Antes de ELA chegar escrita por Ahelin


Capítulo 3
2. Enfrentar um medo


Notas iniciais do capítulo

Hey, gente ♡
Eu nem tenho como agradecer todo o apoio de vocês. Sério, muuuuuuuuito obrigada por todo esse feedback.

AH! TEMOS NOVIDADE!
A fic ganhou duas fan arts LINDAS de morrer e eu pulei tão alto quanto um sapo louco quando vi. Vou mostrar pra vocês nas notas finais, tá?
Vocês são incríveis!
Espero que aproveitem o capítulo como eu aproveitei viver e escrever.
E aproveitem o Luke também haha
Boa leitura!



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6 de julho de 2017

Lucas — codinome familiar: Luke — é meu irmão. Ele é oito anos mais velho que eu e mora em São Paulo desde que eu tinha dez. 

Luke é uma coisa indescritível; é família, é amigo, é estranho, é tudo isso junto ou nenhuma das anteriores. Ele gosta de berinjela empanada frita, de baleias, de sol, de cinema e de gente. Ainda não sei do que ele não gosta. 

Desde que nasci, ele é meu guia, diz o que é bom e o que é ruim, mas nunca com essa certeza. Considero é uma das palavras favoritas dele. Considero isso bom, considero isso ruim. Ele sempre diz que eu tenho que considerar por mim mesma, nunca agir pela consideração dos outros.

Ele quer ser médico e curar o câncer, quer ser professor e ensinar crianças a ler, quer ser filósofo e ensinar a galera a pensar. Demorei um pouco pra entender o que ele realmente quer: mudar o mundo. De pouquinho em pouquinho, como sempre fez. 

Gosto de como ele é louco em sua inocência e inocente em sua loucura.

O Luke também é artista. Escreve contos, crônicas, poesia, toca (ou tenta tocar) um monte de instrumentos, desenha (não tão bem), pinta (nada bem), canta (bem mal) e dança (pior ainda). Ele sabe de tudo isso, mas não liga. Se tem vontade, ele faz. Não precisa ser bom, só precisa deixar ele bem.

Ele não é o cara mais bonito do mundo, mas seu carisma encanta o mundo todo. Se existe uma história e o Luke está nela, pode ter certeza de que ele é o galã. Simplesmente é assim. Eu meio que entendo o porquê disso desde que ouvi uma namorada dele dizer:

— Gosto do teu sorriso. — Eu era muito pequena pra lembrar do nome dela, mas nunca vou esquecer a voz. Ela tinha uma voz calma que, por algum motivo, me lembrava o mar. Também tinha um sotaque meio cantado e usava "tu", mas não sei identificar de onde era.

— Será que é porque ele é pra você? — devolveu Luke. Eles estavam vendo filme no sofá enquanto eu contava as voltas do ventilador de teto deitada no chão. 

— Não. Tu sorris com o rosto todo, não só com a boca. Dá pra ver teus olhos e teu nariz sorrindo junto. Me dá vontade de sorrir também. 

Depois disso, só me lembro deles terem se abraçado. Eu concordo com ela. Talvez seja isso que as pessoas tanto amam; a felicidade que cativa e o abraço que te engole, como se nada pudesse te atingir através das barreiras dos braços dele. 

Todo feriado prolongado, ele vem pra casa pra passar uns dias com a gente. Dessa vez, porém, veio "sem motivo nenhum". Pelo menos foi o que ele disse pra minha mãe ao telefone, mas acho que tanto você quanto eu podemos dizer que teve um motivo pra ele misteriosamente aparecer no começo de julho, semanas antes das férias da faculdade.

— Sem fogos de artifício? — reclamou ele ao chegar. 

Não sei o que ele esperava; era uma tarde de quarta-feira. Meu pai estava trabalhando, minha mãe estava dormindo — descansando. Ela chama de descansar — no quarto dela e eu estava jogando xadrez com o Gustavo na sala enquanto esperávamos a hora de ir para o cinema. Tínhamos ingressos para Homem-Aranha: de Volta ao Lar — estava juntando moedinhas pra ir desde que tinha sido anunciado. A propósito, ele é péssimo em xadrez. Digo, Gustavo, não Peter Parker. 

— Torre para B-sete — cantarolei para Vader, ignorando meu irmão. — E, a propósito, xeque.

A propósito, eu adoro dizer "a propósito".

— Que merda, Helena. Não sei como você me convence a jogar essa porcaria.

— Você só não gosta porque não sabe jogar.

— Claro que sei, mas você rouba.

Ele parece uma criança quando está emburrado. Pelo canto do olho, vi Luke largando a mochila na mesa da cozinha e pegando uma maçã. 

— Gustavo, pega a torre dela com seu bispo — opinou. Quem chamou essa criatura pra jogar, afinal de contas? — O bispo é esse com cabeça de coxinha. 

— Eu sei qual deles é o bispo — retrucou Vader, mas vi que estava segurando pra não rir. — Ei, Helena, bispo para B-sete. 

Vi minha torre ser jogada pro lado sem a menor piedade. Imaginei meu rei gritando um sonoro "nããão", devastado pela queda de seu maior defensor. 

— Traidor — reclamei. A menos que... — Cavalo para B-sete. Diga adeus ao seu bispo e, a propósito, é xeque-mate. Obrigada, Luke. 

Deitei a cabeça no encosto do sofá, preparada para os protestos da oposição. 

— O quê? — gritou ele. — Como você fez isso? Não, tá errado, tá muito errado. 

— Você não tem mais saída, pode conferir. 

Alguns segundos de silêncio depois, ele finamente admitiu a derrota: 

— Certo, certo. Muito obrigado, Luke. 

Falando do diabo... Ele chegou e guardou o tabuleiro pra se sentar entre nós no sofá. 

— Às ordens — respondeu logo antes de se esparramar todo, com pernas e braços invadindo o nosso espaço pessoal. 

Devo ter esquecido de mencionar: Luke é invariável, indiscutível e incorrigivelmente chato. Talvez por isso combinemos desse jeito; ele não enfeita as frases, só fala o que tem pra falar ou fica quieto. Contamos a ele sobre a lista e ele deu ótimas contribuições, inclusive prometeu nos levar a um lugar legal pra ver a chuva de meteoros que a internet anuncia pro fim do ano. 

Até tentamos convencê-lo a ir ao cinema com a gente, mas não tivemos sucesso. Ele disse que preferia ficar pra conversar com a mamãe. Não insisti mais, porque tive a certeza de que eles falariam sobre mim assim como meus pais fazem quando acham que eu já dormi (e ironicamente estou jogando tênis de mesa no celular e ouço todas as conversas).

Foi assim que o item daquela tarde chegou até nós. Não foi um item pensado, isso eu já adianto. Talvez seja decepcionante descobrir isso, mas eu não me sentei em frente à escrivaninha com uma caneta na boca (gostaria de abrir um minuto de silêncio em homenagem a todas as tampas de caneta que eu destruí com os dentes. Bom, a não ser que você esteja lendo em voz alta, já deve ter passado um minuto em silêncio, então podemos prosseguir) até uma lâmpada se acender sobre a minha cabeça e a ideia surgir.

Nananinanão. A história de verdade é bem menos empolgante:

Estávamos caminhando pelo shopping com tempo de sobra porque alguém cujo nome não vou citar aqui (foi o Gustavo) viu errado o horário da nossa sessão na internet. Resultado: chegamos uma hora e meia mais cedo. Eu poderia tê-lo derrotado no xadrez outras três vezes com esse tempo extra.

— Melhor do que se tivéssemos chegado uma hora e meia mais tarde — retrucou ele quando eu reclamei. Até aí, tive que concordar. Acho que, em parte, esse item é culpa dele, e também acho que ele soube disso quando passamos perto do elevador de serviço que levava ao estacionamento e eu parei. — Ah, não. O que você tá pensando? Mente vazia é oficina do capeta.

Nisso eu também tive que concordar. Aquela era a melhor-pior ideia que eu tinha no mês, no ano, na década, quiçá no século. 

— Te proponho um desafio — falei, com o queixo erguido. Senhoras e senhores, eu lhes apresento a forma mais infantil e barata de forçar alguém a fazer alguma coisa. 

— Não vou entrar nesse elevador com você, nem pensar — determinou. Estufei o peito pra ele entender que era sério. — Não, sem chance. Você não me convence.

— Se você for, eu pego o Róbson. 

Como vocês sabem, o estereótipo do nerd que você respeita é o cara inteligente e antissocial que coleciona insetos. Não poderia existir uma definição melhor pro Vader do que essa. Róbson é a aranha enorme e carnívora que fica me encarando como se fosse sugar meu cérebro de canudinho toda vez que eu estou por perto e, bom, eu tenho aracnofobia desde que uma colônia desses demônios resolveu existir na minha casa quando eu tinha seis anos. Descobrimos na noite em que elas brotaram da parede e foram fazer trilha na minha cama; nada legal. 

Até hoje, quando vejo alguma, arrepio em lugares inarrepiáveis.

Acho que ele ficou tão surpreso quanto eu ao ouvir minha voz dizendo essas palavras, ainda mais depois de apostar um rim que eu nunca encostaria um dedo naquela coisinha cabeluda.

— Por quanto tempo? — Ele ergueu as sobrancelhas, mas conhecendo-o como eu conheço, dava pra ver que já estava convencido. 

— Tempo suficiente — retruquei e em seguida estendi a mão. — Temos um acordo?

Ele hesitou por um segundo e apertou minha mão. Sim, tínhamos um acordo.

Não vou mentir e dizer que foi divertido entrar naquele elevador minúsculo com meu melhor amigo, porque foi o oposto disso. Assim que apertei o botão, percebi que ele estava tenso, mas não dava pra desistir assim. Quando a porta abriu, ouvi ele prender a respiração. Seus pés pareciam chumbo quando entramos. Olhei para ele e ele para mim, nós dois em silêncio.

A porta fechou e ele agarrou minha mão, como se fosse um reflexo. Sua outra mão foi colocada na parede de metal e ele respirou fundo. Até aí, não tínhamos nem começado a descer.

— Relaxa — pedi, me encostando nele e abraçando-o pelo quadril. Vader deu uma risadinha e me abraçou de volta.

— Parece que as paredes estão chegando mais perto — comentou ele, baixinho. — E que vão esmagar a gente. É um pouquinho melhor quando não tô sozinho, mas é isso que eu sinto. 

— É tão bizarro você sentir isso enquanto eu adoro o frio na barriga da descida.

— É tão bizarro você ter medo do Róbson, porque ele é fofo, inofensivo e macho. Praticamente programado pra morrer pela natureza.

Ri baixinho. Nota: as piadas dele ficam um pouco menos engraçadas quando ele está tremendo.

Touché.

Depois disso, acabou. A porta abriu, ele me soltou e caminhou calmamente pra fora — só pra desabar de joelhos no chão. Corri até ele e me ajoelhei junto, meio preocupada. 

— Terra firme! — brincou, aliviando o clima. Dava pra ver que ele ainda estava meio nervoso, mas parecia diferente. Um brilho estranho nos olhos, sei lá. De repente, ele me olhou e abriu um sorrisão. — Obrigado, Helena. Sério mesmo. 

Sorri de volta. 

— Como se sente?

— Um super-herói. Como se pudesse fazer qualquer coisa. 

Caso estejam esperando algum comentário sobre o cinema, aqui vai: 

Eu adorei o filme; pra mim, foi o verdadeiro Peter dos quadrinhos, não um emo de vinte e poucos anos enfiado num personagem de dezesseis. 

Os outros aranhas que me desculpem, mas esse foi o escolhido pra entrar nos Vingadores por alguma razão, né? 

Infelizmente, Vader não acha o mesmo que eu. Sim, senhoras e senhores, ele gosta do emo.

Mas, bom, isso não vem ao caso! Assim que a gente voltou pra casa dele, um passarinho me lembrou da minha parte do acordo. Tentei silenciá-lo antes que lembrasse Vader também, mas vocês já tentaram silenciar um passarinho? Não? Então, bem, não me julguem antes de tentar.

Quando meu melhor amigo me agarrou pela mão e começou a subir as escadas, eu sabia que o que me esperava era ainda mais assustador do que o olhar estilo "aquele emoji" que a madrasta dele lançou pra gente. Não dava pra voltar atrás. 

Só pra registrar, eu amo o quarto do Vader. 

É como um paraíso tecnológico dentro da caverna de um hobbit no meio da área 51. Todas as paredes são cobertas por cartazes, desenhos aleatórios e pôsteres, e cada um deles faz referência a uma série, livro ou filme diferente. Há três prateleiras cheias de edições raras de quadrinhos da Marvel e da DC Comics, logo ao lado de uma estante repleta de versões de capa dura dos clássicos de Tolkien, Edgar Alan Poe, Stephen King, Agatha Christie, Rick Riordan (mas não contem a ele que eu mencionei esse aqui) e dezenas de outros, isso sem contar com os livros inspirados em Star Wars que ocupam lugares de honra. 

Há figuras de ação pra todo lado, também. Uma estante inteirinha só pras principais. Tem todos os tripulantes da Enterprise, todos os personagens de Harry Potter cujo nome eu sei, Han Solo, Chewbacca, Anakin/Vader em diferentes fases da vida, três Lukes e cinco ou seis princesas Leia. É a personagem preferida dele, desde que o conheço. Ah, da última vez que verifiquei, ele estava comprando uma Padmé. 

Depois de tudo isso, há a cereja do bolo: o "centro de entretenimento" dele. São três monitores, o processador mais rápido que já conheci e dois consoles de certas plataformas super rivais que não vou citar aqui, trabalhando lado a lado. Se você não estiver mentalmente preparado, nunca mais vai querer sair e ver a luz do dia. 

Ah, claro, como pude esquecer? Tem uma escrivaninha pra estudos também, perfeitamente organizada (você não precisa ser a doida dos signos pra saber qual é o dele, basta ver os post-its ordenando as matérias da escola por cor). Decorando-a, encostadas na parede, há três caixas de vidro: uma contém uma colônia de formigas (tentei nomear todas, sem sucesso), outra uma lagarta (Vader sempre solta a da vez quando ela vira borboleta e eu dou um nome pra próxima, mas às vezes me perco na contagem, então não sei se ainda é a Cassandra) e a última abriga Róbson. Uma linda aranha eu sei lá de que espécie, cabeluda e do tamanho da palma da minha mão. 

— Olha só, eu sei que ele é lindo, mas ficar babando em cima da caixa não vai ajudar a pegá-lo — disse Vader, lendo meus pensamentos. 

— Admirar sem sair correndo é o suficiente. — rebati. Tentei manter o queixo erguido, mas ele riu e abriu a tampa da caixa mesmo assim. 

— Não é tão difícil. — Ele escorregou a mão pra perto do monstro, que subiu sem reclamar. — Viu? Ele não faz mal. 

Respirei fundo. Parecia que as patinhas peludas dele estavam arranhando a minha garganta quando estendi a mão. 

— Não deixa ele subir no meu braço. 

Involuntariamente, imaginei aquilo entrando na minha boca, o que me deixou meio enjoada. A aranha esticou suas pernas dianteiras como eu faço quando estou com preguiça e pisou na minha mão, fazendo seu caminho bem devagar. 

Vader segurou meu pulso, mas não sei se era pra impedir Róbson de escalar até o meu pescoço ou pra me impedir de jogá-lo no chão e pisar em cima. 

Além do enjoo, foi melhor do que eu esperava. Ele não ficou andando nem fez nada pra me assustar. 

— Tudo bem? — Fiz que sim com a cabeça e Vader o pegou de volta para guardá-lo na caixa. — Mesmo? Você ficou meio pálida, achei que fosse desmaiar. 

— Eu tô bem — confirmei. — Nem foi tão ruim. 

Ele sorriu daquele jeito que diz "eu estava certo desde o começo". Não acho que eu tenha perdido o medo de aranhas nem que ele tenha superado a claustrofobia, mas isso que fizemos foi alguma coisa. 

— Imagina — disse ele mais tarde, colocando de lado o livro pra me encarar de sua cama enquanto eu tentava terminar o modo história de The Joy Of Creation: Reborn. — Com um pouquinho de treino, eu consigo não pirar num avião e nós podemos viajar juntos pra algum lugar. 

— Você não me obriga a ficar oito horas dentro de um carro e eu não te acordo no meio da noite pra matar uma aranha — comentei, citando O Trágico Episódio Da Praia Do Qual Nós Nunca Falamos. O que acontece na praia deveria ficar na praia. 

Ele riu. 

— Me parece um ótimo acordo. 

Eu imagino quantos medos bobos impedem as pessoas de fazerem coisas incríveis. Viajei com ele pro Rio no ano passado e ambos nos recusamos a usar o bondinho por causa de medos estúpidos. 

Eu sei. Não andei de bondinho porque tinha uma aranha na janela. Eu me envergonho dos meus atos, mas era algo mais forte que eu. 

É assustador pensar que eu poderia morrer sem segurar uma aranha. Digo, pode não ser nada demais pra você, mas eu me senti bem o dia todo depois disso. Como Vader disse, senti que poderia fazer qualquer coisa. 

Pensando bem, nós podemos. 

Eu desejo que todas as pessoas no mundo possam sentir o mesmo que eu senti naquela tarde. Desejo que você não deixe o medo te impedir de viver plenamente a sua vida — afinal, quem sabe até quando você terá esse poder?

Caso tenha a curiosidade, você pode acessar aqui a minha lista atual. Pode sugerir itens, também, e ver o que já fiz, o que irei fazer... Fique à vontade. Faça da minha lista sua lista. 

Aqui quem fala é a Helena. Câmbio e desligo. 


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Notas finais do capítulo

Como prometido, as fanarts:
https://imgur.com/a/AaB92 Por Retse Moles
https://imgur.com/a/x5tIh Por Isabele Isa

Mandem amor pra elas ♡
Agradeço de novo, vocês realizaram um sonho. Esse capítulo foi feito pensando com carinho em vocês.

Tem alguma sugestão de item?
Quer compartilhar uma vivência?
Pode escrever aqui pra Helena o que você viveu cumprindo os itens da lista dela ou da sua própria, você pode aparecer numa sessão especial no próximo capítulo!
Se tiver também um desenho dela, do Vader, do Luke ou até do Róbson, pode mandar haha vamos ficar muito felizes vendo e mostrando pra galera toda =3

Ah, e não esquece de dizer o que achou do capítulo!
Até o próximo e beijim :*