Fale. escrita por Lyn Black


Capítulo 6
meu refúgio e o (meu) dilema do afeto




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meu refúgio e o dilema do afeto

 

Sinceramente, ela está perdida. Não sabe como começar, o que inserir no meio e qual seria a conclusão propícia, porém transformar a sua angústia em texto sempre foi chave para iniciar as mais esclarecedoras poesias, portanto aqui ela está. Computador a frente, o suéter verde oliva a aquecendo enquanto o cachecol roxo cai por sobre o seu pescoço, esquentando sua turbulenta mente. 

Primeiramente, ela diria com humor, fora Temer e, então, iria ao assunto, mas precisa chegar nele sem enrolação ao floreios como se vê fazendo, pois quando escrever, ela sabe o efeito: Transformou em realidade fictícia o que já está tomando conta de sua imaginação.

Em parte culpa a fértil criatividade, afinal se deseja tanto conversar com alguém, mas não o faz, cria as engraçadas e mirabolantes conversas que anseia por ter. O problema é que ela não dissocia disso da imagem dele e, sabe que fatidicamente se encontrará afeiçoada pela sua caricatura, o que deseja ter e não o que é. 

Isso apenas aumenta a sua ansiedade que pode variar de dosagem, mas raramente a deixa sozinha no seu palácio mental. Ela quer tanto inciar uma conversar, porém se for ela a dar o primeiro passo não seria um tanto atirada, evidente seu interesse por um bom papo, umas risadas verdadeiras? E se a conversa der errado? Ela diria que precisa aprender a lidar com histórias sem conclusão, mas os livros que lia desde criança a perseguem. Tormento que a impede de mandar um simples "Oii!". 

Tudo começa, e ela sabe, com a semente plantada uns meses atrás sobre como ele possivelmente gostava dela. É estranho como o interesse alheio despertou o seu e, provavelmente as especulações eram erradas, porém aquilo já se transformou num tiro que saiu pela culatra e a atingiu. Triste realidade, ainda mais para uma pessoa poética como ela que consegue romantizar sorrisos espontâneos e dedos que encostaram acidentalmente em suas costas. 

E então, subitamente, vem o abraço. Ele surge no começo da parte dele, e nunca volta, até que ela sente uma urgência. Aquilo precisa acontecer, algumas pessoas se despedem com acenos, palavras, mas há certa necessidade de passar mãos pelo pescoço e fechar os olhos. Sentir a curvatura da espinha alheia, a envolvendo e ronronando como um gato sobre as suas costas, sorrisos. E ela se perde entre os longos braços e aquilo é uma maldito clichê. Já contei como ela os detesta?

Algumas pessoas se beijam e apelam ao sexual, entretanto, ela não está interessada naquilo com ninguém, nem consegue estar. Amores são tão raros, pois primeiro conhece o ser bastante para se sentir confortável, mas há algo em seu sorriso que faz com que um surja em sua face e em seus alegres olhos que a impelem a buscá-lo na sala. Ela quer tanto sentir e isso a desestabiliza ainda mais (se possível!), afinal estaria mesmo cativada ou apenas desesperada por se cativar?

E aquilo é agonizante, pois mal o conhece, mas sente a necessidade de encostar, elétrons repelindo elétrons, e ah céus, ela não sabe explicar e nem consegue falar com ninguém sobre, pois do quê adiantará disso nessa realidade ontem tudo se reduz a quem quer pegar quem? Ele mesmo assumirá isso de seu interesse, portanto como explicar sem se rotular e (auto)confinar-se numa caixa de expectativas, a sua suposta assexualidade ou demissexualidade ou enfim, a falta de encaixe com o status quo? E isso porque já cria planos onde teria que explicar ou falar sobre, não é? E a ilusão só cresce. Não se entende, os outros muito menos poderiam o fazer, quem ouse tentar acabará sendo o próprio iludido. 

Ela busca a escrita como um refúgio, mas ao mesmo tempo em que se distancia quando usa a sua querida e amada terceira pessoa do singular, aproxima-se mais do que tudo e se liberta: aquilo não é ela mais, mas um versão elaborada e feita para os outros se identificarem. Escrever sobre o que sente é sua libertação e condenação. 

Não sabe mais o que sente ou mesmo como considerar os seus sentimentos, porque é claro que ela provavelmente se fez personagem e aqui jaz a sua pessoa finalizando o capítulo.

A confusão ainda reina em sua livre cabeça que nada por entre situações hipotéticas, em breve a se apaixonar por o seu próprio personagem, consciente do erro, inevitável dilema. 


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