Lar escrita por MJthequeen


Capítulo 3
Robin


Notas iniciais do capítulo

Uou, essa demorou um pouco.
Desculpem, sabem como é pré-vestibular :[
Enfim, eu arranjei um tempo hoje para escrever e finalmente conclui o capítulo. Queria só dizer que aquele "alguns dias antes" é um valor x de dias, ok? rs pode ser 40 dias antes, 10, 2 só... Enfim, depende do que eu decidir mais para frente haha
Muito obrigada td mundo que tá acompanhando ;]

Good night Gotham!



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Lar

O bastão escorrega entre meus dedos. Ele desliza da minha direita para a esquerda como se eu fosse ambidestro. Não é nada demais; é treinamento. É como se eu estivesse naquela caverna uma outra vez; como se os morcegos voassem por cima da minha cabeça e o ar gelado fizesse cócegas desagradáveis na minha nuca. Eu finalmente golpeio Killer Moth e ele cai para trás. O chute que eu dei é muito forte e também estou indo em direção ao chão. Quase posso sentir a pedra fria e dura da caverna contra minhas costas, os morcegos fazendo algazarra...

E então ela me segura. Suas duas mãos quentes, não frias, em meus antebraços. Seu coração bem acima da minha cabeça. Seu cabelo, com cheiro de morango, pinicando meu nariz de maneira engraçada. Eu olho para cima e posso ver o seu sorriso e seus olhos ternamente verdes.

Deus, ela é linda.

 Ela é tão linda.

Ao fundo eu posso ver o céu azul do fim da manhã e as nuvens. Em baixo, as coisas se tornam tão pequenas e insignificantes. Mutano acena para cima, pulando feliz por termos derrotado Killer Moth, então faz um highfive com Ciborgue. Ravena deixa o capuz cair para trás e, enquanto nos olha, quase posso ver seus lábios voltados para cima.

Star está voando cada vez mais alto e rodopiando – mas pouco posso sentir, ela é muito sutil e me carrega como se não pesasse. Não a peço que desça. Eu gosto da altura. Eu gosto de estar aqui com ela.

Eu sei que seu sorriso vai diminuindo conforme chegamos ao solo.

 

 

 

A porta se fecha depois que entro no quarto. Como líder, nos combinamos que eu teria a senha de todos os quartos – mas ninguém mais tem o meu.

 Isso é necessário, eu tenho uma identidade secreta a zelar. Ciborgue, ou simplesmente Victor, não se importa que os outros saibam seu nome, apesar de nunca ter dito e gostar da alcunha de super herói. Todos nós sabemos o nome completo de Mutano, mas ele diz que isso o faz se lembrar da Patrulha do Destino, coisa que ele não quer exatamente reviver todo dia. Ravena vem de outra dimensão e eu duvido que Trigon tenha um sobrenome. Estelar, por sua vez, é de outro planeta e diz que, aqui, a tradução é mais do que o suficiente para identificá-la. Às vezes eu penso que isso a faz se sentir mais terráquea, ter um nome na nossa língua.

Mas eu sou um caso diferente. Eu tenho um passado que não acrescenta nada ao time. Eles não precisam saber disso; é algo pessoal. E preciso admitir que Bruce me ensinou isso muito bem; proteger meu nome é também protegê-los.

Eu deixo a máscara em cima da cômoda depois de ter ouvido a porta deslizar. O relógio bate 23hrs, eu tinha ficado um bom tempo na sala de investigação e só saí quando Star me lembrou que eu precisava comer algo. Eu ultimamente estava pensando sobre um problema. Quando cheguei à sala, Ravena inclinou a cabeça para mim. Não acho que Star notou – felizmente – e eu decidi ignorar. Ao menos nesse momento escapei, mas sei que hora ou outra Rae viria falar comigo.

Ter algo nos incomodando era ter algo incomodando ela também. Isso afetava seus poderes. E era um pouco mais forte comigo, por causa da nossa ligação mental, da vez que ela esteve na minha cabeça.

Suspirei e massageei o topo do nariz. O cheiro de Estelar ainda estava nas minhas luvas. Nós estávamos sempre perto demais. Desde que eu tinha feito aniversário, mais do que antes. Eu sei que não deveria, mas às vezes é simplesmente inevitável. Eu quero estar com ela.

Despenteio o cabelo depois de tirar o uniforme e colocar uma calça de moletom. Eu nem percebi quando, mas essas calças estão ficando ainda mais apertadas. Eu não aumentei meu treinamento, mas ele tem simplesmente se mostrado melhor agora que estou mais velho. Pensar em comprar roupas novas me faz lembrar sobre o meu uniforme... e sobre o uniforme novo das meninas...

Cara, eu gostava da saia. Talvez por isso que Ravena fez com que ela mudasse...

Foco, Dick. As roupas podem esperar. Eu sento na cadeira e ligo o meu notebook pessoal, que também uso para fazer relatórios sem que Star saiba disso – ela acha que só uso a sala de investigação. Sei que ficaria brava, mas não posso evitar. Estou pronto para abrir a pasta, quando uma caixa de notificações pisca sobre a tela. Não só uma, são 6 emails diferentes.

Suspiro, clicando na notificação só por clicar. Não estou com vontade de abrir nenhum agora. O primeiro, e único que eu tinha aberto, tinha chegado já fazia um mês. “Casa”, era o que dizia o assunto. Lembrar do texto só me fez franzir o cenho.

Casa. Lar.

Não tenho ideia do que Bruce estava pensando. Talvez Alfred tenha o incentivado a escrever aquilo. Sim, sempre que eu o ligava, Alfred dizia que eu deveria ir visitá-los; é obvio que ele também dizia todos os dias para Bruce que ele deveria me convidar. Que deveríamos superar nossas diferenças. Que somos família. Pai e filho.

Estou prestes a clicar no X, para sair de lá sem ver o email novo que tinha chegado há 1 hora. Meus olhos acabam vagando para quem tinha enviado. Arqueio as sobrancelhas – esse não é do Bruce, como os últimos 5.

Barbs.

Faz algumas semanas que não a vejo pessoalmente, geralmente nós nos encontrávamos em uma cidadezinha entre Gotham e Jump; ela dizia que Jump era feliz demais para ela e eu não quero botar os pés em Gotham. Nós comíamos e conversávamos sobre a vida, e Barbs já tinha se acostumado a não perguntar se eu e Bruce tínhamos voltado a nos falar. Eu sempre estava interessado e voltava todos os assuntos para sua escola, pai ou trabalho de meio período numa biblioteca. Se eu perguntasse sobre a Batgirl, sei que ela iria querer saber do Robin com o Batman. Eu só não queria ter que lidar com problemas de herói com ela – naquele momento Robin e Batgirl não existiam. Eu tinha, é claro, contado sobre meus amigos e ela falava deles como se os conhecesse. Barbara era simples desse jeito.

Ultimamente só tínhamos conversado online, mas ela tinha estado muito ocupada com a vida dupla e eu não queria incomodá-la.

Surpreso, clico automaticamente no texto, sem pensar muito.

 

De: SrtaGordon@email.com

Para: DickgraysonW@email.com

Assunto: Robin

Dick, por favor. Você precisa responder o Bruce. Você sequer abriu esses emails? Está agindo exatamente como ele tinha te chamado: uma criança mimada. Não ache que me agrada dizer isso, mas eu sou sua amiga. Um dia, já fui a melhor.

Me responda o mais rápido possível.”

 

Meu estômago está formigando. Meu pé bate algumas vezes no chão, até que, bravo, eu fecho a tela e simplesmente abra o programa de escrever, lendo, sem realmente ler, as últimas linhas do meu último relatório. O email não sai da minha cabeça. Eu ainda não acredito que ele acha que pode usar Barbara para me influenciar a qualquer coisa. Eu não acredito que ela priorizou um pedido dele. Eu controlo o impulso de socar a mesa do computador e começo a digitar forte demais.

Sou interrompido 30 minutos depois por outro email.

De: SrtaGordon@email.com

Para: DickgraysonW@email.com

Assunto: Família

Eu sei que você leu. Pelo amor de Deus. Dick, você não pode sair correndo disso, você sabe. Só está adiando o inadiável. Bruce está tentando, por que você não tenta também?!

Se não por ele, ou por mim, por Alfred. Ele sente sua falta. Gotham também. ”

 

O email mexe com algo no fundo da minha garganta. Estou quase tremendo de raiva. Nem sequer fecho o notebook, só pego a minha máscara em cima da cômoda, coloco e saio do quarto ainda sem camisa. Meus pés me levam direto para a academia, completamente vazia por causa da hora. A porta se abre e se fecha atrás de mim. Agradeço á qualquer Deus que eu não tenha encontrado nenhum Titã nos corredores, não estou com a melhor cara, tampouco o melhor humor.

Estou frustrado. Está exposto em cada movimento meu contra o boneco de treinamento. Em cada soco que dou nele, e os chutes de pés descalços. Está exposto na minha guarda aberta, nos meus dentes se arranhando. Eu derrubo o terceiro boneco no chão. Todos esses movimentos são fáceis demais. Eu atiro em alvos espalhados pela sala, com meu cinto de utilidades extra, que deixo só na academia, pendurado no ombro esquerdo.

A guarda aberta faz com que eu ganhe alguns arranhões no peito, conforme tento desviar das facas lançadas automaticamente pela sala em resposta. Não ligo para isso, só quero descontar essa raiva. Não estou vendo nada, não estou sentindo nenhuma dor quando derrubo o vigésimo boneco. Só estou arfando e com muito calor. Não é o suficiente, as palavras do primeiro email, de Bruce, continuam passando pela minha mente.

Ele era pequeno, sim, mas eu só tinha o decorado por causa do número de vezes que li.

De: BruceWayne@email.com

Para: DickgraysonW@email.com

Assunto: Casa

Dick, volte para casa. Volte para Gotham.

Precisamos conversar.”

 

Casa. Estou pendurado no cavalo, meus pés em frente ao corpo, juntos, só os músculos do meu braço me sustentando, ardendo como fogo. Casa. Eu dou uma volta, duas, três. O que ele quer dizer com isso? Minha casa não é Gotham. Vou rodando e trocando de braço rapidamente, mal sentindo o que estou fazendo.  Foi um dia, sim, não posso negar ou fugir disso, mas não mais. Casa é...

— Casa é onde o coração está. – Uma voz feminina completa, soando sobre minha respiração sem fôlego. Sou pego de surpresa, mas não desequilíbrio por causa da experiência. Num movimento, estou em pé no chão, sem encará-la, de rosto sem expressão e empurrando o cavalo de volta para o canto da academia, onde ele sempre fica.

No fundo, estou ofendido que Ravena tenha chegado sem eu perceber. Eu já deveria ter me acostumado, ela é a melhor nisso, afinal acabou de sair de uma parede.

— Me desculpa – murmura como resposta ao meu último pensamento. Não estou vendo, mas por causa do barulho do tecido roçando, sei que ela levantou a mão e agora o cavalo, cercando por uma energia negra, segue para o canto sem que eu precise mais empurrar. Acabo por olhá-la, de mau humor. Não precisava de ajuda. – Me desculpa por isso também – pede, sem emoção. Ela deixa de flutuar e tira lentamente a touca do rosto.

 Posso ver seu rosto, pálido e limpo. Ravena tem olhos grandes e fundos, mas suas olheiras não são tão marcadas quanto as minhas. Ela não mudou tanto nesses dois últimos anos, seu cabelo cresceu um pouco e... hm... outras coisas também. Continuo sem saber o que ela está pensando, mas sei que está incomodada. Rae é como minha irmã. Não quero perguntar. Talvez se eu ficar em silêncio ela vá embora.

— Não consigo dormir – anuncia, dando dois passos na minha direção.

Eu estico meus braços, como num aquecimento. Só agora reparei em como meus músculos estão ardendo e no suor escorrendo por minha pele.

— Vou diminuir o barulho. – O quarto de Ravena é o mais próximo da academia, mas sei que não é esse som que a incomoda, mesmo por que as paredes são a prova de ruídos; só não quero dar abertura para ela falar o que quer falar. Não preciso ouvir isso agora.

—Sim, você vai tentar – murmura, se aproximando ainda mais. Eu não movo um passo sequer. – Mas é sempre difícil inibir nossa mente. Acredite, eu sei.

Minha boca está em linha reta.

— Ravena, eu não...

— Dick – ela me chama pelo nome e só pelo estranhamento eu me calo. Ravena já sabe minha identidade há um tempo, mas nunca a cita em voz alta. – Quando algo te incomoda, me incomoda também. Eu só tenho esse problema com Star, pois ela é como um livro aberto. – Pensar em como Star realmente é transparente quase me faz sorrir. – Mas com você é diferente, é mais forte por causa do nosso elo.

Eu cruzo meus braços, sem mudar de expressão com as palavras. Quero me desculpar, mas sinto que Rae já sabe disso e poupo nosso tempo. Então encosto na parede mais próxima, suspirando.

— Então você já sabe?

— Você sabe que não leio mentes – murmura indiferente, finalmente parando do meu lado e se encostando também. Sua temperatura corporal é tão fria que sinto o suor sumindo. – Entretanto, com você...  – Ela foca os olhos no chão, parecendo um tanto confusa. Eu levanto as sobrancelhas. – Eu aprendi a traduzir essas sensações depois de um tempo. Mas sua mente... ela praticamente canta para mim. – Então seu olhar está tão focado quanto a voz, ela me olha bem dentro dos olhos. - E está me dizendo que algo voltou. Algo do passado. Ao mesmo tempo, algo que nunca saiu de você...

— Batman tem tentado me contatar – admito, em voz alta. Ela sabe que é o Bruce, mas mesmo assim não tenho coragem de vocalizar esse fato. Só dizer aquilo já me deixa agoniado o suficiente.

Ela abre a boca, parecendo finalmente entender algo na sua linha de raciocínio. Olha para o chão outra vez.

— Agora, isso faz sentido – sussurra. Parece pensar em algo, tanto que suas sobrancelhas se juntam algumas vezes. Ravena finalmente fala, enquanto me encara. – Você não acha que deveria apenas responder?

Eu me desencosto da parede no mesmo momento. Quero voltar a socar alguns bonecos ou o saco de areia, amassado no meio da sala.

—Não.

Ela não se afeta, continua me encarando. A ponta de sua capa está enrolada em uma das pernas e a outra, coberta pela meia calça, aparece totalmente. Seu cabelo precisa de um corte, mas Rae não parece tão incomodada com isso quanto antigamente. Me desencosto da parede e ando até o armário de equipamentos.

— Está sendo rancoroso.

Junto minhas sobrancelhas e a olho feio. Não preciso de bronca de quem sequer sabe a história.

— Você não deveria se meter nos problemas dos outros – solto, sem querer. Me arrependo no mesmo momento, mas nada digo. Ravena não parece ofendida, só um pouco cansada.

—Robin, eu só estou preocupada que...

— Ravena, você deveria voltar para seu quarto – interrompo, enrolando algumas faixas no meu punho, já pensando no saco de areia. Sei que estou irritado e que minha voz é fria. Só preciso ficar sozinho de novo. No fundo da minha garganta, estou agradecendo que não tenha sido Estelar quem apareceu. Eu sei que minha reação seria outra.

Ela franze o cenho e agora sei que se ofendeu. O capuz volta para a posição original, tampando seu rosto quase como um véu.

— Muito bem – murmura e sua voz parece sair de todos os cantos do cômodo. Estou bem de frente para o saco de areia e o seguro com as duas mãos. – Dick, o passado é como um fantasma. Fugir dele faz com que venha até você. Faz com que se pareça mais assustador do que realmente é. – Não estou realmente prestando atenção no que ela diz, mas o eco continua, cada vez mais baixo. – Sua história é tão importante quanto quem você é agora. Meu pai é um demônio e, enquanto fugi disso, as coisas não estavam bem. Você me fez perceber que aceitar nossa história é importante para nos aceitarmos. Batman é só uma pequena parcela de quem você é. Não se esqueça disso.

E desaparece, tão rápido quanto apareceu.

 

Eu dormi muito pouco e fico contente de usar uma máscara – ninguém pode ver esses olhos inchados de sono. O pensamento de mudar de uniforme surge todas as vezes que visto essas cores brilhantes; talvez eu devesse finalmente fazer algo sobre isso. Barbara não sai da minha mente, nem Bruce. A porta se abre ao mesmo tempo em que posso ouvir Ravena na minha mente; ela está meditando bem no meio da sala, mas sua voz está ecoando aqui.

“Você não dormiu nada”, consigo ouvir, um tom quase agonizante.

“Isso não é problema seu”, é o que respondo, com uma careta. Ravena parece perceber algo e seus olhos saem de mim; sigo-a automaticamente, só para dar de cara com Estelar, nos olhando de modo questionador. O chá de Ravena segue até seus lábios e ela o toma calmamente, sem parecer a dona da voz agonizante na minha cabeça.

— Bom dia – é a única coisa que diz, se vira e então o capuz está sobre sua cabeça novamente, quase como um escudo.

Suspiro e passo a mão no cabelo, nervoso. Não sei o que fazer sobre Rae, ela está preocupada e eu sou um idiota. Quase automaticamente, procuro os olhos verdes de Estelar, aqueles curiosos, que me retribuem com um sorriso. Bruce some da minha mente; Barbara sequer deixa vestígios. Por um momento, eu sou só dela e desse sorriso. Não existe Gotham e, Deus, quase não existe Titãs.

Me aproximo dela, no balcão, até que nossos ombros quase se toquem. Ela cheira a frutas cítricas, algo como laranja e limão. No fundo, sinto o cheiro doce do seu shampoo de morango, o mesmo que ela usa desde que chegou na Terra – lembro de ter comprado depois de ela questionar o que eram as embalagens que tínhamos no banheiro. Desde então Star tenta usar todos os cosméticos terráqueos possíveis. Não tenho ideia se em Tamaran também é assim, mas gosto do fato do cheiro dela parecer estar em todos os cantos da torre.

— Star, bom dia – cumprimento com um sussurro, pensando em não irritar ainda mais Ravena, que está logo ali. Ligo a máquina de café, isso é bom. Algo para me manter acordado pelo resto do dia. – Como dormiu?

— Muito bem – Ela me sussurra de volta, um tom doce na voz. É bom saber que alguém dormiu bem essa noite. Pego um caneca para por na cafeteira e deixo um copo para ela no balcão, já que Star não parece ter feito nada para tomar ainda. – E você? Um sono glorioso, eu espero. É justo, depois da incrível vitória sobre Killer Moth ontem – ela soca o ar, com um rosto determinado demais. É engraçado e não posso conter uma risadinha.

 — É, dormi bem – minto, mas não sei se a convenci, já que ela levanta uma das sobrancelhas. Tenho que desviar o assunto. Meu café já está na caneca, sem açúcar, e alcanço a mostarda para por para ela. – Mas nós realmente acabamos com o Killer Moth. É o tipo de coisa que merece uma comemoração, não é? Confesso que estou enjoado dos filmes do Mutano. Como vocês comemorariam no seu planeta? – Perguntar sobre Tamaran sempre funciona; é claro que estou interessado também, mas o real propósito é só despistar. Além de tudo, ela fica linda contando sobre todos esses costumes tão estranhos para mim.

Não posso e não quero falar sobre Gotham com ela. Estelar é meu pequeno refúgio na Terra.

Ela olha para o copo cheio de mostarda e depois para mim, séria.

— Nós faríamos uma Gurnof’aka e beberíamos sudsska em honra à X’hal – Quê? Eu me inclino, achando que tinha perdido alguma palavra. Ela parece meio brava; não acho que vai me explicar o que Gurf-não-sei-o-que significa e talvez me mande tomar Sudeská de outro jeito... – Robin, eu não quero ser intrometida, eu sei que a curiosidade é muito inconveniente na Terra...

Junto as sobrancelhas, não querendo ouvir isso dela.

— Você nunca é intrometida ou inconveniente, Star.

Estelar parece repentinamente feliz e vejo suas bochechas tomarem um leve tom de cor-de-rosa. Eu contenho o sorriso tomando um gole do meu café; ela é tão bonita.

— Então, está tudo bem? Digo, àquela hora, quando você entrou... foi como se você e Ravena tivessem se comunicado sobre algo. – É claro que ela iria notar. Droga, Dick, ela não é idiota. Me sinto mal ao ver seu rosto tão preocupada. É também por isso que não posso contar sobre Batman. Eu sei o que Star me diria para fazer e se ela pedir... Deus, eu não posso negá-la nada. – Você sabe que pode contar com todo mundo do time. Com o Mutano, com o Ciborgue... Comigo.

Não me importo com Ravena bem ali. Seguro sua mão em cima do balcão e, mesmo eu estando com luvas, sinto como ela é quente.

 — Star, calma...

Murmuro, tentando fazer com que ela pare de falar e respire. Só faz com que ela me interrompa, urgência na voz.

— Robin, eu não leio mentes como Ravena faz. Se você tiver problemas, qualquer um, você precisa me dizer. Eu gostaria, mas não posso adivinhar. Você é meu melhor amigo, Robin, eu me preocupo.

Eu aperto seus dedos, quase vendo lágrimas em seu olhar. Ela é muito sensível e sei que não faz de propósito. Ela sente as coisas de modo muito mais intenso que nós, humanos, e é por isso que não quero preocupá-la, de modo algum.

— Me ouve – peço, sério, e ela me encara. Meus lábios sequer tremem com a mentira; é como se eu acreditasse que tudo que vou dizer é verdade. Meias verdades– Não é nada demais. Eu só estou tendo alguns problemas para dormir e Rae percebeu isso. Não dormir é uma das desvantagens de ser líder de um grupo – brinco, um farfalhar de sorriso no meu rosto, mas só faço com que ela fique duas vezes mais séria. – Me desculpa, eu não queria preocupar minha melhor amiga – murmuro, realmente arrependido. É claro que ela ia perceber.

Ela abre a boca e parece com vontade de dizer algo. Eu sei o que é, o mesmo discurso que ouvi quando passei tempo demais revirando o caso de Slade. Que posso contar com todo mundo, que não preciso por o peso do planeta nas minhas costas. Afago sua mão e não quero ouvir isso, ou soltá-la. Star, eu sei. Ela fecha os lábios úmidos e desvira sua mão, cruzando nossos dedos e fica ali, encarando nossas mãos, como se pensasse algo. Ela não percebe, mas a olho curioso. O que será que ela vê ali, nas nossas mãos? O que ela está pensando? Talvez eu não queira saber.

Ser líder do grupo também inclui não poder namorar um dos membros.

Ela suspira.

— Promete que, se houver algo errado, você vai me contar? – pede muito baixinho, para que só eu ouça.

Quero afagar seu rosto, mas contenho meu movimento. Deixo minha caneca de lado um pouco, para não descruzar nossas mãos, e coloco o copo de mostarda na sua frente. Não acho esse seu gosto peculiar estranho há muito tempo.

— Prometo – respondo, sem realmente ter certeza sobre isso. Queria prometer o mundo para ela, mas as coisas são mais difíceis do isso. E nós somos tão jovens. Volto a segurar a caneca e tomo o restante do café, incentivando-a a tomar a mostarda, pois sei que está com vontade. Ela finalmente bebe, parecendo aliviada. Sua mão ainda está na minha. Ainda estamos lado a lado. – Então, um Gurnof’aka? Parece muito interessante – comento, esperando ter acertado a palavra.

Ela tampa o nariz com o braço ao rir de algum pensamento estranho – de repente estou com medo do tal Gurnof’aka. O café acaba e eu ignoro o olhar de Ravena, que parece brilhar sobre seu capuz. Ela praticamente grita que estou mentindo para Estelar. As coisas não são assim tão fáceis.

 

Até tarde da noite, eu me recolho na sala de investigação. Estou pensando no que vou responder para Barbara – ela eu sei que não posso ignorar para sempre. Cy e Mutano passaram duas vezes, me chamando para jogar videogame, mas eu finjo estar digitando um relatório muito importante. Estelar veio na segunda vez, mas eu a ignorei e fingi que o teclado é mais interessante. Ravena sequer tentou. Nem a vitória sobre Moth me deixou menos fatigado. Não tenho cabeça para me divertir agora. Estou inclinado na cadeira, sentindo arrepios ao perceber que eu só estou adiando o inevitável.

Massageio a têmpora, bravo. Estou recordando a última briga. Aquela antes de eu decidir vir para Jump. Estou pensando nos recursos dos Titãs, meus recursos para continuar como um herói. Mesmo que eu quisesse cortar minhas ligações com Bruce, o dinheiro vinha dele. Minha cabeça começa a doer.

Pareço ter finalmente chegado no final do dilema, ou talvez só no começo dele, quando uma notificação aparece bem no meio da tela do computador principal da torre, ao mesmo tempo que meu comunicador começa a tocar. Arqueio as sobrancelhas, desativando o comunicador sem nem olhar, pois é a mesma mensagem do computador; é uma câmera noturna do topo da Torre e está sendo transmitida ao vivo... Estelar apontando uma starbolt para Batgirl.

Não tenho tempo para perceber que minha dor de cabeça acabou de aumentar. Eu desligo o computador com um botão e estou rapidamente subindo a escada para o terraço, agradecendo que eu já estava de uniforme.

 Mutano e Ciborgue subiram poucos segundos antes de mim e sequer me perceberam ali atrás deles, mas quando chego finalmente lá em cima já estão todos os titãs lá, incluindo Ravena que atravessou o teto a partir de uma bola de energia.  Estelar está flutuando, quase na lateral da torre, ainda apontando a starbolt bem no nariz da Barbs e seu rosto está muito confuso, Mutano parece chocado e ambos, Ciborgue e Rae, não sabem muito bem como reagir.

Barbara não podia estar aqui. Ela não devia vir. Apesar de tudo, estou menos surpreso do que deveria estar – eu a provoquei não a respondendo. Ela parece brava, posso ler sua expressão mesmo com a máscara cobrindo boa parte do rosto já conhecido; eu estou duas vezes mais bravo do que ela. Ravena parece me notar e olha para trás.

Eu ando calmamente até Star, o rosto do Batman não saindo dos meus pensamentos. Ter Barbara ali, em pé, como se nada tivesse mudado, como se eu nunca tivesse saído de Gotham... Jump parece tão diferente de noite.

— Hm... O Robin não vai gostar muito disso...? – Ouço Ciborgue falando, quando ainda não me viu. Ravena olha para Star e o capuz cobre seu rosto, escondendo tudo o que está sentindo.

Eu passo por Mutano e pelo meio robô e os dois parecem engolir em seco. Sei que Ciborgue está pensando sobre o alarme, que não tocou mesmo com Batgirl bem ali. Finalmente alcanço a minha companheira de time e melhor amiga, a única que não parece não entender nada. Seguro seu pulso, como se a dissesse para sumir com a starbolt.

Minha barriga está formigando de raiva, estou confuso e irritado.

— Está tudo bem – murmuro, mas sei que meu tom não é calmo nem reconfortante, como mais cedo na sala de estar. É baixo e a luz brilhante verde desaparece imediatamente. Estelar para de flutuar, mas eu não consigo tirar os olhos da Batgirl.  

 O uniforme não mudou quase nada, só parece ter ganhado mais proteção na região do peito e do quadril e perdido na região das pernas, provavelmente para dar mais mobilidade para ela – nada que alguém realmente perceberia, o fato é que cresci no meio dessas armaduras. Ela coloca uma mão na cintura e me encara como uma mãe brava. Posso ver quase um sorriso no canto dos seus lábios e, apesar de tudo, parece feliz em me ver. Lá no fundo, também estou. Solto o pulso de Star, mesmo sem querer largá-la de fato, e dou um passo na direção de Barbs. Seu cabelo cresceu.

— Eu tive que vir – ela explica, percebendo meu desgosto em ela ter aparecido assim, de surpresa. – Temos que conversar, Dick.  

— Não ia adiantar mandá-la de volta para Gotham, ia, Barbs? – Pergunto o óbvio. Apesar disso, ela balança a cabeça negativamente, quase que com humor. Posso quase sentir as respirações dos meus colegas de time nas minhas costas. Não quero trazê-la para dentro da torre sem sequer dar explicações para eles; a torre é a casa deles, também, não só a minha. E também, eu e Barbs sempre gostados de um pouco de altura... – Não aqui. Vamos para outro lugar. – E estou na beira da torre, encarando as rochas pequenas e o mar infinito.

Posso ver a sombra de Estelar se movendo no canto.

— Robin, o que...

Não. Eu quero levar Barbara para longe daqui. Se Batgirl entrar na torre, é como se o próprio Batman entrasse também... Jumpcity não tem nada de Gotham. Não é hoje que terá, não é hoje que vou transformar minha nova casa na antiga. Se eu der qualquer explicação para Estelar agora, vou querer levá-la comigo. E vou pedir sua ajuda, e sei que ela virá comigo para onde eu levá-la. Não.

— Não agora, Estelar.

Não tenho coragem de olhá-la, mas Barbara sim. Ela se lembra de tudo o que falei sobre Estelar e por isso arqueia a sobrancelha para mim. Eu não deveria tratá-la assim. Mas não há tempo para isso agora.

Eu me inclino e, como nos velhos tempos, Barbara se inclina comigo. E nós caímos como num poço salgado, fundo e frio. Ela abre seus braços no ar e sua capa se expande; está planando bem do meu lado. Esse truque é novo, não me lembro de Batman “voar” assim. Barbs parece se divertir com a minha cara, eu simplesmente ativo a R-Cycle com um botão no meu cinto e ela sai sozinha do estacionamento dos titãs, parando exatamente embaixo de mim, onde vou cair.

Então estou em cima da moto, acelerando até a cidade sem capacete e sem nada passando na minha mente, além de para onde estamos indo. Barbara me segue planando bem acima de mim, mas sei que sua moto está perdida em algum canto da cidade. Acelero mais ainda e tudo ao meu redor vira um borrão esquisito.

 

 

 

— Eu sei por que você gosta tanto dessa cidade.

Barbara puxa para trás sua máscara e posso ver seu rosto branco, repleto de sardas escuras, sob a luz do luar. Ela parece tranquila, e seu tom de voz é mais ameno que o usado na torre. Aproveitando o convite mudo, também tiro minha máscara e deixo dentro do cinto. É estranho estar assim, no meio da cidade sem a máscara, mas com ela por perto é um sentimento quase familiar. Nós fazíamos muito isso; escondidos de Batman, é claro.

Ela anda até a beira do prédio e eu aproveito a vista também. Estamos quase no topo de um dos prédios mais altos de Jumpcity. Dá para ver a cidade toda daqui. As luzes super brilhantes, o movimento diminuindo por causa da hora. Atrás de nós, as janelas espelhadas nos refletem, mas não dá para nos ver lá debaixo. Do lado de Barbara, posso ver que estou mais alto que ela, mas ela nem percebe, encarando a cidade e penteando o cabelo com os dedos.

— Por quê? – pergunto, também querendo saber o motivo. Jumpcity é uma cidade bonita, sim, mas eu não vim para cá por nenhum motivo especial além do de sair de Gotham e ir para algum lugar que precisasse de um herói. Essa cidade costumava ter altos índices de crime e alguns criminosos mutantes, pareceu a escolha óbvia.

— É muito diferente de Gotham – ela explica, de repente me olhando. Seus olhos são absurdamente azuis, mas não lembra em nada os meus. Ela se aproxima de mim. Parece chateada e abre os braços, vindo me abraçar. Estou quase abrindo os meus para abraçá-la também, quando repentinamente Barbara me dá um soco muito forte no braço. – O que você tava pensando?! Dick, eu não sou o Bruce.

Massageio o meu braço, fazendo cara feia.

— Isso doeu, Barbs – murmuro, mal humorado. – Você não devia ter vindo aqui.

— Você não me deu escolhas. Achei que podíamos resolver isso com uma conversa por telefone, mas você me bloqueou das suas chamadas! – acusa, de repente parecendo só a Barbara bibliotecária de sempre.

— Eu não te bloqueei de nada. Eu só mudei meu número, Bruce tentou me ligar uma vez – admiti, puxando de um espaço falso na lateral do seu quadril, onde sei que ela encaixava seu celular. Desbloqueio facilmente, pois a senha é o aniversário do pai dela, o Comissário Gordon, e digito meu novo número. – Pronto, você tem meu número. Mas, Barbs, eu não quero falar sobre o Batman – digo sério. É aqui que a conversa começa e onde acaba.

Ela me olha também séria.

— Dick, você precisa parar com isso. O que vocês tiveram foi uma briga boba de anos atrás, para que alongar isso mais ainda? Você não é uma criança.

— Eu também não era uma criança quando sai de lá – completo, irritado. Droga, eu tinha até montado um time.

— Não foi o que eu falei – ela responde. – Mas se você não quer voltar pelo Batman, vá pelo Bruce. Dick, vá pelo seu pai – murmura, me olhando cheia de expectativa e de repente noto a ambiguidade da frase. Meus pais biológicos estão enterrados no cemitério de Gotham. Desde que sai de lá, penso todo em dia em ir visitá-los. Também sinto falta de Bruce.

Algumas luzes da cidade se apagam.

— Barbs, eu não posso voltar. Se eu voltar... – confesso num fio de voz.

Fico em silêncio e ela também fica. Olha algo no horizonte, como se procurasse o que estou encarando. Como se pensasse se devia dizer o que queria dizer.

— Você tem de medo de ir... e querer não voltar mais – conclui num sussurro, me olhando cheia de ternura. Eu não desvio os olhos dos prédios, das casas, da torre em forma de T bem em frente ao mar. O oceano vem em ondas, ondas que de repente parecem ruivas, mais ruivas que a da garota do meu lado. E as estrelas me lembram de outra estrela. – Richard, Gotham é seu lar. Não importa o quanto você fuja dela. Foi onde você cresceu e passou grande parte da sua vida. Eu sei que você ama sua casa nova, mas até que ponto isso tudo... todo o seu time... até que ponto isso é verdadeiro e não só um desejo de provocar o grande e poderoso Batman? Até que ponto Jump é um lar... e não uma simples casa?

Ela diz isso tudo muito cuidadosamente, como se não quisesse se adiantar nas conclusões. A encaro sem lhe dar uma resposta. De repente, estou confuso. Mais luzes se apagam, conforme a meia-noite vai chegando. Ai está a diferença. Uma hora dessas, Gotham estaria a todo vapor. Eu quase sinto falto do cheiro forte e dos sons altos.

Barbara volta a puxar a máscara para cobrir seu rosto e está agachada, como se procurasse um crime. Essa hora, eu estaria dormindo, não procurando por algum crime. Jumpcity não funcionava assim. Mas não a atrapalho em sua busca, estou pensando em muitas coisas diferentes.

— Planando, hein? Truque novo? – Eu me agacho também, mas sei que não vamos encontrar nada interessante nesses becos.

Ela sorri de canto.

— Talvez seja hora de atualizar esse seu uniforme.

Eu faço um barulho de recusa com a boca e ela ri. Então me olha, séria de novo.

— Ela parece ótima.

— Quem? – É claro, estou me fazendo de idiota. Quem sabe assim ela não muda de assunto; procuro algo inencontrável nos becos, só para não encará-la.

— Estelar – diz o nome dela em voz de “apaixonada” e eu reviro os olhos quando ela ri. – Precisava ver o jeito como ela me encurralou no teto. Batman teria ficado surpreso; ela podia ter me pagado não importava para que lado eu fosse. – Barbs parece realmente admirada e eu contenho um sorriso. Quero dizer para ela como Estelar é uma princesa guerreira impressionante treinada em artes de mestres da guerra, mas simplesmente dou de ombros como se não fosse nada demais. Barbara de repente perde o tom de riso e fica séria de novo. – É, Batman teria gostado.

Arqueio as sobrancelhas, esperando que ela continue.

— Você não contou sua identidade para ela.

Abro a boca em “o” e semicerro meus olhos para a ruiva na minha frente.

— Você disse para a Estelar meu nome?!

Um crime acontecendo num beco e Barbara salta, sem sequer me dá ouvidos. Tem um sorriso desgostoso nos lábios. Eu pulo atrás dela, de repente me lembrando da dor de cabeça.  


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Notas finais do capítulo

Desculpem qualquer erro, eu não reviso rs
Sinceramente, eu ainda não sei muito bem que rumo a Barbs vai tomar aqui, eu não gosto muito da personagem haha mas ela vai ser o mais boazinha possível, juro rs
É difícil dizer se eu gostei mais de escrever como a Star ou como o Robin hmmm ela é muito mais poética, eu acho. Oq vcs acham?? ;]
Obrigada todo mundo, um grande beijo, até o próximo.



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