Damery Lane escrita por Demiguise


Capítulo 5
Slugue


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo se chama ”Slugue” porque o professor Slughorn é um personagem muito importante nele. É ele quem transmite para Damery umas notícias ruins, ele quem presenteia um certo personagem com o prêmio prometido e é ele quem dá o jantar para o seu Clube tão exclusivo. Espero ter caracterizado esse personagem (que é muito interessante pra mim) de forma que a JK se sentisse orgulhosa se fosse ler. Boa leitura.

Ah, não esquece de ler as notas finais ;)



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Na metade de outubro, todos na escola já haviam se acostumado com a rotina estudantil, tanto que a biblioteca já começara a receber mais visitantes ansiosos com as datas dos primeiros testes já marcados. Ventos breves e gelados faziam os corredores abertos e torres cantarem através de suas paredes de pedra imaculadas. E quando o friozinho que precedia o inverno dava suas caras, todos os alunos (pelo menos todos a partir do terceiro ano) já sabem o que esperar: visitas à Hogsmeade.

Clementine era, dos três, a mais entusiasmada para a ida ao vilarejo, dizia aos amigos que trabalhara horas extras todos os dias do verão, no restaurante de seus pais, para poder juntar dinheiro. Infelizmente, o dinheiro trouxa é muito desvalorizado quando convertido para a moeda bruxa; ainda no Expresso de Hogwarts, Damery deu uma olhada na bolsa da amiga e não conseguiu contar mais de três galeões. Clementine sabia de sua situação, mas ainda sim esperava sair da Dedos de Mel com uns bons doces caramelizados e pelo menos uma ou duas brincadeirinhas na Zonkos, a loja de zoeiras mágicas. Comprar lá, é claro, deixava Jeremiah com um riso irônico no canto da boca e uma risada presa na garganta, achava que aquela era uma loja de crianças, e não estava errado. Mas Clementine não se importava nem um pouco, ainda mais quando lembrava que Jeremiah era a primeira vítima de suas peças bobinhas. As visitas à Hogsmeade aconteciam nos sábados; os alunos podiam sim sair em outros dias, mas somente com um outro formulário assinado pelos pais ou guardião, e estes só eram concedidos aos alunos do sétimo ano.

Uma coisa que Damery e os outros alunos mais velhos estavam notando era a propaganda que os professores estavam fazendo para a ida a Hogsmeade, especialmente naquele ano. Nunca estiveram tão entusiasmados e nem encorajaram tanto os alunos a saírem, McGonagall chegou a distribuir folhetos mágicos de papel anunciando as saídas. O resultado?  Uma semana de papeizinhos voadores atazanando os corredores e pátios, fazendo tropeçar alunos desatentos e caindo nos pratos de comida no Grande Salão. Tudo isso para certificar que Hogsmeade estava aberta para visitantes.

— Isso é porque essa pode ser a nossa única chance de visitar a vila sozinhos, digo, sem as outras escolas... – disse Clementine, recolhendo um folheto do seu prato com ovos do café da manhã.

— Pode até ser, mas por mim, podiam estar fazendo publicidade pro Torneio, isso sim – completava Jeremiah, observando a situação delicada da amiga à sua frente, ajudando-a de vezes em vezes a colher os papeis da mesa.

— Porque? Está tão ansioso assim pra loucura toda começar? – Ao perguntar, Clementine parou tudo o que estava fazendo, não achava possível ela ser a única na escola a não se importar com a notícia do Torneio – Estão todos agindo feito macacos loucos com essa coisa.

— O Jeremiah? Melhor nem mencionar o Torneio perto desse daí: capaz de começar a babar – quem respondeu foi Ceallach, colega de quarto de Jeremiah, e o seu amigo garoto mais próximo. Mais ou menos amigo; se juntassem todas as palavras que já trocaram ao longo de seis anos não somaria-se cem, mesmo dormindo na cama ao lado.

— Quem vai babar? – Damery chegou na mesa segurando um jarro de suco de abóbora e sentou-se perto de todos ali.

— Ceallach diz que Jeremiah quer entrar pro Torneio Tribruxo – respondeu Clementine, abocanhando duas gemas com uma garfada generosa.

Damery riu de nervosa, como se acabasse de ser pega em flagrante fazendo algo constrangedor. A bruxa refletiu, com certeza não esperava essa atitude do amigo. Não estava desapontada, só desconcertada. Jeremiah, que era a pessoa mais correta (e inteligente) que já conhecera, sempre tentando superar-se nos estudos assim como ela mesma, possui intenções, ou pelo menos considera... inscrever-se na competição? Sentiu que precisava posicionar-se.

— Quando surgiu essa ideia?

Todos olharam pro garoto.

— Clementine se afobou... como sempre – começou Jeremiah, colocando a mão nos olhos -, eu não falei nada de me inscrever, primeiramente – olhou pra Ceallach de modo profuso – eu só... ando pensando bastante nisso nos últimos dias, só isso. – Por fim, deu de ombros. Não tinha mais nada a acrescentar.

Damery havia compreendido aquela situação. Não iria perguntar ao amigo as razões dos seus pensamentos e pretensões; isso ela deixaria ele resolver sozinho; se quisesse, compartilharia mais sobre o assunto no futuro. Passaram-se uns minutos de silêncio, Ceallach voltara para o outro nicho de gente ao longo da mesa, retirando-se da conversa. As duas garotas que permaneceram, retraíram-se de modo dramático, deixando subentendido o absurdo das ideias de Jeremiah, que nesse ponto, tudo o que podia ele fazer era ajeitar os cabelos castanhos encaracolados para trás da orelha e olhar para os pés debaixo da mesa. Por fim, Damery quebrou o silêncio.

— Eu também estava pensando em me inscrever.

Não precisou falar mais nada. Eles se olharam, mas não conseguiram sorrir. Clementine mastigou mais alto e Damery pensou na sua mãe.

Chegou sábado e o vento nunca estivera tão congelante e violento. O Salgueiro Lutador enrolara seus longos galhos pontiagudos para perto de si, como se seu caule fosse carne humana e a seiva sangue circulante; parecia uma enorme noz pregada ao chão pelo seu tronco. Os alunos ignoravam o frio e não o deixaram atrapalhar as atividades do dia, já que todas incluíam de alguma forma ou outra, a ida à Hogsmeade.

Ogg e a Prof. McGonagall estavam postados na porta principal do saguão de entrada verificando os alunos que iam sair, e estes formavam uma fila encaracolada e barulhenta, conversando alto sobre a quantidade de dinheiro que trouxeram e sobre o que comprariam com ele no vilarejo. Havia um grupo adiantado de alunos nos pátios e estes eram os do terceiro ano, que conheceriam Hogsmeade pela primeira vez; Ogg os ajudava a entrar nas carruagens e todos fechavam os olhos quando ele os pegava pelos sovacos como filhotes de cachorro, temendo que as mãos enormes do bruxo esmagariam suas costelas.

Assim que o trio pôs os pés para fora puderam testemunhas o vento gelado abrir uma rachadura no lábio inferior de Jeremiah, que permaneceu sangrando teimosamente. Os cabelos longos e amarelos de Clementine eram levantados pelas rajadas que entravam pela janela da diligência durante toda a viagem para Hogsmeade e quem se divertiu foi Edgardo, que pegou carona junto com o trio; segurava o que seria uma risada contagiante nas bochechas toda vez que as raízes azuis se mostravam descaradamente, fruto do feitiço que ricocheteara, semanas atrás, na aula em que Dumbledore a desconcentrou com sua ronda diária.

Chegando em Hogsmeade, os alunos perceberam que o frio não era um empecilho para os moradores que ali haviam. As ruas estavam cheias de bruxos com casacos e chapéus excêntricos, famílias grandes passeando e comprando juntas, casais, crianças correndo e brincando, tropeçando com o peso de suas roupas.

Descendo da carruagem, Damery e Clementine foram direto à Zonkos sozinhas, já que Jeremiah recusou a acompanha-las sobre o pretexto de “preservar a dignidade que ainda lhe resta”. Edgardo ficou um tempo fazendo companhia pro garoto, mas não por pena, e sim porque achava sua seriedade engraçada. Passearam juntos pelas vitrines das lojas e as fachadas das casas, mas quanto mais distanciavam-se, mais o frio era implacável. Não conversavam muito, a maioria do tempo, olhavam para os prédios escuros que haviam nas vielas e para as pedras no chão. Em certo ponto, Edgardo avistou seus amigos da Grifinória e foi até eles, entraram juntos no Duas Vassouras como uma gangue e Jeremiah sentou-se em um banco na calçada, encolhido e meio arrependido de ter saído do castelo naquele frio. Pensou no calor da biblioteca.

Quando as garotas saíram da Zonkos, Jeremiah logo se juntou a elas, agradecendo em sua mente por não precisar mais ficar sozinho enquanto os bruxos passavam alegres por ele, mal notando sua presença ali.

— Como estava a loja? Atualizaram a coleção de varinhas falsas? Porque todo mundo conhecia aquelas... – perguntou, sem muito interesse.

— Incrível como você sabe até das coisas que não te interessam. – Disse Clementine – Porque você mesmo não entra lá e vê? – tirou de trás das costas uma enorme sacola cheia de objetos pontiagudos e coloridos.

Jeremiah deu uns passos para trás e olhou a garota nos olhos, ela estava rindo de maneira maliciosa, e entendo as intenções da garota, ele apenas formou com os lábios as palavras “ nem vem”, o que rendeu risos de Damery, que estava ao lado.

— Onde estão afim de ir agora? – perguntou ela, afagando-se de frio – Jurei que tinha visto você sair andando com Edgardo.

— Ele entrou no Duas Vassouras com uns amigos dele.

— Vamos lá então – sugeriu a morena, desejando entrar em qualquer lugar com uma lareira dentro.

— Não, aquele lugar não tem nada demais – interferiu Clementine, organizando as compras na mochila enfeitiçada ao mesmo tempo que tomando partido em direção à Dedos de Mel.

— Tem sim! Tem cerveja amanteigada – disse Damery, que amava a bebida.

— E não tem crianças... – completou Jeremiah, imaginando a profusão delas que certamente haveria na loja de doces.

— Tá bom! Vamos depois de ir na Dedos, só quero levar uns Chicletes de Baba, eles acabam rápido.

— Duvido que acabem, abriram hoje pela primeira vez – disse Jeremiah, emburrado. Clementine apenas o olhou engraçado e resmungou algo sobre o desespero das crianças para comprar o tal chiclete.

De fato, a Dedos de Mel estava cheia. O ambiente confortável aquecido e cheiroso (por conta das fontes de chocolate e de caramelo que jorravam sem parar e da enorme quantidade de partículas de açúcar flutuando pelo ar), era o principal destino dos alunos do terceiro ano, o lugar estava dominado por eles. Todos empanturrando-se dos mais improváveis quitutes que a loja oferecia; estantes abarrotadas de Sapos de Chocolate e de Creme de Menta, varinhas de alcaçuz, Feijõezinhos de (absolutamente) Todos os Sabores, Diabinhos Negros de pimenta e jarras e mais jarras, que se esvaziavam rápido entre a molecada, de Chiclete de Baba.

Clementine foi correndo para estes, e Jeremiah percebeu, que, por mais cheia que a loja estivesse, ainda era melhor do que ficar plantado do lado de fora, com o frio a comer-lhe os lábios. O que o trio não contava, era com a presença de seu professor de poções, que se sentava confortável na bancada principal, mais alto do que todos os outros alunos e crianças, a rir-se consigo mesmo mascando os chicletes que Clementine agarrava com tanto afinco da jarra. Ela não conseguiu conter o susto ao virar a cabeça e perceber Horácio Slughorn com uma bola de chiclete azul na boca do tamanho de sua cabeça e este riu ainda mais vigorosamente ao ver a cara espantada da garota.

— Professor! – gritou Jeremiah, do outro lado da loja a caminhar em sua direção – Que honra encontra-lo aqui... quer dizer, que honra encontra-lo em qualquer lugar!

— Jeremiah meu rapaz! – Os dois cumprimentaram-se como se fossem amigos de infância – Nem preciso perguntar o que o traz aqui, digo, olha toda essa maravilha! Há há! – Estourou uma bola de chiclete, causando um sonoro “ploft”.

Como se da água pro vinho, a opinião de Jeremiah sobre a Dedos de Mel mudara, e mudança era visível na sua face. Não conseguia tirar o sorriso da cara porque quando viu o seu professor sentado na loja, lembrou de seu convite para o jantar que ele sediaria na próxima semana. Um convite exclusivo.

Convite este que Damery não parou de pensar desde o seu recebimento. Não estava com inveja do amigo, não diretamente pelo menos. Ela já esperava que ele o recebesse, mas não esperava que seria citada nele. E pelo seu nome. Não como simplesmente alguma “amiga de Jeremiah”. Esse sentimento de orgulho, ela guardara com segurança nas suas profundidades. Não gostava de se sentir lisonjeada com algo tão pequeno quanto uma menção em uma carta que sequer era para si, preferiria ser ela própria convidada para o Clube do Slugue, mas um professor (principalmente o Slughorn), saber seu nome, em meio a tantos alunos, tinha de significar alguma coisa: que você se sobressaiu entre os outros e que é estimada. Era isso que Damery pensava, e era isso que ela gostava de cultivar em segredo. Por ora, arriscou ao cumprimenta-lo logo depois de Jeremiah:

— Bom dia professor.

Em meio ao furdunço, foi respondida...

— Damery Lane! Tinha esquecido que vocês três sempre andam juntos como... como uma trupe de bruxos palhaços que conheci em Paris nos meus tempos...

Clementine parou tudo o que estava fazendo e refletiu um momento sobre o que acabara de ouvir.

— ... não! É claro que não são... bem, são talentosíssimos bruxos... bem, os palhaços também eram... vocês são!... –  o professor parecia queimar todos os seus neurônios mágicos tentando retratar-se sem parecer insultuoso, mas estava completamente perdido na sua fala.

— Está tudo bem senhor! Entendemos – disse Jeremiah, colocando a mão no ombro do velho, aumentou o sorriso no rosto, agora deixava à mostra o início de seus dentes -, acredito que não vem aqui só pelos Chicletes, não é senhor?

— Oh, não! Por mais que sua química seja muito interessante... – o velho começou a puxar um fiapo de goma da boca, formando uma longa tripa azul e doce; como uma criança brincando com a comida - Ambrosius Flume, o dono daqui, foi meu excelentíssimo aluno. Sempre que posso, e não posso muito, venho visitar sua loja. Descobri que ele nem está aqui hoje, pelo o que me disseram ele foi pra Noruega na sexta-feira por que sua mãe está doente... ou algo assim. Oh céus, se acometessem aos bruxos apenas as doenças dos trouxas o mundo seria melhor... foi membro da Equipe aliás! – Ao dizer, piscou indiscretamente para Jeremiah, que arqueou as sobrancelhas, fingindo interesse.

Um silêncio breve estabeleceu-se, as crianças que estavam amontoadas no balcão dissiparam-se pelo restante da loja, a bagunça agora estava mais adiante. Segundos depois, Slughorn virou o rosto para Damery, que estava logo atrás de Jeremiah.

— Espero que não tenha soado estranho eu ter lhe chamado pelo primeiro nome, senhorita Lane... é que encontrá-la hoje é uma enorme coincidência para mim, veja bem.

Agora era Damery que usava de todos os seus neurônios pensando em como responder o comentário do professor de forma que uma conversa pudesse brotar saudável. Enquanto isso, Jeremiah franzia as sobrancelhas, com o que se tornara um olhar peculiar de uma mistura de indignação contida e inveja; virava-se de lado, deixando a bruxa à mostra.

— Am... é uma grande honra, senhor. Eu acho. Porque?

— Ora! Ainda não sabe? Sua mãe está no Profeta Diário!

— Pois sim, ela trabalha pra eles. Trabalhav...

— Não, não! Veja bem – Slughorn teve de inclinar-se por cima do balcão de tal modo, que Clementine, mascando seu chiclete, jurou que o suspensório do professor fosse rebentar. Ele voltou para a posição já com uma cópia dobrada e amassada do jornal -, aqui, olhe, é uma matéria sobre a sua mãe.

Publicaram uma matéria no Profeta Diário sobre a demissão de Agneta Lane. É claro que não usaram a palavra demissão, e sim afastamento. Também deixaram implícito se o ato foi por vontade própria ou se foi decisão administrativa do jornal.

Agneta era uma escritora bruxa razoavelmente famosa na Inglaterra. Damery lembrava-se de quando tinha onze anos e comprava, pela primeira vez, seus materiais letivos para estudar em Hogwarts. Sua mãe a acompanhara naquele dia, e não havia uma loja em que entrassem, sem que alguém aparecesse para que ela lhes autografasse o livro, os mais ousados pediam uma dedicatória também. O seu livro mais famoso, A Viagem do Hipogrifo Ululante, conseguiu emplacar um total de setenta e quatro semanas no topo da lista dos mais vendidos do Profeta Diário, mas livros infantis não eram a sua área de foco. Sua aclamação vinha de suas enciclopédias e compêndios sobre as plantas e ervas mágicas ainda desconhecidas na Europa. Possuía muitos fãs na comunidade pesquisadora, tanto que usava sua própria casa para marcar reuniões e sediar jantares e celebrações toda vez que uma descoberta importante acontecia, ou quando, simplesmente, estava afim de ver seus colegas; o que resultou na infância de Damery ter sido herbologistas e escritores renomados, passeando pra lá e para cá, nos corredores e ambientes da sua casa ao bel prazer.  

Nos últimos anos, Agneta abandonara seu estrelato – se é que pode chamar dessa maneira – para escrever para o principal jornal bruxo da Inglaterra, e quiçá Europa: O Profeta Diário, em uma coluna semanal sobre As Práticas Insalubres dos Bruxos Hodiernos, e, ocasionalmente, redige um texto. Sempre recebia cartas e Damery suspeitava que com a notícia de seu “afastamento”, suas quantidades aumentariam esporadicamente. Agora com matéria publicada, a certeza era quase absoluta.

Era crueldade da parte do jornal publicar algo desse nível de forma tão explicita. Mas aí é que está, Slughorn apenas leu naquela manhã (assim como todos os leitores do jornal) acerca da contratação do mais novo escritor/repórter a roubar a coluna de Agneta, portanto, a informação não estava explicita. Sua mãe fora trocada pelo futuro colunista do que viria a se tornar O Olhar, matérias quentes sobre bruxos quentes. E o escritor? Ermério Holland, cuja a matéria tão pomposamente se referia como “a grande promessa para o jornalismo bruxo”.

Damery pegou o jornal na mão, não leu muita coisa, sentiu-se tonta repentinamente. Quis rir da parte da grande promessa, mas lembrou-se, de forma muito amarga, do encontro com o bruxo que roubou a profissão da sua mãe. Sim, já se conheciam e Damery reviveu, durante os poucos segundos que estava parada na frente de todos ali, cada momento em que passara com Ermério e Sr. F. na diligência que levava à Hogwarts, na noite em que chegara. Sentiu um gosto ruim na boca e quis cuspir, esse gosto logo evoluiu para uma vontade de chorar, que ela quis conter com todas as forças. Slughorn percebeu os olhos da garota umedecerem e no mesmo segundo, segurou seu ombro.

— Na matéria diz o porquê? -  foi tudo o que conseguiu dizer, sem fraquejar com a voz.

— Do afastamento? Não, eles deram ênfase na contratação de Holland – avisou o professor, com um tom de voz tão amável que Damery duvidou que fosse possível ser o mesmo homem que via dar aulas de poções diariamente.

— Estou bem. Não estou chorando – avisou ela.

Em meio a mistura de sentimentos que estava sentindo, surgiu uma raiva profunda de si mesma. Enfureceu porque demonstrou fraqueza na frente do professor que mais prezava força em seus alunos. Em outras palavras, acabou de vez, naquele instante, com todas as chances de participar do Clube do Slugue.

Quando percebeu isso, sentiu mais raiva ainda, por ser egocêntrica ao ponto de contornar a situação e direcioná-la pra si, quando claramente, a dignidade de sua mãe foi a real comprometida com a matéria que tinha nas mãos.

Clementine olhou de perto para a amiga e notou sua desestabilidade. Deixou então, no balcão, um galeão e uns sicles pelos doces que comprara, pegou na mão da amiga, despediu-se rapidamente do professor e disse para Jeremiah:

— Te encontramos depois, vamos voltar, Damery tem uma carta pra escrever – o garoto assentiu, assim como o professor, logo depois continuaram o diálogo.

Assim que chegaram a porta da loja, viram uma torrente violenta de chuva do lado de fora. Vários bruxos correndo para as marquises e outros conjurando guarda-chuvas com suas varinhas a pisar nas poças que se formavam na calçada. Clementine fez o seu guarda-chuva e com Damery, alcançaram a carruagem mais próxima. Os testrálios - invisíveis para todos - então levaram as duas de volta para o castelo.

 

Naquele dia, Damery tentou, mas não conseguiu escrever uma carta para a mãe.

A notícia da mãe no Profeta Diário assombrou Damery pelo resto do feriado. Permaneceu no quarto durante todo o domingo, tentando a todo custo escrever uma carta para a mãe sem que parecesse pífia ou ridícula. Foi quando percebeu que nunca escrevera muito para ela... durante toda sua vida escolar. Em compensação, trocava cartas com o pai; a linguagem escrita dos dois era mais parecida, ao passo que qualquer coisa que a mãe escrevia poderia valer ouro. Isso era intimidador.

Sua mãe não se importava. Até gostava de abster-se de escrever cartas, já que sempre dizia prezar mais o contato físico e a prosa direta acima das limitações de uma folha de papel. Damery achava, no contato das duas, uma forma irônica sobre comunicação: com o pai, que pessoalmente não se viam com frequência, trocava cartas que nem louca o ano todo; com a mãe, permanecia no limbo e quando chegavam as férias, tornavam-se inseparáveis. E era nisso que pensava, na amizade dela com a mãe toda vez que matéria do Profeta martelava sua memória, mas quase sempre não conseguia conter um pico de tristeza que pinicava seu peito como uma agulha rápida.

E foi com esse sentimento que acordou na segunda-feira e se dirigiu do café da manhã para as masmorras, em direção a aula de poções.

Chegando lá, foi recebida pela porta já aberta e pela cara tristonha de Clementine.

— Ela secou, perdemos – disse ela, olhando o caldeirãozinho vazio que um dia conteve a Poção Polissuco inacabada.

— Ah, já tava esperando – Damery não estava surpresa -, essa é a terceira vez que tento fazer essa poção e falho, acho que não tenho a paciência necessária. Ela sempre seca.

— Nunca vi você fazendo ela, era um segredo?

— Não, foi no quarto ano, era proibido então eu ia pro banheiro da Murta Que Geme. De noite.

— Uau – Clementine arqueou as sobrancelhas -, mas secou porque deixamos tempo demais no fogo, só isso.

— Eu sei, que vergonha – a morena pegou o caldeirãozinho e foi lavá-lo na pia, já que se o fizesse com mágica, correria o risco de alguma sobra da Polissuco impregnar-se.

Slughorn começou a compor-se na frente da classe, arrumando suas vestes marrons que iam até os pés, tirou o chapéu de bruxo e começou a falar para conter os alunos que ou conversavam, ou limpavam seus caldeirões como Damery.

— Ora muito bem, ora muito bem! Dei umas olhadas nas suas poções durante a semana passada e tenho que dizer... fiquei realmente surpreso com algumas delas.

Todos faziam “shh” uns para os outros, mas ninguém estava esperando uma abundância de poções bem-sucedidas na turma, entraram em consenso de que a maioria delas haviam ficado de medíocre para ruim; quando então tomaram notaram Damery Lane lavando seu caldeirão, dando a entender seu fracasso com a sua mistura, o sentimento de resignação da desgraça coletiva havia sido cimentado.

— No começo achei que a receita da Poção Polissuco pudesse ser avançada demais pra vocês, alunos do sexto ano, se aventurarem. – Continuava Slughorn – Agora percebo que eu tinha razão. Mas não me surpreende tanto assim, é uma poção extremamente difícil e demorada – os alunos se entreolharam -, porém, tivemos sim êxitos. Poucos, mas tivemos. E com poucos eu digo apenas dois.

Dos caldeirões que não estavam ou vazios, ou soltando muita, muita fumaça, ou derretidos, haviam somente o de duas duplas: o de Jeremiah e Edgardo (óbvio), e o de duas garotas que se sentaram na primeira fileira de mesas da sala. Damery conseguiu distinguir apenas Jamilia, da Grifinória, que não parava de piscar e sorrir pra Jeremiah, insinuando que além dele, ela também conseguira completar a poção.

— Sim, pode sorrir, senhorita Lance, a sua poção foi muito bem-sucedida – disse Slughorn, como se lendo a mente da garota – mas não muitíssimo bem-sucedida, veja bem, está choca! – Agora sorriu, quase com pena, ao passo que os lábios de Jamilia se comprimiram até sua cara voltar ao normal, séria. – Restando como possibilidade apenas uma mistura...

Damery e Clementine olharam para Jeremiah com os olhos brilhando. O mesmo fez Edgardo, que estava com o queixo apoiado pelo punho fechado até o momento das palavras do professor. Não conseguiu conter a excitação e quase pulou em cima da sua dupla. Ganhariam a poção da sorte.

Depois de uma salva de palmas desinteressada e recheada de inveja, foi oferecido à Jeremiah, por Slughorn, um franco do tamanho de um dedo, de uma poção dourada e reluzente. Jeremiah, em uma atitude previsível para as suas duas únicas amigas, repartiu o conteúdo do franco em dois e deu um para Edgardo.

Esse último ato rendeu a Jeremiah alguns olhares tortos e umas palavras por detrás de suas costas: todos sabiam (inclusive o professor) que Edgardo era um desastre em poções e que nunca em trinta vidas conseguiria completar uma Poção Polissuco. Jeremiah fizera tudo sozinho, fato; mas ele não se importava e compartilhou o prêmio como deveria ser. Edgardo ressentiu de aceitar o seu frasco nos primeiros segundos, mas Jeremiah fechou sua mão com o punho, dizendo que não aceitaria de volta.

Então, como se para tirar Damery do momento de felicidade em que estava pelo seu melhor amigo, lembrou da intenção deste para o Torneiro Tribruxo que se aproximava. Em questão de segundos lhe apeteceu a ideia de que Jeremiah pudesse usar a Sorte Líquida para ser convocado a competir, acabando completamente com as chances dela própria sem chamada. O sorriso dissipou-se rapidamente do seu rosto, agora só aplaudia e o olhava.

Pelo resto do dia, a notícia de que Jeremiah e Edgardo haviam conseguido pôr as mãos na Felix Felicis espalhou-se como um vírus, atribuindo aos dois garotos tratamentos nunca antes recebidos dos outros alunos e até mesmo dos fantasmas (exceto Pirraça, que ao ver Jeremiah arremessava ovos fantasmagóricos podres que não podiam ser tocados, mas que fediam um bocado). No meio dia, Jamilia fez questão de sentar-se do lado de Jeremiah para o almoço, coisa que nunca antes tivera coragem de fazer de propósito. Clementine não tirava os olhos da garota enquanto comia e escutava com avidez as conversas que a garota puxava esperançosamente com o amigo; todas elas envolviam o fato de a Poção Polissuco ser muito difícil de fazer e como nunca, nunquinha, em absolutamente hipótese alguma, coloca-se o extrato de lágrima de trasgo antes das raízes de visgo.

Com Edgardo, a situação não era muito diferente: retornara ao seu nicho de amigos, que anteriormente já era unido, como uma espécie de herói de guerra. Os amigos do garoto pouco se importavam se ele realmente havia feito para merecer aquela poção, estavam mais interessados em ver se funcionava e como funcionava. Imaginando as garotas que poderiam ter chance se bebessem sequer um mísero gole do líquido dourado. Callahan Hawking era o mais imaginativo do pequeno grupo, pensando, é claro, em Damery.

O dia correu daquela maneira, de classe em classe o trio atraia olhares, ora admirados ora de esguelho; quando os dois voltaram à Sala Comunal no começo da noite, Jeremiah não negou que seus colegas corvinais dessem uma olhada na Sorte Líquida; aquela era uma mistura realmente muito difícil de fazer, mas mesmo assim, alguns ficaram espantados com o tamanho do frasco. Era menor que um dedo indicador e se rendessem três goles seria demais, isso devido ao fato de Jeremiah tê-la repartido em quantidades exatas com Edgardo. Ceallach, outro sextanista arriscou um comentário, enquanto segurava o vidro na mão:

— É pequeno, mas ainda sim garante pelo menos uns quatro dias de sorte, não é Jeremiah?

— Quatro dias eu não sei, mas uns dois bem potentes eu diria que sim.

— Vai usar no jantar do Slugue amanhã? Você foi convidado, né? – perguntou o garoto, devolvendo o frasco, ainda olhando pra ele. Desejando intimamente.

— Sim, fui convidado, e não, não vou usar... não vou usar por um bom tempo – Damery olhou para o amigo do outro lado da sala, a ideia do Torneio lhe martelava a cabeça sem parar, não sabia se acreditava ou não e se culpava por sentir-se dessa maneira. A notícia da demissão de sua mãe misturada com a declaração de Jeremiah sobre o Torneio, formava uma sopa ultrajante de sensações ruins na cabeça da garota.

— É claro que não vai usar, nem precisa. Queria eu ser convidado pra esse Clube idiota sem precisar de uma dessas aí – completou Ceallach, virando as costas. Esse comentário não possuía um teor muito diferente de todos os outros que Jeremiah recebia dos outros alunos da Corvinal. Diferente destes, o garoto não requeria um enorme esforço para ser bom em tudo. Diferente também de Damery.

Antes de Jeremiah subir para o quarto, Damery o chamou ainda nas escadas.

— É verdade que o jantar do Slugue é amanhã?

— Sim, achei que soubesse.

— Não. De qualquer forma, precisa de traje, não é? – a frase saíra um pouco mais seca do que Damery previra, dando a entender que Jeremiah teria alguma obrigação de contar a ela todos os seus afazeres.

— Precisa, mas não se preocupa com isso, eu já comprei um. Em Hogsmeade.         - Imaginei, quando saímos mais cedo da Dedos, né?

— Sim. Mais alguma coisa? Está estranha hoje.

Estava estranha desde de manhã, quando o melhor amigo ganhou a Felix Felicis. Sentia-se como uma coadjuvante durante o dia em que Jeremiah foi o protagonista. Não havia sido ela a receber o prêmio de Slughorn, mas estava intimamente ligada a ele.

— Parabéns por hoje – disse por fim, com um sorriso singelo.

— Obrigado – ele sorriu.

Segundos depois, Damery olhou a sua volta e notou que estava sozinha na Sala Comunal. Reativou o feitiço de céu noturno no teto abobadado, deitou-se no tapete azul felpudo e esperou o sono chegar.

Jeremiah acordou na terça feira, vinte e dois de outubro, com uma coisa em mente: o primeiro encontro do Clube do Slugue do ano. Era sempre nos primeiros encontros que o Professor Slughorn introduzia os novos membros, que depois de uma pesquisa meticulosa feita durante o mês de setembro, eram convocados com uma carta ainda mais cerimoniosa do que a que Jeremiah recebera.

Os antigos membros do Clube já se conheciam e quando se esbarravam nos corredores ou em aulas, limitavam seus contatos à acenos de cabeça, deixando todo o diálogo e a interação mais profunda para os encontros no clube.

Jeremiah, que já nutria poucas amizades (apenas duas e possivelmente Edgardo), com certeza mantinha uma relação ainda mais restrita com os outros colegas de Clube. Achava todos estranhos mesmo depois de dois anos os vendo com certa frequência. Mal sabia o nome ou a Casa de alguns, sabia apenas os que saíram do Clube ano passado, por terem se formado, e por isso, o professor concedeu uma pequena festa.

Sua mente pipocou de possíveis situações para o jantar durante cada hora do dia, principalmente nas aulas. Com sorte, conseguiu ser discreto em seus devaneios e não chamou atenção de nenhum professor. A única coisa que sua desatenção conseguira resultar era em um galo na testa depois de um baque de um feitiço ofensivo, recebido na aula de duelos, e por completa desatenção.

Chegada as cinco da tarde, antecedendo o pôr do sol, Jeremiah tinha apenas uma hora para se aprontar e aparecer na porta do escritório do professor de poções. Apenas Damery insistiu em ajuda-lo com as vestes, mas o garoto logo dispensou a disposição da amiga e ela respeitou; por fora, ela não ligava tanto.

Naquela altura, a mente de Jeremiah já estava mais conformada com o encontro que teria nos momentos seguintes, tanto que Damery já nem ligava mais em abanar os ombros das vestes do amigo. Ele simplesmente saiu porta afora de forma que nenhum aluno na Sala Comunal o percebeu e deparou-se com o castelo vazio. Olhava o seu estado nas vidraças dos corredores ainda iluminados, não se arrependera de ter comprado um blazer azul escuro, com adornos prateados para significar sua Casa. O traje reluzia se visto do ângulo correto, o que trazia uma atmosfera Real aonde quer que fosse, mas mesmo assim não estava tão a rigor quanto certamente encontraria seus colegas no jantar, sabia disso e não se incomodava. Gostava de apresentar certa indiferença quanto a cerimônias de formalidade exagerada. Todos os alunos da Sonserina e alguns da Corvinal, consideravam participar do Clube uma grande façanha e motivo de enorme honra, mas Jeremiah não olhava a ocasião dessa maneira; para ele, aquela era apenas uma obrigação, e no máximo, um motivo para ficar agradecido por comer o delicioso sorvete de pêssego com calda de chocolate do estoque do professor.

Diferente da sala de poções, onde o professor Slughorn ministrava suas aulas, o seu escritório ficava no quarto andar da torre do relógio. Era uma torre com os interiores de madeira, mas ainda sim elegante. O escritório possuía um corredor só para si, e no final dele ficava a porta escura com um batente na forma de uma lesma verde de aço. Necessitou um toque no batente e ele começou a deslizar pela superfície da porta, deixando um rastro de gosma por onde passava; por fim, entrou para dentro da sala por um buraco no topo.

A lesma-batente foi avisar a Slughorn que havia alguém na sua porta, e do lado de fora Jeremiah ouviu as exclamações do professor no interior da sala. A porta abriu-se por fim.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler! Comenta se gostou, se tiver alguma dica ou qualquer coisa mesmo! Só pra dar um sinal de vida!

Ok, esse capítulo não era pra ter terminado assim. Na verdade, essa é a primeira metade do capítulo do Jantar do Slugue, então eu dividi pra não ficar com 7 mil palavras, porque eu tenho certeza de que eu preciso de pelo menos umas duas mil pra escrever só os diálogos do Clube.



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