Subaquático escrita por ohhoney


Capítulo 9
Ondas na água




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/729282/chapter/9

 A pequena pedra branca emite um brilho até que forte para seu tamanho, refletindo na pele morena de Daichi. Só podia ser um sinal.

Suga deixa cair o queixo, embasbacado. Daichi só consegue olhar para o próprio peito, completamente surpreso. Hinata e Kageyama se encaram.

— Isso só pode dizer que estamos perto... Né? — Suga toca a pedrinha com a ponta dos dedos — Né?

— A-Acho que sim... — Hinata responde, ainda sem palavras.

Daichi olha para Suga e seus olhos brilham. Suga emite uma aura nervosa, mas ao mesmo tempo mais determinada do que nunca.

Segurando a pedra brilhante na palma da mão, Daichi diz:

— Vamos. Ainda temos que achar.

Suga segura na beirada do caiaque e os puxa por entre os bancos de areia, tentando observar tudo ao seu redor ao mesmo tempo, com medo de perder algum detalhezinho que fosse. Seu coração bate rápido no peito e ele sente o estômago apertar. Segurando com firmeza a alça da bolsa atravessada em seu peito, ele suspira. Daichi afaga seus dedos e sorri.

— Ei! Ei!

— Ou! Vocês aí!

As escamas da cauda de Suga e os cabelos na nuca de Daichi se arrepiam por inteiro.

Hinata, Kageyama, Daichi e Suga viram na direção das vozes.

São dois garotos no meio do mar. Por entre as ondinhas cristalinas pode-se ver que cada um tem um rabo de peixe sacudindo na água. O da direita tem cabelo preto com uma mecha loira bem na frente, o outro tem a cabeça raspada. Eles acenam na direção dos quatro com sorrisos nos rostos. Estão só um pouco mais à frente, meros 20 metros de distância.

— Faz tempo que não vemos gente nova por aqui!

— Sim! De onde vocês são?

Sem pensar muito, Suga e Hinata afundam na água e nadam a toda velocidade na direção daqueles garotos. Banhado por uma impulsividade momentânea, Daichi enfia a mochila nas mãos de Kageyama e se lança na água também, nadando na direção deles.

Hinata para bruscamente na frente do menino careca e aperta seus ombros com uma força absurda, colando o rosto no dele.

— MINHA IRMÃ! CADÊ A MINHA IRMÃ?!

— Q-Qual o nome-

— NATSU! O nome dela é Natsu e ela tem escamas roxas e o cabelo ruivo igual o meu! Ela deve ter vindo com a minha mãe!

Os dois novos sereianos se olham por alguns segundos.

— Acho melhor tratar dos assuntos internos quando estivemos na cidade, ok? — o careca diz, tirando as mãos de Hinata de seus ombros. Ele dá um sorriso confiante — Meu nome é Tanaka, e ele é o Nishinoya.

— E-Eu sou o Hinata... — o ruivo sente-se fraco e angustiado.

Todos olham na direção de Suga, aguardando alguma resposta, mas ele só consegue olhar para o rosto de Noya com admiração. Ele tinha uma faixa de escamas azuladas indo das sobrancelhas até as orelhas, perdendo-se nos cabelos escuros. Sua cauda azul brilhante agitava-se se um lado para o outro. Na região das clavículas, linhas finas e vermelhas protegidas por uma fina pele transparente — suas guelras. Era mágico. Suga o olha como se estivesse vendo uma coisa extremamente rara; de fato, estava.

— M-Meu nome é Suga...

Ele tenta dizer mais alguma coisa, mas sua voz se perde. Seus olhos ficam marejados. Era real. Nerida era real.

Daichi aproxima-se, respirando alto, e segura-se no ombro de Suga para boiar. Mal conseguia acreditar no que estava vendo. Eram mesmo dois sereianos. Depois de tudo o que aprendeu na escola sobre o massacre dos sereianos, jamais teria acreditado que veria dois deles, em alto mar, livres e felizes.

— E você? — Noya pergunta para Daichi — Qual seu n-

Ao botar os olhos nas pernas bem humanas de Daichi, Noya e Tanaka recuam vários metros, ambos empunhando longas lâminas brancas na frente do corpo.

— Vocês são loucos?! Trouxeram um humano! — grita Tanaka.

— Qual o problema de vocês?! — completa Noya.

— Não! Espera! Eles são nossos amigos — Hinata estica as mãos na frente do corpo — Ele é o Daichi, esse é o Kageyama.

Kageyama tinha vindo remando o caiaque até parar do lado de Hinata. Seus olhos brilhavam intensamente.

— Sim! Eles nos ajudaram! Somos amigos, nós quatro.

Mas Tanaka não parece feliz.

— Humanos não são bem-vindos em Nerida!

Daichi é pego de surpresa, sentindo-se até um pouco mal. Noya e Tanaka estavam na defensiva, prontos para atacar qualquer um deles num piscar de olhos. Daichi já tinha pensado antes se ele e Kageyama seriam de fato aceitos em Nerida, um lugar sagrado dos sereianos; eles, humanos, aqueles que os mataram e os caçaram até quase à extinção.

Noya abaixa sua lâmina e ergue uma mão, colocando a outra no ombro do amigo.

— Ryuu, todos são bem-vindos em Nerida. Você sabe disso. Não cabe a nós decidir quem entra ou não.

— Você não pode estar falando sério!

— Quem decide se os humanos entrarão em Nerida é Miria. Ryuu, você sabe.

— Eu sei!

Com um barulho de reprovação, Tanaka guarda sua lâmina. Ele e Noya voltam para perto dos quatro garotos.

— Miria vai decidir o que fazer com vocês — Noya diz — Vamos encontrá-la. Você vem ou não? — diz para Kageyama, que ainda está no caiaque.

— E-Eu não sei nadar — responde, ficando vermelho.

— Não tem problema, eu te levo — Hinata sorri, estendendo a mão.

Kageyama coloca a mochila no lugar vago e, respirando fundo, se joga no mar. Hinata trata de segurá-lo firme, dizendo algumas palavras baixinho.

Nishinoya chega perto de Daichi e coloca as mãos ao redor de sua cabeça. Tanaka faz a mesma coisa em Kageyama. Um "plop!" soa nos ouvidos deles, e Tanaka e Noya afundam, pedindo para que os seguissem.

Daichi respira bem fundo, apertando a mão de Suga na sua, e eles afundam também. O garoto humano sente algo estranho; sua visão não está embaçada e ele não sente a água no rosto. Olhando em volta, ele vê: ao redor de sua cabeça há uma grande bolha de ar, e ele consegue respirar normalmente dentro dela. Suga olha para ele, surpreso, e eles sorriem um para o outro. Kageyama, de mãos dadas com Hinata, tem a mesma bolha na cabeça.

Suga e Hinata agitam as caudas, trazendo consigo os meninos humanos. Eles afundam diversos metros atrás de Tanaka e Noya. Os dois nadam na direção de algumas algas compridas e as afastam para que os outros passem. Logo, eles dão de cara com um paredão de pedra.

Tanaka entra por uma grande rachadura, seguido pelo outro garoto.

— Hinata...

— Ninguém vai separar a gente, Kageyama. Prometo.

Apertando a pequena mão na sua, Kageyama deixa-se ser levado até a fenda. É escura e fria, e ele mal consegue enxergar. Do outro lado, porém, ele vê uma luz branca. Fechando os olhos com força por causa da claridade repentina, ele só pode esperar pelo melhor.

Após ajustarem a visão, os quatro se veem em uma pequena salinha redonda, de onde pedras brancas escalam as paredes e iluminam o lugar. Daichi imediatamente aperta em sua mão aquela que carrega em seu pescoço. Tanaka e Noya esperavam no centro do lugar.

— Bom... Esperem aqui. Vamos chamar Miria e ela decidirá o que vamos fazer.

— Quem é Miria? — pergunta Daichi, mas os outros não lhe dão resposta.

Eles saem do recinto por outra rachadura.

— Você tá bem? — Daichi pergunta, colocando a mão suavemente na nuca de Suga, forçando-o a olhar para ele.

— Eu tô. — Suga tinha os olhos meio arregalados — Eu tô, Daichi, só... Isso é muito novo e eu não sei o que tô sentindo...

— Você tá feliz?

— Muito.

— Então é isso que importa.

Suga esboça um sorriso.

Kageyama fecha os olhos, o rosto contorcido de preocupação e o estômago apertando. Hinata aproxima-se dele, enrolando a cauda em suas pernas e segurando suas bochechas.

— Não fica preocupado.

— Como? Você ouviu! Humanos não são bem-vindos! O que eu vou fazer se-

— Me ouve. Eu falei, não falei? Falei que vou ficar contigo. Não vão nos separar. Se você não puder ficar em Nerida, a gente arranja outro lugar. Sabe por quê?

— Porque eu sou tudo o que você tem, e você é tudo o que eu tenho. — Kageyama repete aquelas palavras como se fossem um mantra. Os olhos de Hinata brilhavam e eram ferozes, cheios de determinação. Davam a Kageyama toda a esperança que ele precisava.

— Nós vamos ficar juntos.

E, em um momento de extrema coragem, os olhos azuis de Kageyama também brilharam com a força do próprio Sol. Com adrenalina nas veias, ele abre a boca.

— Não vão tirar você de mim.

Hinata é pego de surpresa, mas logo exibe o sorriso mais feroz que Kageyama já vira na vida.

.

.

Vibrações na água chamam a atenção dos quatro garotos. Eles se viram para ver Tanaka e Nishinoya de volta; o careca ainda parece incomodado, enquanto o outro sorri de leve e estica uma mão.

— Venham, Miria vai ver vocês agora.

Entrelaçando os dedos nos de Suga, Daichi deixa-se ser puxado na direção da fenda. Eles seguem por alguns túneis, todos iluminados por veias de pedra branca brilhante encrustadas na pedra escura. A água é fria e estranhamente parada.

Eles desembocam em uma grande caverna de teto abobadado. Algas coloridas crescem junto às paredes, e um ou outro peixinho aparece nadando lá no alto. Esculpida na pedra, uma estante tem as prateleiras do que pareciam ser livros e frascos com líquidos brilhantes. No centro há um grande retângulo de pedra branca, aparentemente servindo como mesa, e Daichi consegue ver pilhas do que aparenta ser papel.

— Sim, parece que temos convidados. — uma voz suave e melódica vem do buraco no fundo da sala — Felix, você pode avisar o- Ah!

A moça que entrou estava acompanhada de uma pequena lula rosa. Ela mesma tinha longos tentáculos vermelhos, que se agitavam por todos os lados. Quando viu os convidados em sua sala, soltou bolhas de surpresa e quase deixou cair as coisas que carregava.

— Vou avisá-lo.

— Obrigada, Felix.

A lulinha saiu em disparada e se espremeu para passar em um buraco no teto.

— Oi! — a moça diz — Eu sou a Miria. Tanaka e Noya disseram que encontraram vocês lá em cima, verdade?

Miria tem curtos e encaracolados cabelos, tão vermelhos quanto seus tentáculos, que também flutuavam ao redor de sua cabeça. Os grandes e bonitos olhos azuis dela encaravam os garotos amigavelmente, passando de um para o outro. Quando viu que dois deles tinham pernas, pôde entender a preocupação de Tanaka.

Kageyama está levemente confuso. Do jeito que Tanaka e Noya, e também aqueles tubarões, tinham falado, essa tal de Miria deveria impor medo e ser brava. Mas cá estava ele diante da mais simpática das moças. Ela com certeza estava nos seus 30 e poucos anos, bem diferente da velha rabugenta que ele tinha imaginado.

— Meu nome é Sugawara, esses são Daichi, Hinata e Kageyama.

— Com licença, senhora, mas-

— Pode me chamar de Miria. Você é o Hinata, certo? Hinata Shouyo?

O ruivo sente seu coração ecoando nos ouvidos de tão nervoso. Ele aperta a mão de Kageyama com força.

— Sim... Sim, eu sou o Hinata. Miria, por favor, a minha-

— Você é irmão da Natsu.

Ele solta um enorme jato de bolhas, fazendo Miria sorrir. Ele abre a boca para falar, mas sequer consegue articular palavras. Miria ri.

— Relaxe. Ela está bem.

— E-E a minha mãe...?

— Desculpe, Hinata, mas quando Natsu chegou, ela estava sozinha. Nós tentamos perguntar o que tinha acontecido, mas ela não quis falar. Sinto muito.

O estômago de Hinata pesa uma tonelada. Ele afrouxa o aperto na mão de Kageyama, mal conseguindo erguer os olhos de volta para a moça que o encarava.

Miria aperta as mãos juntas e suspira. Então vira-se para os outros dois.

— Bom... De onde vocês vieram?

— Eu e o Daichi somos de uma pequena ilha ao sul. Minha mãe morreu logo depois que eu nasci, então fui criado pelo pessoal do recife. Eles nunca me contaram que existiam outros da minha espécie. Eu cresci sem saber de absolutamente nada.

— O Hinata... — Daichi pousa os olhos no pequeno garoto ruivo nos braços de Kageyama — O Hinata e o Kageyama vieram do circo. Ele foi capturado enquanto vinha pra cá com a família, e nós os encontramos com o Kageyama em um circo que passou pela cidade. Nós o tiramos de lá.

— E você ajudou? — Miria pergunta a Daichi.

— Claro! ...Claro. Ninguém deveria ficar preso em um tanque. Eles mal o davam comida... Eu tive que ajudar.

Ela sorri de leve e agita seus tentáculos, nadando na direção deles. Ao aproximar-se de Suga e Daichi, ela vê a pedra brilhante no pescoço dele. Depois segue até Hinata e lhe dá um breve abraço. Ela dá a volta e para na frente dos garotos.

— Como tenho certeza que o Nishinoya disse a vocês — ela olha para o menino encostado na parede e ele solta bolhas —, todos são bem-vindos em Nerida. Infelizmente, muitos aqui não gostam de humanos por causa de algumas experiências passadas; mas quero que saibam que ninguém vai lhes fazer mal. Sua geração não tem nada a ver com os conflitos do passado, e até mesmo já nos ajudaram a libertar alguns dos sereianos que estão aqui hoje. Vocês podem ficar, não se preocupem. Abrimos exceção uma vez, podemos muito bem abrir de novo.

De novo. As palavras ecoam na cabeça de Daichi. Kageyama solta um longo suspiro aliviado.

A mesma lulinha rosa de antes volta a entrar pelo buraco no teto e nada até Miria.

— Ele foi avisado, senhora.

— Ótimo. Preciso de outro favor. Chame a Natsu, e peça para um dos rapazes preparar um lugar para nossos hóspedes.

— Claro.

— Obrigada, Felix.

A lulinha sai pelo mesmo lugar de antes.

Suga sequer consegue processar o que sente. Um turbilhão de coisas passa por sua cabeça e ele parece sentir todas as emoções ao mesmo tempo. Daichi, ao seu lado, parece nervoso e inquieto, ao mesmo tempo que ferve em curiosidade e empolgação.

Miria pega uma das pedrinhas brilhantes no chão e vai até sua mesa, procurando alguma coisa. Ela, então, aproxima-se de Kageyama e passa por sua cabeça um colar parecido com o que Daichi carrega.

— Bom, venham. Vou mostrar a cidade pra vocês.

Miria sorri e nada até algumas algas na parede, afastando-as e revelando um túnel. Os cinco, acompanhados de Tanaka e Noya, passam pela estreita abertura.

O coração de Suga para de bater no peito e seu queixo cai.

É lindo.

É a coisa mais bonita que qualquer um dos quatro já havia visto na vida. Uma gigante redoma desce lá do alto, refletindo a luz do Sol, até a areia branca, como se protegesse a cidade inteira. Estão cercados de todos os lados por paredões enormes e coloridos de corais, que sobem até a superfície, formando um grande círculo no centro. Pedras brancas brilhantes estão esculpidas junto dos corais, iluminando tudo com uma luz suave. Pequenas construções de pedra escura, encravadas nas paredes e na areia, sobem até o alto e ocupam quase todo o fundo daquele estranho e colorido cilindro. Algas de todos os tamanhos e cores prendem-se ao que conseguem, balançando com as ondas do mar. Todos os animais marinhos parecem reunidos lá, nadando pacificamente com dezenas e dezenas de sereianos, cada um claramente preocupado com seus próprios afazeres para sequer notarem as novas pessoas que chegavam.

Sereianos. Vários deles. Cada um mais diferente que o outro. Eles nadam juntos, conversando e rindo, totalmente despreocupados, entrando e saindo de fendas nas rochas e no recife.

— Atualmente somos 73 aqui em Nerida. É pouco, mas estamos tentando encontrar outros sereianos sobreviventes. Não sobraram muitos de nós por aí. Ah! Lá vem ela!

Felix, a lula rosa, vinha acompanhada de uma garotinha de cabelos ruivos. Ela olhava nervosamente ao redor.

— NATSU!

Ela para no lugar, congelada com a voz que ouvira. Segundos depois, ela bota os olhos no garoto que tem a mesma cor de cabelo que ela.

— IRMÃO!

Hinata nunca nadou tão rápido na vida. Em um instante já estava mergulhado nos braços da irmã, apertando-a com toda sua força. Seus olhos queimam em lágrimas e ele pede desculpas mil vezes, chorando. Ela está tão feliz que chora também, mas rindo de felicidade.

— Desculpa! Me perdoa, Natsu!

— Eu que tenho que pedir desculpas! Foi por minha causa...

Mas nenhum dos dois consegue falar mais nada. Eles somente se abraçam com força, perdidos em soluços.

Kageyama olha a cena e seu coração dispara. Era isso. Era isso que Hinata mais queria no mundo. Desde que o conhecera, três anos antes, esse momento era tudo o que Hinata conseguia falar; o momento que estaria em Nerida, com sua família. Kageyama abre um sorriso enorme, de orelha a orelha.

Tudo estava bem.

.

.

Natsu, após uma breve conversa com o irmão, despede-se dizendo que precisa ir cuidar do jardim de algas, mas promete que logo se reencontrariam na festa planejada para a noite.

— Festa? — Hinata pergunta, olhando para Miria.

— É uma tradição nossa fazer uma festa toda vez que novos sereianos chegam em Nerida. — ela explica, sorrindo — Como um lembrete de que estamos vivos.

Suga abre um enorme sorriso.

— Venham. Vou mostrar onde vocês vão ficar.

Miria agita seus tentáculos, nadando para frente. Suga, Hinata, Daichi e Kageyama a acompanham, sendo seguidos por Tanaka e Nishinoya.

Daichi tinha achado que os túneis que corriam dentro dos corais seriam escuros e apertados, mas na realidade eram largos e suavemente iluminados pela luz do sol, que atravessava as rachaduras do recife. Laranja, amarelo, vermelho, tons de verde e marrom pintavam as paredes, e anêmonas, esponjas, ouriços e estrelas-do-mar decoravam-nas. Daichi sentia-se em um sonho.

Miria guia-lhes por uma curva e entra em uma fenda. Eles sobem alguns metros até darem com uma série de buracos no coral.

— Esses dois aqui têm bolsões de ar para vocês — ela sorri para Daichi e Kageyama — Podem ficar onde quiserem. Que tal descansarem um pouco até a hora da festa? Eu peço pro Noya e pro Tanaka virem chamar vocês quando começar.

Miria sorri e pisca seus grandes olhos azuis, juntando as mãos na frente do corpo. Com um leve balançar de cabeça, ela se despede e sai. Noya aproxima-se do grupo.

— Querem alguma coisa pra comer? Alga, peixe...

— Pode ser. Obrigado. — Hinata sorri, desviando cuidadosamente o olhar para Tanaka, Noya percebe e dá uma cotovelada nas costelas do amigo.

— Qual é, Ryuu! Se anima, hoje tem festa!

Tanaka tenta ficar sério, mas inevitavelmente sorri com a expectativa de comida e diversão. Ele e Noya deixam a caverna conversando empolgadamente.

Os meninos se despedem. Daichi e Suga entram pelo buraco da ponta, nadando alguns poucos metros até um grande recinto circular, onde de uma das paredes saía uma plataforma de pedra escura, acima do nível da água.

Daichi sente-se cansado e dolorido. Com a ajuda de Suga, ele vai até a superfície e finalmente respira um pouco de ar fresco. Ele escala a pedra e deita, olhando para cima. Corais coloridos se entrelaçam supostamente até a superfície lá fora. Os raios de sol penetram por pequenas rachaduras e deixam o ambiente suavemente iluminado. Daichi respira fundo; o ar ali não parecia parado — de certo modo, ele até conseguia sentir uma brisa.

Ele é tirado de seus pensamentos pelo agitar da água. Suga senta na beirada da pedra, apoiando as mãos no colo. Daichi vai até ele, e fica surpreso ao ver que Suga chora baixinho.

Daichi nada diz, somente passa os braços ao redor de Suga e apoia a cabeça contra a dele. Suga treme de leve, mas aceita o abraço, apertando Daichi contra si. Não do mesmo jeito que ele, mas Daichi também emana um calor gostoso, suave, reconfortante. Algumas das lágrimas pingam no ombro dele, misturando-se com o resto da água do mar na pele morena. Poucos minutos depois Suga ergue a cabeça e limpa o rosto com a mão.

— Eu nem sei por que estou chorando.

— Você deve estar sentindo muita coisa.

— Ah, sim — Suga ri um pouco — Eu definitivamente tô sentindo muita coisa. Eu tô feliz, tão feliz!; e confuso, preocupado, triste e com raiva. Eu tô com raiva porque eu sempre sonhei com algo assim minha vida toda, e todo mundo no recife mentiu pra mim todos esses anos... — a voz dele fica baixa, e ele encara os grandes olhos castanhos de Daichi, bem próximos dos seus — Eu sou uma pessoa ruim por me sentir assim, Daichi?

Os olhos de Suga ficam úmidos novamente, ameaçando transbordar. Daichi abre um pequeno sorriso e segura na nuca de Suga, puxando-o para mais perto.

— Claro que não. Óbvio que não. Você é uma ótima pessoa, Suga, todos sabemos disso. É completamente normal você se sentir assim. Apesar de terem as melhores intenções do mundo, o pessoal do recife escondeu as coisas de você e te privou de um mundo só seu. Tudo bem sentir raiva disso.

— Eu não quero me sentir assim.

— Às vezes é melhor aceitar e reconhecer o sentimento pra ele ir embora mais rápido. É ruim, mas eu prometo que passa.

Eles se abraçam de novo, dessa vez deitando contra a pedra, ambos de lado. Suga apoia o rosto na curva do pescoço de Daichi e suspira, feliz ao sentir a pele dele na sua e os braços ao redor de si.

Suga decide tentar substituir aos poucos essa raiva por gratidão — gratidão de ter sido mantido da verdade até ser adulto e maduro o suficiente para lidar com a informação, para não ter dito ou feito coisas das quais se arrependeria, para ter conhecido pessoas que fizeram esses sentimentos todos mais fáceis de carregar. Gratidão por ter tido a chance de conhecer Hinata, Kageyama, e principalmente Daichi. Suga mal consegue imaginar o que teria sido de sua vidinha entediante se Daichi jamais tivesse se perdido a caminho da praia onde sempre surfava, há quase cinco anos. Ele nunca teria ido se aventurar no mundo humano e Hinata e Kageyama ainda estariam presos no circo. Esconderam coisas dele, verdade, mas talvez tenha sido para o melhor.

Agora, em Nerida e nos braços da pessoa que mais ama, Suga tem certeza de que tudo faz sentido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Subaquático" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.