— Você você parecia muito sério ao telefone. Deve ser importante para tê-la chamado também - um jovem rapaz parou diante da porta, seguido por uma garota.

Ambos aparentavam ser apenas alguns anos mais velhos do que Watanuki, embora na verdade tivessem a mesma idade. O rapaz trajava um terno cinza com uma gravata azul-marinho, era alto e forte, com cabelos negros muito curtos. A moça, em contraste, tinha longos cabelos cacheados que iam até a cintura, tinha olhos verdes e usava um vestido rosa claro com mangas curtas, a saia indo quase até os joelhos e babados discretos na barra do vestido.

— É um assunto importante mesmo - Watanuki concordou - Entrem.
— O que aconteceu, Watanuki-kun? - a jovem indagou preocupada - Para você pedir para eu vir até aqui em um dia que não é o seu aniversário, deve ser algo sério… eh? - só então ela notou a presença dos três homens no meio da sala - Watanuki-kun, esses três…
— São meus clientes - Watanuki respondeu a pergunta inacabada dela - Syaoran-kun, Kurogane-san e Fye-san - ele apontou enquanto dizia os nomes - Esses são meus amigos, Kunogi Himawari e Doumeki Shizuka - ele apresentou.
— Prazer em conhecê-los - a garota fez uma reverência. Doumeki apenas acenou com a mão.
— Ah, o prazer é meu - Syaoran retribuiu a reverência. Ficou feliz em saber que Watanuki tinha mais amigos além do outro Mokona e de Maru e Moro. Em seguida estranhou o silêncio. Kurogane não era mesmo de cumprimentar as pessoas, mas Fye sempre costumava de falar bastante quando conhecia pessoas novas. Então viu que ele estava encarando a jovem desde que ela chegara - Etto… Fye-san? Está tudo bem?
— Hein? - o loiro pareceu despertar para a realidade - Sim, é claro! É um prazer conhecê-los! - ele voltou a sorrir, mas era óbvio até para Syaoran que era um sorriso forçado.
— Ei - Doumeki falou - Eles acabaram com o sakê, não foi? E com a comida também.
— Céus, você mal chegou e já está pensando em comer? - Watanuki reclamou - Tem mais na cozinha. Se quiser, vá pegar você mesmo.
— Eu te ajudo, Doumeki-kun! Faz tempo que não venho aqui, quero ver se alguma coisa mudou - Himawari foi atrás dele.
— Está tudo como sempre… - Doumeki falava enquanto desaparecia pelo corredor que levava até a cozinha, seguido por Himawari.
— Watanuki-kun - Fye chamou depois que os dois desapareceram - O que há com aquela garota?
— Então você notou?
— Sou um mago. É impossível não notar certas coisas - ele disse apenas.
— Himawari-chan tem o que as pessoas chamam de "má sorte" - Watanuki falou, voltando a se sentar. Ele balançou distraidamente o restinho de sakê que restava em seu copo - Coisas ruins acontecem com as pessoas que estão ao redor dela. Bem, os pais dela são uma exceção, é claro, senão ela não teria nascido. E o Doumeki também não é afetado pela má sorte dela, pois ele mora em um templo e possui grande energia espiritual dentro de si. Mas, fora eles, não existem outras exceções.
— Nem mesmo você? - Kurogane indagou.
— Nem mesmo eu - o garoto respondeu - Já fui afetado pela má sorte dela mais vezes do que posso contar, na verdade.
— Você ficou louco? - Kurogane deu um soco na mesa - O que você tem na cabeça, trazendo uma garota azarada como essa até aqui?
— Mesmo depois que descobri sobre a má sorte da Himawari-chan, ainda quis continuar sendo amigo dela - Watanuki contou, ignorando o grito do mais velho - Sabe, ela não possui nenhum tipo de poder especial. Nenhuma habilidade peculiar, como ver espíritos, ou lidar com seres sobrenaturais… na verdade ela só consegue entrar nessa loja porque precisou fazer um desejo para Yuuko-san uma vez, anos atrás. Um desejo que ajudou a salvar a minha vida. Eu sofri um acidente e ela se sentiu responsável… foi quando eu descobri sobre a má sorte dela. Mas ainda assim, eu não poderia simplesmente abandoná-la. Himawari-chan é especial para mim. Eu gostei dela durante um longo tempo… mas ela não precisa saber disso. Não faz bem para ela passar muito tempo em um lugar como esse. E eu também não poderia condená-la a viver trancada nessa loja por minha causa. É por isso que eu a chamei até aqui hoje. Para me despedir dela.

Kurogane ainda parecia querer discutir sobre o perigo de ter alguém assim por perto, mas não tinha argumentos depois de ouvir tudo aquilo. Fye milagrosamente concordava com ele dessa vez, embora não tivesse dito isso em voz alta. Era perigoso ter alguém assim por perto, principalmente por causa do que estavam prestes a fazer. Mas Himawari parecia ser uma garota tão meiga… ela não tinha culpa de ter nascido assim. Tudo o que podia fazer era fingir que estava tudo bem afinal. Era o que ele fazia de melhor no fim das contas, mentir, pensou consigo mesmo, resignado. E também não havia nada que Syaoran pudesse fazer a respeito, mas não pode deixar de reparar em uma coisa. Algo terrivelmente contraditório.

Assim que ouviu aquela história, ele pensou em Sakura. Pensava nela todos os dias, é claro, mas pensou em algo em particular. Em como ela era conhecida. "A filha favorita de Deus". Em sua "boa sorte". A garota que ele gostava tinha se tornado conhecida em vários mundos diferentes pela "boa sorte" que tinha. Já esta garota que acabara de conhecer, Himawari, de quem Watanuki gostava, possuía "má sorte". Era tão contraditório… eles eram a mesma existência, e ainda assim, completamente opostos um ao outro. Um não podia "ficar em lugar nenhum" e o outro "só podia ficar no mesmo lugar". Um gostava de uma garota com "boa sorte" e o outro de uma garota com "má sorte". Será que aquilo era alguma espécie de piada cruel do destino?

— Encontrei o sakê - Doumeki retornou com uma nova garrafa e copos enquanto Himawari carregava uma bandeja com bolinhos que Watanuki já tinha preparado anteriormente. Eles depositaram a garrafa e a bandeja na mesa e se sentaram, um de cada lado de Watanuki. Depois que Watanuki serviu a todos, Doumeki prosseguiu - E então? Vai nos contar por que nos chamou aqui?

Watanuki respirou fundo antes de começar. Em seguida explicou o mais resumidamente possível sobre o pedido de Syaoran, Fye e Kurogane. Não mencionou os motivos pessoais de cada um, disse apenas o motivo principal: encontrar uma forma onde tanto Syaoran e Sakura quanto seus pais pudessem encontrar um mundo onde pudessem viver juntos e felizes. Disse que Kurogane e Fye queriam ajudar e que também tinham seus próprios motivos para desejarem ir para esse mundo. E contou que pretendia ir com eles, para reencontrar Yuuko.

— Então foi por isso que você nos chamou até aqui, Watanuki-kun? - Himawari indagou, arregalando os olhos incrédula - Para se despedir…?
— Não acredito nisso - Doumeki falou antes que ele pudesse responder. Sua mão, estendida na direção do copo cheio de sakê, permaneceu parada no ar de modo tolo tamanho foi o choque - Você simplesmente vai embora? Vai desaparecer das nossas vidas? Largar a loja?
— A loja deixará de existir quando eu me for - Watanuki explicou - Depois que eu partir, não haverá mais ninguém para conceder desejos, então cada um aqui estará por conta própria.
— Watanuki-kun, não faça isso. Por favor - Himawari segurou a mão dele, os olhos brilhando de lágrimas.
— Sem você aqui realmente não haverá ninguém para realizar desejos. Mas o que vai fazer com elas? - Doumeki apontou para Maru e Moro - Não pensei que você fosse o tipo de cara que abandona duas garotinhas. E também tem aquela coisa preta…
— Mokona não é uma "coisa"! Mokona é Mokona! - o Mokona preto protestou.
— Watanuki não vai abandonar a gente - Maru disse.
— Ele encontrou uma forma de nos levar junto com ele - Moro contou.
— E o Mokona vai junto também! - o Mokona preto acrescentou.
— Então é isso mesmo? - Himawari ainda o encarava com os olhos marejados - Foi por isso que você me chamou em uma data que não é o seu aniversário, não é? Para se despedir…
— Não tenho certeza. A resposta depende de vocês, na verdade - Watanuki respondeu. Quando Himawari e Doumeki o encararam com olhares confusos, acrescentou - Nós teremos que partir daqui a pouco, então essa pode ser uma despedida. Ou então vocês dois podem vir conosco e não precisaremos nos despedir.
— Como assim, ir junto? - Doumeki indagou - Para isso teríamos que deixar este mundo, certo?
— E pagar um preço para ir com vocês - acrescentou Himawari - Qual seria esse preço?