Watanuki explicou mais uma vez sobre o preço envolvendo as memórias de cada um e a garantia de que todos eles voltariam a se encontrar no mundo para o qual iriam, mesmo que não se lembrassem de nada do que tinham vivido até agora. Também contou sobre a possibilidade de serem parentes ou terem algum laço diferente de apenas amizade.

— Que preço alto - Doumeki comentou após alguns segundos em silêncio, quando Watanuki terminou sua explicação, comendo um dos bolinhos feitos por Watanuki em seguida.
— Eu não acho que poderia ir com vocês, Watanuki-kun - Himawari deu um sorriso triste - Quero dizer, não quero deixar de te ver, mas… se eu for junto, só vou trazer azar para vocês… é possível até que vocês não consigam ir para esse outro mundo se eu estiver junto…
— Para isso, você precisaria se livrar da sua "má sorte" primeiro, Himawari-chan. Pagando um preço diferente - Watanuki respondeu, fazendo a garota arregalar os olhos para ele - Não é impossível, mas o preço é alto. Para isso, você terá que sacrificar o seu relacionamento com todas as pessoas que ama. Seus pais, tios, amigos… todos eles iriam se esquecer de você. Sua existência seria apagada da memória deles. Para eles, seria como se você nunca tivesse nascido neste mundo - ele explicou - E, se você desejar viajar conosco, terá que oferecer suas memórias, não apenas as que envolvem sua família, mas a todos nós, em troca da ida até o outro mundo conosco. Seriam dois desejos, por isso dois pagamentos.
— Os meus pais e os meus amigos… eles iriam me esquecer…? - os olhos da garota voltaram a ficar marejados.
— Pense por esse lado: Desse jeito, eles não irão sofrer com a sua ausência quando você partir e não estiver mais nesse mundo - Doumeki argumentou.
— Bem observado - disse Watanuki. Em seguida voltou-se para a garota e sorriu - Mas é claro que você não precisa fazer nada disso, Himawari-chan. Lembre-se de que sempre há uma escolha. E eu só chamei vocês aqui para me despedir mesmo.
— Mas eu quero fazer isso - a garota esfregou os olhos com as costas da mão e o encarou com um olhar mais decidido - Há anos que quero me livrar dessa má sorte, e finalmente tenho uma chance… e, mesmo que eu não me lembre de nada, também vou poder continuar ao seu lado, Watanuki-kun… então eu quero ir.
— Himawari-chan…
— Nem preciso dizer que eu vou também - Doumeki falou abruptamente. Maru e Moro exclamaram um "ahh" de decepção ao mesmo tempo quando ele cortou o clima.
— O que? - Watanuki voltou-se para ele, pasmo - Tem certeza disso?
— Qual o problema? - Doumeki rebateu, falando com a boca cheia de comida - Por acaso a Kunogi pode ir e eu não?
— Não estou dizendo que não pode, mas… o que vai dizer à sua família? Se me lembro bem, você e a Kohane-chan estão namorando, não é? Vai deixá-la desse jeito?
— Claro que não. Tsuyuri vai comigo - Doumeki respondeu - Se ele pode levar essa tal de Sakura mesmo ela nem estando aqui, então eu também posso levá-la comigo também - ele apontou para Syaoran com a cabeça.
— Vocês já estão juntos há um tempão, então trate de chamá-la pelo primeiro nome de uma vez - Watanuki ralhou - E de qualquer forma, como você pode ter certeza de que ela iria querer ir junto? Acha mesmo que Kohane-chan estaria disposta a deixar a família dela aqui para ir até um lugar desconhecido? Vai simplesmente levá-la assim, sem nem mesmo consultá-la?
— Ela está cada vez mais distante da mãe desde que ela se casou de novo - Doumeki contou - Continua morando com a Obaa-san, mas ela já está com uma idade avançada… embora ainda possua poder suficiente para ter uma noção do que está prestes a acontecer com todos nós. Acho que a Tsuyuri não iria querer ficar para trás sozinha.
— É… suponho que não - Watanuki concordou, tragando longamente de seu cachimbo.
— Mas, antes de começarmos, me diga uma coisa - Doumeki pediu - Esses três realmente precisam do seu poder para encontrar esse tal mundo onde estão os pais do Syaoran? Quero dizer, eles já conseguem viajar por várias dimensões diferentes, não é?
— Sim, mas… o que aconteceu com meus pais é muito complexo… - Syaoran começou, sem saber como explicar aquilo. Se começasse, demoraria horas falando, não saberia nem por onde começar - Além do mais, Fye-san e Kurogane-san também têm seus próprios desejos, por isso já não basta apenas viajar por dimensões diferentes. Precisamos da ajuda do Watanuki-kun para encontrar o mundo que estamos procurando.
— E você tem certeza de que pode fazer isso? - Doumeki perguntou.
— Eu vi em um sonho na noite passada - Watanuki contou, balançando distraidamente seu copo de sakê em uma das mãos - Um mundo onde não apenas eu, mas também você e Himawari-chan estavam. Eu estava fora da loja. Todos nós convivíamos juntos sem nenhum problema aparente. Syaoran-kun e Sakura-chan estavam lá também. E, no dia seguinte, Syaoran-kun apareceu. Não pode ter sido mera coincidência, porque não existem coincidências nesse mundo. Significa que vai funcionar, tenho certeza - ele encarou os três viajantes, que pareciam confusos com aquilo - Meus poderes são mais fortes dentro dos sonhos. Não sei qual Syaoran-kun e qual Sakura-chan eu vi no sonho, mas eles estavam lá. Com roupas diferentes das que vocês costumam usar, mas vocês estavam felizes, conviviam conosco, e estavam sorrindo… se aqueles dois eram os pais do Syaoran-kun, então com certeza todas as pessoas que desejamos reencontrar devem estar lá também. Tomoyo-hime, o irmão do Fye-san… e a Yuuko-san também.
— O que você descreveu se parece com o poder que a Tomoyo-hime tem - Kurogane comentou - Se for o mesmo tipo de poder, então você deve estar certo.
— Kuro-chan tem razão! - Fye exclamou com empolgação excessiva para ocultar sua ansiedade e nervosismo - Se Watanuki-kun diz, então com certeza vamos poder reencontrar meu irmão e todos os outros!
— Não me chame desse jeito! - Kurogane mirou um soco contra Fye, que se esquivou mais uma vez.
— Vamos, vamos, alegre-se, Kuro-sama! - ele riu da expressão irritada do homem - Vamos reencontrar os pais do Syaoran-kun, a Tomoyo-hime, e o meu irmão também. Finalmente vamos realizar nossos desejos! Deveria estar mais feliz.
— Falando nisso, esse homem… ele não é humano, é? - Doumeki indagou de repente, encarando o loiro.
— Eh? - Fye parou com a brincadeira e voltou-se para o rapaz, surpreendendo-se por um instante - Que cruel… assim você me deixa magoado - o loiro se fingiu de vítima, embora Doumeki estivesse falando a verdade.
— Não seja rude com os meus clientes, Doumeki - Watanuki o repreendeu.
— Mas não é verdade? - ele perguntou - Eu senti uma aura sobrenatural emanando dele desde que cheguei aqui. Só não disse nada antes porque não senti nada maligno.
— Isso é porque o Fye não é uma pessoa má! - o Mokona branco respondeu.
— Mas ele está certo - Fye admitiu - Deixei de ser humano já faz algum tempo. Sou um vampiro agora.
— Um vampiro mago? - Doumeki indagou.
— Isso mesmo - ele confirmou.

Doumeki o encarou por alguns segundos em silêncio, como se o estivesse analisando. Por fim, disse:

— Impressionante.
— É incrível! - Himawari exclamou tão alto que sobressaltou todos ali - Nunca tinha visto um vampiro antes!
— Bem, você está vendo agora - Fye não conseguiu evitar de rir do exagero de reação dela.
— Foi por isso que você não bebeu o sakê nem comeu nada? Porque a comida do Watanuki-kun é deliciosa, sabe, eu nunca vi ninguém recusar!
— Sim… comida não tem mais gosto de nada para mim - Fye respondeu, e ia mudar de assunto, mas ela continuou falando.
— Então você realmente só se alimenta de sangue? Você tem presas? Posso ver?
— Ela não tem um botão de desligar? - Kurogane indagou, começando a ficar tonto com aquela enxurrada de perguntas, mas ninguém lhe deu atenção.
— Eu adoro filmes de terror sobre vampiros, sabia? Posso ver você bebendo sangue?
— Ah… eu não gostaria de fazer isso na frente de uma dama… não é uma coisa bonita de se ver - Fye encolheu os ombros como quem se desculpa, torcendo para que ela parasse de fazer perguntas.
— Agora que você mencionou - Syaoran disse - Eu nunca vi Fye-san se alimentando - era incrível que só tivesse reparado nisso agora. Estavam viajando juntos há anos, e apenas percebia vagamente que Fye não comia mais junto com Kurogane e ele, mas nunca parou para pensar em como ele se alimentava - Kurogane-san, você já viu? - ele voltou-se para o maior.
— Syaoran-kun, pare com isso… está me deixando sem graça - Fye pediu antes que Kurogane pudesse responder, pois sabia que qualquer coisa que o maior falasse certamente seria comprometedor.

Por que tinham que falar disso agora? Justo quando estava prestes a se livrar dessa horrível condição. Aquilo era tão vergonhoso… tinha evitado ao máximo que outras pessoas o vissem se alimentando, nem sequer gostava de fazer isso. Estava muito ferido quando sua transformação aconteceu, mas lembrava-se de que Syaoran não estava presente quando a condição de que Kurogane seria seu único "alvo" foi imposta, pois ele tinha se retirado para cuidar de Sakura, que estava ferida na ocasião, e era grato por isso. Mas por que o garoto tinha que ficar curioso sobre isso agora? Não… Syaoran nunca tinha perguntado sobre isso antes. Himawari foi quem começou a perguntar. Watanuki estava certo, ela trazia "má sorte" para as pessoas ao seu redor. E essa má sorte estava começando a se alastrar por aquela sala.

— Ah, me desculpe, eu… não percebi - Syaoran baixou a cabeça, envergonhado. Mas que tipo de amigo ele era? Acabou se deixando levar pela curiosidade e nem percebeu que estava fazendo perguntas estranhas na frente de pessoas que acabara de conhecer.
— Bem, acho que não faz a menor diferença como ele faz ou deixa de fazer para se alimentar. Já que Fye-san não será um vampiro no mundo para o qual nós vamos - Watanuki pronunciou-se, achando melhor acabar com aquele assunto de uma vez - Já expliquei todas as condições necessárias para todos. Então, é melhor começarmos.

Ele se levantou e arrastou os móveis da sala para um canto, deixando um grande espaço vazio no centro da sala. Em seguida voltou-se para o grupo de novo:

— Agora prestem atenção: Todos vocês, pensem nas pessoas que são importantes para vocês. Nas pessoas que vocês amam. Nos nomes delas, em seus rostos, o tipo de relacionamento que vocês têm com elas… e pensem também se essas pessoas possuem alguém que é importante para elas. Alguém indispensável neste mundo, ou no mundo onde ela vive, uma pessoa insubstituível da qual ela não iria querer se separar de jeito nenhum. Só assim essas pessoas importantes poderão ir conosco. Vocês não podem simplesmente visualizar seus rostos; precisam também sentir o afeto que nutrem por elas com o máximo de intensidade em seus corações - Watanuki explicava em tom de voz altivo. Ele fechou os olhos e abriu as mãos ao lado do corpo. Foi envolvido por um vento repentino, que preencheu toda a sala. Um círculo mágico surgiu debaixo de seus pés, em um formato que Syaoran conhecia muito bem. Era o mesmo tipo de círculo mágico que Sakura tinha aprendido com Yukito, o sacerdote de Clow Koku. O desenho era exatamente o mesmo - Deem as mãos e formem um círculo ao meu redor. Himawari-chan, Maru, Moro, como vocês possuem mais de um pedido, é possível que percam a consciência durante o processo. Mokonas, preciso que fiquem ao meu lado, vocês dois - ele mandou e os dois se juntaram a ele, um de cada lado do garoto - Você - ele virou-se para o Mokona branco - sempre transportou Syaoran-kun e os outros através de mundos diferentes. Preciso que me ajude a fazer isso uma última vez, com todos nós. E você - ele voltou-se para o Mokona preto - sempre serviu como um transmissor entre este mundo e o mundo onde o outro Mokona estava. Preciso que faça isso novamente. Quero que me auxilie a estabilizar a conexão com o mundo para o qual o Mokona branco vai ajudar a nos levar. Doumeki - ele encarou o rapaz - Aquele ovo está com você, certo?
— Você sabia…?
— Lógico que sim - Watanuki o interrompeu - Achou mesmo que poderia andar por aí carregando uma coisa contendo tanta magia sem que eu notasse?
— E para que você o quer? - Doumeki perguntou.
— Ele vai servir para "reiniciar" nossas vidas no mundo para onde vamos - Watanuki respondeu - Todos nós pagamos preços altos por diferentes desejos que fizemos aqui, mas o poder contido nesse ovo pode anular tudo isso - ele explicou - Cicatrizes adquiridas. Braço perdido. Forma original alterada… dentre várias outras coisas. Coloque-o sob meus pés, Doumeki. Chegou a hora de usá-lo.

Doumeki obedeceu e retirou o ovo do bolso do paletó. O ovo que Yuuko havia lhe dado anos atrás, dizendo que "nada iria nascer dali". Doumeki nunca entendeu qual o significado de carregar um ovo que nunca iria chocar. Mas parece que estava prestes a descobrir. Ele depositou o ovo aos pés de Watanuki e se juntou novamente ao círculo.

Uma magia mais intensa irradiou das mãos de Watanuki quando o ovo tocou o círculo mágico. A ventania se tornou mais forte e, misturando-se com a magia, começou a envolver todos naquela sala, um a um.

— Está na hora - Watanuki anunciou - De deixarmos este mundo… e descobrir o que nos aguarda no fim da viagem.