Ao subir no avião, Rony se deparou já com alguns passageiros sentados e ocupados com seus celulares e tablets. Ficou com vontade de sentar na primeira poltrona a sua frente, mas, com a sorte que tinha, o número da sua era mais para o fundo da aeronave. Arrastou sua mala para o acento 20 e abriu o maleiro. 

Estava para colocá-la ali quando um perfume suave preencheu o ar e viu, de soslaio, uma mulher de cabelos cheios parar ao seu lado e repetir seus atos segundos antes. Ela colocou a primeira mala no compartimento mas com a segunda estava tendo um pouco de dificuldade. 

Não queria, mas vendo que a mala era grande demais e a mulher pequena, Rony soltou o ar com força pela boca e se inclinou para o lado, para ficar mais perto dela. 

— Precisa de ajuda? - murmurou a mulher. O ruivo se deparou com intensos olhos castanhos e bochechas vermelhas pelos esforços dela. 

— Hmm... - ela comprimiu os lábios. - Não, não preciso. Obrigada. 

E voltou sua atenção a mala. Rony piscou e deu de ombros. Terminou o que fazia e prendeu o riso quando notou os pequenos pulos que a morena ao seu lado dava para conseguir empurrar a mala. 

— Deixe que eu faço isso - empurrou um pouco ela e, observando as outras malas dentro do maleiro, constatou o que impedia a entrada daquela: havia uma bolça, com certeza jogada de qualquer jeito lá dentro e que ocupava um espaço maior do que deveria. 

— Eu disse que não precisava de ajuda - Hermione revidou quando Rony, alto como era, afastou a bolça para o lado e encaixou a mala perfeitamente. Ele a olhou e a viu com o nariz arrebitado com arrogância e as sobrancelhas franzidas. 

— É - concordou ironicamente. - Estava vendo. 

Ela girou os olhos e, como se fosse ensaiado, os dois deram um passo a frente, na direção das duas poltronas. Seus corpos se chocaram e a morena teve que se segurar para não cair. 

— O quê? - Hermione perguntou ao ruivo, irritada. - Quer que eu agradeça? 

— Não precisa se incomodar - Rony estreitou os olhos. - É o número da minha poltrona - apontou para o acento, com um adesivo com o número 20. - Agora, se não se importa, vou me sentar porque não quero ficar desconfortável durante o voo. 

Ela assistiu calada o ruivo se acomodar e conferiu o número de sua poltrona na passagem... 21. Droga! Bufou e se jogou no acento do lado do corredor. Seu voo já tinha começado ruim. 

— Que ótimo, dividiremos as poltronas - resmungou ela e Rony a olhou. - E vê se para de me olhar assim. 

— Assim como? - o ruivo ficou interessado em como a deixava irritada e riu. - Nervosa? 

— Irritada. 

— E posso saber qual é o nome dessa irritadinha? - o ruivo provocou com o sorriso maior ainda. Hermione permaneceu em silêncio, o encarando enquanto as comissárias de bordo andavam pelos corredores checando os passageiros. - Vamos lá! Eu falo primeiro então: meu nome é Rony. 

— Hermione - respondeu ela depois de uma pausa pensando se era seguro falar. 

— Que bom saber - simplesmente falou ele e se virou, pegando o celular no bolço e observando algo. Hermione o olhou com indiferença e se ajeitou, pegando o livro que sempre permanecia em sua pequena bolsinha de contas que carregava no ombro. Colocaram os cintos em silêncio e permaneceram assim por duas horas quando uma comissária parou do lado deles para perguntar se precisavam de algo. 

Hermione negou mais Rony pediu quase que um banquete que incluía sanduíche, batatas fritas e refrigerante. A morena arregalou os olhos com o tamanho gigante de porção de batatas fritas que veio até ele, mas não falou nada. Começou a ficar sonolenta com a leitura e depois de quatro horas sentada, se rendeu ao sono e fechou o livro, repousando-o no colo e encostando a cabeça para dormir. 

Rony se desligou do filme que via no celular e notou que Hermione dormia profundamente ao seu lado. Dormindo ela parecia mais relaxada e não tão irritada como antes. Arriscava-se dizer que até a achava bonita, mas balançou a cabeça e pensou em outra coisa quando começou a reparar demais nos traços do rosto dela. 

Ainda não superara o que Lilá o tinha feito passar e não queria se envolver com ninguém. 

***

 O voo de pouco mais de seis horas deixou Hermione mais cansada ainda. Acordou quando a voz do comandante soou informando que pousariam em quinze minutos e pedindo que as comissárias conferissem os passageiros. 

Passou as mãos nos cabelos e refez o coque que estava bagunçado. O ruivo ao seu lado olhava para a janela e a morena ficou na dúvida se deveria perguntar se estava tudo bem ou não, já que ele mal piscava. Ignorá-lo era melhor e quando finalmente pousaram, ergueu-se e começou a tirar suas malas. 

Mas, claro, de novo, teve dificuldades ao tirar uma. 

— Pode me ajudar aqui, por favor? - com sua melhor cara pidona, ela tocou brevemente o braço de Rony. Não cometeria um mesmo sufoco duas vezes se poderia pedir ajuda. 

— Nossa, ela sabe pedir - ela sorriu e Hermione ficou irritada com ela mesma. Quando ele conseguiu tirar a mala, a morena sorriu e murmurou um "adeus". 

Andou depressa até o portão e passou pelas milhares de pessoas com cartazes nas mãos e de sorrisos calorosos. Do lado de fora, foi quase impossível encontrar um táxi e pulou para dentro de um quando viu um casal sair. Após o motorista tirar a bagagem dos antigos passageiros do porta-malas, pediu o endereço do destino a ela. 

— Me leve a algum hotel do centro, por favor. 

A paisagem que via pela janela era belíssima e marcou mentalmente uma ida ao museu e a biblioteca de Nova York. Os parques eram grandes e de enormes arvores, quase todos com um pequeno lago ao centro. As pessoas andavam depressa e até o trânsito parecia mais organizado. 

Do aeroporto ao hotel levou dez minutos e Hermione, quando desceu do carro, ficou impressionada. O local era elegante e de sete andares. Por fora era lindo e ficou ansiosa para ver como era por dentro. Pagou a corrida ao taxista e deixou suas malas serem levadas por um homem com um uniforme semelhante ao de um príncipe antigo. 

Registrou-se e subiu para o quanto 12 onde ficaria. Quando tirou um pouco de dinheiro do bolço para dar de gorjeta, o homem a entregou um folheto azul. 

— Acontecerá essa noite uma degustação de vinhos com o chefe Raphael Despirite - ele falava com o peito estufado, em uma posição ereta e com um braço dobrado nas costas. - Será no saguão. Qualquer dúvida, leia o folheto. Com licença, madame. 

Saiu, fechando delicadamente a porta. A morena achou interessante e observou o folheto. Deitou na enorme cama e, mesmo que tivesse viajado para Nova York afim de esquecer o que Córmaco a fez, sua mente não a ajudava; só conseguia pensar no trabalho e nos pais. 

Se estava ali, deveria pelo menos fazer alguma atividade e não se trancar no hotel; poderia ter feito isso em seu apartamento mesmo. Mas se afogar em seu mar de lembranças não a ajudaria em nada. Dirigiu-se ao banheiro e tomou um longo e relaxante banho para se preparar para a degustação de vinho. 

 ***

 Rony descia as escadas do hotel devagar e ajeitando o casaco peludo marrom. Faltava pouco mais de dez minutos para o evento na qual fora informado ao chegar ao hotel e queria pegar uma boa mesa. 

Mas ao chegar no corredor que o levaria ao local marcado, parou e não conseguiu conter o sorriso.

— Uau! - se impressionou, chegando mais perto. - Você está... peculiar. 

Hermione estava com um curto vestido preto e scarpin da mesma cor só que com apliques de pedrarias. Mas o que a deixava um pouco estranha era os óculos de aros grandes e o cabelo preso em um elástico. 

— Desde quando você usa óculos? - indagou. A morena o fitou com as sobrancelhas arqueadas. 

— E desde quando você me conhece? - rebateu e aceitou o braço dobrado que o ruivo a estendia. Seu braço penicou com o casaco que o homem usava e estranhou. 

Rony a ajudou na hora de afastar a cadeira e sentou defronte a ela. No palco posto no centro do saguão, a voz do chefe convidado chamou a atenção de todos. Enquanto ele falava a origem, o ano e no que o gosto do vinho revelava, alguns garçons equilibrando com uma mão as garrafas de vinho andavam entre as mesas ocupadas, distribuindo. 

Ao todo, cinco diferentes tipos de vinho foram degustados e terminaram com uma salva de palmas o evento. Hermione não estava satisfeita e pensou que voltaria para o quarto, no mínimo, tonta com as taças de vinho. Mas sentia-se muito bem. 

— Você está horrível com esse óculos - Rony comentou e ela o olhou. - Aposto que nem grau essa coisa tem. 

— Não pode falar uma coisa que não é verdade. 

— Ah, não é verdade? - o ruivo a surpreendeu quando se inclinou sobre a mesa e tirou os óculos do rosto dela. Colocou no próprio e sorriu triunfante. - Viu? Não vejo diferença. 

— Tudo bem, você descobriu - Hermione suspirou. - Não uso óculos. Só não estava a fim de ser cantada essa noite. Não é um bom momento. 

— Nada de flerte, certo? - indagou Rony e a morena assentiu. - Pois, é. Acho que nos daremos bem porque também não estou afim de mulheres caindo aos meus pés. 

— E a humildade, fica aonde? - Hermione balançou a cabeça em negação. 

— A conversa está boa, mas vamos logo.

— O quê? Para onde? - ela franziu a testa quando o ruivo se levantou e circulou a mesa, indo até ela.  

— Algumas taças de vinho não foram o suficiente para aumentar a taxa de álcool no meu organismo - ele falava como se fosse óbvio. - Preciso de algo mais forte e tenho certeza que existe algum bar por perto. 

— Se vamos beber, me recuso a ir junto com você neste casaco ridículo! - a morena levantou e alisou o vestido. 

— Ridículo? - repetiu ele. 

— Você está parecendo um urso que acabou de sair da hibernação. 

— Me ofendeu agora. 

Rony assistiu Hermione tirar o elástico do cabelo e jogá-lo um pouco para os lados, colocando volume e deixando a franja no rosto. Reparou também que, sem os óculos, ela estava maquiada levemente. Quando terminou, olhou para ele.

— Anda, tira isso! 

— Ok, estou tirando! - o ruivo retirou o casaco. - Melhorou? 

A mulher não disse nada, apenas avançou até ele e começou a dobrar as mangas da camisa social que usava até a altura dos cotovelos, destacando seus músculos. Afrouxou também a gravata preta e deu um passo para trás, examinando seu feito. 

— Agora sim, está parecendo um homem sensual. 

Rony sentiu suas orelhas pegarem fogo e puxou pela mão a morena, levando o casaco e o óculos para a recepção e pedindo para deixarem no seu quarto. Juntos, os dois entraram em um táxi sem se darem conta das mudanças de suas vidas a partir daquela noite.