Encadeados escrita por Nipuni


Capítulo 10
A Lua do Caçador


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi, oi!
Primeiro, quero agradecer MUITO a todos os comentários maravilhosos que recebi no último capítulo e todos os novos favoritos, fico tão grata que nem sei o que dizer além de obrigada! ♥
Segundo, esse capítulo tem uma frase em francês, mas não se preocupem, logo mais a frente tem a tradução dela, então vocês não precisam parar de ler pra procurar uma tradução, ok?
Boa leitura & espero que gostem!



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Moscou, Leste do Império Russo.

1887 D.C.

 

Era o tipo de frio que só uma pessoa nativa conseguia suportar. Ventos ferozes uivavam do lado de fora da imensa mansão carmesim, sacudindo as árvores mais fortes e atiçando os cavalos mais valentes.

Para Sakura, aquele era só mais um inverno. Não como qualquer outro, no entanto – a companhia não era a mesma de antes. A lenha estalava na lareira fumegante, a única fonte de luz no enorme aposento. Seus calcanhares se tocaram quando ela se virou para a varanda, os olhos arregalados para a lua cheia do caçador ao lado de fora.

Seis batidas rítmicas no vidro ecoaram no quarto e ela jogou as cobertas para longe ao se levantar. Apertou a longa camisola de seda contra o corpo e marchou até as portas da sacada, usando o vidro como escudo ao puxar as maçanetas para baixo.

Sasuke entrou no quarto enquanto tirava flocos de neve do próprio cabelo escuro. Seu nariz estava vermelho com o frio, e seus casacos de pele estavam manchados de branco – parecia até algodão, ela observou. Arrancou as peles quando a porta da varanda se fechou novamente, jogando os volumosos casacos sobre um divã dourado que ficava ao lado da lareira.

— Demorou hoje. – Sakura arrastou os pés sobre o carpete ao andar até ele, batendo alguns flocos alvos para fora de seu ombro. – Foi algo importante?

A figura esguia se sentou sobre o divã com um suspiro esmorecido, apoiando a cabeça no recosto acolchoado. Abriu os olhos sem pressa alguma, dando dois tapas sobre a própria perna como um convite.

— A ameaça é a mesma de ontem. – a moça sentou em seu colo e deitou o rosto sobre o ombro largo. – Dizem que a aliança com a Alemanha vai acabar logo.

— O que meu pai diz?

— Ele não é um homem que se convence fácil. Até agora, acha que são só boatos.

— E o que você acha?

Sasuke esfregou as têmporas, pigarreando. A última coisa que estava preocupado era com uma possível guerra.

— Acho que você não precisa perder seu tempo pensando nisso por enquanto. – e se esforçou para sorrir, pondo de lado todos os problemas iminentes, que até então, não tinham servido para bem algum. – Porque não toca algo para mim?

Ela não pareceu se importar com o fato de estar no meio da noite. Saltou para fora de seu colo, eufórica, trotando na ponta dos pés até o piano de cauda que ficava paralelo ao divã. Sentou-se sobre o banco, jogou o longo cabelo para trás, e começou a tocar.

O único que sabia disso além de si mesma era seu diário, mas Sakura adorava quando Sasuke a assistia. Esforçava-se para dar o seu melhor, e na sua presença, normalmente conseguia.

As notas graves reverberavam entre as pinturas e as sombras dos móveis dançavam na parede à meia-luz da lareira. Pressionava as teclas com as falanges, focada para não errar nenhuma. Mesmo que ele não soubesse que havia desafinado, ela saberia, e seria o bastante pra se martirizar pelo resto da noite.

Sasuke ergueu-se do sofá estreito, dando passos curtos até o piano claro. Passou pela lareira, pelas estantes de livros e pela penteadeira dourada, parando à alguns centímetros de distância da moça. Ela tocava sem a necessidade de seguir partituras, seguindo apenas o instinto. E isso era algo que faltava nele.

Pelos próximos minutos, ela tocou, ininterrupta, e Sasuke ouviu. Quando Sakura finalmente acabou, esperou que seus dedos terminassem de tremer para que então, levantasse.

— Você devia estar fazendo concertos ao redor do mundo agora. – Sasuke congratulou, os olhos ainda presos no instrumento.

— Não é pra tanto. – e riu, coçando a bochecha com o indicador. – Mas me alegra saber que gosta.

Não gostava. Adorava.

— Eu vou agora. – e começou a se distanciar rumo aos casacos, sentindo o tempo que já havia passado. Ele não tinha permissão de estar ali, muito menos àquela hora, e sabia que caso fosse descoberto as consequências seriam pagas por ela e ela somente. – Já está tarde, você devia estar dormindo.

— Só mais um pouco. – ela chamou, tímida. – Fique até eu dormir, então.

— Se seu pai...

— Meu pai está muito ocupado com o próprio quarto pra pensar no meu. Dez minutos, só isso.

Respirou fundo. Não precisava de muito para convencê-lo de algo que ele mesmo já queria – e com ela era ainda mais fácil.

— Dez minutos.

Sakura se conteve pra não dar seus saltinhos de alegria. Seguiu até sua cama e jogou-se sobre as cobertas grossas. Plumas esvoaçaram para fora dos travesseiros e ela se aconchegou entre as almofadas, assistindo ansiosa enquanto Sasuke vinha hesitante até onde estava. Sentou na ponta do colchão como um gato medroso.

— Você pode deitar. – ela riu internamente, deslizando para o lado dentro das cobertas. – Juro que não vou morder.

Ele bufou pra si mesmo. Que tipo de dama da corte diria uma coisa daquelas?

Relutante – e ao mesmo tempo, não –, Sasuke tirou os sapatos e deitou ao seu lado como se entrasse no covil de um tigre. Não fazia nada expressamente errado ou punível, mas temia que qualquer ação de sua parte pudesse prejudicá-la de algum jeito.

Notando isso, Sakura abandonou seu território e avançou sobre a fronteira da cama, deitando sobre seu peito sem pedir permissão. Ao contrário do que se esperava, ela sentiu a pressão nos ombros dele diminuindo. Sabia que ela não era o problema.

— Diga aquilo de novo. – ela suspirou, fechando os olhos.

— O quê?

— Aquilo que me disse no jardim hoje à tarde. Em francês. – ela dava voltas com os dedos ao redor dos botões do sobretudo, sentindo a tensão se esvaindo cada vez mais. – Diga de novo.

Sakura sabia que ele estava sorrindo. Sasuke se virou de lado e a pressionou contra si, escondendo seu rosto próximo ao ouvido.

— Je t’aime. Ce soir. Demain. Pour toujours. Si je vivais mille vies, je te ferais mienne dans chacune d’elles. Si je vivais mille ans, je t’appartiendrais pour tous.

Era como ouvir um poema que ela nem mesmo sabia o que queria dizer.

— Gosto da sua voz em francês. – suspirou, fechando os olhos e tentando memorizar palavra por palavra. – Eu queria tanto ser como você, Sasuke. Livre.

— Livre? – não pôde segurar a surpresa. Aquela era a última palavra que usaria para se descrever.

— É, livre. Solto pra fazer o que quiser. – Sakura se virou para cima, apertando as cobertas. – Eu queria poder aprender a falar francês em Paris, como você. Viajar pra todos esses países, conhecer todas aquelas pessoas. Saber como é uma praia que não está congelada, ou uma floresta que não fica branca o ano inteiro. E você logo já vai partir de novo, enquanto eu vou continuar aqui. Tocando piano pra um quarto vazio.

Não era assim que ele via as coisas, mas isso não queria dizer que as coisas não funcionavam assim. Sasuke tirou alguns fios de cabelo claro da sua face, deslizando as mãos sobre o rosto quente.

— Pra onde você gostaria de ir?

Ela piscou três vezes enquanto decidia.

— América.

— América? – ele riu. – Porque América?

— Meu pai tem um correspondente lá, e eu li uma de suas cartas. Ele disse que na América, existem desertos e existem montanhas, tem praias quentes e muitos animais estranhos. Pra mim, deve ser como uma terra saída dos livros, e eu gostaria de ir pra lá.

— Venha comigo quando eu partir e te levarei para a América. – Sasuke viu o porém que ela ia usar, então apressou-se – Eu falo com o seu pai.

— Você mesmo disse que ele é um homem difícil de convencer.

— Ele é, mas não sabe o quão persuasivo eu posso ser.

Sakura sorriu, esforçando-se para não ficar ansiosa demais com a possibilidade.

— Veremos.

— Já acabaram seus dez minutos. Agora você vai dormir. – o homem começou a sair da cama quando ela o chamou pela última vez.

— Antes de você ir – sentou sobre as cobertas, brincando com os dedos enquanto o olhava de soslaio. – Traduza aquilo pra mim.

[...]

Acordei com o impacto. Minhas costas latejaram, estendidas sobre o chão duro. A sala estava num tom alaranjado, sem nenhuma luz acessa, e foi com esse susto que eu percebi que tinha dormido demais. Sentei no tapete num sobressalto desajeitado, arrumando minhas roupas pouco antes de me levantar. Meu cochilo pós almoço havia durado mais do que eu queria.

— Finalmente. – Temari saiu do corredor em direção à cozinha, segurando uma cartela de comprimidos. – Seu encontro com o Senhor Gostosão não é hoje?

É.  

— Porque você não me acordou? – corri até a cozinha, espalmando as mãos sobre o balcão.

— Ei, nem vem com essa, eu tentei! A culpa não é minha que ultimamente a única coisa que você faz é dormir.

Parei por um segundo. Pra falar a verdade, eu nunca tinha dormido tanto quanto nas últimas semanas. Sacudi o pensamento para fora, dando uma última olhada em Temari antes de ir tomar um banho.

— Tá tudo bem? Você tá meio...

— Na merda? – ela riu, tirando duas pílulas da cartela e as engolindo sem água. – Nem me fale. Acho que peguei um vírus no meu último plantão.

— Eu tenho uns remédios no meu armário se você precisar. Você nunca pede permissão, mas pode pegar se ficar pior.

Ela balançou a cabeça fracamente.

— Valeu.

— Vou pro meu quarto me arrumar. Você precisa de alguma coisa?

— Preciso, sim. Preciso que você procure um psiquiatra pra resolver essa sua falação no sono. Eu conseguia te ouvir do meu quarto. Com a porta fechada.

Ah, não.

— Não me diga que eu estava falando Sasuke de novo.

Temari fez um não silencioso.

— Pior. Você está falando línguas.

Cerrei os olhos. Aquela era novidade.

— Línguas?

— É, línguas! Você estava falando em russo. Onde você aprendeu a falar russo?!

— Não aprendi.

— E não é só isso. Francês também. Você tá com algum desequilíbrio espiritual? Tem estrangeiros mortos fazendo tua cabeça enquanto você dorme? – ela parecia bastante indignada. – Sua perturbada.

— Não foi isso. – peguei um copo de água gelada, fazendo força pra lembrar. – Eu sonhei alguma coisa do tipo.

— Sonhos não te ensinam idiomas, Sakura. Isso não é normal.

Ignorei Temari totalmente.

— O que era mesmo? Porque eu não lembro? – parecia tão importante na hora. – O que ele disse?

— Quem disse, criatura?

— O cara do meu sonho! Ele disse alguma coisa em francês, sim. Não era pra eu esquecer.

— Que maravilha, então realmente tem defuntos europeus fazendo contato com você enquanto dorme. Parece que meu colar não mente, você é mesmo assombrada. – ela puxou o cordão para fora da blusa, parecendo orgulhosa.

— Não foi um defunto, Temari! Foi um sonho, mas não era pra eu esquecer. Mas que droga. – coloquei o copo na pia, chutando o ar. Não ia conseguir sossegar enquanto não lembrasse. – Olha, vou tomar meu banho. Pelo sim, pelo não, compra alguma coisa pra exorcizar essa casa. Vai saber.

— E eu tenho cara de exorcista?

— Chama alguém daquela sua loja maligna, sei lá! – e bati a porta do quarto.

Minha busca por alguma roupa seguiu até o fim do crepúsculo. Era sábado e eu não fazia ideia do que Sasuke planejava fazer – se iríamos jantar, ou assistir alguma coisa, ou só sair mesmo. A falta de especificidade por sua parte era uma pedra gigantesca no meu sapato.

Joguei a roupa que eu achei mais genérica pra todas as atividades e tomei um banho em menos de dez minutos. Me vesti, desembaracei os cabelos curtos e, com uma sobra de tempo, me virei pra arrumar o quarto.

Rápida como nunca fui, tirei todas as apostilas da minha cama e as empilhei organizadamente sobre a escrivaninha. Forrei a cama e puxei os travesseiros para onde deviam ficar, e dei um passo para trás quando uma certa fotografia caiu sobre meus pés.

 A cena pareceu bastante familiar. Apanhei a foto em sépia e então me lembrei – não havia confrontado Sasuke sobre aquilo. Tive minha chance e, como sempre, joguei fora sem nem perceber. Mesmo assim, talvez ainda não fosse tarde demais. Enfiei a foto dentro da minha bolsa e estava pronta pra sair do quarto, quando senti que havia sido atingida por uma onda.

A I N D A. . .

N Ã O.

Caí no chão como um saco de batatas. Não havia desmaiado, mas não estava exatamente consciente. Aquela voz. Eu conhecia aquela voz, eu sabia de quem era, mas ainda assim... Minha mente havia sido bloqueada de relacionar o timbre a um rosto, mesmo que estivesse na ponta da língua.

Quando eu abri os olhos novamente, Temari estava colocando sal na minha boca com os olhos arregalados.

Demorei meio minuto para conseguir sentar, minha cabeça girando ao redor de mim mesma.

— Quanto tempo eu apaguei? – falei, sentindo o gosto do sal tornando minha língua áspera.

— Um minuto, eu acho. Você devia procurar a fonte desses desmaios, Sakura.

— Não é só você que tá na merda. – ri pra mim mesma, e então me lembrei da foto. Escondi o retrato dentro da manga da blusa pra que Temari não visse.

— Tem certeza que vai sair? – ela me ajudou a levantar, e logo eu me senti bem de novo.

— Tenho, eu tô legal. Minha pressão baixou, foi só isso. – pisquei com força, observando meu quarto voltar a tomar forma. – Obrigada.

— Se precisar de alguma coisa, me grita. – e então ela saiu do quarto.

Encostei a porta e encarei a fotografia. O que tinha sido aquilo? Porque aconteceu novamente? Quem é que continuava a me controlar daquele jeito?

— Quer saber de uma? – falei para mim mesma, determinada. – Foda-se.

Guardei a foto na bolsa e apaguei a luz ao sair do quarto. Quem ou o que estivesse fazendo aquilo, não ia me impedir de conseguir minhas respostas. Meu celular vibrou duas vezes dentro do bolso, uma mensagem de Sasuke dizendo que já estava na porta.

— Divirta-se. – Temari sorriu quando passei por ela. – E tenha juízo.

— Ok, mamãe.

Com os olhos grudados no relógio, corri até o elevador e fiquei encarando meu reflexo durante a descida. Eu não me sentia ansiosa por sair sozinha com Sasuke pra algum lugar que eu nem fazia ideia – aquilo já era de praxe – mas sim por nem ser capaz de imaginar o que ele me diria ao ver a foto.

Estava pronta para todos os tipos de reações quando a porta do elevador se abriu e ele estava parado do outro lado.

Congelei. Uma onda de memórias me atingiu de cima, e tudo voltou como um filme. Eu lembrava dos mínimos detalhes do sonho – lembrava dos quadros que estavam pendurados na parede, dos cobertores dourados e brancos e da pequena matrioska vermelha que estava sobre a lareira.

E claro, lembrei que não era um cara qualquer. Era Sasuke. Principalmente, lembrei do que ele disse, e o que aquilo significava.

Eu te amo. Esta noite. Amanhã. Sempre.

Se eu vivesse mil anos, seria seu por todos eles.

Se eu vivesse mil vidas, iria fazê-la minha em cada uma.


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Notas finais do capítulo

E então? ò3ó



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