Gentleness escrita por U can call me A


Capítulo 6
(Possibilidade de) felicidade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/731196/chapter/6

Ephir não podia estar mais irritado. Como se cuidar do filho da vizinha não fosse estressante o suficiente, ele estava com a cabeça totalmente cheia enquanto fingia que tinha algum interesse em vencer "quem faz o desenho mais bonito". 

Sua mãe nunca aceitava visitas. O apartamento era um espaço que só dava para ela e Ephir. Qualquer presença a mais incomodava muito, a ponto de deixá-los claustrofóbicos, simplesmente porque haviam se acostumado demais a viverem apenas um com o outro. O garoto fora uma gravidez inesperada, nunca conheceu o pai, e não sentia falta de algo que nunca teve. Sua mãe teve seus relacionamentos, mas o apartamento era uma linha  quase nunca ultrapassada. 

No entanto, ela havia deixado Anne ultrapassar, se arrependendo tanto quanto o filho, e agora incompreensivelmente havia aceitado levar Nante com eles para a aula de dança e até deixá-lo passar a noite, já que sairiam de lá tarde. 

Ele grunhiu inconscientemente, e o garotinho sentado do lado dele na mesa de jantar da vizinha levantou a cabeça para encará-lo. 

Ah, certo, o garoto. A carreira de Ephir como babá era graças à Anne também. Um dia, a vizinha da frente estava no telefone andando pra lá e pra cá no espaço em comum das portas dos apartamentos, com uma criancinha sentada no tapete da porta, jogando no tablet. Os dois jovens estavam sentados na escada, resolvendo exercícios de português. Algo sem cálculo era a mesma coisa que uma brincadeira para eles, e Anne dizia que eles nem sentiriam vontade de tomar um ar se já estivessem num local com brisa. Ephir apenas gostou da ideia de não ficar dentro de casa com ela. 

Porém, um dos hábitos de Anne era ser muito observadora, principalmente para saber como se aproveitar dos outros, e ela ouviu a conversa da mulher: 

"Hã? Como assim?! Nós tínhamos um acordo! Você não pode voltar com a sua palavra de cuidar dele, se você for gente! O que você acha que eu vou fazer a agora?! Eu tenho que sair, e não tenho com quem deixar a criança! ...Arranje alguém o seu..." 

Alguns segundos depois, a ligação acabou, Anne colocou seu livro no colo de Ephir e se aproximou da mulher com seu sorriso mais doce. 

— Com licença, eu não pude deixar de ouvir que você precisa de alguém para cuidar deste garotinho... 

— Sim, e daí? 

— ...eu e meu primo estamos fazendo nossos deveres de casa, mas podemos ser babá enquanto isso também. 

A mulher olhou Anne da cabeça, cheia de fios loiros lisos que batiam na cintura, até os pés, com tênis de corrida cinza, e então para  Ephir. Eles não tinham características que indicassem parentesco, mas a diferença não era gritante. 

A mulher aceitou, se convencendo depois que lhe disseram que a mãe de Ephir estava em casa, caso qualquer coisa. Deu suas instruções, colocou uma média para o pagamento dependendo de que horas voltasse, e se foi, deixando os dois jovens e o garotinho na casa dela. 

— Por que você disse que somos primos? - Ephir sussurrou. 

— Bem, se eu dissesse que somos amigos ela ficaria muito mais desconfiada de que poderíamos dar uns amassos na casa dela, não acha? - ela sussurrou de volta. Ephir corou um pouco, mas Anne não disse nada, apenas lhe ofereceu um sorrisinho. 

Depois de muitas horas, o garotinho finalmente ficou cansado de estudar, conversar e brincar, e caiu no sono. A mãe, quando voltou, ficou muito satisfeita e quis que eles cuidassem dele de novo, mas Anne explicou que quem vivia por ali era Ephir, e ela só estava de visita. 

Então Ephir virou babá. Como o garotinho, Lori, estudava na mesma escola que ele, alguns dias o levava ou trazia de volta. O dinheiro extra era ótimo, mas cuidar e ensinar outro ser humano lhe custava tempo e energia, dificultando seu próprio estudo. 

No ano seguinte, ele repetiu. Ephir sabia que não foi coincidência. 

Mas então, por que continuar como babá? Bem... 

— Ephiiiir! - Lori beliscou sua bochecha, fazendo-o soltar um gritinho. - Você parou de desenhar... E fez umas caretas feiosas, tipo assim. 

O garotinho fez sua melhor expressão de alguém com raiva cutucando as feridas do passado, mas ela o fazia parecer estar com dor de barriga. Ephir ficou meio ranzinza, mas então não conseguiu conter um risinho. 

Primeira razão, Lori gostava muito dele. Não aceitou nenhuma outra babá que encontrassem, não dando outra escolha além de Ephir. No entanto, o jovem não concordaria se não tivesse passado a gostar do garotinho também, mesmo sabendo de todos os pontos negativos. Tudo o que ele precisava fazer era exigir mais de si mesmo e teria Ephir suficiente para todas as suas responsabilidades, certo? 

Afinal, ele já havia removido tudo o que poderia gostar de fazer para se dedicar ao que precisava. Não tinha hobbys, nem passatempos, nem talentos que seguisse e pudesse dizer que fazia parte dele. Então, se ele finalmente havia encontrado algo que queria fazer, e estava sendo pago pra isso, por que não? 

Lori fez bico, e se pendurou no pescoço de Ephir. 

— Você não está bem! 

Se até uma criança de sete anos estava dizendo isso pra ele, ele pensou, então devia estar muito mal mesmo. 

— Ai... Lori, você quer quebrar meu pescoço? 

— Você não está bem. - ele repetiu, olhando fundo nos olhos de Ephir. 

O jovem se perguntou se ele estava procurando por alguma coisa ali, porque havia nada. 

— Eu sei. - Ephir sussurrou, com a voz rouca. Limpou a garganta, e tentou de novo: - Eu sei. Mas não tem o que você possa fazer, então não se canse ficando preocupado comigo. 

Lori fez uma cara triste, e afagou o cabelo do outro. "Você não quer me contar?" ele perguntou, e Ephir balançou a cabeça. 

— É o tipo de coisa que faria sua mãe cortar meu salário se eu contasse. - Como Lori gostava dele e não queria causar problemas pelo menos nesse sentido, esse argumento geralmente funcionava. 

Bem, mesmo funcionando, não evitou deixar o garotinho amuado. Ele sentou no colo de Ephir e soltou o pescoço, observando o desenho do mais velho. Vários bonecos palito sorridentes e um cuja cabeça era substituida por um livro. Ephir estava no meio de pintar as cabeças, e torceu para que Lori não entendesse sua obra de arte enquanto abraçava sua cabeça cheia de cabelos loiro escuro escorridos cheirando a perfume de bebê. 

— Ei, Phir. Você acha que nós vamos ser felizes um dia? 

A pergunta inesperada derrubou o adolescente da cadeira, em sua cabeça. Os olhos grandes e castanho esverdeados fixos nele, esperando uma resposta séria. Ephir sabia o que ele queria dizer. Ambos já haviam passado por situações difíceis, e o caminho pela frente parecia longe de mais fácil. Claro, as experiências não estavam no mesmo nível graças à diferença de idade, mas a última coisa que Ephir faria com Lori se seria ridicularizar seus problemas. 

Ele abraçou o pescoço da miniatura de gente e trouxe a cabeça deste de encontro ao seu peito. 

— Não sei, Lo. Mas bem... Acho que vamos ter dias felizes sim. A vida é feita de altos e baixos, afinal. Uma hora chegamos lá em cima. - Ephir tentou responder tão sinceramente e minimamente pessimista quanto pôde. 

O pequeno ficou em silêncio um pouco, analisando a resposta enquanto olhava para o chão e balançava os pés. 

— Mas então descemos. 

— É, tem isso também... Apesar dos meus esforços, você está saindo tão pessimista quanto eu, huh. 

Surpreendentemente, tal comentário fez Lori sorrir. 

— Não siga meu exemplo, bebê. - Lori lhe lançou um olhar irritado pelo apelido, e Ephir fingiu inocência. - Academicamente não tem problema, mas nós dois sabemos que o resto não é admirável. 

— Mentira! Você é incrível, só fica se colocando pra baixo demais... - Lori apertou o nariz dele. Os dois começaram uma guerra de cosquinhas por isso, depois viram um documentário, estudaram um pouco mais, jantaram, e então Ephir pôs Lori para dormir. 

O garotinho parecia tão pequeno mesmo em sua cama de solteiro, são solitário. Ephir se perguntava se a mesma preocupação com o futuro ao ver aquele rosto em paz dormindo, que ele sentia, sua mãe sentira também. Ele tentaria sorrir para ela quando voltasse. Algo para aliviar suas preocupações, mesmo que, e o mundo concordava, ele não estivesse bem. 

Infelizmente, seu sorriso não durou muito. Logo depois de receber o seu pagamento do dia da mãe de Lori, o rapaz encontrou sua mãe com um pote de doce no colo, metade comido. Isso não era algo que ela fazia normalmente, então ele fechou a porta e encostou nela com um rosto questionador. 

— Ah, Ephir. Quer? - Ela ofereceu uma colher do doce de leite. Ele sacudiu a cabeça, negando. 

— Sem querer me intrometer na sua vida, mas por que tanto doce? - Ele colocou as mãos nos bolsos. 

— Tanto..? Oh, sim. - Ela murmurou, e depois de mais uma colherada, engoliu e disse: - O povo com que fiz ensino médio marcou de se reencontrar amanhã de noite. De alguma forma, conseguiram me achar e entrar em contato. Eu não tava afim, disse que tinha aula de dança, mas eles disseram que podiam colocar o horário pra depois da aula por mim, e quando eu vi já a turma já tinha marcado que ia ser assim. Ugh. Não dá pra fugir. 

— Amanhã? De noite? Mas o Nante não ia dormir aqui? - Ephir perguntou, de olhos arregalados. 

— Ah, é. Acho que vocês vão ficar sozinhos até eu voltar. - Ela finalmente olhou pra ele. - Eu confio em você, mas preciso dizer isso pra minha consciência não pesar depois: Não faça nada que vá se arrepender depois, ou faça eu me arrepender depois. Cuide da casa. Evite incêndios, e choques. Se um fantasma aparecer, você sai correndo, não pergunte o que tem do outro lado, ele não foi pro outro lado. Ele não sabe. 

— Obrigado pelas informações preciosas, mãe. - Ephir disse, atravessando a sala. Uma enxaqueca se aproximava, e ele não estava com vontade de discutir. - Vou dormir. E

spero que você tenha comido algo mais saudável que isso no jantar, e sinto muito por seu encontro de classe. 

Ele demorou muito para cumprir sua palavra de ir dormir. No dia seguinte, suas olheiras estavam mais fundas que de costume, e Nante teria comentado sobre ela se Ephir não tivesse dado a notícia na mesma hora. Mo estava bebendo água e não ouviu, mas ela sabia sobre a situação com exceção da última atualização. 

— Sozinhos? - O rosto de Nante poderia ter virado uma tela azul na hora. 

— É. 

— ...Por quanto tempo? 

Ephir deu de ombros. 

— Ela disse que vai sair o mais rápido que puder, porque não quer ficar lá. 

— Ah. 

— Você sabe como eu sou, provavelmente vou dormir bem antes que ela chegue, então você vai ter que encontrar o que fazer. Que não seja caótico, claro. 

— Sem problemas. Não vou explodir nada. 

— É bom mesmo. - Ephir murmurou, baixando a cabeça para tirar um cochilo antes da aula começar. Com a voz abafada, acrescentou: - Se você vir um fantasma, saia correndo... e me carregue junto. Não se deixa... os amigos pra... trás... 

— Fantasma..? 

Ephir não pôde explicar a piada interna. Ele já havia dormido. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Adivinha quem passou uma semana dormindo três horas por dia por causa da escola... Haha...
Foi difícil escrever quando tudo o que eu queria era descansar, mas recentemente ando com inspiração demais pras minhas histórias. Chega a ser exaustivo.
Graças a isso, eu tive mais ideias pra essa história, e o que eu planejava acabar em dez capítulos talvez tenha um pouco mais, ou extras. Também vou ter que mudar um pouco as tags e coisas assim. Honestamente, não estou com energia pra fazer isso de imediato.
Outra notícia é que estou considerando muito criar um tumblr ou outro tipo de blog com minhas histórias postadas atuais, minhas paródias, fanfics, um pouco mais sobre as histórias que planejo escrever, e sobre o livro que estou escrevendo, onde o progresso poderá ser acompanhado. Além disso, com as asks eu poderia dar pequenos detalhes das histórias, e quem sabe receber motivação. Eu garanto que se eu tivesse o apoio que preciso, terminaria esse livro em um ano ou menos.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Gentleness" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.