que havia alguma ligação entre vocês.

— Você deduziu certo! – Annie revela – Segundo Prim, eles se gostavam na época da escola elementar.

— Annie! – Afundo na cadeira e levo minhas mãos ao rosto.

— Já fiz a boa ação do dia, então... Agora é com vocês! – Ele se levanta para ajudar Peeta, que já está de volta com as bebidas.

— Aqui está seu Cosmopolitan, Katniss – Peeta me entrega a taça e nossos dedos se roçam levemente, quando agradeço a ele com um sorriso.

— Sex on the beach pra você, baby. – Finnick deposita o copo à frente de Annie.

— Obrigada! – Ela passa os lábios pelo canudo e seus olhos se arregalam quando um homem de sorriso largo e com roupas de cores vibrantes sobe ao palco. – Caesar chegou! Vai começar!

O apresentador cumprimenta os presentes e chama a representante da primeira equipe de cantores, entrevistando-a rapidamente.

— Droga. A Cashmere está na equipe adversária. Ela canta bem – Finnick lamenta.

De fato, a mulher fatal de cabelos platinados arranca aplausos já nas primeiras notas de "A Thousand Years".

— Finn, a nossa música! – Annie não parece se importar com a rivalidade e faz Finnick se erguer.

Ele envolve seus braços ao redor da cintura dela, levando-a para dançar. Annie balança os dedos em nossa direção e ambos desaparecem entre outros casais.

Peeta limpa a garganta e pergunta:

— Por que não quer cantar?

— Não faço isso desde que meu pai morreu.

— Oh, que pena! Bem, quero dizer... – Peeta atropela a fala. – Não estou criticando seu luto. É que... Sua voz é uma das mais lindas que já ouvi.

— Obrigada. – Fito o chão ante a afirmação dele, certamente com uns tons de vermelho colorindo minhas bochechas, e me pergunto como ele pode se lembrar de me ouvir cantar. – Finnick está tão empolgado... Espero que seus amigos queiram participar do karaokê.

— Delly não canta tão bem quanto a Cashmere, ou quanto você, mas ela adora!

Respiro aliviada quando ouço o nome de Delly Cartwright. Ela é filha de comerciantes, mas nunca foi maldosa como os demais e até está noiva do Thom, um rapaz da Costura, amigo de Gale.

— Então, Peeta, Annie disse que você vai assumir os negócios da família... – Formulo a pior frase possível. Afinal, posso ser confundida com uma pessoa interesseira. Felizmente, a questão não parece incomodá-lo.

— Eu queria voltar e a padaria é um lugar bom para recomeçar.

— Minha irmã sempre me pedia para ir com ela ver os bolos confeitados de lá.

— Era eu quem decorava os bolos naquela época – Peeta acrescenta graciosamente encabulado.

E, assim, iniciamos um papo que flui naturalmente. Quanto mais converso com Peeta, mais interessante ele fica. Quando ele ri, eu rio também. Seu sorriso me cativa a cada vez que surge em seu rosto.

Os ponteiros do relógio parecem estar girando rápido demais. Quero que o tempo interrompa seu curso normal. Geralmente, é o contrário.

Tudo parece tão perfeito: os olhares, os sorrisos, os braços se esbarrando sem querer... Ou por querer. Mas não posso me iludir com apenas algumas horas ao lado dele.

— Quer algo para comer? – oferece ele.

— Ainda não vi o cardápio... Será que eles têm pão de queijo?

— Você gosta? Modéstia à parte, os pães de queijo que faço são muito bons.

— Então, mal posso esperar pela reinauguração da padaria. – Eu me inclino para frente.

Não estou me reconhecendo! Estou flertando!

— Você não precisa esperar tanto. – Peeta se aproxima também, seu rosto ficando sorrateiramente mais perto do meu.

— O que você quer dizer com isso?

Meu coração começa a martelar no meu peito, esperando a resposta. Peeta sorri para mim e eu, naturalmente, correspondo. Nós ficamos assim debruçados na mesa por uns segundos, indo na direção um do outro, olhos nos olhos, as bocas ligeiramente abertas, querendo se comunicar de alguma forma, não necessariamente usando palavras.

Nesse momento, Delly rodeia a mesa e Peeta levanta o rosto para encontrar o sorriso radiante dela. Thom surge logo depois.

momento passa e eu me recosto novamente na cadeira, completamente frustrada. O que está acontecendo comigo?

— Chegou sua substituta no karaokê. – Peeta se levanta para cumprimentá-los e eu me ergo para fazer o mesmo, encobrindo a decepção. – Você se lembra da Katniss, Delly?

— Sim – fala baixinho a loira, com certa dificuldade – Da escola e por causa do Gale também. Ele é muito amigo do Thom.

— Ah, claro. O Gale. Eu me lembro dele da época do colégio – Peeta diz com ar desapontado.

Thom lança um olhar de repreensão para Delly e acho que ela se dá conta da gafe.

— Desculpe-me, Katniss. Não devia ter falado no...

Thom beija rapidamente os lábios dela, antes que conclua a frase.

— Você continua falando, Dell – brinca ele. – O médico recomendou poupar a garganta.

— Poupar a garganta? Você não vai cantar hoje, Delly? – Peeta indaga.

— Estou completamente rouca. – A voz de Delly vai sumindo conforme fala.

— Ela está ficando sem voz desde cedo – Thom explica – Nada de karaokê hoje.

— E você, Thom? Não canta? – Arrisco perguntar, pois já estou com receio de não me livrar de ter que completar a equipe do Finnick.

— É mais fácil Delly cantar sem voz do que eu subir no palco.

— Tímido! – Leio a palavra nos lábios de Delly, enquanto ela acaricia a face do noivo.

— Vamos procurar outra mesa pra gente e deixá-los à vontade – Thom avisa e Delly troca olhares cúmplices com Peeta enquanto se distancia.

— Onde nós paramos? – pergunta ele ao se sentar, dissimulando inocência.

Não tenho oportunidade de responder, pois Annie e Finnick tropeçam até suas cadeiras, rindo e ofegantes.

— Finnick, a Delly já chegou, mas não pode cantar – Peeta comunica e Finnick coça a nuca.

— Katniss, canta, vai? Diz que sim... – Ele implora com as mãos postas.

Torço o nariz, mas não consigo negar o pedido.

— Tudo bem.

— É assim que se fala! – Annie batuca no tampo da mesa com as mãos abertas e, em seguida, aponta para o palco, onde Caesar convoca seu namorado para subir.

— Este ainda não será o ponto alto da noite. O que vocês vão ver agora é apenas um aquecimento – Finn anuncia e corre até as escadas laterais, não sem antes pegar um punhado de torrões de açúcar.

Caesar o apresenta e diz:

— A canção que você escolheu não é para alguém modesto.

— Eu sou modesto, Caesar. E sou também tudo o que há na letra da música!

Então, assisto boquiaberta ao meu amigo numa performance hilária da música "I'm too sexy", distribuindo cubos de açúcar para várias meninas à frente do palco, que vão ao delírio com seus passos de dança acompanhados de caras e bocas.

A energia de Finnick é mesmo contagiante e até eu já estou de pé, balançando ao ritmo da música com movimentos comedidos.

— Eu vou até lá! – Annie grita acima do som alto.

— Vamos também? – Peeta pergunta e estou a ponto de recusar, quando vejo Peter me fitando e fazendo uma dança supostamente sensual em minha direção.

— Vamos!

Dançar não é o meu ponto forte, mas os riscos são mínimos. A música é animada e não exige muitas habilidades de dançarina.

Peeta pega minha mão. A sensação do toque firme e constante é ainda mais acalentadora que o nosso aperto de mãos. Enquanto ele tece um caminho pela multidão, preciso me apoiar em seu ombro para me equilibrar. Peeta volta a cabeça para olhar onde minha mão está e dá um sorriso de aprovação.

Quando estamos ao lado de Annie, diante do palco, Peeta me coloca à frente dele, enquanto guarda protetoramente minhas costas. É minha sorte, pois alguém, no auge da empolgação, impulsiona o corpo para onde estamos.

Com o movimento abrupto do empurrão, somos jogados um contra o outro. Uma fagulha inegável surge com os nossos corpos tão próximos, como duas peças que se encaixam com perfeição e, mesmo nesse curto instante, essa conexão parece fazer sentido.

Peeta se desvencilha de mim com cuidado e até um pouco relutante. Minha pele explode em sensações indescritíveis quando ele afasta meus cabelos para o lado e sinto seu hálito quente perto da minha orelha:

— Está tudo bem?

Penso que está tudo mais que perfeito, mas não me expresso por palavras. Apenas balanço a cabeça para tranquilizá-lo e me viro para encontrar seus olhos. Aqueles olhos novamente...

Peeta me transmite segurança e me faz sentir que estou no lugar certo, que estou onde pertenço. Ao mesmo tempo, faz surgir um calafrio na espinha, que parece que fui colocada numa cadeira de montanha-russa, inclinada na beira da descida íngreme que precede o loopingSem barra de segurança.

Ele volta a me deixar arrepiada ao tocar em meus ombros para me garantir que estará ali. Peeta mantém certa distância, mas ao mesmo tempo está perto o suficiente para que eu possa sentir o calor do seu corpo.

— Ei, você não é o Mellark? – O rapaz que esbarrou nele segundos antes indaga.

— É o Peeta, sim! – Uma voz feminina irritante confirma.

Peeta se vira para trás, mantendo uma das mãos em meu ombro. No entanto, ele é puxado para longe e, conforme se afasta de mim para interagir com as figuras que o reconheceram, meu coração vira do avesso.

Já sinto falta dele próximo a mim. Aliás, não só sinto falta, como fico reproduzindo mentalmente a sensação inédita, imaginando estar envolvida nos braços de Peeta de verdade, e não por acidente. Um sorriso bobo aparece nos meus lábios.

No entanto, ele se dissolve, quando giro a cabeça para saber quem são as pessoas que o encontraram por acaso: os primos Marvel e Glimmer. Meus piores pesadelos na época da escola secundária e os herdeiros dos donos da empresa onde meu pai trabalhava. Os insultos que vinham deles pesavam muito mais que qualquer outra ofensa que eu sofria.

Flagro Marvel me examinando dos pés à cabeça. Glimmer repete o gesto. Os dois se dobram de tanto rir e Peeta, de costas pra mim, parece não perceber. Ou talvez ele não se importe.

Quando Peeta tenta retornar para perto de mim, Marvel o segura como se estivesse dando uma gravata nele e me olha de soslaio. Glimmer ajuda a formar uma barreira entre nós, deixando claro que não quer a minha companhia.

— Vou ficar aqui... Com a Annie – digo baixinho e não sei se Peeta me escuta.

No entanto, não tenho a intenção de atrapalhar Annie, que está vibrando com o show de Finnick, completamente desligada do que acontece ao seu redor.

Ajeito o meu vestido, que sei que é bonito, mas fora de moda, e volto à mesa para esconder minhas sandálias, compradas numa promoção de fim de coleção.

Eu me sinto tão ou mais deslocada do que costumava ficar no pátio da escola.

O que estou fazendo comigo? Baixando minha guarda para alguém da classe comerciante? Voluntariamente me colocando na mira de olhares cheios de julgamento?

Ergo minhas defesas novamente. Não há meio termo. Peeta só pode ser como os outros.

Aquele momento com o pão deve ter sido apenas um lapso. Esses últimos instantes devem ter sido somente um passatempo.

Eu sei que Peeta nunca foi esnobe comigo, mas... É um fato. Somos de realidades diferentes e é assim que as coisas são.

Fui estúpida só de pensar que ele estava romanticamente interessado em mim. Logo eu, toda desajeitada e sem graça. Bastou Glimmer aparecer com suas curvas generosas para Peeta se esquecer da minha existência.

A música acaba e os aplausos e assobios invadem meus ouvidos. Quando Finnick desce do palco, algumas pessoas tentam detê-lo, mas ele vem diretamente até mim.

— Ei! Eu vi tudo lá de cima. – Finnick apoia a mão sobre a minha e acerto minha postura.

Annie chega logo depois, trazendo três garrafas d'água.

— Trouxe pra vocês. Os cantores da noite precisam se hidratar.

— Sinto muito... Não quero mais cantar – anuncio com tristeza.

— Ah, não, Katniss – Annie suplica, mas seus olhos seguem os meus e ela desvenda o motivo da minha decisão.

— Pode cancelar minha participação? – peço. – Glimmer e Marvel vão me ridicularizar.

— Eles não são mais crianças – Finnick argumenta.

— O que torna tudo ainda pior! – Eu me exaspero, mas inspiro profundamente para tentar recuperar a calma. – Vou até a área externa... Respirar outros ares.

— Não vai avisar ao Peeta? – Annie questiona e nego com a cabeça. – Katniss, olha lá... Ele nem parece à vontade com Marvel e Glimmer.

— Annie e Finn, eu amo vocês, mas não me peçam para ficar no mesmo ambiente que esses dois e fingir que estou me divertindo – digo e recebo um beijo na testa dado por Finnick.

— Não quero que finja. Quero que se divirta de verdade. – Annie me abraça e faz um bico engraçado.

— Adivinhe, Ann? Você ainda é minha amiga favorita no mundo... Só vou lá fora um pouquinho, não se preocupe.

No percurso até o espaço avarandado, encontro Peter, que bloqueia o meu caminho.

— Oi, Gataniss... Talvez eu queira esticar nosso drink para um café da manhã.

— Vai sonhando, Peter – murmuro, enquanto tento me soltar dele.

— Não está vendo que ela está querendo passar? – A voz de Peeta ressoa e Peter me libera instantaneamente.

Continuo andando sem olhar pra trás e, quando alcanço a grande varanda, sou logo atingida pelo frescor da brisa do mar. Esfrego as mãos e os braços para afastar o frio, mas só deixo de senti-lo mesmo quando Peeta se materializa à minha frente e põe sua jaqueta sobre meus ombros.

— Eu posso me defender sozinha.

— Eu sei disso.

— E o Peter não é de todo mau.

— Ah, é sim... Ele é péssimo. Tanto que você estava fugindo dele.

— Agora eu estava fugindo de você.

— Mas o que foi que eu fiz?

Ele me fita, aguardando uma justificativa, e eu rapidamente olho para o lado. Peeta foi mesmo gentil comigo durante todo o tempo, porém minha insegurança e minha autoestima ferida estão me instigando a ser rude.

Volto a usar um tom sereno. No entanto, não deixo de ser sincera.

— Quando você se juntou aos seus amigos... Isso me fez despertar para o fato de que há um abismo entre nós.

— Não é verdade. Eu não entendo...

— Não espero que você entenda. Você não é da Costura. Se fosse, eu não teria de explicar nada.

De fato, eu nunca precisaria explicar para Gale como as coisas realmente funcionam. Peeta não sabe o que sentimos, desde muito cedo, em relação às crianças da classe mercantil. E, mesmo depois de tanto tempo, a divisão social ainda é muito nítida.

— E qual é o problema de você morar na Costura? Isso não define quem você é! – Peeta se exalta um pouco e olha para o alto, mas logo abranda o modo de falar, como se me ouvir dizendo tais coisas o machucasse. – Você não precisa provar nada pra mim. Aliás, não tem que provar nada pra ninguém... Viver na Costura não deveria ser motivo de vergonha, muito menos pra você.

Eu já ouvi isso milhares de vezes e nunca me convenci. No entanto, existe algo em sua voz que me alcança quando nenhuma outra consegue.

— É tão difícil acreditar que eu quero apenas conhecê-la melhor? – Peeta indaga sem desviar o olhar.

— Não, não é difícil. Eu apenas cresci condicionada a questionar os motivos de alguém como você se interessar por alguém como eu.

— O que significa ser alguém como vocêAlguém como eu? – Ele passa os dedos pelos cabelos. – Será que o fato de herdar uma padaria me impede de ser legal com uma garota e admirá-la pelo que ela é?

— Acho que não – admito envergonhada. – No final das contas, sou eu quem está fazendo pré-julgamentos.

— Pois saiba que eu gostaria muito de conhecê-la melhor. Se você deixar... – Ele sorri e seu semblante tranquilo é como um bálsamo para aliviar a dor que se instalou em meu peito.

— Eu deixo.

Eu quero mesmo me permitir isso. Romper preconceitos sem fundamento, ultrapassar condicionamentos que nos limitam e diminuem.

Esse simples pensamento transforma minha testa franzida em um sorriso.

— Você deixa mesmo? – Peeta sustenta o meu olhar e minha mente dá voltas, mas eu confirmo com a cabeça.

O ar fresco e a risada calorosa de Peeta são uma bela combinação. Quase posso ouvir a voz cadenciada da repórter da meteorologia anunciando: "As condições climáticas são favoráveis a se apaixonar de modo torrencial".

Uma mesa ao lado da sacada fica vaga e Peeta me direciona até lá. Deste ponto, é possível observar melhor a roda-gigante toda iluminada, girando lentamente.

O mesmo cenário, que antes remetia a uma comédia sem graça, agora se assemelha ao de um filme romântico, cuja trama envolve a mocinha encontrando o amor de sua vida e vivenciando o encantamento peculiar que apenas situações não orquestradas previamente pelos vilões da trama podem proporcionar.

— Então, Katniss, qual a sua cor favorita?

— Verde. E a sua?

— Laranja. Como o pôr do sol.

— Ah! O motivo de chegar tão cedo aqui no bar!

— Exatamente. Além de padeiro, eu sou pintor. Vim mais cedo para admirar o sol se pondo, pois estava precisando de inspiração para minhas telas.

— E você conseguiu se inspirar?

— Muito mais do que poderia imaginar. – Ele sorri para mim com o pescoço ligeiramente inclinado, como se tentasse decorar cada detalhe do meu rosto.

— Realmente, nunca vi uma paisagem tão bonita – digo, olhando para a vista.

— Nem eu – Peeta concorda, mas, quando me viro em sua direção, ele não está admirando o panorama. Seus olhos estão pousados em mim. Intensamente.

Sinto minhas bochechas esquentarem e, de repente, não estou mais com frio. Deixo a jaqueta cair dos meus ombros e a devolvo pra ele.

Não era pra ser um gesto sedutor, mas Peeta engole em seco, parecendo impressionado.

Pelas caixas de som da área externa, a voz de Caesar Flickerman denuncia que se iniciará mais uma apresentação de outra equipe. O concorrente é Gloss e ele escolheu cantar "Somewhere only we know".

Peeta fica pensativo por um momento, olhando para as próprias mãos, até que fala:

— Você pode não acreditar, mas, quando ouvia essa música na Inglaterra, eu imaginava estar de volta para poder convidar certa menina para o baile de formatura e, depois, levá-la a um lugar especial, conhecido apenas por mim e por ela, como o que diz a letra – Peeta divaga e fico em silêncio, perdida em seu olhar doce, sendo invadida pela nostalgia que também brota em mim ao escutar a canção. – Eu torcia também para que ela não se entediasse com meus devaneios.

— Não! Não estou entediada. – Deixo minha coluna ereta, para convencê-lo de que não estava achando a conversa monótona. – Apenas estava recordando que... Não fui ao baile de formatura.

— Posso consertar isso? – Peeta fica de pé e me estende sua mão. – Nunca pensei que minha imaginação se tornaria realidade, mas você está fazendo acontecer.

Ele pega minha mão na dele, porém cravo meus pés no chão, insegura por não saber para onde ir.

— Aqui não é a pista de dança.

— Hoje também não é o baile de formatura, mas podemos ignorar esses detalhes. – Peeta continua segurando minha mão e desliza seu braço em torno da minha cintura.

— Também é um mero detalhe o fato de eu poder pisar no seu pé enquanto dançamos?

— Na minha imaginação, você sempre foi uma exímia dançarina.

— Eu?

— Sim! Você... Surpreenda-me!

Nós estamos entre algumas mesas do bar e os ocupantes delas lançam olhares curiosos em nossa direção, reposicionando suas cadeiras para abrir espaço.

Peeta começa a me guiar suavemente. Sinto sua outra mão pressionar firmemente a base da minha coluna. Sem nenhuma vontade de contra-argumentar, circulo seu pescoço com meu braço livre.

O calor aumenta consideravelmente e fecho os olhos ao deixar meu queixo descansar sobre seu ombro. Meus outros sentidos se aguçam ainda mais, a ponto de eu distinguir o perfume familiar de canela que se desprende de sua pele. As frases da canção fazem caminho até meus ouvidos com mais clareza.

Is this the place we used to love?

Is this the place that I've been dreaming of?

(Esse é o lugar que costumávamos amar?

Esse é o lugar com que eu tenho sonhado?)

 

Eu nunca havia me permitido sonhar em estar neste lugar e agora nem é preciso sonhar, pois é real.

Nós nos movemos lentamente pelo chão e estou confortável com o modo como Peeta está me conduzindo. Meus dedos apertam os seus e ele pressiona de volta, trazendo-me para mais perto de si.

A sensação é tão incrivelmente boa, que relaxo minha cabeça em seu peito. Sua respiração morna em meus cabelos me causa arrepios. Peeta é o primeiro a romper o silêncio.

— A realidade é melhor que minha imaginação. É até difícil de acreditar que isso está acontecendo – sussurra ele. – Estou dançando com você. Verdadeiro ou falso?

Recuo alguns centímetros para olhá-lo nos olhos. Penso que ele está brincando comigo, mas seu rosto parece tão sério, tão esperançoso, que eu calmamente digo:

— Verdadeiro.

Peeta solta a respiração que estava prendendo e me recosto nele novamente, reassumindo minha posição original.

Sinto seu coração bater, tão descompassado quanto o meu. Continuamos nos movendo vagarosamente até que a música acaba. E, mais uma vez, desejo que o tempo não ande tão depressa.

Eu me afasto de Peeta e, quando olho por cima de seu ombro, vislumbro Annie e Finnick a alguns passos de nós.

— Ei, vocês dois, até que enfim alguma ação por aqui! – Finnick implica.

Annie cambaleia e quase cai. Finnick consegue evitar a queda e Annie ri descontroladamente.

— Você bebeu demais, Ann! – eu a repreendo, levando-a até a mesa que eu e Peeta ocupamos do lado de fora, mas ela se recusa a se sentar.

— Não estou bêbada! – Ela se equilibra no encosto da cadeira e Finnick fica atrás dela, afirmando com a cabeça.

— Sim, ela está! Só um pouco, mas está!

— Seu amigo Peter está distribuindo cerveja pra mulherada por conta da casa, Katniss. – Annie se joga para trás, debruçando-se no peito de Finnick, rindo mais ainda.

— Ann, acho que é hora de ficar aqui quietinha. – Tento fazê-la ocupar uma cadeira mais uma vez. – Eu tomo conta de você, enquanto os meninos vão cantar.

— Não, Katniss! Você é que tem que cantar! Vamos escolher uma música. Há um catálogo ali. – Annie pega a brochura sobre a mesa. – Não, isto é um cardápio! – Ela aponta em outra direção e toma uma pasta que está nas mãos de um cliente da mesa vizinha. – Ops! Temos que escolher uma música antes de você, tá bom?

— Eu já selecionei a nossa música, baby! – Finnick devolve o catálogo à pessoa, com um sorriso amarelo.

Suspiro e olho para Peeta. Ele dá de ombros, divertindo-se com a situação. Acabo rindo também.

— Finn, por favor, faça a Katniss e o Peeta cantarem! E está faltando ainda... Fazer uma selfie! – Annie entrega seu celular para Finnick e se coloca entre mim e Peeta, abraçada aos nossos ombros.

Finnick estica o braço para posicionar o aparelho no ângulo correto, mas Annie nos faz trocar de posição. Então, a imagem capturada reproduz o exato instante em que Peeta, pela primeira vez, cola seu rosto ao meu. Mesmo sem ficar à vontade para sair em fotos, exibo um sorriso genuíno.

Annie pega o telefone de volta e me mostra a fotografia.

— Vou mandar para Prim.

Sorrio com o fato de Annie não se esquecer do quanto minha irmã estava nervosa com esse encontro e fico pensando se Primrose vai reconhecer Peeta ao ver a foto.

Enquanto Annie troca mensagens com Prim, ouço Finnick dizer a Peeta:

— A bebedeira foi providencial. É a chance que eu tenho de arrastá-la para o palco comigo.

— Mas, Finnick... – Tento alertá-lo, porém ele ergue a mão para enfatizar que está tudo sob controle.

— Venho ensaiando essa música com Annie, sem ela saber que era um ensaio, há meses!

— Essa eu quero ver! – Peeta se anima.

— Não sei se você vai querer ouvir! Cantar não é o talento da Annie – digo honestamente.

— Estão falando sobre o quê? – indaga a ruiva ao se aproximar.

— Estamos falando que vamos dar um voto de confiança à música que o Finnick escolheu pra vocês cantarem juntos – Peeta declara.

— Desejem-me sorte! – Finnick grita, enquanto eles voam para a área interna e somem porta adentro.

Eu e Peeta seguimos os dois, mas prefiro ficar mais distante dessa vez, no limite da pista de dança.

No palco, Caesar elogia a beleza de Annie.

— Finnick, bem que você garantiu que tinha todos os atributos da música anterior... Conquistou essa linda garota e, pelo que vão cantar agora, parece que não quer deixá-la escapar!

Estou curiosa pra saber o tema da música, mas parece que é surpresa até para Annie, que tenta ver a ficha nas mãos de Caesar e Finnick a impede. Ele, então, empunha o microfone e inicia, à capela:

 

It's a beautiful night
We're looking for something dumb to do
Hey baby
I think I wanna marry you

(É uma noite linda
Estamos à procura de algo idiota para fazer
Ei, querida
Eu acho que quero me casar com você)

 

 

Os instrumentistas seguem do ponto onde Finnick parou e Annie continua, um pouco fora do tom. No entanto, aos poucos, depois de aquecida, vai ajustando a voz até ficar agradável de ouvir.

As pessoas se animam ao redor, exceto por algumas fãs de Finnick, decepcionadas por ele estar fazendo uma verdadeira declaração de amor à Annie.

 

Don't say no, no, no, no-no
Just say yeah, yeah, yeah, yeah-yeah
And we'll go, go, go, go-go
If you're ready, like I'm ready

(Não diga não, não, não, não, não
Só diga sim, sim, sim, sim, sim
E nós vamos, vamos, vamos, vamos
Se você estiver pronta, como eu estou pronto)

 

E ambos dão seguimento juntos, um complementando a frase do outro. A ruiva arrisca alguns agudos sem medo. E não faz feio.

 

Just say I do-ooo-ooo-ooo
Tell me right now baby
Tell me right now baby baby

(Basta dizer que aceita
Diga-me agora, baby
Diga-me agora, baby)

 

O dueto termina e o local vem abaixo com palmas e silvos de aprovação. Annie já está devolvendo o microfone para o pedestal e se preparando para descer, quando Finnick se ajoelha diante dela e pergunta:

— Annie, você está pronta como eu estou pronto?

Ela ri incrédula e Finnick puxa uma caixinha de veludo do bolso com um anel dentro.

— Eu acho que quero me casar com você... Casa comigo?

A comoção é geral. Muitas pessoas gritam e respondem por ela, mas Caesar gesticula, elevando e abaixando as mãos até o completo silêncio, que é quebrado pelo sim eufórico de Annie.

Eu tenho que rir do quão apaixonados e ridiculamente fofos aqueles dois conseguem ser.

Annie está montada nas costas de Finnick quando eles vêm até nós.

— Fisguei a minha sereia... E revelei seu talento como cantora! – Finnick festeja. – Agora você não tem mais defeitos, linda!

Annie beija o pescoço de Finnick e escorrega até o chão. Ela nos mostra a aliança de noivado e nós os parabenizamos. Delly e Thom se juntam à celebração pouco depois.

— Finnick, você definitivamente elevou os padrões das técnicas para impressionar uma garota – Peeta graceja.

— Achei que fosse uma competição de música – comento.

— Ainda tenho uma chance. Nas duas disputas – Peeta diz, olhando pra mim de modo decidido.

Eu o observo com o cenho enrugado e ele se encaminha ao palco. Em poucos minutos, ele está ao lado de Caesar, respondendo às indagações dele.

— Você é do time do Finnick, não é? E escolheu essa música para cantar? – Ele aponta para a ficha em suas mãos e se volta para a plateia. – Essa equipe é formada por românticos incorrigíveis... A garota para quem você vai dedicar a apresentação só pode ser sua namorada, certo?

Peeta hesita e, então, balança a cabeça negativamente.

— Um rapaz bem-apessoado como você deve ter alguma garota especial. Vamos lá, Peeta, qual é o nome dela?

Peeta suspira.

— Bem, há uma garota. Sou apaixonado por ela desde sempre. Mas tenho certeza de que ela não se lembrava de que eu existia até a noite de hoje.

— Ela tem namorado? – pergunta Caesar.

— Acho que não – diz Peeta.

— Então, olha só o que você vai fazer. Você vence e vira um cantor famoso. Ela não vai poder te recusar nessas circunstâncias, vai? – diz Caesar, incentivando-o.

— Não sei se vai dar certo. Vencer... Não é o que eu quero.

— E por que não? – quer saber Caesar, aturdido.

Peeta enrubesce e gagueja.

— Porque... Porque... Porque acho que ela vai cantar também. E eu quero que ela seja a vitoriosa.

Sei que estou corando com seu comentário. Nós olhamos um para o outro por uma fração de segundo e, então, ele desvia o olhar. Aqueles olhos azuis, mesmo à distância, são tão encantadores... E isso me perturba.

No entanto, fico perturbada de verdade quando vejo Glimmer se posicionando na primeira fila em frente ao palco e acenando pra ele. Será que Peeta estava se declarando para a Glimmer?

Delly toca em meu cotovelo, fazendo-me olhar pra ela.

— Não tenha dúvidas de que Peeta estava falando sobre você. – Ela se esforça para dizer e, em seguida, indica com os olhos o tablado onde ele está. – É pra você, Katniss.

Depois de dispensar os músicos, Peeta pede emprestado o violão de um deles. Ele dedilha a introdução da música "Perfect" com precisão e se aproxima do microfone.

 

I found a love for me
Darling, just dive right in and follow my lead
Well, I found a girl, beautiful and sweet
Oh, I never knew you were the someone waiting for me
'Cause we were just kids when we fell in love
Not knowing what it was
I will not give you up this time

(Eu encontrei um amor para mim
Querida, entre de cabeça e me siga
Bem, eu encontrei uma garota, linda e doce
Eu nunca soube que você era quem estava esperando por mim
Porque éramos apenas crianças quando nos apaixonamos
Não sabendo o que era 
Eu não vou desistir de você dessa vez)

 

 

Peeta tem estilo e desperta admiração em todos os que o assistem soltar sua voz harmoniosa e elaborar seus arranjos no violão.

 

Well I found a woman

Stronger than anyone I know

She shares my dreams

I hope that someday I'll share her home

(Bem, eu encontrei uma mulher

Mais forte que qualquer um que eu conheço

Ela compartilha os meus sonhos

Eu espero que um dia eu compartilhe seu lar)

 

Ele expressa tanta verdade e tanta emoção ao pronunciar as palavras, que tenho certeza de que canta sua vida e aquilo que sente e pensa.

 

We are still kids, but we're so in love
Fighting against all odds
I know we'll be alright this time
Darling, just hold my hand
Be my girl, I'll be your man
I see my future in your eyes

(Nós ainda somos crianças, mas estamos tão apaixonados
Lutando contra todas as possibilidades
Eu sei que nós ficaremos bem dessa vez
Querida, só segure minha mão
Seja minha garota, eu serei seu homem
Eu vejo meu futuro em seus olhos)

 

Sinto como se estivesse ardendo em febre, delirando com pensamentos contraditórios, ansiosa para que a canção termine e eu possa ser a única a ouvir a voz dele, mas também desejando que a música continue eternamente.

Aos poucos, Peeta vai me desarmando e, agora, sim, estou com vontade de cantar.

Qualquer que seja o problema de Glimmer e Marvel, não vou permitir que eles arruínem minha noite.

 

Baby, I'm dancing in the dark
With you between my arms

Barefoot in the grass
Listening to our favorite song
I have faith in what I see
Now I know I have met an angel in person
And she looks perfect
I don't deserve this
You look perfect tonight

(Amor, eu estou dançando no escuro
Com você entre os meus braços

Descalços na grama
Ouvindo a nossa música favorita
Eu tenho fé no que vejo
Agora sei que encontrei um anjo em pessoa
E ela está perfeita
Não eu não mereço isso
Você está perfeita esta noite)

 

Contemplo a execução dos acordes finais da música, enquanto Peeta toca com dedos leves as últimas notas, e estou tão fascinada que mal escuto a voz de Finnick.

— Katniss... Katniss!

Eu me viro para ele, que tem uma expressão compreensiva no rosto.

— Não precisa mais cantar, se não quiser. A Annie acabou completando a equipe sem querer.

— Agora eu quero muito cantar, Finn.

— Então, corre lá para falar com o Cinna! – ele me encoraja.

Espero esbarrar em Peeta no trajeto, mas nos desencontramos. Cinna me recebe perto do palco. Ele é discreto, se comparado ao espalhafatoso Caesar Flickerman, mas bastante simpático.

— Em que posso ajudar? – Ele diz em uma voz baixa que carece de afetações. – Eu sou o Cinna. Muito prazer.

— Estou esperando minha vez de cantar e preciso escolher a música.

— Seu nome é? – Ele pergunta ao me entregar um catálogo com uma relação de canções.

— Katniss Everdeen.

— Everdeen? Havia um músico que tocava e cantava aqui de vez em quando e esse era seu sobrenome. Ele tinha olhos cinzentos como os seus e um talento único.

— Era o meu pai – revelo e abaixo a cabeça, porém ele levanta meu queixo gentilmente.

Uma sombra de tristeza cobre o semblante de Cinna, mas seu rosto se acende ao observar meu broche.

— Um tordo! Esse é o pássaro que dá nome ao bar... Mockingjay. – Ele sorri para mim antes de confessar. – Não posso apostar, mas, se pudesse, minhas fichas iriam todas para você.

— Verdade? – sussurro.

— Verdade – diz Cinna.

Antes de se afastar, ele coloca seus dedos sob seu queixo, indicando que eu deveria manter a cabeça erguida.

Quando estou em frente à escada, preparando-me para subir, sinto uma mão em meu ombro. Viro a cabeça para ver Peeta atrás de mim. Seus dedos se entrelaçam aos meus e ele me dá um sorriso tranquilizador, ao mesmo tempo em que desvia o olhar, como se tivesse medo de encontrar meus olhos.

— Katniss, você não está aborrecida comigo, está? Eu não... – Peeta tartamudeia. – Eu não queria deixá-la envergonhada na frente de todas essas pessoas e...

Acho graça e, então, eu me inclino para rapidamente estampar um beijo em sua bochecha.

Ele se cala no mesmo instante e pisca os olhos úmidos. Não me distancio totalmente e uno nossas bocas impulsivamente.

— Katniss Everdeen! – Caesar me chama para a minha apresentação.

O beijo dura somente alguns segundos e, mesmo o contato sendo breve, Peeta retribui, beijando-me com um pouco mais de intensidade, com os lábios levemente entreabertos.

Será que o tempo é mesmo algo relativo? Apesar da rapidez, foi o bastante para tudo ao meu redor se desintegrar, o pulso acelerar e as borboletas momentaneamente adormecidas em meu estômago alçarem voo.

— Isso foi inesperado e... – diz ele ainda ofegante.

— Incrível – acrescento.

Subo ao palco e Caesar abre um sorriso exagerado ao me colocar sob os holofotes. Entrego-lhe a ficha com a música que elegi e ele leva a mão ao rosto, como se refletisse algo.

— Você chegou aqui de cabeça erguida... Deve ter experiência nos palcos.

— Hum... Não. É a primeira vez que algo assim acontece.

— Alguém impulsionou você a vir se apresentar hoje, Srta. Everdeen?

— Sim. Várias pessoas. Meu pai, minha irmã, meus amigos. E alguém especial.

— Queremos detalhes! Detalhes!

— Tudo o que posso dizer é que... Ele é pintor. Ele é padeiro. Gosta de assistir ao pôr do sol. Sua cor preferida é laranja. E canta divinamente bem.

— Então, para esse alguém especial, senhoras e senhores... Katniss Everdeen! – Caesar apregoa e a banda inicia a melodia de "You and Me".

Agora não há mais volta. Dou alguns passos à frente e fecho meus olhos.

 

What day is it and in what month
This clock never seemed so alive

I can't keep up
And I can't back down
I've been losing so much time
'Cause it's you and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to lose
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of you

(Que dia é hoje e de que mês?
Este relógio nunca pareceu tão vivo!

Eu não posso prosseguir
E eu não posso desistir
Tenho perdido tempo demais
Porque somos você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para perder
E somos você e eu e todas as pessoas
E eu não sei o porquê
Não consigo tirar meus olhos de você)

 

A canção diz muito sobre o que estou vivendo na noite de hoje. O modo como fico desorientada no tempo e no espaço ao lado de Peeta, querendo que as horas passem devagar.

As barreiras que ele conseguiu derrubar para me fazer crer que não preciso provar nada a ninguém. Tanto é que estou aqui, cantando para centenas de pessoas.

 

All of the things that I want to say
Just aren't coming out right

I'm tripping in words
You got my head spinning
I don't know where to go from here
'Cause it's you and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to prove
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of you

(Todas as coisas que quero dizer

Não estão saindo direito

Eu estou tropeçando nas palavras
Você deixou minha mente girando
Eu não sei pra onde ir daqui
Porque somos você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para provar
E somos você e eu e todas as pessoas
E eu não sei o porquê
Não consigo tirar meus olhos de você)

 

Cantarolo essa última estrofe ainda de pálpebras cerradas e percebo que a experiência não será completa se eu não olhar para Peeta.

Abro os olhos e encontro feições que exprimem deslumbramento.

Vejo também alguns casais dançando juntos. Annie e Finnick. Delly e Thom. Glimmer e... Peter?

Bem, o desfecho da noite é melhor que o esperado.

Continuo percorrendo os olhos ao redor e encontro Peeta ao lado do palco, no lugar onde nos beijamos, e seu olhar não é de mero deslumbramento, mas de adoração.

 

There's something about you now
I can't quite figure out

Everything he does is beautiful
Everything he does is right
'Cause it's you and me and all of the people
With nothing to do

Nothing to lose
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of
You and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to prove
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of you
What day is it
And in what month
This clock never seemed so alive

(Existe algo sobre você agora

Que não consigo compreender completamente

Tudo o que ele faz é bonito
Tudo o que ele faz é certo
Porque somos você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer

Nada para perder
E somos você e eu e todas as pessoas
E eu não sei o porquê
Não consigo tirar meus olhos de você
Porque somos você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para provar
E somos você e eu e todas as pessoas
E eu não sei o porquê
Não consigo tirar meus olhos de você
Que dia é
e em que mês
Este relógio nunca pareceu tão vivo!)

 

 

Quando termino de cantar, meus sentimentos estão transbordando pelos meus olhos, repletos de lágrimas, e a reação dos presentes é muito entusiasmada.

Caesar inicia um pequeno discurso, enfatizando as apresentações de destaque da nossa equipe, mas minha maior vontade é sair do tablado o quanto antes.

Peeta me ampara para descer a escada e, quando ainda faltam dois degraus, ele declara:

— Agora eu sei o motivo de ter me apaixonado por você em nosso primeiro dia de aula, quando tínhamos cinco anos. Foi a primeira vez em que vi você cantar.

E, antes que eu pudesse responder ou me situar, sinto o toque terno das mãos dele nas laterais do meu rosto e seus lábios capturam os meus. Prendo a respiração com o choque da sua textura macia e quente contra a minha pele.

Nossas bocas parecem ser feitas para se encaixar e, por mais que estejam unidas, não conseguem o suficiente uma da outra.

Peeta se afasta alguns centímetros, segurando meu olhar com seus olhos azuis brilhantes.

Então, avidamente, inclina-se de novo para frente e me beija mais uma vez, um beijo cada vez mais profundo, com línguas se descobrindo e dedos irrequietos tateando ombros, braços e costas.

Suas mãos enlaçam minha cintura e ele dá um passo para trás.

— Vamos até a praia? – Peeta convida e eu aquiesço.

Ele gesticula para Finnick, assinalando o nosso destino, e me escolta até o lado de fora.

A lua no alto do céu está majestosa e ouvimos apenas as ondas do mar e gargalhadas infantis à distância.

É um alívio poder retirar as sandálias para caminhar pela areia... De mãos dadas com a companhia ideal.

Peeta também está descalço e, após alguns passos pelo terreno irregular, ele encontra um pequeno objeto iridescente. Peeta se abaixa para pegar e examinar a esfera minúscula.

— Para você. – Ele oferece ao se levantar, depositando uma pérola na palma da minha mão.

Seguro-a firmemente, depois de admirar o reflexo multicolorido de sua superfície. Uma lembrança da noite de hoje, que vou guardar comigo como um tesouro.

— Obrigada – agradeço antes de empreender uma corrida em direção à beira da praia.

Peeta segue em meu encalço e me alcança no fim da faixa de areia, abraçando-me por trás. Eu me viro para ele e ficamos ali, de frente um para o outro, sentindo a água salgada molhar nossos pés, enquanto recuperamos o fôlego.

— A paisagem fica ainda mais linda à luz do luar – diz Peeta, admirando meu rosto, ao mesmo tempo em que delineia meus traços com as pontas dos dedos.

Depois, abre algumas vezes a boca para dizer alguma coisa, mas só engata a fala na terceira tentativa.

— Queria saber se assustei você ao falar no palco sobre me apaixonar...

— Está tudo bem. Não foi como se você tivesse se declarado em cadeia nacional numa emissora de TV, ao vivo.

— Saiba que, se fosse preciso, eu faria isso, porque, vendo você hoje e ouvindo sua voz, eu me apaixonaria de novo... E de novo... E de novo! – admite ele e me rendo a mais um beijo ardente.

O sabor de seus lábios é delicioso e eu me desmancho como um dos torrões de açúcar que Finnick distribui por aí. Meu corpo ganha vida e minhas terminações nervosas se eletrizam.

Ofereço tudo em nosso beijo, tomando os lábios dele para mim. Ele também se entrega, ao mesmo tempo em que assume o controle. No entanto, em vez de me sentir presa, a sensação maravilhosa que tenho é de liberdade.

Encontro o lugar que nem sabia que procurava e me sinto confortável aqui, exatamente onde estou.

— Peeta, Katniss! – Finnick nos chama, de pé no calçadão. – Já saiu o resultado. Vocês dois são os vitoriosos e ficaram empatados em primeiro lugar. É a primeira vez que isso acontece! – comemora animado e nos convoca para entrarmos novamente no bar. – E a nossa equipe foi campeã!

Peeta me ergue pela cintura para me voltear em seus braços, com seu rosto escondido em meu pescoço. Quando ele me põe no chão, eu me adianto para retornar ao Mockingjay, puxando-o pela mão, mas ele finca os pés na areia, não permitindo que eu o desloque.

— O que foi? – questiono, voltando a ficar diante dele e cruzando as mãos atrás de sua nuca.

— Antes de entrar, preciso perguntar uma coisa... – Peeta enreda seus dedos suavemente em meus cabelos. – Você acreditaria se eu dissesse que tudo o que eu sentia até meus onze anos, e guardei em meu coração desde então, está vindo à tona com esse reencontro?

— Acredito, porque está acontecendo comigo também.

— Por acaso, você... Também? – Ele me olha interrogativamente, com as sobrancelhas erguidas.

— Você um dia foi e, pelo visto, continuará sendo o meu garoto com o pão.

 

***Fim***


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Notas finais do capítulo

Oi de novo!

Ufa! Consegui colocar um ponto final! E olha que essa é a versão enxuta da fic...

A versão estendida estava impublicável de tão grande! XD

Estou realmente muito feliz de ter escrito essa OS e aliviada, agora que a publiquei, mas o nervosismo ainda não passou, pois é uma responsabilidade grande estar no meio de autoras tão talentosas!

Então, não deixem de comentar o que acharam! ;)

Pra finalizar, gostaria de agradecer mais uma vez às minhas "companheiras de coletânea" e de mandar um beijo especial para a Débora (deboraduarteb) e a Sabrina (SasaMellark12) por me ajudarem a escolher algumas músicas! Gratidão define!

Falando nas músicas, aqui vai a lista das que foram mencionadas no texto:

A thousand years - Christina Perri
I'm too sexy - Right Said Fred
Somewhere only we know - Keane
Marry you - Bruno Mars
Perfect - Ed Sheeran
You and me - Lifehouse

Enfim... Missão cumprida! o/

Agora é a vez da Sany nos presentear com mais Encontros, Acasos e Amores! ♡♡♡

Beijos!

Isabela

P.S. Eu já transformei essa one em short-fic, com a versão estendida e muito mais! Espero vocês por lá para conferirem! ❤