Gentleness escrita por U can call me A


Capítulo 5
Situação (de mi)séria




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"Lindo". 

Esse foi o primeiro pensamento de Ephir quando viu a figura de olhos castanho mel, cabelo preto escorrido, parte caindo sobre seus olhos, parte lhe adornando o rosto, e ainda uma parte mais longa atrás se enroscando um pouco em seu pescoço moreno. O corpo do indivíduo era magro, mas de forma saudável e com alguns músculos aparentes, cobertos por uma camisa folgada, casaco longo com bolsos, e uma calça jeans preta. Em suas mãos, um guarda-chuva pingando. Em seu rosto, um sorriso ofegante. 

— Célio. 

— Isel...? - Célio murmurou, surpreso como se tivesse visto a escada desta história virar uma mulher muito bonita. Ou talvez uma senhorinha. 

Ele não teve tempo de dizer mais nada, porque o cara que chamou de Isel puxou sua orelha, ainda sorrindo, mas parecendo longe de contente. 

— Você passou mais de uma semana sem sinal de vida mesmo depois de prometer que iria manter contato, seu infeliz. Como você faz isso comigo? Ainda bem que você desembuchou onde trabalha, porque eu enchi o saco, sabe? - Ele tentou usar um tom de brincadeira, mas o murro amigável que ele deu no ombro de Célio foi forte o suficiente para este fazer cara de dor. 

Ephir não fazia ideia do que estava acontecendo. Bem, na verdade, ele queria não fazer, assim não entenderia que estava sobrando quando os dois adultos olharam pra ele, mas o quão ridículo seria ser cara de pau numa situação dessas? Ele queria ir embora de qualquer forma, então forçou um sorriso pequeno e disse: 

— Bem, eu já estava indo mesmo, então até mais. Aqui seus alfinetes que sobraram. - E passando o copo para Célio, ele se virou sem olhar para o cara-de-modelo e foi embora atrás de sua mãe. 

Ele era inteligente o suficiente para entender. Que bom que Célio tinha sua pessoa importante por perto. Que bom que ele a reencontrou. Bom pra ele. Ruim para Ephir. Ephir foi estúpido de acreditar em gentileza, e só se deu mal com isso. 

No dia seguinte, ele estava mais murcho que uma lesma em que jogaram sal. Era sexta-feira, mas isso não o animava muito. Só queria dormir, perder sua consciência em algum canto de seus sonhos, mas forçava os olhos abertos para a atividade de física que não havia dado tanta atenção, embora tivesse respondido. O professor daria visto mesmo respondido errado, então ele "só" precisava ralar o cérebro para estudar pra prova. 

Pensar em estudar o deixava pior ainda, mas ainda assim estava estudando. Era isso que chamavam de autolesão? 

Nante foi o primeiro a perceber, o que foi estranho, porque Mo conhecia Ephir a mais tempo. Por outro lado, ele prestava mais atenção no comportamento do outro, tentando compensar o que não sabia, até mesmo tentava chegar tão cedo na escola quanto os outros dois. Preocupado, acariciou o cabelo caramelo fofinho do amigo, o qual nem lhe deu atenção. Então enfiou a cara na frente do outro, atrapalhando a visão do livro, e apoiou os braços na mesa 

— Você não está bem. 

— Eu nunca estou bem. - Ephir resmungou, melancolicamente. Seus olhos pareciam mais sem vida do que de costume. Ele começou a pensar em todas as razões que tinha para se sentir um trapo, e acabou baixando a cabeça sobre a de Nante, sua bochecha sobre a orelha do outro, que soltou um "Ai" com o impacto repentino. 

— Que viadagem é essa, tão cedo pela manhã? - Morgana comentou, os olhos por cima de seu livro com título complicado que nenhum dos garotos estava vendo, de qualquer forma. 

— Você está insinuando que tarde da noite é ok? - a voz Nante soou abafada, sob a cabeça e a camada aparentemente infinita de cabelo de Ephir. Ele precisou se esforçar para que nenhum fio entrasse em sua boca. 

— Não é da minha conta o que acontece com um casal entre quatro paredes. 

— Casal... 

Os dois esperaram alguma reação. Nante suspirou. 

— Ele dormiu. - disse, sua queda de ânimo aparente na voz. - E agora eu estou preso aqui. Coitado do meu pescoço. 

— Ele não está... - Mo começou, mas Ephir levantou a cabeça antes dela falar mais. Sem pensar muito, tentou ajeitar os danos no agora desgrenhado cabelo de Nante. A garota não precisou mais do que bater os olhos na cara dele, e disse: - Você está quase tão mal quanto quando te conheci. 

A mão dele congelou onde estava. Nante se arrependeu um pouco de olhar pra ele na hora, porque se deparou com uma expressão triste do amigo muito rara, que ele mostrava em casos extremos, ou quando falava dela

Anne. O maior trauma de Ephir, provavelmente. Ficara sabendo da história dos dois no primeiro ano, quando tiveram uma gincana que envolvia todo o ensino médio. Ephir não queria ir, mas Nante estava empolgado e precisava de mais gente participando. No fim, o primeiro acabou aceitando com a condição de evitarem ao máximo os de segundo ano, e que não se inscreveria para prova alguma. Oh, cruel coincidência, pois mesmo se encolhendo num canto do ginásio, ele foi escolhido do público para uma prova, assim como ela. 

Foi horrível. Ephir travou, e não conseguiu responder nenhuma da perguntas no tempo. "Foi o nervosismo", ele disse para os juízes com um sorriso amarelo. A multidão riu. Quando ele desceu do palco, a equipe de sua sala estava irritadíssima com sua falha, e o garoto teve que se esforçar para se manter de pé e se desculpar. Tão rápido quanto pôde, Nante e Morgana o tiraram dali e o deixaram dormir para escapar da realidade em paz, em seu cantinho de antes.  

Morgana, que tinha uma irmã mais nova bolsista, conhecia Ephir só de longe, das cerimônias de premiação, e sabia alguns rumores sobre ele e Anne, mas se conheceram mesmo quando ele repetiu e ela ficou na mesma classe que ele. Depois dela convencê-lo que não tinha interesse na competição acirrada por bolsas, de que era a única pessoa da turma que o tolerava com todos os seus espinhos, e que ele era capaz do mesmo com ela (o que levou quase o ano inteiro), ele acabou lhe explicando porque estava tão destruído, e essa mesma explicação ela passou para Nante. 

Por isso ele sabia. Ephir já sabia que ele sabia, mas não tivera a menor vontade de tocar no assunto desde então. 

— Eu contei pro Célio - Ephir murmurou, derrotado. - sobre... Anne. Estávamos falando de pessoas importantes, ele estava com raiva de mim pelo casaco, e eu pensei... pensei que já  era forte o suficiente para falar. Pensei que mesmo que fosse para falar disso, se ele não virasse as costas, eu não teria problemas e poderia falar casualmente, como se estivesse falando do clima, mas booom, a pessoa importante dele aparece e eu estou me sentindo um lixo. - Ephir esfregou uma mão na cara, e então pelos cabelos, que logo voltaram a cair sobre seu rosto. 

Nante ficou inveja de Célio, por ouvir a história diretamente de Ephir quando o conhecia a tão pouco tempo, mas tentou deixar isso de lado dando um peteleco na testa do de cabelo caramelo. 

— Então você é um lixo orgânico, totalmente reciclável, cheio de utilidades. 

— É, como fertilizar a terra com meus restos mortais. - Ephir riu obscuramente. 

Foi a vez de Mo bater com o livro em sua cabeça. 

— Ai?! 

— Fala sério que você ultrapassou seus próprios limites por causa de um cara que se juntar todo o tempo que passaram juntos, não dá um dia! Ainda mais quando você vive guardando segredos dos próprios amigos, colocando muros aqui e ali quando só queremos ajudar! - Ela sussurro-gritou, tentando desviar a atenção que o grito de dor de Ephir atraiu. 

"Me desculpe se nem eu me entendo! Me desculpe se eu não consigo confiar totalmente em vocês, porque alguém em que eu confiei por muito mais tempo me disse que foi tudo mentira! Me desculpe por não prestar, por ser uma pessoa horrível!", ele gritou dentro de sua cabeça, e mordeu o lábio inferior com tanta força para que as palavras afiadas pela raiva e pela dor não saíssem que começou a sentir gosto de sangue. As expressões de seus amigos se contorceram em preocupação alarmada. 

— Me desculpe... - Foi o que ele deixou sair, com seu pouco bom senso não infectado pelas emoções ruins de antes. Sua voz estava rouca, e ele conseguia sentir sua visão ficando borrada. 

"Não... Não aqui..." 

Mo jogou seu suéter verde folgadão na cara dele, que já ia reclamar, mas ela sussurrou: 

— É o suéter do perdão, serve pra enxugar suas lágrimas desde que você não repita seus atos de idiotice. 

Não muito depois, o sinal tocou, mais alunos entraram nas salas, e logo professores também. Ephir se esforçou para aparentar seu estado normal e prestar atenção na aula. Foi difícil, porque ele não queria estar acordado, mas pelo menos seu rosto estava aceitável, exceto pelo ferimento na boca. 

Mais tarde naquele mesmo dia, depois das aulas acabarem e Mo ir atrás da irmãzinha para irem no mesmo transporte escolar, ele ficou a a sós com Nante, esperando a família deste buscá-lo para poder ir embora andando, quando o rapaz disse: 

— Na próxima quinta-feira... Sua mãe me deixa ir com vocês? 


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Notas finais do capítulo

Sem revisão, acabei tudo de uma vez.
No ritmo que as coisa estavam, eu só iria postar capítulo novo ano que vem. Sério. Eu tinha me focado mais em outras histórias, mas lembrar que alguém lê essa daqui - e eu conheço o sofrimento de esperar por algo que gosto tão bem que deve ser karma - me deu o empurrão pra postar o capítulo. Estou mal, com sono e tenho um dia arrebentadoramente ocupado e estressante amanhã, mas acho que valeu a pena.
De qualquer forma, o personagem de SelflessSelfish veio pra cá. Ele era de outra história, mas eu desenvolvi ela e percebi que dá pra ligar elas~ (Lição importante: A ama ligar suas histórias).
No entanto, se for o mesmo universo da outra, this is gonna get angst, bro.



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