Antes de ELA chegar escrita por Ahelin


Capítulo 2
1. Experimentar uma nova comida


Notas iniciais do capítulo

Hey, você!
Acabei de chegar, trazendo mais um capítulo.
Espero do fundo do meu coração que não se assuste com a quantidade de palavras como eu me assustei fjsklf nunca tinha escrito tanto em um único capítulo, mas, sinceramente, eu gostei muito dele. Espero que você também goste!
Não vou me alongar muito por aqui, só desejo boa leitura. Muito obrigada por estar aqui :3



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1 de julho de 2017

A primeira coisa que fiz de manhã — e, quando eu digo de manhã, quero dizer seis e meia da madrugada, quando os passarinhos começam a cantar em meio à fumaça residual das indústrias da cidade grande trazida até o fim do mundo, mais conhecido como minha casa, pelo vento — foi ligar pro meu melhor amigo Gustavo. Nos conhecemos desde o quinto ano, quando eu mudei pra sala dele, e demoramos uns três anos pra amizade florir de vez, daí não desgrudamos mais. Falo sobre o assunto depois.  

— Bom dia, Vader — cantarolei, me jogando na cama outra vez e colocando os pés na cabeceira. Não faz sentido falar por celular já que ele mora no bairro vizinho, mas de qualquer forma eu não tenho com quem gastar meus créditos a não ser esse idiota. 

— Sabe que horas são? — Ele estava de mau humor, ui. Quase pude ver seus olhos revirando. Somos perfeitos opostos de manhã (e quase isso a qualquer hora); enquanto eu sou a alegria em pessoa por aproveitar outro dia de sol, ele é a própria treva. O apelido surgiu no começo do oitavo ano, quando eu descobri que ele se autodenominava ExterminadorVader96 no mundo dos games e comecei a chamá-lo disso na escola. Alguns dos meninos da sala reconheceram o nick e, por algum motivo que eu não entendo, quiseram bater nele. Por outro motivo que eu entendo menos ainda, o apelido pegou. Mais tarde, fiquei com preguiça de dizer tudo e me acomodei com o simples Vader, que é o codinome dele até hoje.

Imagina que louco seria chamá-lo assim na frente da esposa e dos filhos, daqui a uns vinte anos! Eu realmente quero viver pra ter essa oportunidade. 

— Seis e meia — respondi. — Quer parar de ser fresco? 

— Só quando você parar de me acordar de madrugada. Jesus, Helena, é sábado. Ah, espera, por um acaso, olha que coincidência, a gente tá de férias!

Touché. Ele estava certo, mas eu não daria o braço a torcer. 

— Tá, chega — desviei. — Preciso da sua ajuda. É sobre ela.

Claro que ele sabia. É sempre o primeiro a saber de tudo que acontece comigo, às vezes até descobre coisas da minha vida antes de mim mesma.  

— O que tem? — O tom de voz dele mudou um pouco. É, Vader sabe ser um amor quando quer, mas raramente quer.

Vou fazer uma pausa aqui para deixar claro o quão irônica é a vida: ele, com esse jeitão todo áspero, todo “foda-se o mundo”, todo “a Helena tem bafo quando acorda, vamos matá-la”, é um gênio que tira 10 em Sociologia, Filosofia, Geografia e todas essas matérias terminadas com ‘ia’ que me fazem querer subir pelas paredes, mas rala pra conseguir passar na média em Matemática. Eu, que sou 100% adoração ao sol, ioga e meditação, a personificação de um sorriso, também sou 2/3 Exatas, 1/4 Biológicas e só 1/12 Humanas. Sério, gente, Geografia é uma droga. 

Não acreditem em ninguém que estereotipe Humanas = amorzinho, Exatas = frieza. Gustavo e eu somos a prova viva de que não é assim. 

— Quero fazer umas coisas antes de ter que enfrentar a tia maluca. — Lembra da comparação que fiz mais cedo? Gustavo é o responsável por ela. Ele é o rei dos jogos de palavras, comparações, rimas e tudo isso, a propósito. Não sei que convenção social disse que é de mau tom falar de sua Esclerose com seu melhor amigo, mas por alguma razão sempre usamos esse tipo de código. — Uma lista cheia delas. 

Ele ficou quieto por um tempo. 

— Credo, Lê, que coisa cafona — brincou. — Listinha das coisas a fazer antes de morrer é um tema meio batido.

— Tá, mas eu quero fazer coisas de verdade! — protestei. — Não os clichés de sempre, tipo... — Tossi. — Paraquedismo. 

— Para, deve ser legal fazer paraquedismo — retrucou ele.

— Com certeza é legal, mas eu não faria disso um objetivo de vida. — Levantei da cama e comecei a andar pelo quarto, empolgada com minha própria ideia. — Eu quero, sei lá, dançar na faixa de pedestres na frente dos carros quando o sinal fechar, cantar Nirvana na biblioteca púplica, enviar cartas para pessoas desconhecidas, roubar uma bicicleta...

— Ficou doida? — Ele deu uma gargalhada. Ah, como é bom fazer o diabo rir.

— Eu devolvo depois, prometo. — A risada dele era tão contagiante que acabei rindo junto. — Você já entendeu, né?

— Yep — concordou meu amigo, e pude ouvir as engrenagens girando em sua cabeça. — Já tem quantos itens?

Olhei pro caderno aberto em cima da cama, que reunia todos os meus rabiscos, fruto de uma madrugada em claro.

— Até agora, anotado e revisado, tudo bonitinho e em seu lugar, eu tenho um — respondi, com minha voz mais profissional, e ele começou a rir de novo. — Eu vou pensando nos itens depois! — reclamei, mas no fundo estava rindo junto. — O primeiro é experimentar uma nova comida. 

— Isso é uma desculpa pra me obrigar a te pagar sushi? Nem vem, é caro pra caralho. 

Tá vendo por que eu gosto desse cara?

— Eu tava pensando em banana com bacon — prossegui. — Mas sushi é uma boa opção. 

— Por que não as duas coisas e outra mais bizarra pra sobremesa?

Outro ponto pra ele. Admito que não fui justa descrevendo sua personalidade antes; digamos que ele tem várias faces e sabe usar cada uma no momento certo. Não é como se ele fosse falso, pelo menos eu sempre sinto que ele está sendo verdadeiro comigo. Ele sabe a hora de brincar, a hora de ser sério, de ser um ombro, um saco de pancadas, talvez... Não sei o que faria sem ele. 

— Fechou. Só preciso de um tonto pra ir comigo, conhece algum? — provoquei.

— Pra sua sorte, não tenho nada marcado pra hoje — devolveu ele. — E nem nunca. Conte comigo.

Vader e Helena, Helena e Vader. Que comecem os jogos. 

 

Marcamos numa terça-feira à noite, porque a previsão do tempo para todo o fim de semana — quando as coisas legais abrem por mais tempo e pessoas chatas tomam conta delas — era de chuva. Isso, cá entre nós, foi mais uma frescura dele. Cheguei a argumentar que nenhum de nós é feito de açúcar pra derreter com um pouquinho de água, mas, como sempre, não funcionou. O lugar foi o mais maluco que conseguimos achar: um conjunto de lanchonetes lado a lado servindo um monte de comidas diferentes, perto da praça. 

Às sete horas em ponto, cheguei à calçada do prédio onde ele mora. É daqueles grandes, bonitos e bem cuidados, que alguém olha e diz “bando de burgueses safados” (opa, até rimou), mas Vader tem um pouco de vergonha de morar lá. Talvez um dos próximos itens da minha lista seja descobrir o porquê.

Assim que minha mãe aceitou me deixar ali ("sozinha, com frio e nem trouxe um moletom!”, as clássicas palavras da mulher de quem herdei o gene do drama), procurei por pedrinhas pra atirar na sacada dele, mas não havia nenhuma.

— Rapunzel, Rapunzel, jogue suas tranças! — gritei, a plenos pulmões. Algumas pessoas saíram à janela pra ver quem era a louca dando uma de príncipe encantado, me olharam de cara feia e entraram de novo. 

— Desculpa, eu cortei — respondeu ele, fazendo meu peito gelar com a possibilidade de que o dono das madeixas mais bonitas de Barretos tivesse se livrado delas. Por sorte, assim que ele surgiu com pose de diva em sua varanda no segundo andar, percebi que era mentira. Seu cabelo preto com cheiro de Seda que chega até o queixo e nunca viu um pente na vida estava lá, intacto.  

— Quase que você me mata de susto! — Dei um longo suspiro falso, mas admito que me assustei de verdade. Só um pouquinho. 

— Fresca. Você sobe ou eu desço?

— Desce logo, anta, eu tô com fome. 

Ele fechou as portas da varanda e demorou uns dois minutos pra descer. Vader tem claustrofobia, por isso evita a todo custo usar o elevador, o que o faz subir e descer de escadas o tempo todo. Da última vez que nadamos juntos, percebi que ele tinha as belas pernas de uma dançarina de cabaré. 

Quando ele saiu do prédio, notei que estava usando o moletom que eu gosto. É preto com a cara de um panda na frente, acompanhada pela frase "Não seja racista, seja como um panda: negro, branco e asiático" em inglês. Faz seis meses que ele comprou isso e eu duvido que já tenha lavado alguma vez. 

— Oi — chamou, me puxando pra um abraço apertado. Adoro que nós dois tenhamos a mesma altura, porque posso deitar no ombro dele e sentir o cheiro desse moletom. Eu o chamo de Cláudio. Se você prestar atenção, ele tem um pouco do cheiro do perfume de cada pessoa que abraçou meu amigo nos últimos seis meses, ou seja, muita gente. Baixinho como um gnomo, comparado com os meninos da idade dele mais um sorriso fofo multiplicado por esse cabelo cheiroso é igual a abraçável.

Desde a notícia de que eu estava doente, ele sempre me abraça assim. Admito que é uma das coisas que me ajudaram a ficar calma. 

— Credo, já tá na hora de você dar um banho no Cláudio — brinquei quando ele me soltou, empurrando seu ombro. — Tá com o perfume da Vanessa. 

É uma garota com quem ele ficou duas ou três vezes, não lembro, mas não deu em nada. Me iludi shippando os dois e, no fim, fiquei mais triste que ele por ter acabado. 

— É um perfume gostoso, deixa aí. — Ele sorriu, tirou seus óculos quadrados do bolso do moletom e os colocou, olhando fixamente pro meu cabelo por um momento. — Presilhas coloridas, como eu suspeitava! E, ei, alguma vez na vida eu vou te ver com algo que não seja regata branca e short?

Esqueci de dizer que esse garoto é cego como uma marmota quando não está com seus óculos. 

— Não, eu acho que não. — Ri. 

— Que bom, porque eu gosto de você assim. Só acho que vai ficar com frio. 

Dei de ombros. 

— Sou um pinguim, pinguins não sentem frio — argumentei, mas ele me ignorou completamente e entrou em casa outra vez. Quando voltou, estava segurando meu segundo favorito entre os moletons dele, o azul com um desenho do Blastoise. 

— Toma cuidado com ele. Se sujar, eu te assassino — ameaçou, com um sorrisinho de lado que é sua marca registrada. Aceitei seu ato de gentileza com muito gosto, mesmo que a parte sobre eu não sentir frio seja verdade. — E, ah, só tô te emprestando porque você sempre acaba roubando o meu quando começa a ventar, esse negócio de pinguim é papo furad... Não amarra na cintura, Jesus Cristo! Tá, pode amarrar, mas só dessa vez.

Quando começamos a caminhar, lado a lado, ele se entreteu puxando um dos meus cachos para baixo e observando-o voltar ao seu lugar como uma mola, depois de novo e de novo. Toda vez que o cacho voltava a se enrolar, ele ria, e foi assim pelo percurso todo. Às vezes, eu o olhava fingindo estar brava (puro teatro, eu adoro que mexam no meu cabelo tanto quanto ele, ou seja, muito) e ele fingia ficar quieto, mas logo recomeçava a brincadeira. 

Sempre que caminhamos juntos pra algum lugar, o caminho todo é feito em silêncio. Acho que não tem um motivo, só é assim e pronto. De qualquer forma, eu gosto disso. Sempre presto atenção à rua, ao céu, às estelas, mas quase nunca ao caminho. Esse é o trabalho dele.

Depois de alguns minutos andando, chegamos a um quarteirão que era quase todo formado por estabelecimentos que servem comida. Tinha de tudo: japonesa, mexicana, chinesa, francesa, italiana, brasileira, indiana e muitas outras, todas em pequenas lanchonetes lado a lado. Quando ele me contou sobre esse lugar, eu não imaginava que tinha tanta variedade. 

— Não consigo entender como eu nunca vim aqui antes! — comentei. 

— A maioria das pessoas nunca vai vir. — Ele deu de ombros. 

— Ah, isso é um crime... — Olhei em volta, tentando decidir onde seria nossa primeira visita. Resolvi começar pelo óbvio e me dirigi à lanchonete japonesa. — Preparado pra comer peixe cru, Darth Vader?

— Só se você estiver, pequena Heleia. 

Ri do trocadilho enquanto entrávamos e nos sentávamos em uma das mesas de plástico. Já acomodada em meu lugar, abri a capinha do celular e tirei de lá minha nota de cinquenta (insira aqui um coro de vozes angélicas cantando 'oooh', porque nunca saí com tanto dinheiro), colocando-a sobre a mesa. Com o peito estufado de orgulho, encarei-o de queixo erguido, desafiando-o a fazer o mesmo. 

Ele me lançou um olhar divertido que entendi na hora, mas desejei com todas as forças estar enganada. 

— Não — pedi. Ele enfiou a mão no bolso do moletom. — Sério, não. — Um sorriso tremulou em seus lábios. — Não, não, não, não... — Ele tirou de lá uma bolsinha de zíper. — Gustavo, de novo não!

Ele abriu o zíper e despejou o conteúdo da bolsinha na mesa: moedas. Muitas, muitas, muitas moedas, todas de um real ou cinquenta centavos, que se espalharam pela mesa toda, cobrindo o meu dinheiro. 

Voilà — disse, ao terminar. 

— Eu vou te matar — ameacei, apenas dois segundos antes de cair na gargalhada. — Você trouxe o maldito cofrinho pra cá!

— Você tá com inveja — caçoou ele. 

— Se alguém aparecer oferecendo esmolas, eu juro que te bato.

Um garçom chegou e olhou pra gente de um jeito estranho. Tentei adivinhar seus pensamentos pelo jeito como encarava a coleção de moedas do adorável garoto sentado comigo. Eram meio óbvios: o cara estava achando que a gente não tinha dinheiro pra comer ali. Quis esfregar minha nota na cara dele, mas não acho que ia adiantar. Que idiota, meu Deus. Se tem uma coisa que eu odeio, é quando alguém se faz de superior e esnoba os outros, seja pelo motivo que for. 

— Boa noite — cumprimentou, seu sotaque oriental carregado se moldando num tom que identifiquei como superioridade. Arrisquei olhar pro Vader com uma expressão que dissesse “sério?”, mas ele me ignorou. — Já sabem o que vão querer?

— O cardápio, por favor — pronunciou-se Gustavo, antes que eu pudesse abrir a boca. Ainda bem, porque minha resposta seria bem menos educada. O cara se afastou e nos deixou sozinhos outra vez.

— Eu enfio esse negócio no rabo dele agora ou depois? — resmunguei. 

— Calma aí, Charizard, você tá cuspindo fogo! — Ele riu e colocou a mão no meu ombro. — Tá sendo ridícula, sabia?

— É você o cara das referências de pokémon, e eu sou ridícula? — Ok, eu já não estava mais emburrada nesse momento, só fazendo drama. — Ele tá esnobando a gente, tenho certeza que você também viu. 

— Ai, isso me ofendeu profundamente. — Vader colocou a mão no peito e deu uma risadinha. — Vai, vamos escolher alguma coisa, comer e passar pra próxima. Não liga pra isso, tá bom?

Antes que ele terminasse a frase, eu já tinha conferido metade do cardápio. Se eu esqueço rápido das coisas que me irritam? Talvez. Era uma lista com poucas opções, então deu pra ler todas bem rápido. Mostrei a ele e acabamos escolhendo um tal de Hot Roll, que parecia ser o mais gostoso. Até ficar pronto, batucamos na mesa, organizamos as moedas dele (53,50 em moedas, haja cofrinho pra tudo isso) e fizemos uma competição de quem contava a pior piada, que, é óbvio, eu ganhei. 

Finalmente, o Sr Garçom Esnobe apareceu com os pratos e nos serviu. Percebi que sua expressão mudou bastante depois que ele viu meu dinheiro. Babaca. 

— Tenho que usar os palitinhos? — Encarei-os, me perguntando se tinha capacidade mental pra usar aquilo, mas, quando ergui o olhar, dei de cara com Vader pegando um de seus rolinhos com a mão. Ótima ideia. 

— Pronta? — perguntou ele. — Vai, no três. Um, dois...

Enfiei o rolinho inteiro na boca de uma vez. O peixe não me incomodou, nem o arroz... No geral, era gostoso, exceto por uma pequena coisinha.

— É doce! — reclamei. — Eu tava esperando uma coisa salgada, mas é doce! 

Ele estava com os olhos fechados. Desconfiei que, a qualquer momento, fosse entrar embaixo da mesa e dizer "Louro, solta os cachorros!", mas, felizmente, não aconteceu. 

— Sério que você não gostou? Meu Deus, isso é uma delícia. 

— Eu gostei, só tô decepcionada porque é doce. — Dei de ombros e continuei comendo, mas o fato de o peixe cru não ter me incomodado nem um pouco era estranho. Peguei o cardápio outra vez e vi que, junto com o nome de cada prato, tinha uma descrição dele. Não que eu já não tivesse visto, mas não achei tão importante antes de pedir. Corri os olhos até o Hot Roll, número 11, e dei de cara com a revelação bombástica. — Vader, para tudo. O peixe disso aqui é grelhado — contei, ainda mastigando. 

Ele parou com seu próximo rolinho a meio caminho da boca. 

— Você tá brincando, né? — Balancei a cabeça, fazendo que não. Depois de um segundo, começamos a rir. — Droga, isso aqui é uma fraude! 

— Tem um monte de pratos com peixe cru de verdade — comentei, correndo os olhos pelo resto do menu. — A gente vacilou nessa. 

— Um brinde à fraude, então. — Ele estendeu seu rolinho e eu peguei outro para batermos os dois no ar.

Ele perdeu no "pedra, papel ou tesoura", então teve que pagar essa etapa da noite. Nossa próxima parada foi do outro lado da rua, na lanchonete brasileira. 

— Onde mais teria essa esquisitice de banana com bacon? — brincou Vader, justificando a escolha. 

Bom, pra nossa surpresa, não tinha. Ao que parece, não é exatamente uma comida típica. 

Quando dissemos ao garçom que era isso que a gente queria, ele começou a rir e só parou quando percebeu que era sério.

— Ah, desculpa, mas ninguém nunca pediu isso antes — desculpou-se ele, mexendo na gola do uniforme simples como se estivesse com vergonha. 

— É que essa maluca aqui quer experimentar novas comidas — fofocou Vader, brincando com os guardanapos da nossa mesa como uma criança de oito anos faria. — Novas comidas que ninguém nunca experimentou. 

— Não é verdade — contrariei. — Muita gente come isso. Tem até receita na internet. — Pela cara com que ele me olhou, eu acho que estava fazendo um bico.

O moço parado perto de nós pensou por um instante e começou a se afastar.

— Já volto — disse, então foi até uma janela que se comunicava com a cozinha e chamou um segundo homem, que estava com uma daquelas toucas de proteção. Eles trocaram algumas palavras, o garçom apontou pra nossa mesa algumas vezes e, pouco tempo depois, estava voltando, com um sorriso triunfante no rosto, enquanto o cozinheiro mandava pra gente um sinal de jóia. — Ele disse que não tem problema experimentar uma nova receita. Se ficar gostosa, talvez até entre no menu. Em poucos minutos, o pedido de vocês vai estar aqui. — Ele nos cumprimentou com um aceno de cabeça e foi atender outros clientes.

— E é por isso que eu amo os brasileiros! — Ri. Poucos minutos depois, o mesmo rapaz nos serviu dois pratos com tiras de bacon enroladas em pedaços de banana e presas por um palitinho. Até vieram acompanhadas de copinhos com o molho especial da casa. — Ah, Vader, olha pra isso e me diz se não parece a coisa mais deliciosa do mundo.

— Espero que o gosto seja tão bom quanto a aparência — acrescentou ele.

E, meus caros, eu posso dizer a vocês que era. Sou uma pessoa que gosta de misturar comidas doces com salgadas: pipoca com chocolate, bolo com maionese, Cebolitos com leite condensado (Aviso: não experimente esse se não estiver em casa. Você vai me agradecer por essa informação)... São infinitas combinações, mas a banana casou 100% com o bacon. Não sei explicar, você precisa descobrir sozinho. Se for vegetariano, me avise, vou procurar por uma alternativa tão boa quanto essa e te mantenho informado.

A grande surpresa foi que, depois de terminarmos, o cozinheiro (um homem grande e careca, por que diabos usava uma touca de proteção?) veio à nossa mesa falar com a gente.

— Qual o nome de vocês? — perguntou ele.

— Eu sou o Gustavo, ela é a Helena — respondeu meu amigo, tão surpreso quanto eu.

— Bom, Gustavo e Helena, foi de vocês dois a brilhante ideia desse pedido?

— Só dela. — Vader estendeu o braço por cima da mesa e me cutucou.

— Bom... — O chef se virou pra mim. — Foi uma ótima ideia e ficou bem gostoso. O que acha de incluirmos no cardápio e chamarmos de Rolinhos Helena?

Só consegui rir e concordar com a cabeça, sem acreditar muito. No final, ele disse que não precisávamos pagar e saímos de lá ainda rindo.

— O que vai ser agora? — Meu amigo abriu os braços dramaticamente. Tenho certeza que ele estava se esforçando pra não rir da minha dificuldade em passar o moletom do Blastoise pela cabeça. — Sorvete de pudim?

Já aquecida, olhei as horas no celular e tomei um susto. Como é que podia ter se passado tanto tempo?

— Acho que vamos ter que provar sorvete de pudim outro dia — resmunguei, meio triste.

— Tem que voltar às dez e meia, né? Vamos, eu caminho com você até sua casa. — Ele abriu um sorriso compreensivo. — Se serve de consolo, a gente marca de novo semana que vem. Não é nenhum sacrifício sair com você.

Por algum motivo, guardei na memória o que ele disse por último. Sei lá, só... É bom ter alguém que te diz essas coisas, sabe? 

— Vou tentar pedir pra minha mãe mudar meu toque de recolher pra onze horas como presente de aniversário, cruze os dedos. 

— Se ela não deixar, você foge e vai morar debaixo da minha cama — completou ele.

— Não, já deve ter algum monstro morando lá — brinquei.

— Só vai ter depois que você se mudar! — Ele riu da própria piada de um jeito tão contagiante que fui obrigada a rir também. 

Cheguei em casa em segurança e, felizmente, no horário. Devolvi a Vader seu moletom e ele continuou seu caminho cantando Maps, do Maroon 5, com sua voz terrilvelmente desafinada, que fui obrigada a ouvir até ele virar a esquina.

Agora, pensando bem, eu imagino quantas pessoas vão morrer sem experimentar sushi (nem que o peixe não seja cru de verdade), banana com bacon, pizza de espinafre, sei lá, quando é algo tão simples de se fazer. Sempre quis comer essas coisas, mas sempre dizia a mim mesma que não tinha tempo ou dinheiro. 

A sensação de riscar esse item da lista foi uma das melhores que eu já tive na vida.

Precisei que meus dias restantes fossem contados pra dar valor neles, e isso é uma droga. Não faça como eu, certo? Assim que puder, convide sua mãe, seu pai, seu avô, seu melhor amigo, seu papagaio, ou, não sei, vá sozinho, apenas experimente uma comida nova. Se puder, me conte como foi, também, ou não, só faça isso por mim. Prometo que não vai se arrepender.

Obrigada. 

Aqui quem fala é a Helena. Câmbio e desligo. 


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Notas finais do capítulo

Participe da fic! Sua opinião é muito importante pra mim ♡
Me diz, o tamanho do capítulo te assustou? Posso dividir em dois se chegar a esse tamanho de novo, se quiser.
Você provou uma nova comida? Como foi?
Tem algum item em sua própria lista que quer ver a Helena fazendo? É só dizer :3

E era isso. Até logo! Um beijo ♡