Subaquático escrita por ohhoney


Capítulo 8
Nuvens no céu




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O mar ia e vinha em um ritmo agradável, e o barulho das ondinhas quebrando na praia embalou o sono dos quatro garotos que dormiam pacificamente na areia. O ar está parado; as folhas das árvores não balançam, dando a impressão de que o tempo havia congelado. A única coisa que se movia era o Sol, que levantava preguiçosamente no horizonte, manchando o céu levemente nublado de roxo, laranja, rosa e amarelo. As nuvens moviam-se devagar, exibindo suas novas cores contra o céu, que ia de preto a azul-escuro, roxo e até ciano.

Em alguma árvore não muito longe dali, um passarinho pia. A noite, que tinha sido bem fria e parada, dava lugar ao nascer do sol. O tempo parecia ter voltado a rodar no relógio. Pequenos caranguejos saem de seus buracos na areia e espiam em volta antes de saírem para explorar. Um deles consegue escalar a cauda da Hinata e o cutuca com suas garrinhas.

O menino ruivo abre os olhos lentamente, ainda confuso de sono. A primeira coisa que vê são raios dourados refletindo nas nuvens brancas e o céu tomando uma cor azulada. O dia estava nascendo.

O braço de Kageyama atravessava seu peito e ele sentia sua respiração no cabelo. Os dois estavam quentes e confortáveis dormindo juntos. Hinata até quis ficar ali por mais algumas horas, mas seu coração disparou ao lembrar que veria a família em breve.

Com o coração pulsando na garganta, ele olha para o outro lado da extinta fogueira e vê Daichi e Suga dormindo próximos um do outro. Hinata começa a ficar nervoso.

— No que você tá pensando?

A voz rouca de Kageyama soa em seus cabelos.

— Que precisamos ir logo.

— Eu sei que você já disse mil vezes, mas... Por favor, diga de novo.

— Eu não vou te abandonar. — Hinata afaga o braço de Kageyama - Eu não vou fugir. Eu vou te esperar no lugar combinado. Quando chegarmos em Nerida, vamos ficar juntos. Não vão nos separar porque você é tudo o que eu tenho e eu sou tudo o que você tem.

Kageyama solta um barulho baixinho e Hinata sorri na direção das nuvens que passeavam acima de sua cabeça, bem alto lá no céu.

— Vamos comer alguma coisa.

— Vamos.

Suga acorda com a movimentação e com as vibrações na areia. Kageyama e Hinata já estavam acordados, os dois sentados no colchão conversando e comendo. Suga se mexe e coça os olhos; cedo demais...

Daichi dormia pacificamente. Suga até sente dó de acordá-lo, mas sabe que precisa. Apertando de leve a mão que segurava a sua, ele vê as pálpebras de Daichi tremerem e ele abrir os olhos. O Sol já despontava no horizonte.

— Bom dia. — Suga sorri — Está na hora.

Daichi geme em reprovação, mas levanta-se mesmo assim. Pegando um sanduiche na mochila, os quatro garotos comem seus cafés da manhã e repassam o plano:

Hinata e Suga seguiriam com as baleias até onde desse e aí iriam sozinhos, acompanhando o continente até o lugar de encontro, antes da balsa. De lá, Daichi e Kageyama fariam contato pela água e lá decidiriam o próximo passo. Saindo ao nascer do sol, estimavam chegar por volta das 19h no local da balsa.

Hinata está confiante, assim como Kageyama. Suga encontra-se um pouco nervoso e Daichi está preocupado, mas torcendo pelo melhor.

Kageyama e Daichi guardam as coisas no carro rapidamente e voltam para se despedirem dos dois que iriam por mar. O piado dos passarinhos já estava mais forte e os tons de roxo deixavam o céu, dando lugar ao laranja e amarelo.

Hinata segura nas mãos de Kageyama e repete as palavras mais uma vez, acalmando o coração do garoto e deixando claro que tudo ficaria bem e que os dois logo se reencontrariam. Abrindo um largo sorriso, Hinata rasteja até o mar e acena para o garoto na praia.

Suga sente as ondas batendo levemente em sua cauda. Daichi está agachado a sua frente, encostando testa com testa. Ele fecha os olhos com força e sua boca é uma linha curva apertada. Ele segura na nuca de Suga com força.

— Por favor... Por favor, tome cuidado.

— Eu prometo.

— Eu amo você.

— Eu amo você também.

Suga pega a mão de Daichi e a coloca em sua bochecha. Sorri brevemente, tentando passar confiança, e beija as juntas de seus dedos.

Daichi ergue-se e vê Suga entrar na água e nadar até Hinata. Eles acenam, e os garotos em terra acenam de volta.

Um jato d'água espirra para cima a dezenas de metros da praia e grandes nadadeiras batem com força, espirrando água para os lados. As baleias. Com um último adeus, Suga e Hinata mergulham no mar escuro.

Kageyama e Daichi limpam os pés e calçam seus tênis. Daichi dá a partida no carro e eles seguem pela estradinha de terra até a rodovia. De lá, pegam a ponte que conecta a ilha ao continente. Pisando fundo no acelerador, os dois observam como o sol não mais tocava o horizonte e jogava raios dourados nas nuvens escuras que pairavam à distância.

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Daichi olha para o lado e vê Kageyama dormindo encostado na janela. Ele ressonava, despreocupado, aproveitando as horas que passariam na estrada. Daichi coça os olhos e termina sua latinha de energético. Estava com um pouco de sono, mas tinha conseguido dormir bem e não se sentia cansado.

Os dois já haviam atravessado a ponte e seguiam na rodovia deserta. São 07h30 da manhã e o céu está coberto de nuvens cinzas. Certamente choveria em breve.

Foi por volta do meio-dia que um forte trovão fez Kageyama pular no lugar. Grandes e gordos pingos começavam a cair do céu diretamente no para-brisas do carro. Raios caem ao longe, perto das montanhas, iluminando o céu escuro com rápidos feixes de luz. Daichi aperta os dedos no volante.

— Quer parar pra almoçar, Daichi-san?

— Quero. Tem um posto ali na frente. Podemos comer um lanche ou algo do tipo.

Pingos grandes continuam a cair, ecoando na lataria do carro. Ainda não começara a chover de verdade; as nuvens pareciam provocar os motoristas na estrada.

Daichi avista o neon do posto de gasolina e para no estacionamento da lanchonete do lado. É um lugarzinho simples, com algumas mesinhas de plástico. A única atendente está sentada no balcão lendo uma revista e sorri quando os garotos entram.

— Oi! Boa tarde!

— Boa tarde — Daichi sorri de volta.

Eles sentam à mesa. A moça anota os pedidos e sai pela portinha atrás do balcão. Com mais um trovão de chacoalhar as vidraças, a chuva finalmente despenca do céu de uma vez.

Pela janela, eles veem tudo ficar cinza, coberto por um véu de chuva forte. Os pingos que batem no telhado ressoam dentro da lanchonete. Pela pequena TV presa à parede, eles escutam as notícias.

— Oh, Sammy, isso não é nada bom! — o homem de terno está parado na frente de um grande mapa do país inteiro — Como podemos ver, a previsão é de chuva forte até a madrugada, com tempestade de raios. Em algumas regiões há a possibilidade de rajadas de vento também. Surfista, é melhor deixar a prancha em casa hoje: o mar estará agitado e perigoso, com ondas de até 4 metros. Pedimos a todos os espectadores que permaneçam em casa se possível.

Daichi engole a bola em sua garganta. A previsão do tempo realmente era horrível, mas o mar... Se tudo estivesse conforme o planejado, Suga e Hinata estariam longe da tempestade.

Ele só podia esperar pelo melhor.

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Mesmo cercados por um grupo de quatro baleias, Hinata e Suga eram jogados de um lado para o outro pelas fortes e bravas ondas do mar.

— Fiquem perto de nós. — uma das maiores baleias diz, colocando os dois garotos entre suas nadadeiras peitorais, protegendo-os — Se vocês se perderem, não conseguirão nos achar.

Suga está apavorado. O mar está feroz e violento como ele nunca vira antes, e está bem escuro. Por mais que tenha boa visão, não consegue enxergar mais que alguns metros à frente. Seus sentidos estão confusos e sobrecarregados: há vibrações por toda parte e tudo parece muito barulhento.

As baleias cantam. Seu chamado reverbera pela água por quilômetros e quilômetros. Suga e Hinata nadam a toda velocidade tentando acompanhar os grandes animais. Suga sente-se fraco e confuso, apoiando a mão em uma das nadadeiras que o protege.

— Suga-san, você tá bem?

— Não me sinto muito legal, Hinata. Estou com a impressão de que vou desmaiar...

Hinata olha em volta rapidamente, tentando sentir alguma coisa na água agitada. Quando detecta algo, agita rapidamente sua cauda e some na escuridão; Suga tenta chamá-lo, imaginando Hinata se perdendo do grupo, mas não tem forças.

Poucos segundos depois, Hinata aparece, seguido por uma trilha de sangue. Suga apavora-se, até perceber que não era Hinata que sangrava. Ele segurava dois atuns de tamanho médio em uma mão e a pedra afiada que Kageyama lhe dera na outra. O cheiro do sangue era estonteante.

Voltando à superfície para respirar, as baleias diminuem o passo. Hinata puxa Suga até lá e eles se apoiam nas costas de uma das baleias.

— Suga-san, come isso.

— Hinata, eu não como... Peixe.

— Escuta. — a forte chuva pinga no rosto dos dois com força e raios caem ao longe — Eu sei que você só come algas, Suga-san, mas elas não estão te dando energia o suficiente. Estamos nadando sem parar faz várias horas e temos que seguir por muitas mais; você não vai aguentar desse jeito. É só uma vez, prometo.

Os grandes olhos castanhos de Hinata o encaram ferozmente. Tremendo, Suga pega um dos atuns que Hinata carrega.

— Ele tem razão, querido. — a baleia mais velha diz suavemente — Ainda estamos na metade do caminho.

Apesar de sentir-se culpado, o cheiro do sangue faz Suga salivar. Ele nem lembrava mais o gosto da carne, mas parece que sua natureza o chamava. Prendendo o ar, Suga mete os dentes no peixe. Suas escamas se arrepiam. Ignorando o peso na consciência e pensando no objetivo maior, Suga come os dois atuns.

Poucos minutos depois e de estômago cheio, Suga sente-se forte e energizado. A sensação é totalmente diferente da de comer algas: enquanto as algas enchiam o estômago e o permitiam funcionar direito, o peixe parecia mais nutritivo e pesado; para uma vida no recife, as algas conseguiam sustentá-lo sem problemas, mas não davam conta de manter a energia por muitas horas de esforço.

As baleias retomam o fôlego e afundam. Hinata vai com elas. Sozinho na superfície, Suga olha ao redor e nada vê. Não há sinal de terra para nenhum dos lados, o céu está cinza e escuro, e chove forte. As ondas o sacodem para todos os lados. Suga sente muito medo. Sentia falta da presença reconfortante e segura de Daichi.

— Suga-san!

A voz de Hinata o tira dos pensamentos ruins, e ele afunda de volta na água.

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A chuva tinha diminuído, dando lugar a uma fina garoa. O mar não está mais tão movimentado. Não é possível saber exatamente o horário, mas já está tarde; é quase hora de se encontrarem com Daichi e Kageyama. Já está escuro, mas a pouca luminosidade do céu ainda era o suficiente para enxergar.

— Queridos, é aqui que nos separamos. — a maior baleia do grupo aproxima-se dos garotos e pisca seus grandes olhos — Se quiserem encontrar o continente, sigam naquela direção até verem as luzes — ela aponta para a direita.

— Ok. Obrigado pela ajuda! — Hinata tenta abraçar a grande baleia o melhor que consegue.

— Muito obrigado por deixar que nós os acompanhássemos. Apareçam no recife da ilha mais vezes para brincarmos!

— Claro, queridos. Boa sorte!

Suga também abraça a baleia e eles se despedem do pequeno grupo, que faz uma curva e continua seguindo. Suga e Hinata ficam parados lá, vendo as baleias distanciarem-se na escuridão até eventualmente sumirem. Suga olha para Hinata, meio aflito. O menino ruivo o olha de volta, soltando bolhinhas, e abre um sorriso.

— Vamos?

— V-Vamos...

Eles voltam a agitar suas caudas na direção que a baleia apontou. Eles começam a sentir vibrações na água; provavelmente eram barcos e o impacto das ondas nas pedras.

Mais quarenta minutos de nado e Hinata consegue ver as luzes da cidade à distância, pontinhos amarelos e brancos bem longe ao fundo. Eles se animam um pouco e nadam mais rápido, acompanhados por um cardume de sardinhas.

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Daichi pega a saída da esquerda na direção da cidade. Depois de terem sofrido na estrada com toda aquela chuva, haviam chegado. Os bumbuns deles doíam de tanto ficarem sentados, e os pés de Daichi estavam doloridos e com cãibras.

Não era uma cidade grande; a maior parte das residências eram casinhas simples, um ou outro comércio, e vários barcos parados na praia. Placas indicavam o caminho para a balsa que conectava o continente à ilha turística.

Daichi estaciona o carro na rua e os dois descem para a praia. Está escuro e meio frio, e cai uma leve garoa. Por estar fora de temporada, a cidade parecia deserta. Um ou outro barco passeava à distância.

— E agora? Já são 19h30. A gente se atrasou por causa da chuva. — Kageyama olha ao redor.

— Será que eles já chegaram?

— Não sei. Vamos tentar chamá-los.

A areia molhada é gelada nos pés descalços. O céu continua fechado e nublado, e finos pingos molham os cabelos dos garotos. A praia está deserta e escura, e a única luz próxima vem de um poste na rua a alguns metros de distância. Eles sobem as calças até os joelhos e entram na água fria até as canelas.

— Hinata!! Hinataaaaa!! — Kageyama coloca as mãos ao redor da boca e grita bem alto.

— Não sei se adianta gritar. Se eles estiverem embaixo d'água, não vão escutar. Vamos agitar a água, talvez eles sintam as vibrações.

Daichi começa a chutar e chutar a água com força. Kageyama, meio incerto, também o faz.

— Suga!!

— Hinata! Cadê vocês?!

Dois apitos altos soam do mar, mas não se sabe exatamente de onde. Daichi e Kageyama ficam parados em silêncio tentando descobrir de onde vinham. Mais apitos, dois curtos e um comprido.

— Suga?!

— Hinata! Aqui!

Os apitos soam novamente e dois pontos pretos aparecem na água, no meio dos barcos ancorados na baía. Daichi e Kageyama erguem os braços e acenam, e recebem acenos de volta.

O coração de Daichi bate aliviado no peito. Alguns segundos se passam até que Hinata e Suga aparecem na praia, cansados, mas ainda assim sorrindo. Eles respiram rápido e se arrastam pela água rasa até chegarem perto dos dois garotos de água na canela.

— Vocês conseguiram! — Daichi abaixa e pega a mão de Suga, abrindo um largo sorriso — Correu tudo bem?

— Sim, sim... — Suga tenta recuperar o fôlego — Só... O mar estava muito agitado...

— Foi difícil — Hinata sorri e também pega na mão de Kageyama, que o olhava com fogo nos olhos —, mesmo com as baleias. As ondas... Estavam fortes... E vocês?

— Pegamos muita chuva na estrada e isso nos atrasou um pouco, mas fora isso tudo normal. — Kageyama afaga o dorso da mão de Hinata — Melhor descansarmos, estamos todos precisando.

— Sim. — Daichi concorda — Acho que vamos montar a barraca aqui na praia mesmo. Amanhã de manhã pegamos a primeira balsa pra ilha.

— Perfeito. Eu e o Hinata vamos arranjar algum lugar pra dormir então.

Suga sorri para Daichi e dá um beijo úmido nele. Eles logo se despedem.

Daichi e Kageyama montam a barraca embaixo de uma árvore, ainda na areia, para não pegarem tanta chuva. Trocados com roupas mais quentes, eles deitam em seus colchões e tentam dormir. Suga e Hinata vasculham a baía atrás de algum lugar seguro e acham uma pequena embarcação afundada não muito longe dali. Eles se enfiam no buraco do casco e acabam por desmaiar de cansaço.

Choveu a noite inteira, horas mais e horas menos. A brisa que vinha do mar era gelada, mas também serviu para empurrar as pesadas nuvens de chuva para longe. Quando o sol nasceu no horizonte, somente algumas nuvens fofas e brancas flutuavam pacificamente lá no alto.

Hinata remexe-se, inquieto. Pensa ter ouvido alguma coisa, mas deixa pra lá, rolando para o lado. Outra vibração; o ruivo abre os olhos e vê longos bigodes e um nariz preto pontudo.

Hinata tenta gritar, mas acaba engasgando-se na água salgada. Ele tosse e abre bem os olhos, tentando ver direito o que era aquela coisa. Suga acorda meio assustado e dá tapinhas nas costas do ruivo, ainda grogue de sono.

— Que foi?

Retomando o fôlego, Hinata aponta para o furo no casco, de onde um par de olhos grandes e negros os olhavam. Quando Suga olhou naquela direção, viu só um relance.

— O que é aquilo? — pergunta.

Hinata, já recuperado, pega a pedra afiada presa em seu pulso e vai sorrateiramente até a saída, seguido por Suga.

Uma grande e gorda foca olha para eles com aqueles olhos arregalados e bigodes brancos, balançando suas nadadeiras para cima e para baixo.

— Oi!

Suga e Hinata encaram-na, atordoados de surpresa e sono. Ela gira e mostra os dentinhos.

— Meu nome é Sally, a foca! E quem são vocês?

— M-Meu nome é Suga, esse é o Hinata...

— Prazer! Faz tempo que não vejo sereianos por aqui.

Os dois se olham rapidamente.

— Sereianos?

— É! Acho que a última vez foi há uns três anos...

— Então estamos perto de Nerida?! — Hinata segura em uma das nadadeiras de Sally, empolgado.

— Sim! É mais ou menos naquela direção, não sei exatamente onde. — ela aponta com o nariz para a direita — Não tenho muito costume de sair daqui. Os humanos me alimentam super bem! — ela ri e dá voltinhas.

Os três vão à superfície e se escondem atrás de um dos barcos.

— Acho que aqueles garotos humanos estavam procurando por vocês. Cuidado, podem ser caçadores. — ela olha na direção da praia.

— São nossos amigos!

Daichi e Kageyama estão sentados na areia conversando e comendo. Junto com Sally, Hinata e Suga nadam até lá.

— Bom dia! — Hinata os cumprimenta, rastejando até o lado de Kageyama.

— Bom dia, Hinata, Suga. Dormiram bem?

— Sim! Mas não sei por que acho a água daqui meio estranha. Parece até grudenta...

— Também achei. É escura, não dá pra ver nada.

— É por causa do esgoto e do diesel dos barcos — Sally explica, rolando para perto de Kageyama — Ei, me dá um pedaço do seu lanche? Por favorzinho?

Sally parece triste que Kageyama a ignorou, mas Daichi trata de explicar que só podia conversar com ela por causa do colar que usava, e que o outro garoto não tinha como ouvi-la. Para resolver a situação, Daichi passou o colar pela cabeça dos dois.

— Me dá um pedacinho!

— Não. Tô com fome. Vai caçar algum peixe ou algo do tipo — Kageyama responde ao enfiar o resto do lanche na boca, depois de ter se recuperado do susto inicial de ver aquela foca gorda e bigoduda falando com ele.

— Ai, como você é chato!

— É mesmo, né? — Hinata solta uma risadinha e recebe um soco no braço de resposta — Ai!

— Escutem. — Daichi se pronuncia — A primeira balsa pra ilha sai em meia hora. Deve levar uma hora para chegar lá. Quando chegarmos, podemos ir procurar por Nerida nas ilhas mais próximas.

— Sim! — Suga sorri — Sally, quer vir com a gente? Você parece saber onde fica, pode nos ajudar.

— Ah, não, não! — ela agita o rabo — Não quero sair da baía. Se eu for muito longe os tubarões vão vir atrás de mim. Aqui os humanos me dão comida, então nem vou!

— T-Tubarões...? — Daichi arregala os olhos levemente, olhando para Suga.

— Sim! — Sally rola para perto dele — Essa época do ano tem muito tubarão por aqui. Eles ficam bravos quando invadem seu território.

— Não se preocupem, nós vamos falar com eles — Hinata dá uma piscadinha para os garotos humanos, tentando reconfortá-los — Além do mais, só estamos de passagem.

Os cinco conversam por mais alguns poucos minutos antes de decidirem partir. Eles se despedem de Sally e desmontam a barraca, guardando as coisas na mochila e colocando as coisas no carro. Eles vão embora na direção da balsa, com promessas de se encontrarem logo com Hinata e Suga.

Quando chegam na fila, só outros três carros aguardavam para entrar. Poucos minutos depois Daichi estaciona e ele e Kageyama descem e sentam em um dos bancos, observando o mar ir tomando conta de toda a paisagem e o continente ir ficando pequenininho, pequenininho.

Kageyama olha para o céu e deixa-se vagar. Tentava imaginar como seria Nerida. Imagine só, uma cidade submersa, cheia de seres meio humanos, meio peixes. Cheia de animais coloridos e diferentes por todo canto. Todo mundo nadando e convivendo feliz e em paz.

Hinata reencontraria sua família e Kageyama ficaria junto dele. Os dois passariam ótimos dias juntos nadando e brincando e explorando o oceano. Eles não precisariam mais se preocupar com prazos e truques idiotas, teriam liberdade para ir e vir, comeriam o quanto quisessem e todo mundo estaria feliz.

O pensamento de uma vida em Nerida junto com Hinata deixa o coraçãozinho de Kageyama batendo alegre no peito, e seus olhos até ficam úmidos enquanto ele observa a imensidão azul do mar. Ele segura a calça na região dos joelhos, empolgado.

Vendo um ou outro peixe pular entre as ondas, a bola no estômago de Daichi o sufoca levemente. Ele ama Suga, óbvio. E também é óbvio que, por causa disso, quer o melhor e apenas o melhor para ele. Mesmo que isso significasse deixá-lo em Nerida e voltar para casa sozinho. Daichi só quer que Suga seja feliz, não importa onde... Mas seria bem mais legal se fosse junto dele.

— Vai ficar tudo bem...

— Você falou alguma coisa, Daichi-san?

— Não, não.

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Daichi e Kageyama olham ao redor enquanto vão pela única rua asfaltada da pequeníssima ilha. A placa que viram logo após descer da balsa informava que somente 157 pessoas moravam lá. E parecia mesmo: as casinhas pequenas e coloridas preenchiam somente quatro quarteirões e dividiam espaço com pequenos comércios — uma padaria, um mercado, restaurantes, pousadas, lojas de souvenir e uma livraria.

Daichi parou o carro na rua e ele e Kageyama desceram até a praia. Felizmente o vento da noite anterior tinha levado as nuvens de chuva embora e fazia um pouco de calor. O céu estava limpo e azul.

— Olha lá — Tobio aponta para dois pontinhos no mar — São eles. Acho que a gente deveria ir logo.

Os quatro se acenam. Daichi coloca a mão no queixo e olha em volta.

— Tive uma ideia.

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Na ponta da praia há uma grande casa de madeira com uma placa escrita "EQUIPAMENTOS DE MERGULHO AQUI". Os dois garotos vão até lá. Na areia, uma porção de pranchas, boias, caiaques, coletes salva-vidas, tanques de oxigênio e roupas de mergulho estão sendo exibidas perto de um homem barbudo. Ele fala com duas moças e as entrega máscaras de mergulho, snorkels e um par de nadadeiras de plástico para cada uma. As moças vestem os acessórios e entram na água, nadando até o recife mais à frente.

Daichi e Kageyama se aproximam do homem e são recebidos com um sorriso.

— Bem-vindos! É a primeira vez de vocês aqui na ilha?

— Sim, acabamos de chegar — responde Daichi.

— Que bom que o dia está bonito então! — ele ri — Ok, vou explicar como fazemos aqui na ilha. Vocês podem escolher o que quiserem e usar por quanto tempo precisarem mediante uma taxa que recolhemos para proteger os corais e a vida marinha da região. Deixem seus documentos comigo e podem passear à vontade por toda a praia, mas por favor não ultrapassem aquela boia ali. — ele aponta para uma coisinha laranja no mar — As correntes são fortes e há tubarões essa época do ano. Entenderam?

— Claro.

— Beleza! Podem escolher o que quiserem. Os tanques de oxigênio estão cheios caso queiram mergulhar; nossos corais são os mais coloridos!

Daichi e Kageyama agradecem. Eles escolhem um caiaque de dois lugares. Com seus coletes salva-vidas e seus remos, eles colocam a embarcação na água e sobem, Daichi na frente e Kageyama atrás, remando na direção das pedras.

— A água tá fria — Kageyama comenta.

— Tá mesmo. Você tá vendo os dois por aí?

— Ali.

Kageyama aponta para as rochas na pontinha da baía, que fazem divisa com uma outra praia da ilha. Hinata e Suga estão sentados nas pedras e sacodem suas caudas de um lado para o outro. Daichi ri; a imagem parecia aquela do filme do Peter Pan. Eles acenam quando os garotos no caiaque chegam.

— Demoraram!

— Desculpe. A balsa levou mais tempo do que o esperado. — Kageyama apoia o remo no colo enquanto segura em uma das pedras para manter-se no lugar.

— Vindo pra cá vimos pelo menos cinco ilhotas naquela direção — Suga aponta para o mar e Daichi consegue ver uma delas à distância —, mas acho que ainda tem mais.

— Vamos, então.

Daichi afasta o caiaque das pedras e Suga e Hinata pulam na água. Rapidamente, para não serem vistos, eles puxam os dois para trás do rochedo na direção que Suga apontou. A boia laranja ficou para trás rapidamente.

Com os dois sereianos puxando o caiaque, eles chegaram em pouco tempo à primeira ilhota: era uma montanha de pedras pretas, onde a água batia e espirrava para todos os lados.

— Não estou sentindo ou vendo nada. — Hinata diz, e Suga sente-se levemente preocupado — Relaxa, Suga-san! — ele abre um sorriso — Vamos ver na próxima ilha.

O mar realmente estava puxando, mas não o suficiente para incomodar os dois sereianos que puxavam o caiaque. Eles até que iam rápido; o sol estava alto no céu e queimava os ombros dos garotos apesar do protetor solar.

De repente, Suga e Hinata param de nadar e olham ao redor.

— Suga? — Daichi está confuso — Que foi?

Ele vê as escamas nas caudas dos dois ficarem arrepiadas. Eles viram a cabeça na mesma direção e Daichi vê.

Não uma, mas duas sombras escuras aproximam-se rapidamente dos quatro. Daichi sente o estômago cair até o pé e a mão de Kageyama lhe apertar o ombro com força.

— Calma, são só dois tubarões. Não precisam ter medo. — Hinata tenta soar casual, mas deixa transparecer na voz um pouco de nervosismo. Suga respira rápido, a mão firme na de Daichi.

Faz-se silêncio por alguns instantes. O caiaque sobe e desce com as ondas e o cheiro do sal gruda na pele. As duas sombras nadam em um grande círculo ao redor deles.

— Olá! Meu nome é Hinata — o ruivo diz com um tom animado, mas suas escamas ainda estão arrepiadas —, esse é o Suga, e esses são nossos amigos Daichi e Kageyama! Estamos só de passagem, não quere-

— Dois sereianos!

— E dois humanos!

— No meio do oceano, sozinhos!

— Tadinhos! Já sei o que vamos fazer!

— O quê, irmão?

 Comê-los!

As unhas de Kageyama fincam os ombros de Daichi, e ele esmaga a mão de Suga, respirando com força e bem alto. Suga e Hinata se encaram de olhos arregalados.

Os tubarões vão fechando o círculo ao redor deles. Hinata segura sua pedra afiada junto do corpo e Suga, apesar de parecer ter medo, bate a cauda com força na água várias vezes, mandando um aviso.

Os tubarões estão tão perto que Kageyama faz o caiaque inteiro tremer. É possível ver seus olhos pequenos e pretos espiando para fora da água na direção deles.

Um dos tubarões afunda e some de vista. O outro continua circundando o pequeno grupo. De repente, o primeiro tubarão aparece na frente e vem nadando a toda velocidade na direção deles. Hinata passa um braço na frente de Suga e o empurra para trás, empunhando a grande pedra pontuda diante de si.

— Ahhahahah! Calma, é brincadeira!

O tubarão para diante de Hinata e põe a cabeça pra fora, quase que sorrindo com seus dentes perigosamente afiados.

— É! Estamos brincando! Humanos nem são gostosos!

— Têm muito osso! E sereianos são gente fina!

— Me salvaram de uma rede uma vez!

Daichi sequer consegue processar o que está acontecendo. Os dois tubarões continuam nadando ao redor deles, mas não parecem mais tão ameaçadores.

— Meu nome é Alex!

— E eu sou a Cris!

— O que fazem aqui, amigos?

— Estão perdidos?

Os quatro se olham absolutamente confusos.

— N-Na verdade... — Suga começa, aliviando um pouco da pressão nos dedos de Daichi — Estamos procurando por Nerida...?

— A cidade submersa!

— Cheia de sereianos!

— Lá é tão legal!

— E bonito!

Suga olha para Hinata com as sobrancelhas erguidas e a boca aberta em surpresa.

— V-V-Vocês podem dizer o caminho? — Kageyama continuava tremendo.

— Olha! O garoto humano!

— Ele tá falando com a gente!

— Que maneiro!

— Humanos são tão fofos!

— Dá até vontade de morder!

Eles riem como se fosse uma piadinha casual, mas Kageyama aperta firme o pulso de Hinata.

— Oh, querido!

— Não precisa ficar com medo!

— Somos legais, juro!

— T-Tá...

— Então, podem nos dizer pra onde fica? — Hinata pergunta.

— Desculpe, não podemos dizer!

— Prometemos não falar pra estranhos!

— Miria ficaria brava com a gente!

— É! Não queremos que ela fique brava!

— Mas podemos acompanhar vocês enquanto procuram!

— Que tal?

— Pode ser, acho... — Suga dá uma risadinha — Obrigado mesmo assim.

Alex e Cris os acompanharam até as próximas três ilhotas, mas se despediram logo dizendo que iam encontrar um amigo. Daichi e Kageyama conseguiram relaxar depois que viram as sombras sumirem na água.

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— Tô ficando com fome. — Daichi comenta — Será que podemos parar ali rapidinho?

— Também quero comer. E meus ombros estão me matando.

Suga e Hinata levam os dois até um banco de areia com um único coqueiro. Daichi olha seu relógio e vê que já são 12h40. Estavam procurando há quase três horas, parando de ilha em ilha e perguntando pros peixes que passavam, mas nenhum quis responder.

Aliviado por estar na sombra, Kageyama tira seu colete salva-vidas e deixa-se cair de costas na areia, olhando para o céu com um sanduiche na boca. Hinata deita ao seu lado e ri de seus ombros vermelhos. Daichi deita a cabeça no colo de Suga, também comendo seu sanduiche, enquanto recebe um cafuné gostoso.

— Seu rosto tá um pouco vermelho também — Suga aponta, tocando no nariz moreno de Daichi — Será que vai arder amanhã?

— Espero que não, mas provavelmente vai.

Eles riem. O coração de Daichi aperta um pouquinho.

Após meia hora de descanso, Daichi e Kageyama voltam para o caiaque e Hinata os puxa por entre os bancos de areia. A água era suave e cristalina contra a areia branca.

Kageyama observa cuidadosamente as dezenas de pequenas cicatrizes na mão que segurava e puxava o caiaque. Delicadamente afagou cada uma delas e recebeu um sorriso caloroso de Hinata. Por alguma razão, porém, estava sentindo o estômago apertado. Os cabelos em sua nuca e braços se arrepiam.

— Daichi-san, não tô me sentindo muito bem...

— O que foi, Kageyama? — Daichi vira-se para trás para olhá-lo.

— Tô com uma sensação engraçada na barrig-

Kageyama para de falar e arregala bem os olhos, chamando a atenção dos outros.

Ali, no peito de Daichi, a pedra branca que um dia fora da mãe de Suga começara a brilhar.


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